Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
566/15.0T9PBL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: OLGA MAURÍCIO
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
COAUTORIA
OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA QUALIFICADA
Data do Acordão: 12/13/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA (JL POMBAL)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA, PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTS. 127.º E 412.º DO CPP
Sumário: I - Quando confrontando o alegado no recurso com a fundamentação da decisão da matéria de facto, resulta que o conteúdo da prova invocada, demonstrativa dos alegados erros de julgamento cometidos, coincide com aquilo que se lê na fundamentação da sentença, a propósito da referida prova, não há lugar à análise desta.

II - A credibilidade dos depoimentos há-de ser averiguada - afirmada ou negada -, no confronto do conteúdo concreto da sua descrição dos factos, num quadro de averiguação cuidadosa da motivação e do interesse de cada um nos factos, por forma a afastar a credibilidade dos depoimentos se se ficar com a percepção que os mesmos estavam concertados, no sentido de alteração da verdade ou de criação de uma realidade virtual.

III - O que se busca no processo é a verdade material acessível ao nosso conhecimento: verdade material porque afastada da influência que a acusação e a defesa exerçam sobre ela; verdade material porque verdade judicial, prática e obtida, não a todo o preço, mas de forma processualmente válida.

IV - Assentando a decisão recorrida na atribuição de credibilidade a determinadas fontes de prova em detrimento de outras, estando o percurso decisório explicado, de forma clara e cabal, só haverá fundamento válido para proceder à alteração da decisão se esta não se apresentar como uma das soluções plausíveis, segundo as regras da experiência.

V - Quando da conjugação das declarações com o facto de os arguidos terem dito que o assistente embateu no arguido AA, que este se dirigiu ao assistente, quando este parou, que outros arguidos também se dirigiram ao assistente, uns de um lado do veículo, outros do outro, que alguns dos arguidos se introduziram no veículo e retiraram facas que ali se encontravam e um deles também a chave do veículo para que o assistente não fosse embora, que os veículos do grupo pararam na retaguarda do veículo do assistente, que o vidro do veículo do arguido, do lado do condutor, estava partido e que o assistente apresentou lesões, então a leitura das provas feita pelo tribunal [de atuação conjunta] é uma das leituras possíveis dessa prova.

VI - A co-autoria baseia-se no princípio da divisão de trabalho e distribuição funcional de papéis.

VII - Na medida em que cada elemento do grupo participe na resolução comum para a realização do facto e na execução deste, de forma igual ou diferente, resulta que cada contribuição se funde num todo unitário e por isso o resultado alcançado é de todos.

VIII - Haverá acordo para a realização do facto ilícito, que determinará a condenação conjunta, se, do desenrolar dos factos, resultar que todos os arguidos se uniram na produção do facto, praticado por um ou por alguns dos elementos do grupo.

IX - A autoria criminosa assenta no domínio do facto. É co-autor quem tem o domínio funcional do facto.

X - O co-autor tem o domínio do facto se tiver o domínio funcional da actividade que realiza, integrante do conjunto da acção para a qual deu o seu acordo e que, na execução de tal acordo, se dispôs a levar a cabo.

XI - Na execução conjunta, também é pacífico que esta não exige a intervenção de todos os agentes em todos os actos tendentes à produção do resultado típico pretendido, bastando que a actuação de cada um seja elemento componente do conjunto da acção, mas indispensável à finalidade a que o acordo se destinava.

XII - A condenação dos arguidos não assentou no facto de todos terem batido, mas na circunstância de todos os arguidos terem agido em comunhão de esforços aderindo à actuação daqueles que bateram.

XIII - Provando-se que os arguidos agiram sabendo da superioridade numérica que existia e explorando essa superioridade, verifica-se especial censurabilidade.

XIV - As circunstâncias do caso revelam, uma especial censurabilidade por parte dos arguidos, derivada do facto de o grupo ter aproveitado da superioridade numérica para impedirem o assistente de reagir, desde logo porque o rodearam de modo a impossibilitarem a sua fuga.

Decisão Texto Integral:





Acordam na 4ª secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

RELATÓRIO

1.

Os arguidos A... , B... , C... , D... , E... , F... , G... , H... , I... , J... , L... , M... e N... foram condenados pela prática, em co-autoria, sob a forma consumada e em concurso efectivo, por um crime de ofensa à integridade física qualificada, do art. 145º, nº 1, al. a), e nº 2, por referência aos art. 143º e 132º, nº 2, al. h), e um crime de injúria, do art. 181º, nº 1, todos do Código Penal, nas seguintes penas, respectivamente:

- A... - 6 meses de prisão, substituída por 180 dias de multa, à taxa diária de 6,00 €, e 75 dias de multa, à mesma taxa diária;

- B... - 5 meses de prisão, substituída por 150 dias de multa, à taxa diária de 6,50 €, e 70 dias de multa, à mesma taxa diária;

- F... - 5 meses de prisão, substituída por 150 dias de multa, à taxa diária de 5,50 €, e 70 dias de multa, à mesma taxa diária;

- C... , D... , E... , G... , H... , I... , J... , L... , M... e

N... - cada um em 5 meses de prisão, substituída por 150 dias de multa, à taxa diária de 6,00 €, e 70 dias de multa, à mesma taxa diária.

            Os arguidos foram, ainda, condenados solidariamente a pagar ao assistente T... as quantias de 1.000 € mais 400 €, pelos danos não patrimoniais sofridos na sequência dos crimes de ofensa à integridade física e de injúrias, respectivamente, acrescidas de juros de mora, a contar do trânsito em julgado da sentença até pagamento, às taxas legais sucessivamente em vigor, e ao demandante Centro Hospitalar de (...), EPE, o montante de 54,00 €, acrescido de juros de mora à taxa legal de 1%, progressiva em uma unidade por cada mês de atraso, desde a notificação para contestar o pedido até pagamento.

2.

Os arguidos recorreram e concluíram, de relevante:

1 - os factos dados como provados nos pontos 2., 3. 4., 6., 7. e 31. e 16 e o facto dado como não provado da alínea I) estão em desacordo com os meios de prova existentes no processo, em especial com a prova testemunhal e por declarações de arguidos e assistente e com a prova documental, em especial os de fls. 37 e ss dos autos;

2 - a convicção do tribunal a quo assentou em premissas inconclusivas e ambíguas, não identificou os arguidos envolvidos na execução dos actos materiais, nem fez a correspondência entre os actos de agressão descritos e a autoria dos mesmos;

3 - a sentença tinha que concretizar a actuação dos demais arguidos que não intervieram directamente e qual o relevo desta na consumação das alegadas ofensas;

4 - da prova resulta ser falso que os 13 arguidos agrediram o assistente;

5 - para além dos arguidos, que o tribunal julgou não credíveis, apenas mais três pessoas falaram sobre os factos, o assistente e as testemunhas P... e Z... , tendo todos afirmado que as agressões não foram praticadas por todos os arguidos;

6 - sobre a credibilidade atribuída ao assistente, há que considerar que tem interesse na causa, que estava embriagado no momento dos factos, apresentando uma taxa de álcool no sangue de 1,68 g/l, que padece de alcoolismo, como declarou o seu filho U... , que depôs sobre factos ocorridos há mais de 2 anos e que teve um discurso desconexo, entaramelado e em dados momentos ininteligível quando depôs;

7 - o assistente disse não ser capaz de identificar quem o agrediu e cingiu a autoria das agressões primeiro a 5 pessoas e depois a 2, as que estavam do lado direito do seu veículo;

8 - a testemunha P... presenciou os factos e afirmou que só 4 ou 5 pessoas agrediam o assistente e os demais estavam em grupo, uns a fumar, outros a ver, outros a comer;

9 - Z... disse que viu "um monte de ciclistas a agredir o T... ", esclareceu que "o grupo era composto por mais de 10 pessoas, mas não estavam todos aos murros ao homem, estava apenas 1";

10 - este alheamento dos demais elementos do grupo quanto ao que aconteceu entre o arguido e o assistente, na sequência do acidente de viação, foi relatado de modo globalmente coincidente por todos os arguidos;

11 - a prova resultante dos elementos clínicos de fls. 37 e ss. vai no mesmo sentido, pois o quadro clínico que consta é incompatível com uma sova como aquela que a sentença se refere, com murros na cabeça, face e tronco desferidos por 13 indivíduos;

12 - aqui há que convocar o que foi dito pelos superiores hierárquicos dos arguidos, R... e S... , quanto à sua destreza e preparação física, bem como quanto à sua experiência profissional, preparação técnica e perfil psicológico;

13 - quanto à circunstância de todos os arguidos se terem localizado em posição que não permitia a saída imediata do condutor do veículo, dado como provado, todos os arguidos afirmaram, de um modo geral, que se afastaram do epicentro dos acontecimentos no que concerne aos co-arguidos G... , J... , L... , I... , H... , B... , D... , M... e N... , e no depoimento da testemunha P... , que referiu a descontracção e distanciamento de boa parte dos arguidos face ao que se estava a passar;

14 - não resultou provado que os arguidos tenham posicionado as suas bicicletas de modo a impedir a saída do local de T... e V... e X... , agentes da GNR, confirmaram a dispersão do grupo quando chegaram ao local, embora sem precisarem a identificação de cada uma das pessoas e os locais em que se encontravam, tudo em oposição à teoria de os arguidos terem formado um cerco em torno do assistente;

15 - os arguidos sempre teriam o direito de impedir a fuga do assistente, e até de proceder à sua detenção, pois assistiram à prática, pelo assistente, dos crimes de condução perigosa e em estado de embriaguez;

16 - a prova directa do momento do confronto físico apresentada pela acusação com vista à responsabilização dos arguidos - declarações do assistente e depoimento da testemunha P... -, não suporta a matéria dada como provada no ponto 31, atenta a ausência de prova quanto ao envolvimento dos arguidos G... , J... , L... , I... , H... , B... , D... , M... e N... ;

17 - nem os arguidos C... , F... e E... , com o sentido que se posicionaram para impedir a saída do assistente da sua viatura, que admitiram que se aperceberam do embate, que se aproximaram do veiculo, indo ao encontro de A... , mas sempre recusaram terem tocado no assistente ou dirigido palavras injuriosas;

18 - há duas versões contraditórias dos mesmos factos: o assistente disse ter sido agredido por 5 pessoas e disse depois que foram 2, as que se dirigiram ao lado direito do seu veículo; P... fala em 4 ou 5 pessoas a agredir o condutor; A... disse que só ele bateu; os arguidos F... , E... e C... explicaram o modo como interagiram com o assistente e descreveram detalhadamente todos os seus movimentos, desde que se abeiraram do veículo, corroborando, no essencial, as declarações uns dos outros;

19 - P... demonstrou falta de rigor, fez afirmações que contrariaram as do assistente e que nem este conseguiu esclarecer;

20 - as lesões sofridas por T... resultaram da actuação confessada do arguido A... , que bateu ao assistente para se defender;

21 - os arguidos C... , F... e E... não viram A... a bofetear o assistente, todos eles chegaram ao local depois de consumada, pelo que nem sequer se pode dizer que foram para lá com o propósito de o auxiliarem ou que podiam tê-la evitado;

22 - provou-se que apenas o arguido A... abordou o veiculo de T... , não tendo sido incentivado nem acompanhado pelos demais arguidos, fê-lo quando se convenceu da  intenção de fuga do condutor e chamou-lhe "burro" e "incompetente";

23 - repentinamente foi abordado pelo assistente com uma faca de cerca de 20 cm e instintivamente, para se defender, agarrou a mão direita do condutor, que tinha a faca, com a sua mão esquerda, trancou-a junto ao volante e deu-lhe uma bofetada de mão aberta com a mão direita, ao mesmo tempo que gritava "facas, facas", para alertar os colegas;

24 - foi tudo em poucos segundos e o assistente foi solto logo que retiradas todas as facas do seu veículo;

25 - o tribunal não considerou a existência das facas, mas a sua presença resulta evidente da prova, porque os arguidos, o assistente e a testemunha U... falaram nelas e o militar V... admitiu tê-las visto;

26 - indiciando uma postura leal e verdadeira, no dia seguinte ao acidente o arguido A... reportou aos seus superiores hierárquicos o sucedido e admitiu ter desferido um check ao condutor do veículo que o acidentou, nos mesmos termos das suas declarações em audiência de julgamento e também aí já falava das facas e da ameaça de que fora vítima;

27 - por tudo isso matéria na alínea I) dos factos não provados deve ser dada como provada;

28 - todo o alegado se aplica ao crime de injúrias: se a larga maioria dos arguidos não se aproximou do assistente, nem rodeou o seu veículo, resulta que não lhe dirigiram as palavras que se descrevem na sentença recorrida;

29 - aliás, é totalmente inverosímil o que consta no ponto 16., que todos os 13 arguidos tenham rodeado o veiculo para, em viva voz e uníssono, dirigirem ao assistente, as identificadas expressões;

30 - não se provou que os arguidos G... , J... , L... , I... , H... , B... , D... , M... e N... , nem os arguidos C... , F... e E... atingiram fisicamente o assistente e que se abeiraram do carro em posição que não permitia a sua saída;

31 - independentemente da alteração da matéria de facto, dos factos provados não resulta a co-autoria no crime de ofensa à integridade física; 

32 - face à ameaça de que foi vítima o arguido A... defendeu-se, de modo proporcional e empregando o meio de defesa necessário e adequado, estando tal conduta justificada, ao abrigo do art. 32º do Código Penal;

33 - no mínimo terá que haver dispensa de pena, com fundamento na retorsão do art. 143º, nº 3, aI. b), do Código Penal, porque A... reagiu na sequência do acidente que sofreu e da manifesta intenção de fuga do assistente. E o mesmo quanto às injúrias;

34 - a manter-se a condenação, deve ser pelo crime simples;

35 - quanto às penas, a diferente natureza das penas não obsta à realização cúmulo jurídico, ao abrigo do nº 3 do art. 77º do Código Penal.

3.

O recurso foi admitido.

O Ministério Público respondeu defendendo a manutenção do decidido.

Defendeu que a análise da prova produzida em audiência de julgamento não impõe a alteração da decisão quanto aos factos "provados" e "não provados". Para além disso, disse, tal decisão está devidamente fundamentada, indicando as provas que relevaram e explicando de forma clara as razões que levaram a decidir como decidiu.

Na questão de direito também defendeu o decidido, quer quanto ao enquadramento legal, quer quanto à não realização do cúmulo jurídico.

O Sr. P.G.A. emitiu parecer no mesmo sentido, defendendo a sentença recorrida, de facto e de direito, por entender que a prova foi devidamente analisada, porque estão explicadas as razões da decisão, porque a circunstância de os factos terem sido cometidos por treze pessoas revela especial censurabilidade e porque a pena de multa aplicada ao crime de ofensas à integridade física não é pena principal e, por isso, não é juridicamente cumulável com a multa aplicada pelo crime de injúria.

Foi cumprido o disposto no nº 2 do art. 417º do C.P.P..

4.

Proferido despacho preliminar foram colhidos os vistos legais.

Realizada a audiência cumpre decidir.


*

FACTOS PROVADOS

5.

Na sentença recorrida foram julgados provados os seguintes factos, que aqui relevam:

«1 - No dia 12 de Outubro de 2014, cerca das 17h45, os arguidos circulavam de bicicleta na Estrada Nacional 109, em Marinha da Guia, Pombal, no sentido Carriço-Guia, quando se deu um acidente com T... que conduzia o seu veículo de matrícula (...), no mesmo sentido, que veio a embater no arguido A... .

2 - Após T... ter imobilizado o seu veículo um pouco mais à frente, os arguidos abeiraram-se do veículo e de T... , abordando-o com impropérios.

3 - Nessa altura, em comunhão de esforços, parte dos arguidos, em número não apurado que se encontravam junto da porta do condutor, valendo-se da sua superioridade numérica, desferiram vários murros na cabeça, face e tronco de T... , através da janela, cujo vidro partiram, tendo um dos arguidos, o arguido A... , bloqueado pelo menos uma das mãos do assistente junto ao volante.

4 - Acto contínuo os demais arguidos, igualmente em comunhão de esforços, dirigiram-se à porta lateral direita do veículo, e, em número não concretamente apurado, mas não inferior a dois, abriram a mesma e acederam ao interior da viatura, altura em que desferiram vários murros na cabeça, face e tronco de T... .

5 - Em consequência directa das actuações acima descritas, o assistente sofreu fenómenos dolorosos, hematomas e escoriações na cabeça e face, ferimentos nos lábios, bem como apresentava edema e sangramento nasal, tendo sido assistido clinicamente no Hospital Distrital de (...).

6 - Os arguidos bem sabiam que a superioridade numérica (treze) com que actuavam colocava o assistente indefeso perante as suas investidas.

7 - Os arguidos agiram de forma livre, concertada e todos em comunhão de esforços, com o propósito concretizado de molestar o corpo e a saúde de T... e de lhe produzir dores e as lesões verificadas, resultados esses que representaram, não se coibindo de unirem esforços entre si para o efeito.

8 - Sabiam os arguidos que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.

9 - No dia 12 de Outubro de 2014, pelas 17h45, T... , conduzia o veículo automóvel ligeiro de mercadorias matrícula (...), propriedade de W..., na EN109, ao Km 141,800, no sentido Figueira da Foz/ (...), com uma TAS de 1,46 g/l, deduzido o erro máximo admissível legalmente estipulado, correspondendo a uma TAS registada de 1,68 g/l.

10 - Naquelas circunstâncias de tempo, modo e lugar, A... , circulava naquela mesma via, naquele local, também no sentido Figueira da Foz / (...), de bicicleta, integrando um grupo de ciclistas que por ali seguiam, em espinha, na estrada, na via de trânsito destinada aos veículos que circulavam no sentido Figueira da Foz/ (...), a cerca de 1,60 m da marca M19 Guia, que delimita, à direita atento o sentido da marcha do veículo, a referida via de trânsito.

11 - Naquele local a faixa de rodagem tem 10 m de largura estando reservados 5m para cada uma das vias de trânsito de sentido oposto ali existentes.

12 - O local é uma recta com boa visibilidade, o tempo estava bom e o piso, em alcatrão, encontra-se em boas condições, sem buracos e sem irregularidades.

13 - Nas circunstâncias de tempo, modo e lugar referidas, T... , que seguia ao volante do veículo referido na retaguarda dos ciclistas, ultrapassou-os. Todavia, por conduzir sob influência do álcool, e por não ter observado as regras de circulação rodoviária relativas à ultrapassagem, não tendo nomeadamente respeitado a distância de 1,5m de segurança para os ciclistas que circulavam naquela via e que pretendia ultrapassar, acabou por atingir quase em simultâneo o braço esquerdo de A... com o espelho direito do veículo (...) e, com o pára-choques direito da referida viatura, a perna esquerda de A... .

14 - Em consequência da colisão descrita em 13), sofreu A... dores intensas, tendo recebido tratamento médico no Hospital de (...), em (...). Nessa data apresentava as seguintes lesões: - escoriação no joelho esquerdo, com dores, edema e impotência funcional; -edema e deformidade do joelho direito com dificuldade em fazer a flexão. Tinha ainda duas escoriações.

15 - Nas circunstâncias descritas em 13) A... , que seguia no segundo posto do pelotão/grupo de ciclistas, todos eles membros do Grupo de Intervenção e Segurança Prisional do Corpo da Guarda Prisional - GISP, sediado em (...), logrou controlar o velocípede, evitando a queda.

16 - Nas circunstâncias descritas em 2), logo após o assistente ter imobilizado o seu veículo, e mesmo antes deste conseguir sair do seu interior, foi abordado abruptamente pelos arguidos, que rapidamente rodearam o veículo, dirigindo-lhe em viva voz, sem que nada o fizesse prever as seguintes palavras: “filho da puta”, “cabrão”.

17 - Os arguidos com as referidas palavras, proferidas na via pública à vista de quem passava, pretenderam e conseguiram ofender a honra e consideração do assistente, o que bem sabiam, quiseram e lograram alcançar.

18 - O assistente ao ouvir tais palavras sentiu-se humilhado, ofendido na sua estima, bom nome, honra e consideração.

19 - Os arguidos bem sabiam que sua conduta era proibida e punida por lei penal e mesmo assim não se coibiram de praticar tais factos.

20 - O assistente é pessoa conhecida, pacata e estimada por todas as pessoas com que se relaciona, por quem é tido como pessoa honrada, fiel, respeitadora e íntegra, sendo bem visto na comunidade onde se insere.

21 - Os arguidos são indivíduos com preparação física e técnica acima da média.

22 - O assistente é pessoa de estatura média/baixa, magro, franzino, de 57 anos de idade à data descrita em 1).

23 - Na sequência do descrito em 1) a 8) recebeu o assistente tratamento hospitalar no Centro Hospitalar de (...) ( (...)), EPE, cujos tratamentos importaram a quantia de 54,00 € conforme certidão de dívida n.º000001319, relativos a imagiologia – osso próprios do nariz (3,00 €) e urgência hospitais distritais (51,00 €).

24 - Ao assistente, nas circunstâncias descritas em 5) foi prescrito DIAZEPAM, 10 mg, comprimidos.

25 - Em consequência do descrito em 1) a 8), o assistente ficou dores em toda a cabeça (crânio, face, nariz, maxilares), nos braços e peito.

26 - Para além das dores descritas em 25), a actuação dos arguidos ali aludida causou grande angústia, sofrimento e vergonha.

27 - O assistente sentiu-se inferiorizado, diminuído, envergonhado e amedrontado, manifestando dificuldades em encarar amigos e familiares no período em que eram visíveis os hematomas na sua face.

28 - Os arguidos, todos eles, com excepção do arguido N... , são elementos do GISP.

29 - Nas circunstâncias descritas em 1) dirigiam-se num passeio/peregrinação de bicicleta, com destino ao santuário de Fátima, promovido e organizado pelo arguido A... .

30 - Os arguidos haviam saído de (...), nesse dia, cerca das 06h45m, acompanhados por dois carros de apoio, conduzidos pelos arguidos N... e M... .

31 - Nas circunstâncias descritas em 2) e 16), quando os arguidos se abeiraram do veículo do arguido, alguns fizeram-no apeados, outros nas bicicletas, outros nos veículos de apoio que acompanhavam os ciclistas, localizando-se todos em posição que não permitia a saída imediata do condutor do veículo, nem do respectivo veículo do local.

32 - A GNR chegou ao local sem que tivessem sido os arguidos que a chamaram».

6.

E foi julgado não provado, para além do mais, o seguinte facto:

«l) Nas circunstâncias descritas em 2) dos Factos Provados, o arguido A... , quando se abeirou do veículo do assistente, do lado do condutor, com o intuito de lhe pedir satisfações pelo ocorrido, estando o vidro do lado do condutor entreaberto, o assistente empunhou uma faca grandes dimensões, dirigindo-a ao arguido, enquanto dizia “eu fodo-te”, o que levou o arguido a reagir instintivamente, para se defender, desviando, com o seu braço esquerdo a mão do assistente que empunhava que a faca, prendendo-a ao guiador e desferiu um “check”/um “tapa”, da mão aberta com a sua mão direita, em direcção à cara daquele ao mesmo tempo que gritou “facas, facas”».

7.

O tribunal recorrido motivou a sua decisão sobre a matéria de facto nos seguintes termos:

«… os arguidos A... , C... , E... , F... , prestaram declarações em audiência de discussão e julgamento, o primeiro no início na audiência de discussão e julgamento, os demais após a produção de prova testemunhal arrolada, conforme das atas de audiência de discussão e julgamento se infere.

Os demais arguidos não prestaram declarações em audiência de discussão e julgamento. Todavia, uma vez que o haviam feito em sede de instrução, quando interrogados nessa qualidade e advertidos que foram que caso prestassem declarações as mesmas poderiam ser utilizadas no processo, mesmo que julgados na ausência ou caso na audiência optassem pelo silêncio, estando sujeitas à livre apreciação da prova (fls.646 a 654, 631 a 636), foram tais declarações reproduzidas em audiência de discussão e julgamento.

Importa, então, percorrer as declarações prestadas pelos arguidos pela ordem supra, tendo em vista analisá-las nos termos supra expostos.

Assim, o arguido A... , confirmou que, efectivamente, foi quem organizou, reuniu, os demais colegas/arguidos, membros do GIPS, sediado em (...), bem como um amigo comum, o arguido N... , num total de 13 pessoas, para o passeio que realizavam na data em apreço, de bicicleta, com destino a Fátima. Na data em apreço haviam saído de (...) pelas 6h45 m, acompanhados por dois carros de apoio (uma das quais era conduzida pelo N... , sendo que a outra era conduzida pelo M... ), sendo que aquando embate do veículo tripulado pelo assistente conforme descrito e dado como provado (por sentença transitada em julgado em 04.05.2016) na sua pessoa, já só seguiriam nove bicicletas em virtude dos arguidos E... e o F... já terem desistido.

O arguido, aquando do embate, declarou que seguia na segunda posição do pelotão, seguindo na frente C... , no qual foi embater em consequência da pancada sofrida, tendo-se ambos desequilibrado, mas não caído.

O arguido referiu que após se lograr equilibrar verificou que a viatura ficou imobilizada a cerca de 60 ou 70 metros a frente, ainda que não por iniciativa do condutor, antes pelo trânsito que se processava, motivo pelo qual referiu que se abeirou, de bicicleta e em cima desta, rapidamente da viatura conduzida pelo aqui assistente, do lado do condutor. Nesse momento o assistente tentou sair do interior da viatura tendo para o efeito aberto a porta do seu veículo a qual ainda bateu na sua perna. O arguido precisou que se aproximou da janela da viatura do assistente, cujo vidro estava meio aberto (mais aberto do que fechado) admitindo que lhe terá chamado de “burro”, “incompetente”, “bêbado” porque lhe cheirou a álcool, e que nesse momento verificou que o assistente tinha na mão uma faca de grandes dimensões, com mais de 20 centímetros (“vinte qualquer coisa centímetros”), a qual colocou fora do vidro, dizendo “vou-te foder”. O arguido perante o descrito, imobilizou o mesmo, tendo para o efeito agarrado a mão/pulso direita(o) do assistente, a qual colocou em cima do volante e quando o assistente ainda tinha nesta mão a faca que lhe tinha exibido, gritando-lhe “larga a faca”, pelos menos duas vezes, e com a outra mão desferiu um tapa/estalada na cara do assistente, do lado esquerdo, tendo o assistente deixado cair a faca. O arguido anuiu que, naquelas circunstâncias, quando verificou que o arguido estava munido da faca descrita e outras facas no banco do pendura e no chão à frente deste banco, num total de 7/8 facas, alertou os colegas para a situação gritando “facas”, “facas”.

Mais referiu que estalada/tapa por si desferido não provocou qualquer lesão visível no assistente, uma vez que rosado já ele estava antes de a ter desferido, e que não lhe avistou sangue naquele momento, apenas depois quando ambulância chamada ao local, GNR, e quando tentavam fazer teste de álcool ao assistente (nestas circunstâncias é que se lembra de ver boca ensanguentada).

Mais referiu que não partiu qualquer vidro da porta do veículo do assistente, nem viu vidro partidos.

O arguido anuiu que o assistente nunca chegou a sair do interior da sua viatura, tendo o arguido referido que durante o período de tempo em que esteve junto do carro do assistente manteve-se sempre sentado na sua bicicleta, a qual encostou à porta do lado do condutor (lado esquerdo) do carro do assistente.

Nesse momento, aproximaram-se três colegas, concretamente o F... (apeado), o qual se aproximou pelo lado direito do veículo do assistente, o E... (apeado) e o C... (o qual se posicionou ao seu lado, em cima da bicicleta). O arguido declarou que só largou a mão/pulso do assistente quando o F... abriu a porta do veículo do assistente, do lado do pendura e tirou as facas e uma tesoura da poda.

O arguido referiu ainda que o F... retirou as chaves do veículo da ignição e ficou com as mesmas. Antes disso, o arguido referiu que o assistente ainda tentou sair com a viatura mas “não deixaram”. Localizou uma carrinha de apoio, Ford Transit nas traseiras, à retaguarda do veículo do assistente.

Por último, o arguido ouviu o B... a dizer para chamarem a polícia, e, a verdade é que a GNR apareceu no local, cinco minutos depois, com dois militares aos quais foram entregues as facas que foram retiradas do interior do veículo do assistente.

Mais referiu que foi quem deu os cinco nomes à GNR constantes da participação de acidente de viação de fls.67 a 70 dos autos, e negou que os demais arguidos se tivessem abeirado do veículo, tendo ficado por ali, uns a regular o trânsito, outros a hidratarem-se.

Anuiu que fez a exposição de fls.585 aos seus superiores hierárquicos, tanto mais que foi quem organizou o passeio, e manteve sempre que agiu em legítima defesa.

O arguido C... declarou que após o sucedido com a manobra de ultrapassagem do assistente, que atingiu o A... , o veículo continuou a marcha, tendo parado cerca de uns 60 metros à frente. O A... foi o primeiro a chegar, tendo demorado cerca de 30/40 segundos e ouviu gritar “faca, faca, faca” e a segurar a mão do assistente contra o volante, o que viu porque se aproximou também do veículo do assistente, posicionando-se ao lado deste, ou seja, junto ao condutor. No mais, referiu que não tinha visualização para dentro do carro. Do outro lado, aproximou-se o F... e o E... , sendo que o primeiro, do lado do pendura retirou facas que estavam no carro (foi a primeira vez que as viu) e voltou a entrar no veículo e tirou a chave do carro, sem que pelo assistente fosse oferecida qualquer resistência. O arguido declarou que se apercebeu de vidros partidos no chão (lado de fora do veículo) que o vidro do lado do condutor estava partido, mas não se apercebeu do momento em que o vidro se partiu.

O arguido declarou que não viu agressões, nem viu tapas.

O arguido declarou que não agrediu o assistente, nem trocou com o mesmo qualquer palavra (nunca ouviu o assistente a falar) sendo que este emanava forte cheiro a álcool, estava apático. Mais disse que “depois da situação” viu-lhe sangue junto ao nariz.

Não sabe precisar quem é que chamou a GNR ao local.

O mesmo declarou que se ausentou do local logo após a chegada da GNR.

Não se apercebeu de nenhuma troca de palavras entre arguidos e assistente e vice-versa.

Relativamente ao comportamento dos demais arguidos o mesmo declarou apenas se recordar que a carrinha conduzida por N... estava atrás do veículo do assistente, permitindo passagem, pelo menos de uma bicicleta, entre ambos; o D... e o H... estiveram durante algum tempo a regular o trânsito e que os restantes se posicionaram a cerca de 10 ou 20 metros à frente do local onde se imobilizou o veículo do assistente.

Referiu que a única pessoa que se insurgiu contra o comportamento do assistente – embate – foi o arguido A... .

O arguido E... declarou que seguia no interior da viatura Mercedes, que servia de apoio ao grupo de ciclistas e que era conduzida pelo arguido N... . O mesmo declarou que momentos antes da ocorrência do acidente se encontrava parado junto à berma e que por esse motivo se apercebeu da passagem dos ciclistas e que se tinha passado alguma coisa. Após a ocorrência do acidente dirigiu-se para o local onde ficou imobilizado o veículo conduzido pelo assistente, abeirando-se do lado direito, tendo demorado segundos a chegar ao local (ainda saiu em movimento da viatura Mercedes que se colocou em andamento) sendo que quando chegou a esse local já se encontrava junto ao veículo do assistente o A... e o F... . Passados segundos passou para o lado esquerdo da viatura, apenas se recordando de ter visto o A... imobilizar o assistente através do vidro do carro e o F... a tirar as facas de dentro do veículo e, subsequente, o A... a deixar de imobilizar, o que vê através do pára-brisas. O assistente põe marcha atrás na viatura e embate na Mercedes que já ali estava estacionada.

Não viu estilhaços de vidro, nem barulho de vidro a partir.

Mais referiu que o A... explicou tudo à GNR quando chegaram.

O arguido referiu que o F... para além de ter retirado as facas do interior do veículo do assistente ainda desligou o carro do mesmo e retirou as respectivas chaves, sendo que o mesmo entregou todos os objectos aos agentes da GNR que se deslocaram ao local.

O mesmo declarou que não agrediu o assistente, embora se tenha apercebido que o mesmo apresentava alguns ferimentos, nomeadamente ao nível do lábio (sangue), do que se apercebeu apenas posteriormente. Mais referiu que o assistente estava vermelho na face e que estaria embriagado pela forma como andava quando saiu do veículo.

A Ford estava à retaguarda da Mercedes, trazia os mantimentos.

Os demais colegas, não os viu junto do veículo.

Havia trânsito fluido.

O A... é que lhe disse que tinha dado uma chapada no assistente.

O arguido F... declarou que circulava no veículo da marca Ford Transit, de cor branca, conduzida pelo M... e que servia de apoio ao grupo de ciclistas. O mesmo declarou que no momento em que ocorreu o acidente se encontrava parado junto à berma da estrada, sendo que no mesmo local também se encontrava parada a viatura da marca Mercedes que igualmente dava apoio ao grupo de ciclistas. O mesmo precisou que estava a 20/30 metros do local onde o assistente se imobilizou após o embate no A... , do que se apercebeu. Ouviu o A... a gritar “facas, facas” (audível a 30 metros), quando ia a correr, a cerca de 20 metros onde estava o carro do assistente e o A... , aproximou-se do lado direito e nesse momento apercebeu-se que o assistente tinha no interior do veículo facas, uma nas pernas do assistente, um canivete junto à sofagem do lado do pendura, e mais facas e tesoura da poda. Por esse motivo entrou no carro do assistente, sendo que neste momento o mesmo estava a ser agarrado pelo A... . Entrou novamente e desligou o veículo do mesmo, tendo retirado do seu interior as chaves.

Referiu que havia uma faca com 20 cm de lâmina cabo em madeira, ferrugem, mas não especificou se foi esta que estava no colo do assistente.

Manteve as facas na sua posse até chegada da GNR, a quem a entregou.

Não se apercebe de vidros partidos e não se apercebe que estivesse por ali mais alguém uma vez que só se focou no A... . Tem ideia de colegas para trás e outros para a frente da viatura do assistente.

Apercebe-se da escoriação na boca/nariz do assistente quando se debruça para tirar as chaves.

Diz que do que presenciou não houve troca de palavras entre arguidos e assistente e vice-versa.

O mesmo declarou que não se apercebeu de qualquer troca de palavras entre o assistente e o A... e que entregou as chaves do veículo do assistente e as facas ao agente da GNR X... que se deslocou ao local. Não lhe transmitiu qual a faca que estava no colo do assistente e que teria sido usada por este contra o A... porque também não houve interesse da parte das autoridades em saber.

O arguido B... declarou que integrava o grupo de ciclistas que se dirigia em direcção a Fátima, seguindo no grupo atrás do A... e C... . Na zona da Guia apercebeu-se que um condutor que circulava na mesma estrada e no mesmo sentido seguia atrás do grupo de ciclistas e a buzinar de forma persistente. O referido condutor efectuou a manobra de ultrapassagem e ao efectuar a mesma tocou no A... . O condutor do veículo não parou de imediato. O arguido declarou que o assistente apenas parou quando se apercebeu que os ciclistas se aproximaram do mesmo, concretamente o A... e o C... , por um lado e o F... abordou o veículo do assistente pelo outro lado (lado do pendura).

O J... e o G... pararam mais à frente.

O arguido declarou que ficou para trás, tendo tido o cuidado de fazer sinalização às viaturas que circulavam na estrada para passaram mais de devagar.

O N... tinha a Mercedes já parada, sendo quase garantido que não saiu do interior da Mercedes.

Após deslocou-se para próximo da viatura do T... , aproximando-se do lado direito. Posicionou-se do lado direito, à frente da carrinha branca, na quina da traseira da carrinha do assistente, quando viu o F... a tirar as facas de dentro da carrinha, de vários tamanhos (não se lembrando das características, apenas viu que era “uma mão cheia de facas”) e apresentavam ferrugem, sendo que também se incluía nesse grupo uma tesoura de podar.

O arguido admitiu que ocorreu uma troca de palavras com o assistente (“Ó pá tás a ver o que fizeste, tens de abrir os olhos”), tendo declarado que não viu o A... agredir o T... , nem viu o mesmo tirar qualquer faca ao assistente.

Anuiu que o assistente apresentava ferimentos na zona do lábio, mas não sabe como foram produzidos os ferimentos.

O mesmo declarou ainda que após a chegada da G.N.R ao local acabou por se ausentar, o que fez na companhia do C... ; o L... ; J... , G... , I... e D... , tendo ficado no local o E... , o N... , o M... e o F... .

O arguido D... declarou que no momento em que ocorreu o acidente ocupava a última posição no grupo de ciclistas que se dirigiam em peregrinação a Fátima. Para além dos ciclistas faziam parte do grupo ainda dois carros de apoio, os quais eram conduzidos pelo N... , acompanhada pelo E... e pelo M... o qual se encontrava acompanhado pelo F... . Relativamente ao acidente o mesmo declarou que se apercebeu que um veículo fez uma manobra de ultrapassagem ao grupo de ciclistas, ao mesmo tempo que buzinava insistentemente e que, de repente fez uma guinada na direcção do grupo, tendo ficado com a sensação que o mesmo teria tocado ou batido num dos elementos do grupo.

Depois referiu “há uma confusão”.

Apercebeu-se que o assistente imobilizou o seu veículo e que nesse momento alguns dos ciclistas que integravam o grupo abordaram o mesmo.

O arguido declarou que se recordava que o Chefe C... , o E... e o A... se aproximaram do veículo do assistente, mas não soube precisar.

Apercebeu-se de um “sururu” junto à porta do lado do A... .

Contudo o arguido referiu que ficou a cerca de 30 metros relativamente ao local onde se imobilizou o veículo do assistente pois houve necessidade de controlar o trânsito. Mas referiu que não havia congestionamento de trânsito, era uma “questão de prevenção”.

O arguido declarou que durante o tempo que permaneceu no local não se apercebeu da ocorrência de quaisquer actos de agressão relativamente ao assistente e não se apercebeu que o mesmo tivesse ferimentos, apenas sublinhando que o A... apresentava ferimentos numa das pernas. O mesmo referiu ainda que após a chegada da GNR ao local se ausentou do mesmo, ainda tendo falado momentaneamente com os elementos da GNR a quem referiu que “tínhamos sido atropelados”.

Viu as facas já no jipe da GNR. Lembra-se de uma tesoura da poda, uma faca que tinha 10 a 15 centímetros de lâmina, mas não sabe como era o cabo.

A viatura que estava atrás do veículo do assistente era a Mercedes Sprinter, a outra não sabe onde estava.

Nunca se aproximou do veículo do assistente.

O arguido G... declarou que se se apercebeu do momento em que a viatura que era conduzida pelo assistente fez uma manobra de ultrapassagem ao grupo de ciclistas, tendo embatido no A... , o qual se desequilibrou, embora, do que se lembre, não tenha chegado a cair. O arguido declarou que seguia integrado no grupo de ciclista, sensivelmente a meio e que após o embate se apercebeu que o A... foi no encalço do condutor da viatura, uma vez que o mesmo provavelmente pretendia fugir.

O veículo parou mais a frente e a primeira pessoa a abordar o condutor foi o A... . Posteriormente aproximou-se do A... o C... , o E... e posteriormente o F... . O arguido declarou que em nenhum momento esteve próximo do veículo conduzido pelo assistente, tendo ficado mais à frente para se alimentar, beber, juntamente com os arguidos I... e J... , uma vez que “ia-mos para lá mais para quê?”. Ainda assim referiu que “alguns fizeram a manobra de tentar que ele (assistente) não fugisse”. “Estava-se a gerar uma confusão”, mas também referiu que não havia nada para gerar confusão e, por fim referiu que quando aludiu a confusão se estava a referir ao trânsito.

Declarou ainda que o D... e o L... estavam atrás por causa do trânsito.

Mais referiu a determinada altura das sendo que o arguido referiu que desde a ocorrência da manobra de ultrapassagem até à chegada ao local dos elementos da GNR não decorreram mais de cinco minutos. O arguido referiu nas suas declarações que após a chegada da GNR o mesmo abandonou o local, sendo que não teve qualquer intervenção com o assistente, o qual nunca viu a sair da viatura.

O arguido H... anuiu que seguia integrado num grupo de ciclistas, circulando na retaguarda próximo do L... e do D... , e que quando se apercebeu que foram ultrapassados por um veículo, o qual já vinha a buzinar, aquele no decurso da manobra de ultrapassagem guinou na direcção do colega A... . O A... desequilibrou-se e foi para cima do C... . Após o sucedido alguns dos elementos o grupo de ciclistas pararam junto à berma, incluindo o próprio que anuiu que ficou com os colegas a regular o trânsito. Referiu que esteve cerca de 15 a 20 minutos a regular o trânsito e a descansar, sendo que por esse motivo não se apercebeu nem da ocorrência de qualquer discussão, nem da ocorrência de agressões.

Ainda assim referiu que a via de trânsito não estava obstruída e que aparentemente nenhuma situação concreta justificava a regulamentação do trânsito, ficando a olhar para os carros que passavam.

O arguido anuiu que tinha o seu campo de visão relativamente livre para o local onde o assistente parou a viatura e que apenas se apercebeu que o A... , o C... , o E... e o F... se aproximaram do veículo do assistente, este último do lado do ocupante e que quando isto sucedeu estava a cerca de 15/20 metros. Esta situação durou cerca de 15 minutos e durante este tempo os seus colegas estiveram sempre ao lado do carro do assistente.

Mais anuiu que iam falando uns com os outros.

O arguido referiu que viu o F... com as facas na mão, mas não ouvir dizer “facas, facas”.

A única pessoa que viu ferida foi o A... .

Mais anuiu que a GNR demorou cerca de 15 minutos a chegar ao local.

O N... não saiu da carrinha, “o que também não quer dizer que não tenha saído e voltado a entrar".

O arguido I... , refutando a prática de qualquer dos factos que lhe é imputado, declarou seguia mais ou menos a meio do grupo quando a carrinha Renault, modelo Kangoo em que seguia o assistente ultrapassou o grupo. Mais anuiu que não viu o que se passou, só se apercebeu que a viatura parou mais à frente e “o grupo foi no encalço do carro” e que quando lá chegou já lá estava parte do grupo, uma vez que “o grupo parou”. Mas, ainda assim, acabou por declarar a respeito do sucedido antes da paragem da viatura que “o grupo foi abalroado” e consequentemente o grupo começou aproximar-se da viatura

À frente estava o A... , o chefe, do lado do condutor, C... e F... do lado do passageiro. Mais referiu que ficou lá num “cantinho”, do lado direito da carrinha do assistente, a guardar as bicicletas juntamente com o L... e/ou o J... .

O arguido falou que se verificava um clima de exaltação do que se apercebeu quando se aproximou da viatura, uma troca de palavras com o assistente, mas, ainda assim, referiu que “não aconteceu nada” e que os que estavam junto da viatura do assistente não tinham bicicletas.

O arguido J... declarou que seguia integrado num grupo de ciclistas e que um automobilista tentou atropelar os ciclistas, atingido o A... . Depois, o automobilista tentou uma fuga para um parque, zona aberta do lado direito, e o A... foi no seu encalço, tendo o mesmo parado junto a um parque de estacionamento, debaixo de umas árvores. Nesse momento o A... aproximou-se do mesmo para falar com o condutor e que ouviu este colega a falar em “facas”. Mas, não se aproximou, ficou juntamente com o I... e o G... a 10 ou 15 metros do carro. O arguido declarou que para além do A... , apenas se aproximaram do veículo do assistente o F... , o chefe B... , o C... e o E... . Mais referiu que a 10/15 metros de distância viu o F... tirar as facas.

Relativamente aos demais elementos do grupo o arguido declarou já não se recordar da posição dos mesmos, ou do que estes fizeram após o acidente.

O arguido anuiu que que tudo se passou de forma rápida, pois os agentes da GNR compareceram no local em cerca de 5 minutos, desconhecendo quem os chamou. Após a chegada ao local dos mesmos ausentou-se na companhia do G... , do chefe C... , do B... , do D... , do H... e do I... .

O arguido declarou que não se apercebeu que alguém tenha agredido o assistente T... .

Mais referiu que são todos amigos e que já se conhecem há alguns anos.

O arguido L... anuiu que no dia em questão iam de bicicleta para Fátima, sendo que perto de Pombal, um condutor abalroou o colega A... . Seguidamente conseguiram alcançar o carro desse condutor, porquanto todos os ciclistas tentaram alcançar o carro, tendo parado todos junto à carrinha do assistente, uns mais à frente outros mais atrás.

O A... aproximou-se do veículo para falar com o “homem” ( T... ), que era o condutor do veículo. Igualmente se aproximaram o Chefe C... , o E... e o F... . O arguido declarou que parou a bicicleta mais à frente, ao pé de outros colegas que já lá estavam, o J... , o I... e o G... . Depois foi para junto da carrinha e depois foi para junto dos colegas que estavam a regular o trânsito, H... e D... .

Quando ainda estava a regular o trânsito anuiu que ouviu dizer “cuidado que ele tem uma faca”, mas não se deslocou para junto da carrinha.

O arguido anuiu que apenas se apercebeu que o T... tentou arrancar com o seu veículo e que estavam a barrar essa saída e que nesse momento se apercebeu de expressões como “a mandar vir”, “não fujas”, “Desliga o motor”, “desliga o motor ó boi”, tendo a ideia de que essas expressões foram utilizadas pelo A... .

O arguido anuiu ter visto vidros no chão.

Mais referiu que na Nacional (estrada) não havia pessoas a pé e que “a confusão que havia no local era entre nós e a carrinha”.

O arguido M... , anuiu que nas circunstâncias de tempo e lugar dadas como provadas conduzia uma viatura de apoio, uma carrinha de cor branca, marca Ford Transit, sendo que no mesmo veículo seguia o F... . O mesmo declarou que estava dentro do referido veículo, o qual estava estacionado à espera da passagem dos ciclistas, quando se apercebeu que uma viatura ao efectuar uma manobra de ultrapassagem ao grupo de ciclistas tocou em alguns deles. O mesmo declarou que quando se apercebeu que o veículo que havia feito a referida manobra se imobilizou, decidiu colocar em funcionamento o seu veículo e seguiu até ao local, e como demorou na entrar na estrada porque o trânsito parou, o F... saiu da carrinha a correr e deixou a porta aberta. Assim, referiu que foi o último a chegar ao local tendo estacionado atrás do veículo do assistente e do outro veículo de apoio aos ciclistas, que entretanto também havia chegado ao local. Percebeu que havia uma confusão, estavam todos a conversar e o A... falava alto e apercebeu-se que meio a coxear quando chegou ali perto. O arguido declarou que saiu do seu veículo e que se dirigiu aos colegas para se inteirar se estava tudo bem, se era preciso alguma coisa, tendo os colegas dito que não, tendo visto o A... , o E... e o F... .

Os outros colegas encontravam-se posicionados à frente do veículo do assistente, mas a alguma distância.

Mais referiu que esteve mais preocupado com as viaturas (carrinha aberta com pertences lá dentro), que não viu vidros partidos e que viu passar umas facas.

O arguido declarou que não teve qualquer contacto com o assistente.

Mais referiu que os ciclistas já tinham percorrido cento e tal quilómetros sem parar, sendo os abastecimentos em movimento, vindo cansados.

O arguido N... declarou que era o condutor do veículo Mercedes, que fazia o transporte das bicicletas e que seguia no mesmo acompanhado pelo E... . O mesmo declarou que não viu o acidente. E que arrancou quando o E... lhe disse “Arranca que está ali confusão connosco”, mas ainda assim este último foi a pé a correr. Após a imobilização do veículo conduzido pelo assistente parou a viatura que conduzia atrás do mesmo (a cerca de dois metros de distância) e saiu da carrinha para ver o que se estava a passar e viu que junto à viatura do assistente estava o A... e alguns outros elementos do grupo (o D... , o J... , o E... e o F... ) e alguns civis. Os outros colegas estavam em local situado mais à frente, pois aproveitaram para descansar e para se alimentarem. Apercebeu-se que o T... tinha sangue no rosto e que o A... estava ferido num joelho.

Mais referiu que o F... tirou as facas todas de uma vez que estavam no banco do pendura - viu-as lá. Mais referiu que voltou para a carrinha e o assistente fez marcha atrás e bateu na sua carrinha. Esclareceu que então o F... depois tirou as chaves do carro mas não tirou mais nenhuma faca e não viu nenhuma com 20 cm e que eram facas de trabalho enferrujadas.

Apesar disso e quando esteve no local não presenciou qualquer discussão.

Mais anuiu que viu o A... já fora da bicicleta e que este estava em pânico, a andar à volta.

Ou seja, analisando e concatenando as declarações prestadas pelos arguidos, o Tribunal constata que as mesmas se apresentam contraditórias entre si (seja quanto ao concreto posicionamento de todos e veículos que os acompanhavam após o embate entre o veículo tripulado pelo assistente e o corpo de A... ; a existência de vidros ou não da porta do condutor do veículo do assistente e sequer se houve vidro partido; quanto à verificação de sangue no corpo do assistente estando este ainda dentro do veículo; existência ou não de trânsito de veículos e de pessoas na Nacional 109 que implicasse regular; a chamada de atenção do arguido A... para a existência de facas e audição pelos demais – F... referiu que audível a 30 metros e existem arguidos que anuíram nada ter ouvido; número e concretas características destas facas - o próprio arguido que referiu que as retirou – F... - anuiu não ter identificado aos militares da GNR a que foi utilizado pelo assistente para lograr tentar atingir A... , nem este o fez, concreta localização no habitáculo do veículo do assistente), compartimentadas, seccionadas (referindo que apenas se aperceberam de episódios isolados e apesar de todos anuírem que se deslocaram para próximo da viatura do assistente não são coincidentes quanto à concreta localização das pessoas, das viaturas, falando amiúde uns atrás, outros à frente, revelando desconhecimento sobre onde alguns colegas se encontravam, o que se não nos afigura credível atento o espírito de grupo manifestado nas suas declarações com sucessivas alusões a expressões como “o grupo foi abalroado”, “nós”, “o grupo dirigiu-se”, “O Sr. T... iniciou uma manobra perigosa de ultrapassagem tangente à coluna de bicicletas” – cfr. fls.585 informação do arguido A... – e espirito este subjacente à actuação dada como provada, na nossa perspectiva), inverosímeis face às regras da experiência comum (alguns arguidos referiram que ouviram a expressão “facas” mas ainda assim mantiveram-se nos lugares onde referiram que se encontravam: a alimentar-se, hidratar-se - o que pressupõe que a carrinha com os mantimentos já ali tivesse chegado, contrariando o seu motorista M... que declarou que foi o último a chegar, a regular o trânsito; falaram em “confusão”, “sururu” mas afinal nada se passou e “não aconteceu nada”), incompatíveis com os dados objectivos constantes nos autos a saber, os elementos clínicos de fls.37 a 39 referentes à pessoa do assistente.

E, a verdade é que a sua coincidência se resume à descrição do objectivo que prosseguiam naquele dia, iam em peregrinação a Fátima, o que havia sido organizado pelo arguido A... (confirmado pelo próprio, na sua exposição de fls. 585, onde confirma os elementos que a compunham, e pela testemunha de defesa R... , Chefe Principal do GISP); a ocorrência de um embate entre o veículo tripulado pelo assistente T... e o corpo do arguido A... , cuja concreta dinâmica, lesões daí decorrentes para o arguido A... se mostram já patenteadas na sentença, transitada em julgado conforme certificado em ata, no âmbito do Processo Comum Singular n.º95/14.0T9ESP, junta a fls.842 a 856 dos autos, e, que, como tal permitiu dar como provado o constante dos Pontos 1), 9) a 15), 29), 30) dos Factos dados como provados. Para além disso, ressaltou das suas declarações que nenhum dos arguidos logrou chamar as autoridades, GNR, ao local (Ponto 32) dos Factos Provados) e que o arguido N... , conforme todos anuíram, é o único que não pertence ao GISP, sendo amigo de vários arguidos (Ponto 28) dos Factos Provados).

Presentes todos os arguidos em audiência, pelo menos na primeira data aprazada, o Tribunal constatou o descrito no Ponto 21) dos Factos provados, o que é confirmado pelo teor dos próprios relatórios sociais juntos aos autos e das declarações prestadas pela testemunha R... e S... , que foi directora de serviços prisionais onde se inclui o GISP, durante três anos.

Igualmente, no que tange às características físicas do assistente T... , as mesmas derivaram do pessoalmente constatado pelo Tribunal, confirmado até pelos arguidos A... , E... , F... , militares da GNR, X... e V... , e pelo seu filho U... – Ponto 22) dos Factos Provados.

Assim, para prova da factualidade inscrita nos Pontos 2) a 8), 16) a 20), 23) a 27) e 31) dos Factos provados o Tribunal teve em consideração, por um lado, as declarações prestadas pelo assistente T... , pelas testemunhas P... (que desconhece os arguidos e conhecia apenas de ver passar na localidade onde residia antes de detido, o assistente, e que se encontrava nas circunstâncias de tempo e lugar dadas como provados na varanda do seu apartamento, imediatamente de frente para o local onde T... imobilizou o veículo), O... , bombeiro que assistiu T... no local; U... , filho do assistente que acorreu ao local após chamada do assistente; dos militares da GNR, V... e X... , que se dirigiram ao local e lavraram, respectivamente, auto de ocorrência de fls.72 e participação de acidente de viação de fls.67 a 71; Q... e Z... , estes amigos do assistente, que depuseram, de forma espontânea, sobre a sua personalidade, carácter, sentimentos manifestados pelo mesmo após o sucedido (sendo que o último, até pelo documentado em ata quanto às suas ausências a notificações para julgamento, não nos mereceu credibilidade quanto ao demais pela forma confusa como prestou declarações, titubeante).

Ou seja, da conjugação das declarações do assistente e da prova testemunhal referida (exceptuando as duas últimas testemunhas) com os elementos clínicos de fls.37 a 39, o auto de ocorrência de fls.72 dos autos, o Tribunal logrou formar convicção segura quanto à ocorrência dos factos que se dão como provados (Pontos 2) a 8), 16) a 20), 23) a 27) e 31) dos Factos provados), seu desenvolvimento, circunstancialismo e consequências.

Efectivamente, o assistente, de forma espontânea, credível, anuiu que naquelas circunstâncias de tempo e lugar, tendo parado o veículo cerca de 20 a 30 metros depois do embate no corpo de um ciclista, que avistou dois indivíduos a abeirarem-se do seu veículo, pelo lado esquerdo, sentiu aqui uma bicicleta a junto da porta, tentou abrir a mesma para sair e sentiu que a fecharam e depois o vidro foi partido com murros (o qual ia meio aberto por ser fumador) e desferiram socos e murros no nariz e boca, sendo que, do lado direito, quando se debruçou para tirar papel para limpar o sangue que sentia a escorrer, se abeiraram uns três indivíduos, que abrindo a porta igualmente lhe começaram a dar porrada (murros) na cabeça, face. Em tais actos referiu que foi igualmente atingido no pescoço, que ficou com dores no nariz, na boca, com um dente partido e que recebeu assistência médica. Mais referiu que havia indivíduos à frente do veículo, atrás do veículo, que lhe chamavam, filho da puta, cabrão. Mais referiu que tinha o carro inundado, cercado, sentiu-se como um bandido. O assistente referiu ainda que tinha vidros dentro do carro, que nunca lançou mão de facas (2 ou 3 e uma tesoura da poda) que efectivamente levava dos seus afazeres agrícolas, que iam do lado do pendura.

Mais anuiu que nunca saiu do veículo até chegarem as autoridades e ambulância, que efectivamente ligou ao filho para o ir ajudar que o estavam a matar.

Tais declarações revelam-se compatíveis com os já referidos elementos clínicos de fls.37 a 39, donde resulta que o assistente sofreu fenómenos dolorosos, hematomas e escoriações na cabeça e face, ferimentos nos lábios, bem como apresentava edema e sangramento nasal, tendo sido assistido clinicamente no Hospital Distrital de (...), o que torna ainda mais consistente a versão apresentava pelo assistente, sendo que a assistência médica orçou os valores descritos na certidão de fls. 410 dos autos.

Para além disso, tais declarações foram, no essencial, corroboradas pela testemunha P... , a qual, de forma distante, descomprometida, anuiu que se encontrava a 15/20 metros de distância, na varanda da sua casa, a cerca de um metro mais elevado que o nível da estrada, nada se interpondo no seu campo de visão, que avistou um grupo de ciclistas, de compleição física forte, encorpados, a abeirar-se do veículo conduzido pelo assistente, a rodear o veículo (seja através dos indivíduos, carrinha, bicicletas), exaltados, a chamar nomes, sendo o comum, “filho da puta”, juntamente com uma carrinha que estacionou imediatamente atrás do assistente. Mais viu vários indivíduos, que não sabe precisar, essencialmente do lado esquerdo, do lado do condutor, a desferir com as mãos chapadas na face/cabeça do condutor, tendo visto a cara ensanguentada do assistente. Mais referiu de forma inequívoca que nunca viu o assistente a fazer qualquer movimento com os braços e que a carrinha que estacionou atrás do veículo do assistente impedir a saída deste, porquanto aquele ainda logrou fazer uma manobra em que o carro se movimentou para trás e bateu naquela carrinha, assim impedindo a fuga/saída do local.

Note-se ainda que, o militar da GNR, V... , exaustivamente inquirido, confirmou a factualidade que fez inscrever no auto de ocorrência de fls.72 dos autos. E, com efeito, neste consta que “No dia 12 do mês de Outubro de 2014, pelas 16H45 quando me encontrava de serviço de patrulha às ocorrências 08H00/16H00, acompanhado pelo Guarda nº (...) X... , foi-nos comunicado pelo militar de serviço no Atendimento que nos deslocássemos à localidade de Marinha da Guia, junto à EN109, em virtude de nesse local estar a haver agressões de um grupo de ciclistas a um condutor de veículo ligeiro. De imediato nos deslocámos ao local supra referido, tendo contactado com os intervenientes, encontrando-se um grupo de ciclistas a rodear um veículo com um condutor no seu interior, apresentando este diversos ferimentos na zona da cabeça e sangue na boca”.

A testemunha, de forma espontânea confirmou ainda que a GNR se deslocou ao local após não só o declarado pelo militar de atendimento mas também em face de um camionista ter parado o camião junto da Nacional ao pé do Posto, dizendo-lhes que se encontrava um condutor a ser agredido e que se encontravam várias pessoas à volta de uma viatura. A este propósito, o militar X... anuiu que o condutor do pesado referiu que estava a ocorrer agressões entre um grupo de ciclistas e um condutor de um veículo.

De forma coerente, a testemunha V... anuiu que verificou que o vidro da porta do lado do condutor do veículo do assistente se encontrava partido, sendo que a porta do lado do condutor estava trancada, visualizando vidros em cima do assistente (corroborado pelo militar X... ), no banco, nas pernas e na roupa do mesmo, o que foi corroborado pelo militar X... e por O... . A este propósito, pelo militar X... foi declarado, de forma espontânea que estavam mais vidros no interior do veículo do que no exterior do veículo, entendendo que o vidro terá sido partido de fora para dentro, o que se revela compatível com as regras da experiência comum.

Mais referiu, o militar V... , que apenas logrou identificar o grupo de ciclistas que estava perto do veículo e que por estes foi declarado que que quando abordaram o condutor tinha havido uma reacção da parte dele, o que a testemunha entendeu, porque ninguém precisou, que foi “um não me chateiam”, “Vão-se embora”, e que houve uma altercação. Mais referiu que lhe transmitiram que o vidro foi partido sem querer.

Questionado sobre a existência de facas, o mesmo referiu que se recordava de ter visto 2 ou 3 facas e uma tesoura, sendo que não deu importância a esse facto, uma vez que não lhe foi referido que as facas tivessem sido utilizadas como instrumento de agressão ou de ameaça, o que foi corroborado, na íntegra, de forma espontânea, pelo militar X... . Ambos anuíram que devolveram tais facas aos familiares do assistente.

A testemunha V... acrescentou que no local não se deparou com qualquer situação que justificasse a necessidade de controlar o trânsito.

Mais referiu que efectivamente que quando chegou ao local os ânimos estavam muito exaltados, que os arguidos falavam alto, denotando agressividade dirigida ao condutor do veículo, bem como nos gestos que faziam.

De forma credível, espontânea, tanto mais que se extraiu das suas declarações que foi quem mais directamente se relacionou com a situação ocorrida junto do condutor, uma vez que o militar X... se ocupou da participação de acidente de viação (medidas, concretização de local de embate), asseverou que a concreta localização dos indivíduos (arguidos), dos veículos que os acompanhavam, das bicicletas, que descreveu, não permitia ao assistente sair do local (uns à frente, outros atrás, bicicletas junto à porta do condutor, à frente, veículo atrás). O assistente teria sempre de fazer mais do que uma manobra para dali sair.

O... , anuiu, de forma espontânea, credível, que constou no local que A... apresentava ferimentos num dos joelhos e que T... , apresentava nariz inchado, hematomas na face direita e testa, escoriação com corte nos lábios, manifestando dor no nariz.

A testemunha anuiu que visualizou estilhaços de vidro junto à calha.

Mais anuiu que não visualizou vestígios de impacto do assistente por exemplo no volante do veículo.

Anuiu ainda que o arguido A... referiu apenas toque do veículo no seu corpo, não referiu que havia sido ameaçado.

Questionado se os ferimentos apresentados pelo assistente poderiam resultar de embate, não logrou responder. Contudo, em face do que vai supra exposto, o Tribunal entende que essa possibilidade se mostra plenamente afastada, até em face da dinâmica dada como provada quanto ao acidente de viação e ausência de qualquer declaração de travagem brusca, repentina do assistente (sendo de afastar, por inverosímil em face das regras da experiência comum, a auto flagelação).

As declarações de X... , mostraram-se no essencial corroborantes com as prestadas pelo militar V... , nos termos em que já foram supra-expandidos, anuindo igualmente na divisão de tarefas por aquele referida.

Por último, note-se que as declarações de U... revelaram-se emotivas quanto à descrição da relação pai/filho, pouco amigável e distante, o que motivou que o Tribunal efectivamente valorasse a espontaneidade das suas declarações quando referiu que o pai nunca lhe teria ligado se não se sentisse verdadeiramente ameaçado e que ao telefone lhe referiu que eram muitas pessoas que estavam a agredir. Mais anuiu que quando chegou ao local, o pai estava dentro da viatura, a sangrar de ambas as narinas com hematomas na cara, e lábio cortado. Prestou ainda declarações, de forma espontânea, quanto ao estado em que ficou o seu pai nos dias seguintes e ainda hoje o que sente.

Quer dizer, as declarações destas testemunhas vindas de expor, juntamente com as declarações do assistente formam um todo coerente, consistente com os elementos objectivos juntos aos autos – elementos clínicos, permitindo corroborar a versão dos factos dada como provada nos exactos termos em que o foram, mostrando-se ainda a mais consentânea com as regras da experiência comum.

Note-se bem que pelo menos dois arguidos, A... e F... , anuíram na entrada/introdução de parte do corpo no veículo do condutor.

Ou seja, da prova produzida foi possível dar como provado que todos os arguidos estiveram presentes na data da prática dos factos, todos eles envolvidos na execução dos factos dados como provados, uma vez que resulta claro da prova produzida as circunstâncias em que foram produzidas as lesões, as lesões apresentadas compatíveis com a descrição dos factos, bem como o assistente se encontrava impossibilitado de ausentar do local.

Contudo, não obstante o descrito, não se logrou conseguir fazer a corresponder os actos que descreveram à identificação específica de cada um dos arguidos (para além do referido quanto ao A... ), sendo certo que tais actos foram dessa forma praticados face aos relatos das testemunhas na parte em que assistiram ou em que o condutor foi vítima, da forma como se dá como provada, o que fizeram de modo conciso, claro, coerente, espontâneo, absolutamente demonstrador, no entender do Tribunal, da veracidade dos factos que relataram, não obstante a instância rigorosa a que foram sujeitos.

Tais relatos foram ainda completamente esclarecedores de um modus operandi que pressupôs pelo menos um acordo tácito dos arguidos quanto à execução conjunta dos factos dados como provados, designadamente quanto à forma de abordagem do condutor, o objectivo definido, mostrando-se os relatos do assistente, testemunhas absolutamente compatível com a respectiva prática por vários indivíduos.

Resta ainda acrescentar que todos os meios de prova que serviram para alicerçar a convicção positiva do Tribunal, foram analisados em conjugação entre si e à luz das regras da experiência comum, que igualmente foram consideradas, tendo redundado na prova dos factos tal como dá como provada.

Teve-se ainda em consideração os relatórios sociais de fls.924 (arguido E... ), 949 (arguido B... ), 969 (arguido H... ), 971 (arguido A... ), 1024 (arguido M... ), 1026 (arguido D... ), 1028 ( I... ), 1030 (arguido N... ), 1032 (arguido C... ), 1034 (arguido G... ), 1055 ( J... ), 1057 ( L... ), 1019 (arguido F... ); e CRC dos arguidos.

A factualidade não apurada resultou da ausência de prova testemunhal, documental que a sustentasse (roupa, medicamentos e valores, demais expressões injuriosas imputadas aos arguidos), bem como a prova produzida permitiu sustentar versão diferente de tais factos».


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DECISÃO

Atento o disposto no art. 412º, nº 1, in fine, do C.P.P., as questões a decidir respeitam à impugnação da decisão da matéria de facto, ao enquadramento dos factos julgados provados e à não realização de cúmulo jurídico.


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            Os arguidos impugnaram a decisão de dar como provados os factos dos pontos 2., 4., 6., 7. 16. e 31. e de dar como não provado o facto da al. l), defendendo que aqueles devem ser julgados não provados e este provado.

            Os factos que estão em causa são os seguintes:

2 - depois de o assistente ter imobilizado o seu veículo, na sequência de ter embatido no arguido A... , os arguidos abeiraram-se dele e disseram-lhe impropérios;

4 - os arguidos que não se encontravam junto à porta do condutor, em número não inferior a dois, igualmente em comunhão de esforços, dirigiram-se à porta lateral direita, abriram-na, acederam ao interior da viatura e deram murros na cabeça, face e tronco do assistente;

6 - os arguidos bem sabiam que a superioridade numérica com que actuavam colocava o assistente indefeso;

7 - os arguidos agiram de forma livre, concertada e todos em comunhão de esforços, com o propósito concretizado de molestar o corpo e a saúde do assistente e de lhe produzirem dores e as lesões verificadas, resultados esses que representaram, não se coibindo de unirem esforços entre si para o efeito;

16 - os arguidos, depois de se terem abeirado do veículo do assistente, disseram, dirigindo-se a ele, “filho da puta”, “cabrão”.

31 - os arguidos abeiraram-se do assistente, logo a seguir ao embate, uns apeados, outros nas bicicletas, outros nos veículos de apoio que acompanhavam os ciclistas, localizando-se todos em posição que não permitia a saída imediata nem do assistente, nem do respectivo veículo do local;

l) - quando os arguidos se abeiraram do veículo do assistente o assistente empunhou uma faca, dirigiu-a ao arguido A... e dizia “eu fodo-te”, o que levou o arguido a desviar com o seu braço esquerdo a mão do assistente que empunhava que a faca, prendendo-a ao guiador e desferiu um “check”/um “tapa”, da mão aberta com a sua mão direita, ao mesmo tempo que gritava “facas, facas”.

            A fundamentar a impugnação alegaram que a decisão foi proferida contra a prova, que a convicção assentou em premissas inconclusivas e ambíguas, que não se identificaram os arguidos envolvidos na execução dos actos materiais, tendo a sentença que concretizar a actuação dos arguidos que não intervieram directamente e qual o relevo destes na consumação das alegadas ofensas.

            Impugnaram a credibilidade conferida ao assistente por ele ser interessado na causa, estar alcoolizado na altura, pois que apresentava uma taxa de álcool no sangue de 1,68 g/l, ser alcoólico, segundo declarações do seu filho U... , e ter tido um discurso desconexo, entaramelado e ininteligível: referiu que as agressões não foram cometidas por todos os arguidos, não identificou quem o agrediu, cingiu a autoria das agressões primeiro a 5 pessoas e depois a 2, as que estavam do lado direito do seu veículo.

Invocaram, ainda, os depoimentos de P... , que disse que só 4 ou 5 pessoas agrediam o assistente e que os demais estavam a fumar, a ver, ou a comer, e de Z... , que disse que viu um monte de ciclistas a agredir o T... mas que só um dava murros ao homem.

Referiram que este alheamento dos demais elementos do grupo foi relatado de modo globalmente coincidente por todos os arguidos.

            Invocam que no mesmo sentido vai a prova resultante dos elementos clínicos, pois o quadro clínico é incompatível com uma sova dada por 13 indivíduos.

            Mais alegam que não se provou que os demais arguidos estivessem posicionados de modo a impedir a fuga do assistente, sendo que sempre teriam o direito a fazê-lo dado que o assistente tinha, pouco antes, cometido os crimes de condução perigosa e em estado de embriaguez, que as lesões sofridas pelo assistente resultaram da actuação do arguido A... , que bateu para se defender pelo que, na pior das hipóteses, deveria ser dispensada a pena, quanto às agressões e injúrias, com fundamento na retorsão, do art. 143º, nº 3, aI. b), do Código Penal, que dos factos provados não resulta a co-autoria, nem a qualificação do crime de ofensas e que a diferente natureza das penas não obsta à realização cúmulo jurídico, ao abrigo do nº 3 do art. 77º do Código Penal.


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Nos termos do art. 428º, nº 1, do C.P.P. as relações conhecem de facto e de direito. Na lei actual o poder de cognição da relação abrange, sempre, a decisão sobre a matéria de facto, caso tenha sido impugnada.

Na decorrência deste conhecimento a relação pode alterar essa decisão, nos termos do art. 431º do C.P.P., quando, para além do mais, a prova tiver sido impugnada, nos termos do nº 3, do artigo 412º.

Os arguidos impugnaram a decisão da matéria de facto, invocando a desconformidade com a prova. Especificaram os pontos de facto erradamente julgados, bem como as provas de cuja análise resultam esses erros e, por consequência, a necessidade de alteração do decidido.

            A alteração decorrerá do apelo imperativo das provas indicadas no sentido da alteração, provas estas analisadas segundo as regras da experiência, nos termos do art. 127º do C.P.P.

Cumprido que foi o formalismo legal seguir-se-ia o conhecimento da prova invocada, para aferir da conformidade da decisão.

           

            Entendemos, porém, não haver lugar à análise da prova.

Confrontando o alegado no recurso com a fundamentação da decisão da matéria de facto, resulta que o conteúdo da prova invocada, demonstrativa dos alegados erros de julgamento cometidos, coincide com aquilo que se lê na fundamentação da sentença, a propósito da referida prova.

De facto, a sentença refere, a cada passo, aquilo que cada arguido, assistente e testemunhas mencionadas disseram sobre os factos impugnados e destas referências resulta haver consonância entre o que se diz na sentença e no recurso.


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            Nos termos do art. 127º do C.P.P., a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente, excepto quando a lei dispuser diferentemente.

            A valoração da prova por declarações depende, para além do conteúdo das concretas declarações prestadas, do modo como as mesmas são assumidas pelo declarante e da forma como são transmitidas ao tribunal, circunstâncias que relevam para efeitos de determinação da credibilidade deste meio de prova. A credibilidade dos depoimentos há-de ser averiguada - afirmada ou negada -, no confronto do conteúdo concreto da sua descrição dos factos, num quadro de averiguação cuidadosa da motivação e do interesse de cada um nos factos, por forma a afastar a credibilidade dos depoimentos se se ficar com a percepção que os mesmos estavam concertados, no sentido de alteração da verdade ou de criação de uma realidade virtual.

Para que um qualquer facto se tenha por provado não basta que as testemunhas se pronunciem num determinado sentido, tendo o juiz que aceitar, necessariamente, esse sentido ou versão. Depois, um testemunho não é necessariamente todo verdadeiro, nem necessariamente todo falso: qualquer depoimento – do(s) arguido(s), do(s) ofendido(s), da(s) testemunha(s) -, está sujeito à avaliação e esta avaliação pode considerá-lo todo verdadeiro, todo falso, ou aceitar como verdadeiras certas partes e negar crédito a outras.

A verdade que se busca no processo, mesmo no processo penal, não é a verdade ontológica, absoluta, mas o processo também não se basta com a verdade formal, apesar de a nossa lei de processo conter espartilhos que, por vezes, a impõem.

O que se busca é a verdade material acessível ao nosso conhecimento: verdade material porque afastada da influência que a acusação e a defesa exerçam sobre ela; verdade material porque verdade judicial, prática e obtida, não a todo o preço, mas de forma processualmente válida.

Esta verdade fixa-se a partir da convicção que o tribunal forma a partir das provas produzidas.

            Esta não se forma contabilizando os depoimentos, não se forma apenas e só a partir de depoimentos claros, inequívocos, tal como não exige coincidência absoluta entre todos os depoimentos relevados na decisão.

            Assim é irrelevante, em termos de afastamento da credibilidade do depoimento dos arguidos, a circunstância de estes terem diferido em vários aspectos. Não são as discrepâncias entre os depoimentos dos arguidos, apontadas na sentença, que determinam o afastamento da tese destes no que respeita à autoria das agressões, antes o facto de esta prova conjugada com a demais prova produzida, apreciada à luz das regras da experiência, determinar esse afastamento, sendo essencial que a fundamentação explique as razões da decisão.

            Está assente que o assistente atingiu o braço esquerdo e a perna esquerda do arguido A... respectivamente com o espelho e pára-choques da viatura que conduzia.

            Indo os arguidos em grupo e tendo um dos seus elementos do grupo sido atingido por um veículo, é normal que todos os elementos se tenham indignado com tal comportamento.

            Esta indignação seria, ainda, mais normal perante a alegada tentativa de fuga por parte do assistente, referida pelos arguidos.

            Daí ser também normal que, num tal circunstancialismo, todos os elementos do grupo se tivessem abeirado do lesante para pedirem explicações.

            Seria normal mas se isto não resultasse da prova é claro que não se podia concluir dessa forma.

            Porém, a prova produzida foi neste sentido.

            Conforme consta, P... declarou que da varanda da sua casa, onde estava na altura, situada a 15/20 metros de distância, viu um grupo de ciclistas abeirar-se e rodear o veículo do assistente e chamar-lhe “filho da puta”. Disse, ainda, que uma carrinha do grupo estacionou imediatamente atrás do assistente e impediu que ele fosse embora.

            Esta versão é totalmente apoiada por aquilo que os militares da GNR declararam quando foram ouvidos: que receberam um telefonema no Posto dando conta de um grupo de ciclistas que batia no condutor de um ligeiro e que um camionista foi ao Posto dizer a mesma coisa.

            Também consta que um destes militares, V... , declarou que quando chegaram ao local verificaram que o grupo de ciclistas estava perto do veículo, que os indivíduos e as bicicletas e os veículos dos elementos do grupo estavam de tal forma posicionados que o assistente não podia sair do local, que os arguidos estavam muito exaltados, falavam alto e denotavam agressividade dirigida ao condutor do veículo, que o vidro da porta do veículo do lado do condutor estava partido e que o condutor tinha vidros em cima de si.

            Da conjugação destas declarações com o facto de os arguidos terem dito que o assistente embateu no arguido A... , que este se dirigiu ao assistente, quando este parou, que outros arguidos também se dirigiram ao assistente, uns de um lado do veículo, outros do outro, que alguns dos arguidos se introduziram no veículo e retiraram facas que ali se encontravam e um deles também a chave do veículo para que o assistente não fosse embora, que os veículos do grupo pararam na rectaguarda do veículo do assistente, que o vidro do veículo do arguido, do lado do condutor, estava partido, que o assistente tinha vidros sobre si e que apresentava lesões, então a leitura das provas feita pelo tribunal é uma das leituras possíveis dessa prova.

Produzidas as provas cabe ao julgador apreciá-las e como a liberdade de apreciação não é arbitrariedade, ela tem que respeitar os limites fixados na lei, que são o grau de convicção exigido para a decisão, a proibição de determinados meios de prova e o respeito absoluto pelos princípios da presunção de inocência e do in dubio pro reo.

Trilhado todo este percurso surge, então, a decisão, que mais não é do que a opção por uma das versões em conflito no processo. A verdade do processo é a verdade contextual e possível que resulta, precisamente, do trabalho de apreciação da prova, em que impera a liberdade de apreciação. Não sendo opção do julgador não decidir, terá que fazer a sua opção com respeito pelas regras enunciadas.

E tomada a decisão tem, depois, que se exteriorizar o juízo feito, com indicação das razões que o levaram a decidir conforme decidiu.

Assentando a decisão recorrida na atribuição de credibilidade a determinadas fontes de prova em detrimento de outras, estando o percurso decisório explicado, de forma clara e cabal, só haverá fundamento válido para proceder à alteração da decisão se esta não se apresentar como uma das soluções plausíveis, segundo as regras da experiência. Dito de outro modo, se a decisão do julgador for uma das soluções plausíveis a retirar da prova produzida, prova esta analisada e valorada segundo as regras da experiência, ela será inatacável, já que foi proferida em obediência à lei que impõe que julgue de acordo com a sua livre convicção.

Portanto, se as provas invocadas como fundamento da alteração da decisão da matéria, permitindo embora decisão diferente da recorrida, não impuserem a sua alteração, e se a decisão estiver devidamente fundamentada, então tudo se passa no âmbito de liberdade de apreciação atribuída por lei ao juiz, pelo que ela será imodificável.

Entendemos que é o que sucede no caso.

Da leitura da sentença recorrida resulta imediatamente perceptível o percurso trilhado pelo tribunal recorrido no que respeita à apreciação crítica da prova, à conjugação da prova que foi relevada e às razões que levaram o tribunal àquela decisão. 

A sentença fundamentou de forma clara, completa, mesmo exaustiva, a sua convicção, isto é, os termos em que a prova produzida foi apreciada.

Repetindo, sendo a leitura que o tribunal recorrido faz da prova produzida uma leitura possível e estando a decisão devidamente fundamentada, então a decisão da matéria de facto é inatacável, o que se declara.


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Avançando nos argumentos invocados no recurso, os arguidos alegaram que dos factos provados não resulta que todos os arguidos agrediram e, não resultando, então os arguidos que não agrediram não podem ser condenados pelo crime de ofensa à integridade física.

Esta alegação tem por base os pontos 3 e 4 da matéria provada, de onde consta que alguns arguidos, em número não apurado, bateram no assistente.

Na comparticipação criminosa o crime resulta de uma acção colectiva: acontece quando colaboram na execução de um crime.

A coautoria baseia-se no princípio da divisão de trabalho e distribuição funcional de papéis por acordo. Na medida em que cada elemento do grupo participe na resolução comum para a realização do facto e na execução deste, de forma igual ou diferente, resulta que cada contribuição se funde num todo unitário e por isso o resultado alcançado é de todos e é, portanto, imputado a todos.

O elemento subjectivo é o acordo, expresso ou tácito, para a realização de determinada acção típica, e o elemento objectivo é a realização conjunta do facto, no sentido de tomar parte directa na sua execução, independentemente dos termos de cada participação individual. Para se concluir pela realização conjunta do facto temos que encontrar a vontade comum na realização do ilícito. A autoria plural do crime resulta de haver uma pluralidade de pessoas que se uniram com vista àquele fim, concertando vontades em torno daquele objectivo.

Está adquirido que o acordo para a realização do facto ilícito não tem que ser prévio ao cometimento do crime e também não tem que ser expresso. Esta concertação pode acontecer antes da execução do crime, bastante antes da execução do crime, até, de tal modo que poderá configurar um caso de premeditação, mas pode acontecer muito mais tarde e, em última análise, pode surgir aquando da execução do facto, quando um agente adira ao que o outro está a fazer, com consciência e vontade de colaboração (Eduardo Correia).

Ou seja, pode ser contemporâneo com a execução do facto e pode ser tácito.

Daí que haverá acordo, que determinará a condenação conjunta, se, do desenrolar dos factos, resultar que todos os arguidos se uniram na produção do facto, praticado por um ou por alguns dos elementos do grupo.

Quanto à execução conjunta, também é pacífico que não é necessária a intervenção de todos os agentes em todos os actos tendentes à produção do resultado típico pretendido, bastando que a actuação de cada um seja elemento componente do conjunto da acção, mas indispensável à finalidade a que o acordo se destinava.

Nesta situação deixa, portanto, de ser indispensável apurar quem praticou o acto lesivo porque o crime será imputado a todos a título consumado e doloso.

A autoria criminosa assenta no domínio do facto. É coautor quem tem o domínio funcional do facto. Na coautoria também há o domínio do facto. O coautor tem o domínio do facto se tiver o domínio funcional da actividade que realiza, integrante do conjunto da acção para a qual deu o seu acordo e que, na execução de tal acordo, se dispôs a levar a cabo.

Descendo ao caso dos autos, está provado que no dia 12-10-2014, depois de o assistente ter embatido no arguido A... , imobilizou o veículo mais à frente e que nesta altura «parte dos arguidos, em número não apurado que se encontravam junto da porta do condutor, valendo-se da sua superioridade numérica, desferiram vários murros na cabeça, face e tronco de T... , através da janela, cujo vidro partiram» e que «os demais arguidos, igualmente em comunhão de esforços, dirigiram-se à porta lateral direita do veículo, e, em número não concretamente apurado, mas não inferior a dois, abriram a mesma e acederam ao interior da viatura, altura em que desferiram vários murros na cabeça, face e tronco de T... » - pontos 3 e 4 dos factos provados.

Está, igualmente, provado que os arguidos «sabiam que a superioridade numérica (treze) com que actuavam colocava o assistente indefeso perante as suas investidas» e que «agiram de forma livre, concertada e todos em comunhão de esforços, com o propósito concretizado de molestar o corpo e a saúde de T... e de lhe produzir dores e as lesões verificadas, resultados esses que representaram, não se coibindo de unirem esforços entre si para o efeito», sabendo que tais «condutas eram proibidas e punidas por lei penal» - pontos 6 a 8 dos factos provados.

A condenação dos arguidos não assentou no facto de todos terem batido, como referiram no recurso, mas na circunstância de todos os arguidos terem agido em comunhão de esforços aderindo à actuação daqueles que bateram. Neste circunstancialismo, como ainda agora dissemos, já não é essencial apurar qual o agente que bateu, assim como não é essencial especificar quais os concretos actos que cada arguido que não agrediu praticou, porque a agressão e lesões são imputadas a todos.

Do mesmo modo, provou-se que agiram sabendo da superioridade numérica que existia e explorando esta superioridade.

Conforme se lê na fundamentação, provou-se que todos os arguidos estavam presentes aquando das agressões perpetradas por alguns deles, que o assistente ficou impossibilitado de se ausentar devido ao posicionamento dos elementos do grupo, e que sofreu lesões.

Neste circunstancialismo é irrelevante fazer a correspondência entre cada agressão concreta e a lesão derivada destas, porque todas as agressões e todas as lesões sofridas são atribuídas a todos os elementos do grupo, precisamente por ter resultado que houve uma actuação concertada entre todos, derivada de um acordo entre todos de levar a cabo aquela actuação.

Diz a lei, no art. 32º do Código Penal, que «constitui legítima defesa o facto praticado como meio necessário para repelir a agressão actual e ilícita de interesses juridicamente protegidos do agente …».

Portanto, a actuação em legítima defesa exige que a agressão esteja em curso ou seja iminente. É por esta razão que a acção de defesa, que à partida seria ilícita, não o é: por resultar da situação que a acção foi necessária para a vítima se defender.

No caso não há nada disto. O que acontece é que os arguidos, depois do toque sofrido pelo arguido A... , vão “pedir contas” do ocorrido ao assistente, quando a acção lesiva já tinha acontecido e nada permitia concluir que se viesse a repetir.

Relativamente ao crime de injúria, entendemos que o raciocínio da comparticipação criminosa não se aplica à condenação dos arguidos por este crime, porque aqui ela assentou na prática individual do crime por cada um dos arguidos.

Consta dos pontos 2, 16, 17 e 19, da matéria assente, que depois de o assistente ter imobilizado o veículo, os arguidos se abeiraram dele e disseram de viva voz, dirigindo-se a ele, “filho da puta” e “cabrão” e que ao fazê-lo quiseram ofendê-lo na sua honra, o que conseguiram, sabendo que tal conduta era proibida por lei.

Isto por um lado.

Por outro lado a colaboração na actuação ilícita, referida nos pontos 3 e 4, está especificamente reportada às ofensas.

Perante o quadro descrito, a decisão de imputar a cada um dos arguidos a autoria individual de um crime de injúria mostra-se incompatível com a condenação conjunta pelo crime de ofensa à integridade física, derivada da coautoria.

A perpetração das ofensas derivou da actuação conjunta dos arguidos, nos termos expostos, a condenação dos arguidos pelo crime de ofensas não assentou no facto de todos terem batido, mas na circunstância de todos os arguidos terem agido em comunhão de esforços aderindo à actuação daqueles que bateram, nomeadamente por parte dos que estacionaram os veículos de modo a impedirem o assistente de sair do local. Por isso concluímos que neste circunstancialismo não é essencial a especificação dos actos praticados por cada um dos arguidos.

Diferentemente, a imputação do crime de injúria, nos termos em que foi feita – autoria individual -, exigia o apuramento do comportamento de cada um dos arguidos, ou seja, exigia a concretização das palavras que cada um dirigiu ao assistente, quer dos que se abeiraram do assistente, pelo lado direito e pelo lado esquerdo do veículo, quer daqueles que dirigiam os veículos e os posicionaram de modo a impedirem a saída do veículo do assistente.

Sendo certo que se provou que alguns arguidos disseram, dirigindo-se ao assistente, “filho da puta, cabrão”, neste circunstancialismo já não é possível estender o comportamento a todos os arguidos.

Sobre o obstáculo conceptual suscitado pelos arguidos a propósito da impossibilidade de o crime de injúria ser cometido em coautoria em caso de ofensas verbais, os autores convergem no entendimento de que neste crime a problemática da comparticipação criminosa se rege pelas regras e princípios gerais da matéria (neste sentido vide as anotações ao art. 181º do Código Penal feita por Faria Costa, no Comentário Conimbricense do Código Penal, e por Paulo Pinto de Albuquerque, no seu Comentário do Código Penal).

Pelo exposto entendemos que há que alterar a decisão da matéria de facto, deixando o ponto 2 de constar dos factos provados e passando os pontos 16 e 17 a ter a seguinte redacção:

«16 - Depois de o assistente ter imobilizado o seu veículo alguns arguidos, não se logrando identificar quais, dirigiram-lhe as seguintes palavras, de viva voz, “filho da puta”, “cabrão”.

17 - Com as referidas palavras, proferidas na via pública à vista de quem passava, estes arguidos pretenderam e conseguiram ofender a honra e consideração do assistente, o que bem sabiam, quiseram e lograram alcançar».

Os arguidos pretendem, ainda, que seja julgado provado que o assistente tinha facas na viatura, que empunhou uma e que a dirigiu ao arguido A... e que foi para se defender desta ameaça que este agrediu.

Daqui retiram que a esta acção ilícita não pode ser aplicada qualquer pena.

Neste sentido invocam os depoimentos por si prestados e os depoimentos das testemunhas U... e dos agentes da GNR, que admitiram tê-las visto.

Da leitura da fundamentação resulta que os arguidos disseram que o assistente tinha facas na sua viatura e/ou que ouviram A... dizer isso.

Também resulta, conforme os arguidos alegaram, que o assistente reconheceu que tinha duas ou três facas e uma tesoura da poda no banco ao lado.

Quanto ao depoimento do militar V... , este declarou que viu duas ou três facas e uma tesoura e que não deu importância a esse facto, uma vez que não lhe foi dito que as facas tivessem sido usadas como instrumento de agressão ou de ameaça, tese que foi corroborado pelo outro militar, X... . E por isso, disseram, devolveram as facas aos familiares do assistente.

Estando demonstrado que o assistente tinha facas no banco da sua viatura, a sua existência foi julgada irrelevante pela decisão recorrida e foi, por isso, desconsiderada na matéria provada, porque não se provou – e a sentença explicou devidamente porquê -, que o assistente tenha empunhado uma delas para ameaçar do arguido H... .

A justeza desta conclusão resulta, imediatamente, da decisão que os militares da GNR tomaram, de não apreenderem as tais facas e de, ao invés, as terem devolvido. É irrazoável pretender, agora, demonstrar que um objecto que estava no local, que estava acessível, que era relevante para a demonstração de um crime reportado às autoridades na altura tinha sido desprezado por estas.

Não está, portanto, configurada a figura da retorsão.

Todos os actos praticados por todos os arguidos foram englobados numa única actuação, os actos iniciais e este outro acto do arguido A... integram um único crime de ofensas à integridade física.

Para além disso este acto do arguido A... não mereceu reporte especial na sentença recorrida, nem em termos de agravação do quadro inicial das ofensas, e muito menos de configuração de concurso, pelo que aquele acto do assistente sempre irrelevante no que respeita à alteração do quadro legal de actuação dos arguidos.


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Aos arguidos foi imputada a prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, do art. 145º, nº 1, al. a) e nº 2, por referência aos art. 143º e 132º, nº 2, al. h), todos do Código Penal, com base nos seguintes argumentos:

«… O artigo 145º do C.P. exige que as ofensas tenham sido produzidas em circunstâncias que revelem uma especial censurabilidade ou perversidade do arguido, pelo que, ao referir a prática de ofensas juntamente com, pelo menos, mais duas pessoas, pretendeu a lei abranger uma situação de comparticipação de três agentes que determine uma particular perigosidade do meio e uma consequente dificuldade particular da vítima de dele se defender …

Trata-se de um tipo de culpa agravada de ofensa à integridade física por força da cláusula geral da especial censurabilidade …

Tais circunstâncias - e outras similares, como se infere da letra do preceito - poderão ou não revelar um maior desvalor da acção. Para aferir deste maior desvalor (a tal especial censurabilidade), há que olhar ao contexto da prática dos factos, em ordem a descortinar se, tendo em conta os motivos do agente, a sua inserção na sociedade, a sua responsabilidade, a sua maturidade intelectual, etc., a conduta reflecte uma especial e acentuada desconformidade da sua personalidade com os valores jurídico-penalmente relevantes. Ou seja, em suma, se o arguido revelou uma tal indiferença para com o direito e os bens jurídicos em causa em particular que choque sobremaneira a consciência jurídica colectiva.

O desvalor da acção reside num “mais” consistente, no caso da alínea h) do art. 132º, nº2, e no segmento em questão, qual seja, praticar o facto juntamente com, pelo menos, mais duas pessoas».

Concluiu-se que os arguidos agiram «de acordo (tácito), em superioridade numérica, colocando o assistente na impossibilidade de se defender e/ou sair do local, com a sua concreta actuação, o que visaram …», verificando-se a agravante qualificativa referida porque ao actuarem forma descrita agiram «em situação de especial censurabilidade, em face do número de arguidos intervenientes, a agressividade manifestada, a forma como o manifestaram, a abordagem realizada, que colocou o assistente em situação de manifesta inferioridade».

Dispõe o nº 1, al. a) do art. 145º do Código Penal, que versa sobre o crime de ofensa à integridade física qualificada, que no caso do art. 143º, de ofensa à integridade física simples, se as ofensas forem produzidas em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade o agente é punido com pena de prisão até 4 anos.

Quanto às circunstâncias reveladoras de especial censurabilidade ou perversidade, nº 2 remete para as circunstâncias previstas no art. 132º, nº 2.

As circunstâncias modificativas agravantes previstas no nº 2 do art. 132º do Código Penal determinam agravação do crime cometido se revelarem especial censurabilidade ou perversidade, isto é, se a conduta revelar algo que transcenda a censurabilidade inerente ao crime cometido.

Significa isto que a verificação das circunstâncias ali previstas não são de funcionamento automático e, enquanto elementos da culpa, qualificam a acção quando delas resulte especial censurabilidade ou perversidade. Os exemplos padrão indiciam a especial censurabilidade ou perversidade, que depois tem de ser confirmado pela análise global das circunstâncias de facto e da atitude do agente nele expressas.

Um dos exemplos padrão, previsto na al. h), é a prática do facto ilícito juntamente com, pelo menos, mais duas pessoas.

A propósito da circunstância da al. h) consta da anotação a este norma, feita por Figueiredo Dias, no Comentário Conimbricense do Código Penal, tomo I, 2ª ed., pág. 67, que ela deve ser interpretada no sentido «que não é a comparticipação, em si e por si mesma, que constitui o exemplo padrão, mas apenas se e quando ela determinar uma particular perigosidade do “meio” (no sentido amplo da “situação” e não apenas no sentido estrito do “instrumento”) e uma consequente dificuldade particular da vítima de dele se defender … Ao que acresce dever ainda o aplicador, mesmo depois de ter considerado que uma concreta situação da vida integra, segundo o pensamento da lei, a circunstância em análise, ser particularmente severo e exigente ao determinar se ela revela ou não, no caso concreto, em definitivo, uma especial censurabilidade ou perversidade do agente …».

Sobre a conclusão de o cometimento do crime juntamente com, pelo menos, mais duas pessoas revelar especial censurabilidade ou perversidade, decidiu-se no acórdão do S.T.J. de 15-9-2010, proferido no processo 173/05.6GBSTC.E1.S1, que a revela o facto de o arguido agir em superioridade fáctica e real relativamente à vítima, que também estava a ser agredida por outros dois indivíduos e que ficou incapaz de reagir, sabendo o arguido que estava em situação de supremacia numérica, e aproveitando-se dessa supremacia.

Em sentido convergente decidiu o acórdão do S.T.J. de 19-2-2014, processo 168/11.0GCCUB.S1, ao dizer que ocorre a referida circunstância quando se verifique a coautoria e resulte dos factos uma especial indefensabilidade da vítima, que estava a ser agredida por outros, situação que foi aproveitada pelo agente.

As circunstâncias do caso revelam, conforme foi decidido, uma especial censurabilidade por parte dos arguidos, derivada do facto de o grupo ter aproveitado da superioridade numérica para impedirem o assistente de reagir, desde logo porque o rodearam de modo a impossibilitarem a sua fuga.

O facto resultou da actuação de todos, que se concertaram para que o assistente, enquanto esteve a ser agredido, não pudesse fugir. Esteve claramente presente uma dinâmica de grupo.


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            Os arguidos impugnaram ainda decisão de não efectuar o cúmulo jurídico das penas de multa aplicadas.

            Dado que não se mantém a condenação do crime de injúria, este segmento do recurso perdeu razão de ser.

            Porém, a alteração da decisão da matéria de facto determina a alteração da decisão de indemnização.

            Os arguidos foram condenados no pagamento ao assistente de indemnização pelos danos causados pelas injúrias que lhe dirigiram e não se mantendo este crime a condenação pela sua prática também soçobra. A alteração de uma parte da decisão, que baseou outra parte da decisão, impõe que se altere também esta, ao abrigo das normas dos art. 402º e 403º do C.P.P.


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DISPOSITIVO

Pelos fundamentos expostos, na procedência parcial dos recursos, decide-se:

1 – eliminar do elenco dos factos provados o ponto 2;

2 – alterar os pontos 16 e 17 dos factos provados, que passam a ter a seguinte redacção:

«16 - Depois de o assistente ter imobilizado o seu veículo alguns arguidos, não se logrando identificar quais, dirigiram-lhe as seguintes palavras, de viva voz, “filho da puta”, “cabrão”.

17 - Com as referidas palavras, proferidas na via pública à vista de quem passava, estes arguidos pretenderam e conseguiram ofender a honra e consideração do assistente, o que bem sabiam, quiseram e lograram alcançar».

3 – absolver cada um dos arguidos A... , B... , C... , D... , E... , F... , G... , H... , I... , J... , L... , M... e N... da prática de um crime de injúria, do art. 181º, nº 1, do Código Penal;

4 – absolver os arguidos do pagamento ao assistente da indemnização de 400 €, pelos danos derivados do cometimento deste crime;

5 – quanto ao mais mantém-se a decisão recorrida.

            Taxa de justiça da parte civil pelo assistente, na proporção do decaimento.

            Elaborado em computador e revisto pela relatora, 1ª signatária – art. 94º, nº 2, do C.P.P.

Coimbra, 13 de Dezembro de 2017

Olga Maurício  (relatora)

Luís Teixeira (adjunto)

Jorge Dias  (presidente da secção)