Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4337/12.8TJCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BARATEIRO MARTINS
Descritores: CONTRATO DE EMPREITADA
QUALIFICAÇÃO
FIXAÇÃO DE PRAZO
OBRIGAÇÃO PURA
Data do Acordão: 05/19/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA – COIMBRA – INSTÂNCIA LOCAL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ART. 762.º/2 E 777º.º/2 DO C. CIVIL
Sumário: 1 - Deve ser qualificado como de empreitada aquele em que está em causa a reparação de um equipamento (por parte do representante do fabricante); uma vez que na modalidade atípica de prestação de serviço é “apenas” a actividade através da utilização do trabalho que se promete, enquanto na empreitada é o próprio resultado desse trabalho que se promete.

2 - A falta de estipulação dum prazo pode não significar a possibilidade para o credor de exigir, a todo o tempo, o cumprimento da obrigação; uma vez que o art. 777.º/2 prevê a eventual necessidade de estabelecer um prazo em atenção à natureza da prestação, às circunstâncias que a determinaram ou aos usos (prazo natural, circunstancial ou usual).

3 - É o caso, se foi comunicado que o tempo da reparação iria depender da chegada da peça necessária para proceder à reparação, não sendo possível, nem se harmonizando com a boa fé (art. 762.º/2 do C. Civil), que o credor possa exigir, imediatamente e a todo o tempo, o cumprimento/reparação.

Decisão Texto Integral:
Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

A... , Ldª”, com sede na Rua (...) Coimbra, instaurou a presente acção declarativa, sob a forma de processo sumário (hoje, comum), contra B... , Ldª, com sede na Rua (...) Lisboa, pedindo que a R. seja condenada:

a) a reparar imediatamente e a entregar à autora o equipamento IPL D-Light em perfeito estado de funcionamento, com as garantias devidas; ou, em alternativa, na impossibilidade da entrega do equipamento devidamente reparado, deve a ré entregar à autora um aparelho novo;

b) a pagar à autora a quantia de € 100 diários, a título de compensação desde a citação até a entrega do equipamento em condições de funcionamento;

c) a pagar à autora, a título de indemnização pelos prejuízos sofridos pelo atraso na reparação do equipamento, a quantia de € 20.836,00, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa legal, até efectivo e integral pagamento.

Alegou, em síntese, que tem como escopo, entre outros, a prestação de serviços de tratamentos para o corpo, de estética, beleza e bem-estar, essencialmente tratamentos de depilação com recurso a luz pulsada; sendo a R. representante e distribuidora de produtos e equipamentos para estética médica, cosmética e dermocosmética.

Assim, no âmbito de tais actividades, solicitou à R., em Outubro de 2010, a reparação de um seu equipamento de depilação; tendo a R. avaliado os danos do equipamento e efectuado o respectivo relatório técnico de reparação e apresentado orçamento, que a A. aceitou, tendo de pagar – o que a A. fez – 50% do valor orçamentado para que a R. iniciasse a reparação.

Sucede que a R. ainda não procedeu à reparação, não obstante os contactos e solicitações da A..

A A. assentava a maior parte da sua facturação nos serviços prestados com a utilização de tal equipamento de depilação; pelo que, sem o mesma, teve avultados prejuízos e perdeu de clientes, a ponto de ter deixado de ter dinheiro para cobrir as suas despesas, vendo-se obrigada, em Março de 2012, a entregar a loja (onde se situava o seu estabelecimento comercial) e a encerrar a sua actividade comercial.

A R. apresentou contestação.

Alegou que o equipamento em causa já se encontra reparado há muito tempo; reparação de que deu conta à A., solicitando os restantes 50% do preço acordado.

Impugnou, quer no seu montante, quer na sua existência, quer na sua (da R.) responsabilidade, os prejuízos invocados pela A..

Reconvencionou, pedindo que a A. seja condenada a pagar-lhe (os 50% restantes do preço da reparação) a quantia de € 2.300,00, acrescida de juros à taxa legal, desde a notificação da reconvenção, até efectivo e integral pagamento, e a quantia de € 5,00 por cada dia de armazenamento do equipamento.

A A. respondeu, opondo-se à reconvenção e mantendo o alegado na PI.

Foi proferido despacho saneador – em que foi declarada a total regularidade da instância, estado em que se mantém – identificado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.

Após o que, realizada a audiência, a Exma. Juíza proferiu sentença, concluindo a sua decisão do seguinte modo:

“ (…) julga-se a presente acção improcedente e, em consequência, absolve-se a ré dos pedidos contra si formulados pela autora; julga-se parcialmente procedente a reconvenção e, em consequência, condena-se a autora a liquidar a quantia de € 2.300,00, acrescida de juros à taxa legal, desde a citação da reconvenção até efectivo e integral pagamento; no mais, absolve-se a autora do pedido reconvencional. (…)”

Inconformada com tal decisão, interpôs a A. recurso de apelação, visando a sua revogação e a sua substituição por decisão que revogue/inverta o decidido, julgando procedente a acção e improcedente a reconvenção.

Terminou ou a sua alegação com longas conclusões – ao arrepio da “forma sintética” exigida pelo art. 639.º/1 do NCPC – e que aqui não transcrevemos por tal motivo.

Não foi apresentada qualquer resposta.

Obtidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.

*

II – “Reapreciação” da decisão de facto

Por causa da sua extensão (6 páginas), não procedemos, como acabámos de escrever, à transcrição das conclusões da A/apelante.

A extensão das conclusões da A/apelante – ao arrepio da “forma sintética” exigida pelo art. 639.º/1 do CPC – é, porém, no caso, uma imperfeição menor.

É que a A/apelante, em vez de concluir pelos fundamentos por que pede a alteração da decisão (como se refere no art. 639.º/1 do CPC), procede, nas conclusões recursivas, como se estivesse a intentar uma acção: nas 42 primeiras conclusões parece que está numa PI, a intentar uma acção (começa pela aquisição do equipamento em 21/02/2007, vai por aí adiante, fala da avaria, dos prejuízos e diz coisas que nunca antes foram ditas nos autos); e na 43.ª e última conclusão diz que “a Mmª Juíza fez uma errónea interpretação da prova produzida em julgamento, qualificou mal os factos ocorridos e, com a sua decisão, violou os art. 777.º, 798.º, 799.º,800.º, 804.º e 805.º, todos do C. Civil.”.

Ou seja, a A/apelante, nas conclusões alegatórias, acaba por só dizer coisas desnecessárias e omite aquilo que a lei processual impõe que seja feito e dito.

Repare-se bem:

Percebe-se do corpo das alegações, que a A/apelante quer impugnar a decisão relativa à matéria de facto, porém, em momento algum das suas 43 conclusões, diz qual ou quais foram os factos mal julgados e a decisão que sobre os mesmo deve ser proferida.

Como já se referiu, as conclusões recursivas mais parecem a alegação que é efectuada numa PI, ou seja, a A/apelante usou as conclusões para alegar toda a facticidade do litígio, ali reunindo os factos que estão provados (na sentença recorrida), os factos que não estão provados, os factos mera e remotamente instrumentais e os factos sem o menor relevo jurídico.

Mas, com todo o respeito, formular conclusões recursivas[1] – que constituem a delimitação objectiva dum recurso (cfr. art. 635.º/4 do CPC) – é tudo menos o que a A/apelante fez.

Se um recorrente discorda da algum ponto da decisão relativa à matéria de facto e a quer impugnar basta seguir/cumprir o que diz o art. 640.º do CPC; ou seja, deve, sob pena de rejeição, especificar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, indicar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem decisão diversa, e dizer, ainda, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Nada disto consta das conclusões da A/apelante; foi feito algum esforço, reconhece-se, ao longo do corpo da alegação – referenciando-se passagens da gravação e manifestando-se divergências com pontos de facto da sentença recorrida – mas não se soube formular as devidas conclusões, acabando-se, na conclusão 43.ª, a dizer, tão só e genericamente, que se fez uma errónea interpretação da prova produzida em julgamento, parecendo laborar-se no erro de pensar que bastará uma pedido global e genérico para meter a Relação a reapreciar a prova – porventura até toda a prova – produzida em 1.ª Instância.

Não é, porém, assim; uma vez que os art. 662.º e 640.º do CPC impõem aos recorrentes que pretendam a reapreciação da prova por parte da Relação que fundamentem a sua discordância em relação ao decidido na 1.ª Instância, que identifiquem os concretos erros de julgamento da 1.ª Instância, que indiquem com exactidão (as passagens da gravação) os concretos meios probatórios que devem conduzir a decisão diversa da proferida na 1.ª Instância.

Uma vez que tal ónus de alegação/fundamentação não está minimamente cumprido nas conclusões recursivas, podia/devia o recurso, quanto à impugnação matéria de facto, ser aqui e agora formalmente rejeitado.

Não obstante, não “resistimos” – um pouco irregularmente, em face do que vimos de dizer, reconhecemo-lo – a pronunciar-nos sobre a decisão de facto proferida sobre os factos essenciais e fulcrais que podem/devem ser considerados como controvertidos, findos os articulados.

O que, aliás, justifica a seguinte e prévia observação: o julgamento dos autos, como resulta do relatório inicial, decorreu à luz do NCPC, tendo a sentença sido elaborada nos termos do art. 607.º, segundo o qual (n.º 4) “ (…) o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção”; o que significa que não temos/teríamos – mesmo que as conclusões recursivas estivessem bem formuladas – que nos pronunciar, ponto por ponto, sobre todos e quaisquer factos referidos como incorrectamente julgados pela A/apelante, mas apenas sobre o que é decisivo/essencial/fulcral para o litígio dos autos (acção e reconvenção), ou seja, sobre os pontos de facto respeitantes ao prazo da reparação do equipamento, quer na sua fase estática quer na sua fase dinâmica (com o que não estamos a querer dizer que tudo mais é irrelevante, mas apenas que, actualmente, o que é meramente instrumental, embora analisado e ponderado, não tem que ser acrescentado ao elenco dos factos provados e não provados).

Debrucemo-nos pois sobre os factos essenciais e fulcrais que podem/devem ser considerados como controvertidos, findos os articulados:

E começaremos por dizer – até para justificar a exiguidade do número de factos controvertidos – que, findos os articulados, quase tudo o que era factualmente relevante (em termos de contrato) estava esclarecido; aliás, com a PI (em face dos documentos com a mesma juntos), já muito do que é/era relevante (em termos de contrato) se antevia como factualmente esclarecido[2].

Assim, era indiscutível (não controvertido entre as partes):

 - que a A., em Outubro de 2011, solicitou à R. a reparação de um seu equipamento de depilação (“IPL D-Light”), uma vez que a R. era a única representante da marca em Portugal;

 - que a R., em 27/10/2011, avaliou os danos do equipamento – respeitantes à lâmpada e à fonte de alimentação – efectuando o relatório técnico da reparação;

 - que, em 08/11/2011, elaborou orçamento da reparação, no valor de € 4.600,20, “exigindo” o pagamento de 50% de tal valor “para adjudicar o orçamento e iniciar a reparação”;

 - que a A. aceitou tal orçamento/valor e que, em 23/12/2011, transferiu para conta bancária da R. o montante de € 2.300,00; e

 - que o equipamento ainda continua em poder da R..

Restando factualmente controvertido, findos os articulados:

O que as partes combinaram ou não em termos de tempo/prazo para a reparação, ou seja, se a R. prometeu que a reparação demoraria uma semana (art. 14.º da PI) ou se, diversamente, a R. comunicou à A. que o tempo da reparação iria depender da chegada da peça necessária para proceder à reparação.

E o que sucedeu na fase executiva do contrato, ou seja, se “não obstante as repetidas tentativas de contacto encetadas pela A., a R. não só ainda não consertou o aparelho, como deixou de prestar satisfações à A.” (cfr. art. 12.º da PI) ou se, segundo a versão da R., o aparelho já se encontra reparado desde final de Março de 2012, do que a R. deu conta à A..

E, para isto, para o que era factualmente relevante (em termos de contrato) à tese da A., foi a prova produzida bastante pobre; aliás, quase tudo o que foi perguntado às testemunhas apresentadas pela A. teve a ver com os prejuízos sofridos pela A., como se antes destes – perdoe-se-nos a incursão pelo direito substantivo – não fosse preciso estabelecer e demonstrar o comportamento ilícito da R..

Assim, com interesse para os dois factos fulcrais/essenciais supra alinhados, apenas foi referido o seguinte:

pela testemunha Vera Melato, TOC da A., que o Sr. Ramiro (sócio gerente da A.) foi entregar a máquina a Lisboa (à R.); que o pagamento de 50% era necessário para iniciar a reparação; que tinha que vir uma peça do estrangeiro[3]; e que havia (por lhe ter sido dito pelo Sr. Ramiro) a indicação dum tempo de reparação[4]; e

pela testemunha Paulo Alves (técnico de reparação de máquinas da R.[5]) que foi com ele o pedido de reparação da máquina[6]; que fez o relatório técnico para a C.ª de Seguros (da A.) e o orçamento, que foi aceite pela A; que só podia iniciar a reparação depois de serem pagos 50%[7] do orçamento e que, para tal, faltava-lhe a “fonte de alimentação”, que tinha que ser pedida a Itália e que demorou muito (por a máquina ser antiga); que não deu prazo ao Sr. Ramiro e que lhe disse várias vezes (e ele ficou ciente) que ia demorar; que o cliente (Sr. Ramiro) não estava contente com a demora e ligou-lhe por isso várias vezes, tendo falado (reclamado) também com a administração da R. (para o que pediu o mail à testemunha); que, no final de Março de 2012, quando a peça chegou, a máquina foi reparada, ocasião em que, na sua presença, a Dr.ª Alexandra Vasconcelos (administradora da R.) telefonou ao Sr. Ramiro a dizer que a máquina estava reparada e pronta para ser levantada; e que a máquina continua até hoje no armazém da R., na Estrada de Benfica.

Ademais, em termos de contributos documentais, temos apenas o mail[8] junto a fls. 19, datado de 07/02/2012, enviado pelo sócio gerente da A. à administração da R., em que aquele diz, entre outras coisas, que “até à presente data continuamos a aguardar a resolução, tendo sido informado regularmente pelo Sr. Paulo Alves do impasse que se verifica no envio da peça respectiva para a reparação da mesma (…)”.

Perante o teor de tais meios de prova, é indiscutível que A. não provou o que alegou quanto a haverem combinado um prazo/tempo certo para a reparação da máquina (ninguém aludiu ao alegado prazo duma semana ou sequer a qualquer outro concreto prazo); sendo razoável admitir e dar como provado que, estando a reparação dependente duma peça que vinha de Itália, a R. não haja dado/estimado um tempo certo para a sua reparação.

Por outro lado, resulta “confessadamente” do mail transcrito que a R., através do seu funcionário Paulo Alves, não se negou a dar “satisfações à A.”[9]; resultando igualmente do depoimento de tal Paulo Alves – em termos que, pelo registo sonoro, se nos afiguraram convincentes e persuasivos – que a peça veio e o aparelho foi finalmente reparado no final de Março de 2012, o que logo foi dado a conhecer à A., que, porém, até ao momento, o não foi levantar e pagar o resto do preço.

Em face de tudo isto e do que daqui necessariamente irradia, que a motivação da decisão de facto da decisão recorrida também refere, o sentido e a avaliação da prova produzida (em termos de contrato) não poderiam ser outros senão os que enformaram os factos dados como provados e não provados; que assim reflectem e exprimem com fidelidade a prova produzida, devendo, todavia, por ter ficado provado e ser relevante, acrescentar-se como provado o seguinte ponto de facto:

“Em Janeiro e Fevereiro de 2012, a A. contactou a R. diversas vezes, solicitando informações sobre a evolução da reparação da máquina, tendo-lhe sido respondido que continuavam a aguardar a chegada da peça de Itália.”

É quanto basta para concluir pela improcedência do recurso de facto.

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III – Fundamentação de Facto

Estão provados os seguintes factos

A) A autora tem como escopo a exploração de clínica médica, bem como o comércio, importação e exportação de equipamentos e produtos cosméticos e médicos. Dedica-se à prestação de serviços de tratamentos para o corpo, de estética, beleza e bem-estar, essencialmente tratamentos de depilação com recurso a luz pulsada.

B) A ré, por seu turno, dedica-se à representação distribuição, compra e venda de produtos e equipamentos para estética médica, cosmética e dermocosmética.

C) No âmbito da sua actividade, a autora, em Outubro de 2011, solicitou à ré que esta procedesse à reparação de um equipamento de depilação da marca “IPL D-Light”. O equipamento em causa destina-se a tratamento de depilação através de luz pulsada (IPL = intense pulsed light), é um aparelho muito sensível e que apenas empresas especializadas estão preparadas e autorizadas para proceder à sua manutenção e reparação.

D) Estando aquele equipamento avariado, a autora entrou em contacto com a ré, como legítima representante da marca em Portugal, para esta proceder ao seu conserto.

E) A ré avaliou os danos do equipamento IPL D-Light e efectuou o respectivo relatório técnico de reparação em 27 de Outubro de 2011.

F) Pela reparação, que consistia na substituição da lâmpada e da fonte de alimentação do equipamento, foi elaborado o orçamento n º 102, no valor de € 4.600,20.

G) Conforme se exigia no documento do orçamento, a autora teria de pagar 50% do valor orçamentado para que a ré iniciasse a reparação.

H) Em 23 de Dezembro de 2011, a autora transferiu para conta bancária da ré o montante de € 2.300,00, de que a ré deu respectiva quitação.

I) A ré comunicou à autora que o tempo da reparação iria depender da chegada da peça necessária para proceder à reparação.

J) Em Janeiro e Fevereiro de 2012, a A. contactou a R. diversas vezes, solicitando informações sobre a evolução da reparação da máquina, tendo-lhe sido respondido que continuavam a aguardar a chegada da peça de Itália.

K) A ré ainda detém em seu poder o equipamento “IPL D-Light”, mas este já se encontra reparado desde final de Março de 2012 e a ré contactou a autora, dando conta da reparação e a solicitar o pagamento dos 50% restantes do preço acordado, pagamento que a autora não fez.

L) Grande parte dos rendimentos/facturação da ré provinham dos serviços prestados com a utilização daquele equipamento de depilação.

M) Com a não utilização daquele equipamento e consequente falta de prestação de serviços de depilação, as clientes foram procurar aqueles serviços noutros estabelecimentos, pelo que a autora deixou de facturar e teve prejuízos.

N) A autora, inclusive, teve de devolver a alguns clientes os valores de sessões e tratamentos previamente comprados.

O) No mês de Janeiro de 2011, a facturação da autora foi de € 1.862,33, mais € 428,41 de IVA. No mês de Fevereiro de 2011, a facturação da autora foi de € 1.929,56, mais € 424,82 de IVA. Em Março de 2011, a facturação da autora foi de € 3.513,89, mais € 808,30 de IVA. E em Abril de 2011, a facturação da autora foi de € 2.720,19, mais € 625,93 de IVA. Em Maio foi de € 3.002,63, mais € 690,62 de IVA. Em Junho de 2011, a facturação foi de € 3.209,72, mais € 738,24 de IVA. E em Julho de 2011, a facturação da autora foi de € 2.884,26, mais € 663,44 de IVA.

P) A utilização da referida máquina de foto-depilação contribuía também para a venda de outros produtos, como cremes dermatológicos, cremes pós foto-depilatórios, produtos contendo aloé vera, e outros produtos cosméticos e dermatológicos habitualmente utilizados e clinicamente recomendados após sujeição a tratamento depilatório, produtos que a autora deixou de vender.

Q) A autora deixou de ter dinheiro para cobrir as suas despesas, deixou mesmo de conseguir pagar as rendas do locado onde exercia a sua actividade, pelo que foi obrigada a entregar ao proprietário a loja onde se situava o estabelecimento comercial. P) Em Março de 2012, a autora foi mesmo obrigada a encerrar as portas do seu estabelecimento comercial e deixou de exercer a sua actividade comercial.

R) A autora tinha contraído despesas com aquisição de produtos diversos, que não vai conseguir vender, porque perdeu clientes.

S) A autora tinha despesas com rendas, água, luz, telefone, etc..

T) A autora continua a pagar a renda resultante do contrato de leasing de aquisição do referido equipamento.

U) A ré ainda detém em seu poder o equipamento “IPL D-Light”, mas este já se encontra reparado desde final de Março de 2012 e a ré contactou a autora, dando conta da reparação e a solicitar o pagamento dos 50% restantes do preço acordado, pagamento que a autora não fez.

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IV – Fundamentação de Direito

Tendo a A. solicitado à R. a reparação de um equipamento de depilação da marca “IPL D-Light” e tendo a R. aceite tal solicitação, celebraram as partes, indiscutivelmente, um contrato de prestação de serviço.

Não exactamente um contrato de prestação de serviço não regulado especialmente – ponto em que discordamos da sentença recorrida – mas a modalidade especialmente regulada no art. 1207.º e ss do C. Civil, isto é, um contrato de empreitada.

Sendo o contrato de empreitada uma modalidade de prestação de serviço, as diferenças – entre a empreitada e as formas atípicas de prestação de serviço – não são por vezes muito claras; em todo o caso, sempre se poderá/deverá dizer que na modalidade atípica de prestação de serviço é “apenas” a actividade através da utilização do trabalho que se promete, enquanto na empreitada é o próprio resultado desse trabalho que se promete.

Diferença que se torna um pouco mais clara se olharmos para quem corre o risco da execução contratual; ou seja, estamos perante um atípico contrato de prestação de serviço se o risco correr por conta do credor de tal actividade; o que não acontece na empreitada, em que é por conta do empreiteiro que corre o risco.

Concretizando/exemplificando, enquanto um médico, sendo consultado por um doente, tem direito, efectuada a sua actividade, à remuneração mesmo que o doente não fique curado – uma vez que na atípica prestação de serviço é por conta do credor de tal actividade que corre o risco – a aqui R., ao obrigar-se a reparar o equipamento de depilação da marca “IPL D-Light”, só tem direito ao preço se o resultado/reparação for obtido.

Assim – embora não tenha qualquer repercussão no desfecho do litígio/recurso – altera-se (em relação à sentença recorrida) a qualificação jurídica do contrato celebrado entre as partes, que, a nosso ver, tem de ser classificado como de empreitada.

Contrato este – passando aos termos do litígio – que, segundo a A., a R. não cumpriu; razão da presente acção de cumprimento (art. 817.º do C. Civil) e do pedido de indemnização dos danos causados pelo não cumprimento pontual (com base, quer-nos parecer, no art. 804.º/1 do C. Civil).

Sucede, em face do que está provado – quer em termos de fase estática/estipulativa, quer em termos de fase dinâmica/executiva – que não se divisa o não cumprimento contratual imputado à R. pela A..

Começando pela fase estipulativa do contrato:

Toda a prestação/obrigação tem um lugar e um tempo/prazo; valendo em primeiro lugar o que as partes/contraentes tiverem convencionado, intervindo em segundo lugar, no caso de nada terem convencionado, as disposições especiais da lei e depois as gerais da lei (como resulta, v. g. dos art. 772.º/1 e 777.º/1 ambos do C. Civil, em que se começa por dizer “na falta de estipulação ou disposição especial da lei”).

No caso sub judice e como resulta dos factos, nada se provou que as partes hajam convencionado quer quanto ao lugar quer quanto ao tempo/prazo da prestação da R.; e a tal propósito também não encontramos, no contrato de empreitada, quaisquer disposições especiais, o que significa que valem e são ao caso aplicáveis as disposições gerais da lei, o mesmo é dizer, os art. 772.º e 777.º do C. Civil.

Temos pois que a prestação da R. (a prestação de que a R. é devedora) deve ser efectuada no seu domicílio (art.772.º/1 do C. Civil) e que, à primeira vista, na falta de estipulação de prazo, estamos perante uma obrigação pura, podendo a A/credor exigir (no domicílio da R.) o seu cumprimento a todo o tempo (art. 777.º/1).

Não é, porém, exactamente assim (quanto ao segundo aspecto).

A falta de estipulação dum prazo pode não significar a possibilidade para o credor de exigir, a todo o tempo, o cumprimento da obrigação; efectivamente, o art. 777.º/2 prevê a eventual necessidade de estabelecer um prazo em atenção à natureza da prestação, às circunstâncias que a determinaram ou aos usos (prazo natural, circunstancial ou usual).

Como refere Nuno Pinto Oliveira[10], “quando não haja, e deva haver, prazo convencional ou prazo legal, deve aplicar-se o art. 777.º/2 e 3 do C. Civil (…) [que] terá de coordenar-se com os art. 1456.º e 1457.º do CPC[11], sobre a fixação judicial do prazo

É este justamente o caso.

Estando provado que a R. comunicou à A. que o tempo da reparação iria depender da chegada da peça necessária para proceder à reparação, não é possível, nem se harmoniza com a boa fé (art. 762.º/2 do C. Civil), que o credor/A. possa exigir, imediatamente e a todo o tempo, o cumprimento/reparação; sem prejuízo, naturalmente, da não existência e/ou do não estabelecimento dum prazo (pelo tribunal, nos termos dos actuais 1026.º e 1027.º do NCPC) não poder servir de pretexto para o devedor/R. retardar o cumprimento da obrigação/prestação, quando tiver decorrido, segundo a boa fé, um tempo mais do que razoável para cumprir.

O que impõe, para disto apurar, que passemos à fase executiva do contrato:

Estando a “adjudicação do orçamento” dependente do pagamento de 50% do preço (como se lê do orçamento de fls. 16 e ficou provado), podemos dizer que o contrato de empreitada, entre A. e R., ficou fechado/concluído/perfeito no dia 23/12/2011 (data em que a A. procedeu ao pagamento de 50% do preço da reparação); iniciando-se nessa data a sua fase executiva.

Pelo que, estando provado que o equipamento “IPL D-Light” ficou reparado no final de Março de 2012, podemos também dizer que a R. demorou 3 meses a reparar o equipamento.

Assim sendo, voltando atrás, a questão – toda a questão – está em saber se, não existindo e não tendo também sido estabelecido um prazo (pelo tribunal, nos termos dos actuais 1026.º e 1027.º do NCPC) para a reparação, tais 3 meses correspondem e representam, segundo a boa fé (que tem que estar sempre presente na execução/cumprimento de qualquer contrato – cfr. art. 762.º/2 do C. Civil) um atraso/mora/retardamento, por parte da R., no cumprimento da sua obrigação/prestação.

E a resposta, como se antecipou, só pode ser negativa.

É certo que, em Janeiro e Fevereiro de 2012, a A. contactou a R., diversas vezes, solicitando informações sobre a evolução da reparação da máquina, porém, foi-lhe sendo respondido que se continuava a aguardar a chegada da peça de Itália.

Assim, não tendo sido convencionado prazo para a prestação da R., não tendo sido solicitado ao tribunal que o fixasse[12] e nada estando provado susceptível de infirmar/contrariar as “explicações” da R. e ou de revelar uma menor diligência da R. na solicitação da peça indispensável à reparação, é impossível afirmar que, segundo a boa fé, há atraso/mora/retardamento no cumprimento/reparação em 3 meses[13].

Em síntese, em face do que está provado – quer em termos de fase estática/estipulativa, quer em termos de fase dinâmica/executiva – não se divisa, sequer em termos objectivos, um retardamento na reparação do equipamento, ou seja, que a R. tenha incorrido em mora no cumprimento da sua prestação/obrigação contratual.

E não havendo mora da R. cai pela base toda e qualquer pretensão indemnizatória da A., uma vez que começa logo por não se verificar o primeiro e inicial requisito da responsabilidade civil contratual: a “ilicitude/inadimplemento” contratual, ou seja, a desconformidade entre a prestação devida e a prestação oferecida.

Não está em causa, naturalmente, que a A. haja sofrido prejuízos; que a falta do equipamento lhe tenha trazido uma significativa redução no seu volume de negócios, a ponto de, em face dos seus custos fixos, se ter visto obrigada a encerrar toda a sua actividade comercial.

Sucede – é o ponto – que não basta provar prejuízos para se ser credor duma indemnização; é preciso, além disso e antes disso, que tais prejuízos sejam a causa adequada dum comportamento ilícito de alguém, que, então, justamente por ter actuado ilicitamente, fica adstrito à obrigação de indemnizar os prejuízos decorrentes do seu comportamento ilícito.

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Não parece, todavia, que o 1.º pedido da A. possa/deva ser julgado totalmente improcedente, como foi; tanto mais que, e bem, se condenou, a A., em termos reconvencionais, a pagar à R. os 50% restantes do preço.

Sendo o contrato de empreitada um contrato bilateral e sinalagmático e sendo, na falta de convenção ou uso em contrário, o preço pago no acto de aceitação da obra (art. 1211.º/2 do C. Civil), bem andou a sentença recorrida ao condenar a A. nos 50% restantes do preço.

Efectivamente, estando provado que, no final de Março de 2012, a R. contactou a A., dando conta da reparação do equipamento e solicitando o pagamento dos 50% restantes do preço acordado, a circunstância de, desde aí, a A. não ter procedido à verificação do equipamento fê-la incorrer em mora (cfr. art. 1218.º/2 do C. Civil), o que importa a aceitação da obra e (art. 1218.º/5 do C. Civil) torna devido o preço.

Mas, claro está, se é devido o preço (os 50% restantes do preço), também a R. deve, pago o preço, entregar à A. o equipamento reparado (o que, aliás, não é sequer contestado pela R. que apenas quer receber o que falta do preço; e que por isso não dá causa nem se pode considerar vencida nesta parte); entrega que, evidentemente, em face do já citado art. 772.º/1 do C. Civil, deve ser solicitada pela A. no domicílio da R..

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Improcede, assim, com esta última ressalva, tudo o que em contrário a A/apelante invocou e concluiu na sua alegação recursiva, o que determina, com a referida ressalva, o naufrágio do recurso e a confirmação do sentenciado na 1ª instância, que não merece os reparos que se lhe apontam, nem viola as disposições indicadas.

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V - Decisão

Nos termos expostos, decide-se julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência, revogando-se parcialmente o decidido, quanto à acção, condena-se a R., logo que receba a quantia que lhe foi concedida no pedido reconvencional, a entregar à A. e a solicitação desta o equipamento IPL D-Light devidamente reparado; confirmando-se em tudo o mais (quanto à acção e quanto à reconvenção) a sentença recorrida.

Custas, nesta instância, pela A./apelante.

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Coimbra, 19/05/2015

 (Barateiro Martins - Relator)

 (Arlindo Oliveira)

 (Emídio Santos)


[1] E não estamos a falar da forma/extensão.
[2] É justamente também por isto que não pudemos rejeitar o recurso de facto apenas por questões formais.
[3] Esta testemunha disse que era “da Alemanha”, mas tratou-se dum equívoco, uma vez que era da Itália que a peça vinha.
[4] As restantes 4 testemunhas da A. só falaram e foram perguntadas sobre os prejuízos causados à actividade da A. pela falta da máquina.
[5] Antes da própria R. e agora doutra empresa do Grupo.
[6] Reparação que, admitiu, só a R. podia efectuar em Portugal.
[7] E após a peritagem da C.ª de seguros.
[8] No art. 19.º da PI, a A. alegou que, em Março de 2012, enviou uma carta à R. a interpelá-la para justificar a razão da falta da reparação, porém, esqueceu-se de juntar tal carta (juntou apenas o registo do correio).
[9] O que aconteceu, isso sim, é que as “satisfações” não agradaram à A., uma vez que lhe era apenas dito que a peça ainda não tinha chegado de Itália.
[10] Princípios de Direito dos Contratos, pág. 382.
[11] Actuais 1026.º e 1027.º do NCPC.
[12] Esta é uma hipótese, no caso, um pouco teórica; uma vez que não estamos a ver que o tribunal “respondesse” utilmente, isto é, antes do final de Março de 2012.

[13] Não é para o caso o mais relevante, mas vale a pena – para sopesar bem a “demora” que a A. pode “reivindicar” pelos 3 meses de e para o cumprimento da reparação – não perder de vista que 3 meses foi também o lapso de tempo que a A. levou desde a solicitação inicial à R. até proceder ao fecho/conclusão do contrato; e, talvez mais relevantemente, que a A. levou 1 mês e meio entre o orçamento recebido da R. e a adjudicação do mesmo à R..