Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | JORGE ARCANJO | ||
Descritores: | IMPUGNAÇÃO PAULIANA ÓNUS DA PROVA DEVEDOR SOLIDARIEDADE MÁ FÉ CANCELAMENTO DE INSCRIÇÃO REGISTO | ||
Data do Acordão: | 11/20/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DE LEIRIA – º JUÍZO | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PARCIALMENTE REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTºS 610º, 611º E 612º DO C.CIV.. | ||
Sumário: | 1.- Na acção de impugnação pauliana, incumbe ao credor a prova do montante das dívidas e da anterioridade do crédito, e ao devedor ou terceiro interessado a prova de que o obrigado possui bens penhoráveis de igual ou maior valor. 2.- O critério para aferir do requisito da impossibilidade para o credor de obter a satisfação plena do seu crédito, é o da “ avaliação patrimonial do devedor” depois do acto impugnado. 3.- Não satisfaz a demonstração da suficiência de bens penhoráveis, a alegação de que à venda impugnada correspondeu entrada em dinheiro no património do devedor, por implicar uma “perda qualitativa” da exequibilidade do património, dada a fungibilidade do dinheiro. 4.- A suficiência de bens penhoráveis tem de reportar-se ao próprio demandado, não relevando que outros devedores solidários disponham de património bastante, pelo que a solvabilidade do avalista não impede a impugnação do acto do devedor avalizado que obste à satisfação integral do crédito. 5.- O art.612 do CC postula a má fé subjectiva, que compreende o dolo ( nas diversas modalidades) e a negligência consciente ( mas já não a negligência inconsciente ), não sendo necessário demonstrar a intenção de originar prejuízo ao credor. 6.- Porque a acção de impugnação pauliana é de natureza pessoal ou obrigacional, cuja consequência não se traduz na anulação, mas a ineficácia do acto em relação ao impugnante, não procede o pedido de cancelamento dos registos prediais dos imóveis alienados. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra I – RELATÓRIO 1.1.- A Autora – A (…), Lda. - instaurou (14/07/2003) a presente acção declarativa, com forma de processo ordinário, contra os Réus: M (…), Lda. N (…), S.A. G (…), S.G.P.S, S.A. CC (…) CS (…) LG (…) RG (…) Alegou, em resumo: No exercício da sua actividade comercial, forneceu à primeira ré diversas quantidades de madeira, no período compreendido entre 2001 e 2002, no montante global de €759.817,00, para cujo pagamento a 1ª ré aceitou 28 letras de câmbio, que o 4º réu (sócio gerente da 1ª Ré e vogal do conselho de administração das 2ª e 3ª rés) avalizou, as quais não foram integralmente pagas, originando duas execuções contra aqueles réus, pelos valores de €200.869,82 e de €313.304,94. No âmbito dessas execuções, os executados nomearam à penhora determinados bens (metanol e suínos) que não lhes pertenciam. O 4º réu e sua mulher (5ª ré) venderam (em 16/9/2002 e 6/11/2002) determinados imóveis à 2ª ré, representada pelos 6º e 7º Réus. Os 4º e 5º Réus cederam (em 18/9/2002) à 3ª ré, representada pelos 6º e 7º réus, as quotas que detinham nas sociedades (…). A 1ª ré vendeu (em 16/9/2002 e 6/11/2009) à 2ª ré (representada pelos 4º e 5º réus) determinados imóveis com a exclusiva finalidade de impossibilitar a satisfação patrimonial do crédito da autora. Com as vendas e cedência das quotas, os réus pretenderam impossibilitar a satisfação do crédito da autora, sendo que os preços declarados são fictícios, sem correspondência com os valores de mercado, agindo os réus com o propósito de prejudicar a autora. A Autora, com fundamento nos arts. 610º e segs. do CC, tem o direito de impugnar os actos. Pediu cumulativamente: a) - Se julgue “procedente a impugnação pauliana dos contratos de compra e venda” referidos na petição inicial; b) - Se julgue “procedente a impugnação pauliana das cessões das quotas” referida na petição inicial; c) - Sejam declaradas ineficazes essas mesmas vendas e cessões de quotas que a realizadas pela 1ª e 4º Réus; d) Se mandem cancelar, nas competentes Conservatórias dos Registos Predial e Comercial, os respectivos registos de aquisição e também “os registos eventual e posteriormente efectuados sobre tais prédios e as quotas”; e) Seja ordenada a restituição dos imóveis e das quotas objecto daqueles negócios à 1ª ré e ao 4ºréu, de modo a que a autora possa pagar-se a custas destes.
Contestaram os Réus, defendendo-se, em síntese: Por excepção, arguiram a ilegitimidade passiva dos réus LG (…) e RG (…). Por impugnação motivada, disseram que os réus devedores têm outros bens suficientes para assegurar a cobrança do crédito da autora, não agiram com a intenção desviar património em prejuízos dos seus credores, mas antes o desígnio de injectar fundos na actividade comercial, correspondendo os preços declarados ao valor real. Concluíram pela improcedência da acção.
A Autora requereu a intervenção principal provocada de S (…) e N (…). Replicou a Autora, contraditando a excepção dilatória e pediu que seja julgada procedente a impugnação pauliana também em relação aos contratos-promessa (arts.22 a 24º) outorgados pela 2ª ré com as pessoas cuja intervenção requereu (promitentes compradoras) e respeitantes a imóveis identificados na petição inicial.
Os Réus treplicaram, impugnando a ampliação do pedido na réplica. Por despacho de 23/4/2004 (fls. 300) indeferiu-se o incidente de intervenção de terceiros deduzido pela Autora. Por despacho de 2/8/2004 (fls. 312) indeferiu-se liminarmente a ampliação do pedido formulada pela Autora.
1.2. - No saneador decidiu-se julgar os Réus LG (…) e RG (…) partes ilegítimas, absolvendo-os da instância. 1.3. - Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu os Réus do pedido. 1.4. - Inconformada, a Autora recorreu de apelação, com as seguintes conclusões: … Contra-alegaram os Réus, no sentido da improcedência do recurso. II – FUNDAMENTAÇÃO 2.1. – O objecto do recurso Impugnação de facto (quesitos … da base instrutória); Os requisitos da pauliana.
2.2. - 1ª QUESTÃO (…) 2.3. – OS FACTOS PROVADOS … 2.4. - 2ª QUESTÃO Daqui resulta que provada pelo impugnante a existência do crédito e a anterioridade em relação ao acto impugnado, se presume a impossibilidade ou o agravamento da respectiva satisfação – cf., por ex., Ac STJ de 15/6/1994, C.J. ano II, tomo II, pág.142, de 26/2/2009 (proc. nº 09B0347 ) em www dgsi.pt. A sentença recorrida considerou não estarem reunidos os requisitos da pauliana, designadamente o da impossibilidade, argumentando que as vendas efectuadas e as cessões de quotas não causaram prejuízo à Autora. Em contrapartida, objecta a Apelante sustentando a verificação dos elementos constitutivos da pauliana, embora no pressuposto da alteração de facto, que não logrou na sua plenitude. A existência e anterioridade do crédito: Quanto ao primeiro requisito, verifica-se a existência de um crédito da Autora sobre a 1ª Ré (aceitante de 28 letras de câmbio) e o 4º Réu (avalista), tendo, para o efeito, instaurado duas execuções, com base em 22 letras de câmbio – a execução nº 82/2002 no valor de € 200.869,82 e execução nº 179/2002, no montante de € 313.304,94, ou seja no valor global de € 514.174,76. Muito embora a Autora tenha alegado um crédito de € 759.817,00 (art.78 da petição), a verdade é que relativamente a 6 letras de câmbio, no valor de € 198.898,65 disse ter accionado uma garantia bancária de 21/6/2001 (cf. fls. 43 e 44). Por conseguinte, o montante do crédito a atender para efeito da impugnação pauliana é aqui de € 514.174,76 (valor de ambas as execuções), como, de resto, confirmou nas alegações de recurso, onde também refere aos juros, mas que não concretizou sequer na petição inicial. Além disso, é inquestionável que o crédito da Autora é anterior à data das vendas e cessão de quotas impugnados (efectuadas em 16/9/2002, 18/9/2002, 6/11/2002 e 17/12/2002). Quanto à Ré M(…), Lda demonstrando-se apenas que é titular das suas instalações, facto que a Autora tem conhecimento (com referência à dada da propositura da acção) (cf. r.q. 23º), mas sem que se saiba o respectivo valor, é manifesto não estar comprovado o requisito da suficiência, cujo ónus da prova lhe incumbia. E conforme já se referiu, é irrelevante a suficiência dos bens dos outros devedores - cf., por ex., Ac STJ de 14/12/2006 (proc. nº 06B3881), em www dgsi.pt. Postula-se aqui a má fé subjectiva, também designada em sentido psicológico, que compreende o dolo (nas diversas modalidades) e a negligência consciente (mas já não a negligência inconsciente), não sendo necessário demonstrar a intenção de originar prejuízo ao credor (cf. ANTUNES VARELA, Das Obrigações II, pág.450, MENEZES CORDEIRO, Da Boa Fé no Direito Civil, vol.I, pág.492 e segs., ALMEIDA COSTA, RLJ ano 127, pág.274 e segs.), Ac STJ de 12/2/81, BMJ 304, pág.358). Para tanto, basta a mera representação, o conhecimento negligente da possibilidade da produção do resultado (o prejuízo causado à garantia patrimonial do credor) em consequência da conduta do agente (cf., por ex., Ac do STJ, de 10/11/98, CJ, ano VI, tomo III, pág.106 e de 15/2/2000, C.J. ano VIII, tomo I, pag. 91, Ac STJ de 13/10/2011 ( proc. nº 116/09), em www dgsi.pt). No entanto, é indispensável a má-fé bilateral, ou seja, no caso da compra e venda, tanto do vendedor, como do comprador, exigindo-se a ambos a consciência do prejuízo que o acto causa ao credor, no momento da celebração do negócio. A este propósito, provou-se que as vendas foram feitas com a exclusiva finalidade de impossibilitar a satisfação patrimonial da Autora e todos os Réus tinham consciência de que a prejudicavam (cf. r.q. 10º e 11º), o que tanto basta para a confirmação da má fé, na acepção definida. Em resumo, demonstrando-se os pressupostos da pauliana relativamente às vendas efectuadas pela 1ª Ré (vendedora) à 2ª Ré (compradora), a acção terá que ser julgada parcialmente procedente, revogando-se, em conformidade, a sentença recorrida, declarando-se ineficazes, em relação à Autora, os contratos de compra de venda celebrados, por escritura pública de 16 de Setembro de 2002, entre a 1ª Ré M (…), Lda e a 2ª Ré, N (…), S.A., descritos nas alíneas FF) e II) dos factos assentes, ordenar a restituição desses imóveis de modo a que a Autora se possa pagar à custa deles, podendo a Autora executar os imóveis identificados no património da 2ª Ré (adquirente) até ao limite do seu crédito. Não procede o pedido de cancelamento dos registos de aquisição da propriedade sobre os referidos prédios e os eventualmente realizados posteriormente, dada a natureza da acção, pois, como já se anotou, a consequência da pauliana não é a anulação dos actos, mas a da ineficácia, não implicando o cancelamento dos registos prediais ( cf., por ex., Ac STJ de 31/5/2001 (proc. nº 05B1180), Ac RE de 8/6/2006 (proc. nº 2220/05 ), disponíveis em www dgsi.pt ). A acção improcede quanto aos Réus G (…), SGPS S.A., CC (…) e CS (…), sendo absolvidos dos pedidos. As custas em ambas as instâncias serão repartidas (art.446 CPC) pela Autora e Rés M (…), Lda e N (…), S.A., na proporção de 60% e 40% (respectivamente), por se revelar equilibrada a medida da participação.
III – DECISÃO Pelo exposto, decidem: 1) Julgar parcialmente procedente a apelação e revogar, em parte, a sentença. 2) Julgar parcialmente procedente a acção e declarar ineficazes, em relação à Autora, os contratos de compra de venda celebrados, por escritura pública de 16 de Setembro de 2002, entre a 1ª Ré M (…), Lda e a 2ª Ré, N (…), S.A., descritos nas alíneas FF) e II) dos factos assentes, ordenar a restituição desses imóveis de modo a que a Autora se possa pagar à custa deles, podendo a Autora executar os imóveis identificados no património da Ré adquirente até ao limite do seu crédito. 3) Absolver os Réus G (…), SGPS S.A., CC (…) e CS (…) dos pedidos. Absolver as Rés M (…), Lda e N (…), S.A. dos pedidos de cancelamento dos registos. 4) Condenar Autora e Rés M (…), Lda, N (…), S.A., nas custas em ambas as instâncias, na proporção de 60% e 40%, respectivamente. Jorge Arcanjo (Relator) Teles Pereira Manuel Capelo |