Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2329/12.6TBPBL-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTINA PEDROSO
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
ARTICULADO SUPERVENIENTE
NULIDADE PROCESSUAL
RECURSO
DESPACHO INTERLOCUTÓRIO
Data do Acordão: 10/29/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: POMBAL 1º J
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.17-A, 17-D, 17-F, 211, 215, 216 CIRE, 691 CPC
Sumário: 1 - Os despachos interlocutórios não enquadráveis no n.º 2 do artigo 691.º do CPC, apenas são autonomamente recorríveis se não houver recurso da decisão final e mantiverem interesse para o apelante, nos termos preconizados no n.º 4 do mesmo preceito.

2 - Daí que, não possa verdadeiramente falar-se em trânsito em julgado dos referidos despachos interlocutórios, até quinze dias contados após o dia em que tenha transitado em julgado a decisão que pôs termo ao processo (n.º 5 do mesmo preceito).

3 - Por isso, os mesmos são impugnáveis com o recurso interposto da sentença final (n.º 3 do indicado artigo).

4 - A natureza urgente do PER consagrada no artigo 17.º-A, n.º 3, do CIRE, e sua expedita tramitação, não se compadecem com articulados supervenientes, devendo a impugnação de qualquer crédito, independentemente do respectivo fundamento, ser efectuada no prazo peremptório de 5 dias previsto no artigo 17.º-D, n.ºs 3 e 4 do CIRE.

5 - A não realização de Assembleia de Credores pelo Juiz no âmbito do PER, não constitui preterição de qualquer formalidade legal, e muito menos, de formalidade essencial ou “não negligenciável”, no dizer da lei, razão por que, não configura qualquer nulidade.

6 - O artigo 215.º do CIRE referente à não homologação oficiosa do plano de revitalização pelo juiz, visa conferir ao tribunal o “papel de guardião da legalidade, cabendo-lhe, em consequência, sindicar o cumprimento das normas aplicáveis como requisito da homologação do plano”.

7 - Apreciada a sentença homologatória, verifica-se que a Mm.ª Juiz se pronunciou sobre todas as questões colocadas pela ora Recorrente quanto à omissão de formalidades essenciais, e bem assim, quanto aos requisitos formais de homologação do plano, donde se conclui não padecer a mesma da invocada nulidade por falta de fundamentação.

Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – RELATÓRIO

1. A (…) e mulher, M (…), apresentou-se ao processo especial de revitalização no âmbito da redacção dos artigos 17.º-A e seguintes do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas[1], introduzida pela Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril.

2. Seguindo o processo os seus termos, a lista provisória de créditos apresentada pelo Administrador Judicial Provisório foi publicada em 20-12-2012, tendo a credora reclamante C (...), por requerimento apresentado em 27-12-2012, impugnado a lista provisória de créditos, com o fundamento de que o seu crédito devia ser reconhecido com um valor superior ao constante da lista.

3. Por requerimento apresentado em 22-01-2013, veio a credora reclamante C (...), impugnar o crédito reconhecido pelo Administrador Judicial Provisório, a R (…), com o fundamento de que o mesmo seria simulado.

4. Ouvidos os interessados, os Requerentes e o Administrador Judicial Provisório pronunciaram-se no sentido de tal impugnação ser extemporânea.

5. Na sequência, a Mm.ª Juiz, em 10-04-2013, proferiu o seguinte despacho, notificado às partes em 15-04-2013:

«Compulsados os autos verificamos que, efectivamente, tal como decorre de fls. 128, a lista provisória de créditos apresentada pelo Sr. Administrador Judicial Provisório foi publicada em 20/12/2012 e não em 22/01/2013, correspondendo esta última data à da junção aos autos do comprovativo de tal publicação, ao que não atentamos por lapso manifesto aquando da prolação do 1.º despacho de fls. 150, datado de 23/01/2013.

Nesta conformidade, atendendo a que, de acordo com o disposto no artigo 17.º- D, n.º 3 do CIRE, o prazo para a apresentação de impugnações é de cinco dias úteis, a impugnação apresentada pela credora/impugnante C (...), CRL em 22/01/2013, referente ao crédito reconhecido a R (…)  (cfr. fls. 145 a 149) é extemporânea.

Pelo exposto, determino o desentranhamento e devolução à apresentante».

6. Este despacho não foi objecto de recurso.

7. Os autos prosseguiram, tendo sido proferida a sentença que homologou o plano de recuperação, de cuja parte final consta o seguinte:

«Fls. 228 a 230: Tal como decorre do despacho de fls. 178, a impugnação apresentada por C (...), CRL ao crédito reconhecido a R (…) foi extemporânea».

8. Inconformada com a sentença que homologou o plano de recuperação, a credora reclamante C (...), CRL, interpôs o presente recurso de apelação formulando as seguintes conclusões:     

«I) O requerimento que foi julgado extemporâneo denunciava o uso anómalo do processo que, só foi conhecido pela apelante quando teve conhecimento que o crédito de R (…) resultava de um negócio simulado.

II) A decisão que julgou aquele requerimento extemporâneo está a negar à apelante o direito de invocar a simulação do negócio entre os devedores e o credor, R (…), que com a maior evidência ressalta dos autos.

III) O crédito de R (…) resulta de uma letra de câmbio, desconhecendo-se e nunca explicado, qual o negócio que lhe está subjacente.

IV) O montante daquele crédito permitiria a este hipotético credor e aos devedores decidir o destino do património destes, como aconteceu.

V) A Apelante verificou que, de acordo com o montante total das dívidas e o montante do património dos devedores, estes estavam em situação de insolvência.

VI) A Apelante após a análise de todos estes factos existentes nestes autos, no requerimento que não foi conhecido pela Meritíssima Juiz do Tribunal a quo, teve como intenção demonstrar ao Tribunal que o crédito de R (….) era fictício e que se estavam a fazer uso anormal deste processo.

VII) Os negócios simulados, nos termos do disposto no art. 240.º do Cód. Civil, conjugado com o art. 286.º do Cód. Civil, são invocáveis a todo o tempo, porque têm como consequência a nulidade do negócio.

VIII)      Este negócio tem como objectivo causar prejuízos à ora apelante, pelo que a mesma tem legitimidade e estava a tempo de invocar ao Tribunal a simulação do negócio que visa prejudicar o crédito.

IX) Com o negócio simulado a intenção dos devedores era, em conluio com o hipotético credor, proceder à liquidação do património dos devedores, distribuindo-os como fizeram no plano que foi aprovado.

X)        O credor R (…) recebeu para pagamento do seu crédito a casa de habitação dos devedores e perdoou o remanescente da dívida.

XI) Verifica-se pois que, este processo violou os princípios da transparência, certeza e segurança jurídicas, bem como a finalidade de recuperar financeiramente os devedores;

XII) No plano de recuperação que foi homologado não foi definida a forma de recuperar os devedores, nem preconiza soluções conducentes à sua recuperação, como é a sua finalidade.

XIII)      Neste plano apenas se procedeu à liquidação do património imobiliário dos devedores, destinando-se que os devedores davam em pagamento ao credor Rogério Santos a sua casa de habitação, pelo valor de 155.670,00€, perdoando o remanescente em dívida, ou seja, o montante de 336.297,00€.

XIV)    Ora, salvo o devido respeito esta situação anómala do uso do processo ter-se-ia evitado se a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo tivesse conhecido dos requerimentos, bem como se se tivesse procedido a Assembleia de Credores.

XV) Porém, o Tribunal a quo entendeu que neste processo não há lugar a Assembleia de Credores, pela mesma não estar prevista expressamente nesta legislação.

XVI)    No entanto, da conjugação do n.º 4, do art. 17.º-F e do art. 211.º, ambos do CIRE resulta que o legislador não afastou a possibilidade dos credores discutirem o plano de recuperação, como se evidencia do texto do art. 211.º "Finda a discussão do plano".

XVII)    Tendo sido esta a solução preconizada no Acordão da Relação de Guimarães de 18/12/2012, disponível para consulta em www.dgsi.pt.

XVIII)   Á mingua de legislação expressa e à busca de transparência e segurança jurídica deve ser aplicado por analogia o regime relativo à aprovação do plano de insolvência, para que todos os credores possam conhecer e debater o plano que resultou da negociação.

XIX)    Salvo melhor opinião, face aos elementos que constam dos autos o Tribunal não podia deixar de conhecer oficiosamente a origem do crédito de Rogério Santos, para apurar do uso anormal do processo, pelo que deverá tal decisão ser substituída por outra em que se conheça dos requerimentos apresentados pela apelante, porque denunciam a simulação do negócio, bem como do uso anormal do processo, proibido por lei.

XX) Uma vez que o plano de recuperação que foi aprovado e homologado não propõe soluções com vista a recuperar os devedores, violando o escopo desta forma de processo, deve ser revogada a decisão que o homologou.

XXI)    Foram violados o disposto nos art. 240.º/1/2 e 286.º Cód. Civil e 665.º CPC».

9. Pelos Requerentes do PER foram apresentadas contra-alegações, cuja minuta finalizaram com as seguintes conclusões:

«1. A sentença homologatória deve ser mantida;

2. O requerimento apresentado pela Apelante em 22 de Janeiro de 2013, que consubstancia uma impugnação à lista provisória de créditos, foi objeto de decisão por despacho com a referência 3448698, notificado às partes através de notificação com a data de elaboração 15 de Abril de 2013, transitado em julgado;

3. Pelo que todas as questões suscitadas em tal requerimento, quer quanto à sua tempestividade, quer quanto ao suposto crédito simulado do credor Rogério, se encontravam definitivamente decididas, não podendo ser objeto do presente recurso;

4. No caso dos autos, cumpriram-se todos os procedimentos legais;

5. No processo especial de revitalização, não há lugar à realização da assembleia de credores».

 

10. Colhidos os vistos, cumpre decidir.


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II. O objecto do recurso.

Com base nas disposições conjugadas dos artigos 660.º, 661.º, 664.º, 684.º, n.º 3, 685.º-A, n.º 1, e 713.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil[2], é pacífico que o objecto do recurso se limita pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo evidentemente daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha.

Assim, as questões a decidir no presente recurso são as de saber se:

- A Apelante está em tempo para apresentar o seu recurso quanto ao despacho de que ora se recorre no qual a Meretíssima Juiz de Direito rejeitou o requerimento apresentado pela ora recorrente com fundamento em extemporaneidade, relevando para este efeito a factualidade supra descrita;

- Existiu preterição de formalidade essencial por não ter sido realizada a Assembleia de Credores;

- A sentença proferida enferma de nulidade, por falta de fundamentação que justifique a homologação do plano.


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III.1. - O mérito do recurso

III.1.1. Considerações gerais

Conforme já havíamos entendido no processo n.º 6070/12.1TBLRA-A.C1, em acórdão proferido no dia 12 de Março de 2013, disponível in www.dgsi.pt, citado pela recorrida, para um melhor enquadramento do processo em causa, iremos reproduzir as considerações gerais ali tecidas. Assim:

O Processo Especial de Revitalização[3] foi introduzido com a 6.ª alteração ao Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo DL n.º 53/2004, de 18 de Março[4], cumprindo previamente determo-nos, ainda que brevemente, sobre esta nova figura e aquilatar das razões da sua introdução, com vista a uma melhor compreensão do regime.

Para o efeito, importa fazer uma incursão sobre o processo legislativo que culminou com esta alteração legislativa, julgada necessária mercê do exponencial aumento do número de insolvências em Portugal, resultantes da crise económica e financeira em que o país está mergulhado, e única solução que o denominado sistema de falência-liquidação previsto no CIRE permitia.

A primeira menção à necessidade de alteração deste sistema, encontramo-la no ponto 2.18 do “Memorando de Entendimento” celebrado entre o Estado português, a CE, o BCE e o FMI, que impunha a definição de “princípios gerais de reestruturação voluntária extra-judicial em conformidade com boas práticas internacionais”, após o que o Governo veio a aprovar a Resolução do Conselho de Ministros n.º 43/2011, de 25 de Outubro, que definiu os seguintes “Princípios Orientadores da Recuperação Extrajudicial de Devedores”:

“Primeiro princípio - o procedimento extrajudicial corresponde a um compromisso assumido entre o devedor e os credores envolvidos e (e não a um direito) e apenas deve ser iniciado quando as dificuldades financeiras do devedor possam ser ultrapassadas e haja uma forte probabilidade de este manter-se em actividade após a conclusão do acordo alcançado com os seus credores;

Segundo princípio - durante todo o procedimento, as partes devem actuar de boa fé, na busca de uma solução construtiva que satisfaça todos os envolvidos;

Terceiro princípio - deve ser garantida uma abordagem unificada por parte dos credores, que melhor sirva os interesses de todas as partes;

Quarto princípio - os credores envolvidos devem cooperar entre si e com o devedor de modo a concederem a este um período de tempo suficiente para obter e partilhar toda a informação relevante e para elaborar e apresentar propostas para resolver os seus problemas financeiros;

Quinto princípio - durante o período de suspensão, os credores envolvidos não devem agir contra o devedor, comprometendo-se a abster-se de intentar novas acções judiciais e a suspender as que se encontrem pendentes;

Sexto princípio - durante o período de suspensão, o devedor compromete-se a não praticar qualquer acto que prejudique os direitos e as garantias dos credores, ou que, de algum modo, afecte negativamente as perspectivas dos credores de verem pagos os seus créditos, em comparação com a sua situação no início do período de suspensão;

Sétimo princípio - o devedor deve adoptar uma postura de absoluta transparência durante o período de suspensão, partilhando toda a informação relevante sobre a sua situação, nomeadamente a respeitante aos seus activos, passivos, transacções comerciais e previsões da evolução do negócio;

Oitavo princípio - toda a informação partilhada pelo devedor, incluindo as propostas que efectue, deve ser transmitida a todos os credores envolvidos e reconhecida por estes como confidencial, não podendo ser usada para outros fins, excepto se estiver publicamente disponível;

Nono princípio - As propostas apresentadas e os acordos realizados durante o procedimento, incluindo aqueles que apenas envolvam os credores, devem reflectir a lei vigente e a posição relativa de cada credor;

Décimo princípio - As propostas de recuperação do devedor devem basear-se num plano de negócios viável e credível, que evidencie a capacidade do devedor de gerar fluxos de caixa necessários ao plano de reestruturação, que demonstre que o mesmo não é apenas um expediente para atrasar o processo judicial de insolvência, e que contenha informação respeitante aos passos a percorrer pelo devedor de modo a ultrapassar os seus problemas financeiros;

Décimo primeiro princípio - Se durante o período de suspensão ou no âmbito da reestruturação da dívida for concedido financiamento adicional ao devedor, o crédito resultante deve ser considerado pelas partes como garantido.”

E foi na sequência da definição destes princípios que veio a ser apresentada a proposta de lei n.º 39/XII da Presidência do Conselho de Ministros, assente na ideia fundamental de que “cada agente que desaparece representa um custo apreciável para a economia, contribuindo para o empobrecimento do tecido económico português, uma vez que gera desemprego e extingue oportunidades comerciais que, dificilmente, se podem recuperar pelo surgimento de novas empresas”, e consequentemente privilegiando a manutenção do devedor no giro comercial e relegando para segundo plano a liquidação do seu património sempre que se mostre viável a sua recuperação.

A atenuação da forma radical prevista no CIRE com a primazia do sistema de falência-liquidação, decorre logo da alteração introduzida ao seu artigo 1.º, n.º 1, que agora passou a dar primazia à recuperação das empresas em detrimento da liquidação do património do devedor, a não ser quando tal não se afigure possível, por isso que as alterações possam parecer mais de forma que de conteúdo[5].

Assim, mantendo-se a finalidade primeira do processo, a satisfação dos credores pela forma que vier a ser prevista num plano de insolvência ou de recuperação, permite-se no n.º 2 do artigo 1.º do CIRE, a opção pelo processo especial de revitalização ao devedor que se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, permitindo-lhe por esta via estabelecer negociações com os credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização (artigo 17.º-A, n.º 1, in fine).

Portanto, pressuposto primeiro para a utilização deste novo mecanismo é que o devedor, que comprovadamente esteja numa das referidas situações, ainda seja susceptível de recuperação (artigo 17.º-A, n.º 1), definindo-se que se encontra numa situação económica difícil o devedor que enfrentar dificuldade séria para cumprir pontualmente as suas obrigações, designadamente por falta de liquidez ou por não conseguir obter crédito (artigo 17.º-B), e considerando-se em insolvência iminente, o devedor que esteja na iminência de se encontrar impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas (artigo 3.º, n.ºs 1 e 4).

Ponto é que, em qualquer dos casos, ainda não se encontre numa situação de insolvência efectiva, ou seja, efectivamente impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas (artigo 3.º, n.º 1), uma vez que caso tal ocorra, por força do disposto no artigo 18.º, o devedor tem o dever de se apresentar à insolvência[6].

Por outras palavras, significa isto que se trata de um processo que visa possibilitar a revitalização rápida e eficaz dos devedores que se encontrem numa situação de “pré-insolvência”[7], não se tratando de “ressuscitar o já insolvente”, mas sim de “reanimar a que conserva ainda um sopro de vida, sendo necessário insuflar-lhe oxigénio indispensável para que se reactive e reerga”[8].

Para tal desiderato, a lei atribuiu natureza urgente ao processo (artigo 17.º-A, n.º 1), consagrou um regime de cariz voluntário já que o recurso ao PER depende da manifestação de vontade do devedor nesse sentido (artigos 17.º-A, n.ºs 1 e 2, e 17.º-C), e é optativo, uma vez que em situação de falência iminente o devedor pode optar logo pela imediata apresentação à insolvência (artigo 3.º, n.º 4)[9]; e de pendor marcadamente extrajudicial (artigos 17.º-D, 17.º-F e 17.º-I), mas fazendo observar nas negociações entre devedor e credores, uma actuação conforme aos aludidos princípios orientadores, por via da previsão expressa do n.º 10 do artigo 17º-D.

Visando ainda conferir credibilidade a este processo e evitar o seu uso abusivo, atentos os importantes efeitos que do mesmo decorrem sobre outros processos pendentes (artigo 17.º-E, n.ºs 1 e 6), o legislador consagra a possibilidade de o devedor e os seus administradores de direito ou de facto, serem civilmente responsáveis pelos prejuízos causados aos credores em virtude de falta ou incorrecção das informações prestadas e das comunicações efectuadas (artigo 17.º-D, n.º 11).

Tratando-se, como se afirmou, de um processo de pendor marcadamente extrajudicial, ao juiz está cometida neste PER a prática de escassos actos: o primeiro é a nomeação de administrador judicial provisório, na sequência da comunicação efectuada pelo devedor e da verificação do cumprimento das formalidades legalmente prescritas para o efeito [artigo 17.º-C, n.ºs, 1 a 3, alínea a)][10]; depois, a decisão de impugnações de reclamações de créditos (artigo 17.º-D; seguidamente, quando as negociações chegam à elaboração de um plano de recuperação, o juiz decide se deve homologar o referido plano ou recusar a sua homologação (artigo 17.º-F, n.ºs 3 e 5); e finalmente, quando no processo não se chegue à aprovação de um plano de recuperação, e o mesmo seja encerrado, cabe ao juiz a declaração de insolvência do devedor, quando seja o caso (artigo 17.º-G).

Sinteticamente traçadas as linhas orientadoras do PER e o campo de intervenção do juiz, somos chegados ao momento de apreciar as três questões recursórias à luz do que se deixa dito


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III.1.2. Tempestividade do recurso quanto ao despacho interlocutório

Vistas as alegações da Apelante, desde logo verificamos que a mesma defende estar em tempo para apresentar o seu recurso relativamente ao despacho interlocutório em que a Meritíssima Juiz de Direito rejeitou o requerimento apresentado pela ora recorrente com fundamento em extemporaneidade, porquanto só naquela data é que a mesma teve conhecimento que os devedores e o credor R (….) tinham simulado a existência do crédito daquele, visando garantir que, em Assembleia de Credores, fossem eles a controlar integralmente as decisões, podendo salvaguardar e gerir os seus interesses, podendo prejudicar os interesses da credora, ora apelante, sendo que a nulidade prevista no art. 286.º do Código Civil[11] pode ser invocada a todo o momento, podendo ser declarada pelo Tribunal, razão por que entende que aquele requerimento, embora entregue como impugnação de crédito, sempre teria que ser considerado como um articulado superveniente e, com vista à descoberta da verdade material, deveria o julgador ordenar, oficiosamente, a produção de provas para comprovação da existência do crédito do referido R (…).

Aduz ainda que a aceitar-se que aquele requerimento é extemporâneo, nega-se à apelante o direito de invocar a simulação daquele negócio e o seu consequente efeito, a nulidade prevista no n.º 2 do art. 240.º do CC, sendo que o desentranhamento de tal requerimento não pode deixar de configurar uma clara denegação de justiça, não só por impedir o interessado/credor de exercer o seu direito a invocar a nulidade a todo o tempo, bem como a de ser conhecida e declarada pelo Tribunal na acção em que a recorrente vê os seus direitos patrimoniais diminuírem, por causa de um crédito fictício, sendo contrária aos princípios legais (art. 2.º CPC) e também constitucionais (art. 20.º CRP), pelo que deverá ser substituída por outra que admita o requerimento e ordene a realização das diligências necessárias e adequadas ao apuramento da existência do crédito de R (…).

Por seu turno, contrapõem os Recorridos que o despacho da Meritíssima Juiz do Tribunal a quo que decidiu que a impugnação de créditos apresentada pela Apelante relativa ao crédito de R (…) foi extemporânea, na qual a Apelante alegava exactamente os mesmos factos que agora invoca no recurso sob o ponto A), nomeadamente a questão da simulação, não foi objecto de recurso pela ora Apelante, pelo que transitou em julgado no dia 8 de Maio de 2013, (considerando os três dias úteis subsequentes ao termo do prazo, mediante o pagamento de uma multa, nos termos previstos no artigo 145.º do Código de Processo Civil aplicável ex vi do artigo 17.º do CIRE).

Tendo transitado em julgado o despacho, ficou a questão da extemporaneidade e da alegada simulação definitivamente decidida, não podendo, por isso, através de recurso da sentença homologatória do plano, a Apelante tentar recorrer de questões já anteriormente decididas por despacho transitado em julgado.

Aduz ainda que apesar da Apelante, na parte inicial do recurso, referir que está a recorrer de um "despacho" no qual a Meritíssima Juiz "rejeitou o requerimento apresentado pela ora recorrente com fundamento em extemporaneidade", a verdade é que não o pode fazer, precisamente, por extemporaneidade!

Assim, o recurso interposto pela Apelante incide apenas, e só, sobre a sentença que homologou o plano de recuperação, sendo que para que dúvidas não restem consta da parte final da sentença de homologação o seguinte:

"Fls. 228 a 230: Tal como decorre do despacho de fls. 178, a impugnação apresentada por C (...), CRL ao crédito reconhecido a R (…) foi extemporânea.

Não tendo a Apelante recorrido do despacho que decidiu a extemporaneidade da impugnação, não pode agora pretender que o tribunal aprecie uma questão já decidida, transitada em julgado.

Cumpre apreciar.

É evidente que a Mm.ª Juiz a quo decidiu pelo despacho já referido que a impugnação do crédito de R (…), apresentada pela ora Recorrente foi extemporânea, e que então a Apelante não interpôs recurso.

Tal não significa, porém, que o mesmo tenha transitado em julgado.

Efectivamente, nos termos do artigo 677.º do CPC “a decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação, nos termos dos artigos 668.º e 669.º”.

Ora, no caso dos autos apenas interessa a susceptibilidade de ser passível de recurso ordinário, e a interposição desse recurso faz-se nos termos do artigo 691.º do CPC, que sofreu alteração importante com a reforma introduzida no regime de recursos pelo DL n.º 303/2007, de 24 de Agosto.

Assim, não se enquadrando a decisão recorrida quer no n.º 1 do referido artigo por manifestamente não pôr termo ao processo - já que a decisão que põe termo ao processo é precisamente a sentença homologatória de que foi interposto recurso -, nem em qualquer uma das alíneas do n.º 2 do mesmo preceito, trata-se claramente de outra decisão proferida pelo tribunal de primeira instância, não tipificada em qualquer um dos indicados números.

Melhor dizendo, trata-se de uma decisão interlocutória, irrecorrível autonomamente quando haja recurso da decisão final, caso em que são meramente impugnáveis neste recurso, nos termos do n.º 3 do artigo 691.º, consagrando regime onde se surpreendem semelhanças com os antigos agravos de subida diferida.

Desta sorte, estes despachos interlocutórios não enquadráveis no n.º 2 do artigo 691.º do CPC, apenas são autonomamente recorríveis se não houver recurso da decisão final e mantiverem interesse para o apelante, nos termos preconizados no n.º 4 do mesmo preceito.

Daí que, não possa verdadeiramente falar-se em trânsito em julgado dos referidos despachos interlocutórios, até quinze dias contados após o dia em que tenha transitado em julgado a decisão que pôs termo ao processo (n.º 5 do mesmo preceito). 

Pelo exposto, o recurso interposto pela Apelante do despacho que julgou extemporânea a deduzida impugnação de créditos é tempestivo, porque impugnado em recurso da sentença final, e, como tal, irá ser apreciado.


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III.1.3. Extemporaneidade da deduzida impugnação de créditos

Questão diversa e colocada pela Recorrente é a de saber se a impugnação do crédito de R (…), que em sede de alegações de recurso já assume ter efectuado para além do prazo de 5 dias a que alude o artigo 17.º-D, n.º 3, do CIRE, deve ser admissível por ser fundada em alegada simulação, invocável a todo o tempo, por determinar a nulidade do negócio simulado.

Vejamos, então, qual a tramitação processual efectuada nos autos.

Como vimos, de acordo com o disposto no artigo 17.º-D, n.º 3, do CIRE a Iista provisória de créditos é imediatamente apresentada na secretaria do tribunal e publicada no portal Citius, podendo ser impugnada no prazo de cinco dias úteis, e dispondo, em seguida, o juiz de idêntico prazo para decidir sobre as impugnações formuladas.  

Porém, de acordo com a previsão ínsita no n.º 4 do indicado artigo, findo tal prazo sem que a lista de provisória de créditos haja sido impugnada, a mesma converte-se em definitiva, por força desta clara estatuição legal.

No caso em apreço, a credora ora Apelante, por requerimento apresentado em 27 de Dezembro de 2012, impugnou a lista provisória de créditos, por entender que o seu crédito devia ser reconhecido com um valor superior ao constante da lista, e tal impugnação foi tempestivamente deduzida.

Portanto, a Apelante teve oportuno conhecimento da publicação da lista provisória de créditos apresentada pelo Sr. Administrador judicial provisório.

Conforme também decorre dos autos, logo aquando do requerimento inicial do PER, na relação e identificação de acções pendentes, os ora Recorridos, haviam identificado tal credor e o processo executivo n.º 1496/07.7TBPBL que corre termos no 3.º Juízo do Tribunal Judicial de Pombal, identificado no documento 4 que deu entrada em juízo com tal requerimento inicial.

Acontece, porém, que a ora Apelante, não impugnou esse crédito no prazo que a lei lhe concede para o fazer, prazo esse que é peremptório, se conjugarmos o preceituado nos n.ºs 3 e 4 do citado artigo 17.º-D, porquanto, decorrido o mesmo sem que a lista provisória de créditos haja sido impugnada, esta converte-se de imediato em lista definitiva.

Como tal, conclui-se, que o requerimento apresentado pela C (...), como impugnação do crédito do identificado R (…), é efectivamente extemporâneo, porque deduzido para além do prazo peremptório de 5 dias que a lei estabelece.

Mas, será o mesmo admissível, como pretende a recorrente, com a invocação de que só na data em que apresentou o aludido requerimento é que teve conhecimento que os devedores e o credor R (…), tinham simulado a existência do crédito daquele, visando garantir que, em Assembleia de Credores, fossem eles a controlar integralmente as decisões, podendo salvaguardar e gerir os seus interesses, podendo prejudicar os interesses da credora, ora apelante, nunca podendo a mesma ter alegado qualquer simulação, sem previamente ter dela conhecimento? E que aquele requerimento, embora entregue como impugnação de crédito, sempre teria que ser considerado como um articulado superveniente e, com vista à descoberta da verdade material, deveria o julgador ordenar, oficiosamente, a produção de provas para comprovação da existência do crédito do referido Rogério dos Santos?

Diga-se, desde já, que pensamos não assistir qualquer razão à apelante quer se olharmos para a questão colocada em abstracto, quer se nos detivermos numa apreciação mais virada para o caso concreto.

Começando por aqui, desde logo, nos parece que a alegação da Recorrente que só teve conhecimento da simulação do crédito do credor identificado logo no requerimento inicial R (…), em data posterior à impugnação, esbarra com a constatação factual de que a identificação do processo executivo constava logo no requerimento inicial e dele resulta que o processo é de 2007, portanto, muito anterior ao PER, entrado em juízo em 13 de Novembro de 2012.

Por seu turno, tendo logo tido conhecimento da identificação do processo em referência, não se compreende – e a Apelante não explica – como é que teve entretanto conhecimento de que tal crédito era simulado, quando o mesmo já constava em execução de 2007, que nem sequer pode entender-se ter sido instaurada com vista a este fim já que o PER veio a ser instituído apenas em 2012.

Depois, em sede geral, invoca a Apelante que a aceitar-se que aquele requerimento é extemporâneo, nega-se-lhe o direito de invocar a simulação daquele negócio e o seu consequente efeito, a nulidade, prevista no n.º 2 do art. 240.º do Código Civil.

Parece-nos uma evidência das considerações genéricas supra tecidas que os próprios prazos concedidos pelo legislador para a tramitação do PER não se compadecem nem com articulados que a sua tramitação expressamente prevista no artigo 17.º-D do CIRE não consagra, nem com a tramitação processual que uma acção de anulação por simulação implicaria. Veja-se que o n.º 11 do indicado preceito, visando evitar a existência de fraudes no uso do PER, claramente consagra a responsabilidade civil solidária dos devedores, pelos prejuízos causados aos seus credores em virtude de falta ou incorrecção das comunicações ou informações a estes prestadas. Só que, precisamente corroborando o entendimento supra expendido no sentido de que a tramitação do PER não se compadece com aquela que a Apelante defende, a acção intentada para apurar a aludida responsabilidade civil corre autonomamente ao processo especial de revitalização, não se compreendendo, portanto, como pretenderia a credora ver declarada neste próprio processo uma alegada simulação.

Concluindo, a natureza urgente do PER consagrada no artigo 17.º-A, n.º 3, do CIRE e sua expedita tramitação não se compadece com articulados supervenientes, devendo a impugnação de qualquer crédito, independentemente do respectivo fundamento, ser efectuada no prazo peremptório de 5 dias previsto no artigo 17.º-D, n.ºs 3 e 4 do CIRE.

Porém, tal não obsta a que, caso tenha fundamento para o efeito, o credor reclamante intente contra os devedores, acção autónoma, para apurar uma eventual responsabilidade civil. E esta, claro está, pode ter por fundamento, a invocada simulação de um crédito em prejuízo de outro credor, não existindo, consequentemente, qualquer violação de preceito constitucional porque a própria lei concede ao credor forma de tutelar eventual direito que aqui tenha sido postergado.


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III.1.4. Da inexistência de assembleia de credores

Invocou a Apelante a preterição de formalidade essencial por não ter sido designada pela Meritíssima Juíza uma Assembleia de Credores.

Também neste aspecto não lhe assiste razão.

Defende a Recorrente que da conjugação do n.º 4 do artigo 17.º-F e do artigo 211.º ambos do CIRE, resulta que o legislador não afastou a possibilidade dos credores discutirem o plano de recuperação, pelo contrário, foi intenção do legislador que a mesma fosse realizada, como resulta do artigo 211.º, dele constando: "Finda a discussão do plano...”. Por isso, embora o legislador tenha previsto, de forma expressa, por remissão do n.º 4 do artigo 17.º-F para o artigo 211.º do CIRE, que deveria ser discutido o plano de revitalização resultante da negociação encetada entre credores e devedor, não legislou o modo como o plano de recuperação deveria ser discutido, pelo que o facto de em tudo ser semelhante à discussão do plano de insolvência, reconduz-nos à certeza de que deverá ser aplicado por analogia o referido regime, porque tais normas são especiais (e não excepcionais), não se justificando a hipótese de solução diferente, uma vez que as razões que justificam a discussão do plano de insolvência, isto é, as razões de transparência, confiança, segurança e certeza jurídica dos credores, são também as que justificam a discussão do plano de revitalização.

Ora, ao contrário do defendido pela Recorrente, o PER foi instituído com tramitação processual própria e claramente desenvolvida nos artigos 17.º-A a 17.º-I do CIRE, onde não consta prevista a realização de qualquer Assembleia de Credores convocada pelo Tribunal.

Tal, aliás, é o que se harmoniza com a sobredita natureza essencialmente extrajudicial, claramente marcada pela previsão dos artigos 17.º-D e 17.º-F, n.º 1, do qual ressalta que só após a conclusão das negociações é que o processo é remetido ao juiz, acompanhado da documentação respectiva.

Por isso, ainda que a mesma possa ser eventualmente designada, quer oficiosamente quer a requerimento caso se verifique a sua conveniência, como terá acontecido no processo citado pelo Recorrente, tal não significa que a sua não designação acarrete a comissão de alguma nulidade, desde logo, por não estar efectivamente prevista na lei a sua realização, estando, ao invés, prevista uma tramitação de votação por escrito.

De facto, como bem explicou a Mm.ª Juiz ao decidir esta mesma questão que lhe havia sido suscitada pela Recorrente, «Decorre da conjugação dos mencionados normativos que a votação do plano de recuperação é efectuada por escrito, não se encontrando legalmente prevista a realização de qualquer Assembleia de Credores para o efeito. Na verdade, a remissão operada pelas referidas normas para o disposto nos artigos 211.º e 212.º do CIRE limita-se à maioria exigida para efeitos de aprovação, devendo ser aplicada com as devidas adaptações, ou seja, referindo-se os titulares de créditos com direito de voto aos relacionados na lista de créditos provisória elaborada pelo administrador judicial provisório. Aliás, se o legislador pretendesse prever a realização de tal Assembleia, certamente teria alargado de forma expressa a remissão legal para o disposto no artigo 209.º do CIRE, o que não sucedeu. Acresce que os credores podem solicitar ao devedor todas as informações pertinentes no âmbito das negociações, devendo estes prestá-Ias, de acordo com o previsto no 17.º-D, n.º 6 do CIRE pelo que não se encontram aqueles impossibilitados de suscitar dúvidas e propor alterações antes de emitir o seu voto». E foi isso precisamente o que aconteceu nos presentes autos onde a Recorrente foi sempre suscitando as questões que se lhe afiguraram pertinentes, acabando por declarar, por escrito, que não ia votar o plano de recuperação.

Como tal, a não realização de Assembleia de Credores pelo Juiz no âmbito do PER, não constitui preterição de qualquer formalidade legal, e muito menos, essencial, razão por que, e sem necessidade de maiores considerações, improcede a arguida nulidade.


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III.1.5. Da nulidade da sentença homologatória

Finalmente invocou a Apelante que a sentença que homologou o plano de recuperação é nula por falta de fundamentação.

E também neste aspecto não lhe assiste qualquer razão.

De facto, como afirmado supra nas considerações gerais, a intervenção do juiz no PER está reservada à verificação da situação de facto do devedor, ou seja, apreciar se está numa das situações previstas no n.º 2 do artigo 1.º do CIRE; e das condições necessárias para a sua recuperação previstas no artigos 17º-A, 17º-B e 17º-C, quanto à noção de situação económica difícil, e formalidades do requerimento; à decisão das impugnações dos créditos; e, para o que ora importa, ao controlo do cumprimento das normas aplicáveis como requisito da homologação do plano de recuperação por forma a assegurar a legalidade do acordo alcançado pelos intervenientes, nos termos do artigo 17º-F, n.ºs 3 e 5.

No caso de não ter sido obtido acordo entre todos os credores, como aconteceu com o presente, o juiz decide se deve ou não homologar o plano, podendo recusar a sua homologação oficiosamente ou a requerimento de qualquer interessado, respectivamente, nos termos dos artigos 215.º e 216.º do CIRE, aplicáveis ex vi do disposto no artigo 17.º-F, n.º 5.

Ora, entende a Recorrente que o Tribunal a quo homologou o plano de recuperação aprovado, limitando-se apenas a conferir a regularidade da votação, não ajuizando da regularidade da instância, não verificando das violações não negligenciáveis das regras procedimentais nem das normas aplicáveis ao seu conteúdo, como deveria ter feito.

Aduz a recorrente que a homologação do plano deveria ter sido recusada, com fundamento em violação de regras procedimentais imperativas, pelos seguintes motivos:

Primeiro, por não ter sido realizada a Assembleia de Credores para a discussão do plano de revitalização do devedor, como melhor foi exposto em B).

Quanto a este motivo já decidimos supra quanto à falta de fundamento da sua pretensão.

Havia ainda a ora Recorrente invocado preterição de formalidade por via do decurso do prazo para conclusão das negociações.

Também esta foi claramente decidida pela Mm.ª Juiz antes de homologar o plano de revitalização, nos seguintes e acertados termos:

«No que concerne ao prazo de conclusão das negociações, tal como decorre dos autos, foi junto ao processo, em 28/02/2013, acordo prévio e escrito celebrado entre o Sr. Administrador Judicial Provisório e os devedores no qual requerem a prorrogação do prazo para concluir as negociações encetadas, nos termos do disposto no 17°-D, n.º 5 do CIRE.

Por conseguinte, tendo os votos sido recebidos em 02/04/2013 (cfr. fls. 182 e 183), não foi ultrapassado o prazo para a conclusão das negociações, diferentemente do sustentado pela credora " C (...)l, CRL."».

Portanto, também esta invocada regularidade foi decidida.

Aduz depois a Recorrente que também, porque dentro das funções a que se encontra adstrito, o juiz do processo tem o poder - dever de verificar se os devedores e credores estão a fazer um uso normal do processo, referindo que ao longo do processo, apresentou vários requerimentos, nos quais invocou a inexistência do crédito de R (…), indicando situações de facto que revelavam e demonstravam que os devedores e o credor R (…) estavam a fazer um uso anormal deste processo, usando-o com o único propósito de afastar da Apelante a possibilidade de ser ressarcida integralmente no montante do seu crédito.

Na verdade, considera que são várias as circunstâncias que constam do processo que motivam convicção segura de que os devedores em conluio com o credor R (…), simularam a existência daquele crédito, cujo valor permitiria a este decidir qualquer questão sem necessidade da concordância de outro credor.

O hipotético credor R (…), como credor maioritário, votaria sozinho, podendo em conluio com os devedores decidir a sorte do património destes, sendo o seu crédito titulado por letra de câmbio, não se sabendo qual a relação causal subjacente, e tendo este aceitado receber por dação em pagamento, a casa de morada de família dos devedores, no valor de 155.670,00€, perdoando o remanescente em dívida, ou seja, o montante de 336.297,00€, assim como, no final a apelante receberá montante superior ao que vai receber aquele credor.

Considera ainda a recorrente que são vários os sinais constantes nos autos que, aferidos à luz da experiência comum e dentro dos padrões de razoabilidade, demonstram que esta situação é demasiado anómala, transparecendo com a maior evidência de que não pode ser verdadeira.

Como vemos, a Recorrente pretende que por esta via se aprecie a simulação extemporaneamente invocada em fundamento da impugnação do crédito de R (…) o que, como é manifesto não é possível porquanto seria deixar entrar pela janela a pretensão a que, por extemporaneidade, se fechou a porta.

De facto, de acordo com o preceituado no artigo 17.ºF, n.º 5, ao PER aplica-se, com as necessárias adaptações, as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência, em especial o disposto nos artigos 215.º e 216.º do CIRE.

Significa isto que, sendo o Plano de Recuperação e o Plano de Insolvência realidades jurídicas perfeitamente distintas, tendo cada um deles um regime de regras próprias e específicas e pressupostos e finalidades distintas, nem todas as normas da homologação do plano de insolvência previstas no título IX se lhe aplicam, já tendo sido decidido, por exemplo, que não tem aplicação no PER o estatuído no artigo 195.º do CIRE[12].

Ora, no caso em apreço, visto o disposto no artigo 215.º do CIRE referente à não homologação oficiosa, verifica-se que este preceito visa conferir ao tribunal o “papel de guardião da legalidade, cabendo-lhe, em consequência, sindicar o cumprimento das normas aplicáveis como requisito da homologação do plano[13]”.

Apreciada a sentença homologatória, verifica-se que a Mm.ª Juiz se pronunciou sobre todas as questões colocadas pela ora Recorrente quanto à omissão de formalidades essenciais, no dizer da lei “não negligenciáveis” em sentido que entendemos ter sido adequado e que aqui já sufragámos.

Por seu turno, no segmento em que concretiza a homologação do plano de revitalização, refere-se claramente aos preceitos legais aplicáveis, na sequência dos requerimentos da ora Recorrente, aduzindo que, «atendendo a que votaram mais de 1/3 do total dos créditos com direito de voto e que a proposta do plano de recuperação teve a aprovação de mais de 2/3 da totalidade dos votos emitidos e mais de 1/2 dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados, nos termos do artigo 212.º do CIRE, aplicável ex vi do artigo 17.º-F, n.º 3 do mesmo Código, considera-se o mesmo aprovado».

Ou seja, a Mm.ª Juiz claramente controlou a legalidade daquilo que lhe era possível controlar com as funções que lhe estão cometidas no PER, não podendo avançar para a não homologação de um plano que reunia os requisitos legalmente exigíveis, fundada em meras suspeitas da ora Recorrente, cujo bem fundado desde logo pode ser posto em causa com o argumento supra aduzido de que, quando entrou em juízo a execução em questão, nem sequer existia PER, o qual só veio a surgir volvidos quase cinco anos, donde seja difícil configurar que com os elementos constantes nos autos, pudesse sequer a julgadora não homologar o plano de revitalização que cumpre todos os requisitos legais.

Improcede, pois, a invocada nulidade da sentença homologatória do plano de revitalização, por falta de fundamentação.

Pelo exposto, conclui-se não ser de conceder provimento ao presente recurso, devendo confirmar-se a sentença recorrida.


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III.2. - Síntese conclusiva:

I - Os despachos interlocutórios não enquadráveis no n.º 2 do artigo 691.º do CPC, apenas são autonomamente recorríveis se não houver recurso da decisão final e mantiverem interesse para o apelante, nos termos preconizados no n.º 4 do mesmo preceito.

II - Daí que, não possa verdadeiramente falar-se em trânsito em julgado dos referidos despachos interlocutórios, até quinze dias contados após o dia em que tenha transitado em julgado a decisão que pôs termo ao processo (n.º 5 do mesmo preceito). 

III - Por isso, os mesmos são impugnáveis com o recurso interposto da sentença final (n.º 3 do indicado artigo).

IV - A natureza urgente do PER consagrada no artigo 17.º-A, n.º 3, do CIRE, e sua expedita tramitação, não se compadecem com articulados supervenientes, devendo a impugnação de qualquer crédito, independentemente do respectivo fundamento, ser efectuada no prazo peremptório de 5 dias previsto no artigo 17.º-D, n.ºs 3 e 4 do CIRE.

V - A não realização de Assembleia de Credores pelo Juiz no âmbito do PER, não constitui preterição de qualquer formalidade legal, e muito menos, de formalidade essencial ou “não negligenciável”, no dizer da lei, razão por que, não configura qualquer nulidade.

VI - O artigo 215.º do CIRE referente à não homologação oficiosa do plano de revitalização pelo juiz, visa conferir ao tribunal o “papel de guardião da legalidade, cabendo-lhe, em consequência, sindicar o cumprimento das normas aplicáveis como requisito da homologação do plano”.

VII - Apreciada a sentença homologatória, verifica-se que a Mm.ª Juiz se pronunciou sobre todas as questões colocadas pela ora Recorrente quanto à omissão de formalidades essenciais, e bem assim, quanto aos requisitos formais de homologação do plano, donde se conclui não padecer a mesma da invocada nulidade por falta de fundamentação.


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III - Decisão

Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso, confirmando a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente 


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Coimbra, 29 de Outubro de 2013

                                  

                       

Albertina Pedroso ( Relatora )  

Carvalho Martins

Carlos Moreira


[1] Doravante abreviadamente designado CIRE.
[2] Doravante abreviadamente designado CPC, aqui ainda aplicável na redacção do DL n.º 303/3007.
[3] Doravante abreviadamente designado PER.
[4] Alterado pelos DL n.º 200/2004, de 18/09, n.º 76-A/2006, de 29 de Março, n.º 282/2007, de 7 de Agosto,  n.º116/2008, de 4 de Julho, e n.º 185/2009, de 12 de Agosto
[5] Cfr. Luís Menezes Leitão, in Direito da Insolvência, Almedina 2012, 4.ª edição, pág. 76.
[6] Cfr. neste sentido, autor e obra citada, pág. 309.
[7] Cfr. Ac. TRG de 18-12-2012, processo n.º 2155/12.2TBGMR.G1, disponível em www.dgsi.pt.
[8] Cfr. Ac. TRP de 15-11-2012, processo n.º 1457/12.2TJPRT-A.P1, disponível em www.dgsi.pt.
[9] Cfr., neste sentido, autor, obra e local citado.
[10] Na verdade, tendemos a concordar com a posição assumida no citado acórdão do TRP, em sentido diferente ao referido no também indicado acórdão do TRG, ao considerar que “o juiz, ao proferir o despacho a que se refere a segunda parte da alínea a) do n.º 3 do art.º 17.º-C do CIRE, não tem que verificar a existência dos requisitos materiais de que depende o recurso a tal procedimento, nem o seu eventual abuso”.
[11] Doravante abreviadamente designado CC.
[12] Cfr. Acórdão do TRP de 13-05-2013, processo n.º 4257/12.6TBVFR-B.P1, disponível em www.dgsi.pt.
[13] Cfr. Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid Juris, Lisboa 2009, Reimpressão, pág. 712.