Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
201/05.5TBFZZ-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FRANCISCO CAETANO
Descritores: MULTA PROCESSUAL
DISPENSA
Data do Acordão: 02/29/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: FERREIRA DO ZÊZERE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 145.º Nº 5 DO CPC
Sumário: I - Para poder beneficiar da dispensa (ou redução) da multa processual do n.º 5 do art.º 145.º do CPC deve a parte invocar circunstâncias concretas em que se baseiam as condicionantes desse benefício (“manifesta carência económica” e “montante manifestamente desproporcionado”);

II – Para esse efeito não é bastante ao facto de a parte beneficiar de apoio judiciário.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

1. Relatório

Na acção com forma de processo ordinário pendente sob o n.º 201/05.5TBFZZ no TJ da comarca de Ferreira do Zêzere em que foi autor A... (entretanto falecido na pendência da causa) e são AA., também, B... e C... e RR. D..., E... (simultaneamente advogado em causa própria) e F..., estes dois últimos com o benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e encargos, foi suscitado o incidente de habilitação de herdeiros daquele autor falecido, na sequência do que foi proferida sentença a declarar habilitados os seus herdeiros G... e H... com vista a ocuparem na causa o lugar do falecido.

Após pedido de aclaração da sentença, o que foi indeferido, dela recorreram F... e E... apresentando alegações em cujas conclusões fizeram ressaltar que o requerimento de recurso era apresentado no 1.º dia útil posterior ao último dia do prazo geral de 10 dias, pelo que se imporia a liquidação e pagamento da multa a que se refere o n.º 5 do art.º 145.º do CPC, mas (acrescentaram) “solicita-se a liquidação da mesma e a subsequente dispensa de pagamento, também atento as condições financeiras dos réus e a desproporção entre o valor da multa e (o prejuízo para as partes e para o tribunal pela extemporaneidade) este acto, nos termos do n.º 8 do art.º 145.º do CPC”.

Terminaram tal requerimento de dispensa (que não subsidiariamente também de redução, como ora faz crer nas alegações) remetendo para a prova documental dos autos e indicaram uma testemunha, a apresentar.

Este pedido de dispensa do pagamento da multa foi apreciado por despacho de 14.6.11 (fls. 81 destes autos em separado) no sentido do seu indeferimento.

Ora, após indeferimento de pedido de aclaração é deste despacho que vem interposto o presente recurso, de cujas extensas e prolixas alegações se podem extrair as seguintes úteis conclusões, elas próprias delimitadoras do objecto do recurso:

a) – A decisão recorrida enferma de nulidade porque não fundamentada nem de facto, nem de direito e não foi produziu a prova requerida;

b) – Os documentos existentes nos autos por si só permitiam determinar o valor do rendimento dos RR. recorrentes e impor que a decisão recorrida lhes tivesse sido favorável;

c) – A decisão recorrida violou o disposto nos art.ºs 158.º, 515.º, n.º 2 do 517.º, 666.º, 664.º, 650.º, n.º 2 do 653.º, n.ºs 1 a 3 do 659.º, alín.s b) a e) do n.º 1 do 668.º e n.º 2 do 669.º, do CPC e os preceitos constitucionais que garantem o acesso ao direito e aos tribunais (art.º 20.º da CRP), à fundamentação das decisões (idem, 205.º, n.º 1 e 208.º) e sua exactidão (idem, 268.º), sendo inconstitucional aqueles preceitos do CPC quando interpretados no sentido aplicado pela decisão recorrida.

Não houve lugar a resposta.

Foi mantido o despacho recorrido.

Cumpre decidir, sendo questões a apreciar:

a) – Se a decisão recorrida enferma das nulidades arguidas;

b) – Se há nos autos prova documental que imponha decisão diversa da recorrida no sentido favorável aos RR.;

c) – Se o decidido infringe qualquer preceito ou princípio de ordem legal ou constitucional.


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            2. Fundamentos

            2.1. De facto

            O quadro factual relevante para o julgamento do recurso é o que acaba de narrar-se no antecedente relatório, para onde brevitatis causa se remete e ainda o teor do despacho recorrido que passa a transcrever-se:

- “Nos presentes autos aplica-se o Cód. [Proc.] Civil, na versão anterior ao DL n.º 34/2008, de 26.2.

Portanto, a dispensa do pagamento da multa prevista no actual art.º 145.º n.º 8, do CPC, não tem cabimento.

Em todo o caso, inexiste qualquer razão para reduzir ou isentar o requerente do pagamento dos valores devidos.

De facto, o requerente limita-se a invocar “condições financeiras dos RR” sem dizer quais são; e referir a desproporção da multa, o que em si mesmo é irrelevante, já que, no máximo, a mesma tem um valor de 3 Ucs (cfr. art.º 145.º, n.º 5, do CPC).

Como se não bastasse, junta o requerente um DUC de € 60,00, sem que o mesmo se mostre liquidado (!!!).

Assim sendo, uma vez que o requerente não invoca os motivos, em concreto, para que lhe fosse concedida esta especial isenção (e teria de os invocar – neste sentido Lebre de Freitas, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 1.º, Coimbra, 1999, pág. 255) e atendendo a que a mesma dispensa é excepcional, nos termos do disposto no art.º 145.º, n.º 7, do CPC, a contrario, na versão introduzida pelo DL n.º 324/2003, de 27.12, indefere-se o pedido de isenção do pagamento da multa.

Notifique, devendo o requerente proceder ao pagamento da multa em falta no prazo de 10 dias”.


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            2.2. De direito

            Por uma questão de rigor, porque os recorrentes se reportam nas alegações ao n.º 8 do art.º 145.º do CPC, o qual foi aditado pelo art.º 2.º do DL n.º 34/08, de 26.2, importa precisar que este diploma entrou em vigor em 20.4.09 e só é aplicável aos processos iniciados após essa data (art.ºs 26.º, n.º 1 e 27.º, n.º 1), sendo, por outro lado, que, ao caso em apreço, são aplicáveis as normas do CPC anteriores à reforma de 2007 (art.ºs 11.º, n.º 1 e 12.º, n.º 1, do DL n.º 303/07, de 24.8).

            Prosseguindo, quando às nulidades, a da falta de produção de prova, enquanto nulidade processual, só em via de reclamação, que não de recurso, podia ser arguida e a da nulidade de sentença (despacho) por alegada falta de fundamentação de facto e de direito não se verifica.

            Dando como adquirido (por pacífico) que o requerimento de interposição de recurso foi apresentado no 1.º dia útil seguinte ao termo do respectivo prazo, dispõe o n.º 5 do art.º 145.º do CPC que “independentemente de justo impedimento, pode o acto ser praticado dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, ficando a sua validade dependente do pagamento, até ao termo do 1.º dia útil posterior ao da prática do acto, de uma multa de montante igual a um quarto da taxa de justiça inicial por cada dia de atraso, não podendo a multa exceder 3 UC.”

            E o n.º 7 que “o juiz pode determinar a redução ou dispensa da multa nos casos de manifesta carência económica ou quando o respectivo montante se revele manifestamente desproporcionado.”

            Em anotação ao normativo em causa salienta Lebre de Freitas[1] que para a apreciação das circunstâncias concretas que poderão levar à redução ou dispensa da multa, deverá a parte invocá-las ao praticar o acto, sem prejuízo de o juiz poder oficiosamente reduzir ou dispensar a multa quando tais circunstâncias resultem já do processo.

            Também a jurisprudência tem definida orientação de que a multa do art.º 145.º n.º 5 do CPC tem um efeito marcadamente sancionatório do atraso negligente da parte e a sua dispensa não está abrangida pelo regime do apoio judiciário, sendo insuficiente a mera e abstracta insuficiência económica.[2]

            Ora, foi neste quadro legal e doutrinal e em sintonia com a jurisprudência que o despacho recorrido foi proferido.

            Por outro lado, trata-se de um despacho incidente sobre um requerimento e não uma sentença cujas premissas tenham que formalmente ou rigoristicamente assentar em matéria de facto provada e não provada e motivada, embora, como toda a decisão, não prescinda de fundamentação.

            E, como despacho, a realidade fáctica em que assenta (ou devia assentar) e justificadora do indeferimento é, passe a antinomia, precisamente a falta de concretização das condicionantes da dispensa da multa: manifesta carência económica da parte e o montante da multa manifestamente desproporcionado.

            Ora, limitando-se os requerentes a alegar “as condições financeiras” e a “desproporção do valor da multa”, que no caso, como referiu o despacho recorrido, não pode legalmente exceder as 3 UC (n.º 5 do cit. art.º 145.º), é manifesto que tais condicionantes não podiam ser preenchidas.

            Nem com recurso aos documentos que serviram de base à decisão do apoio judiciário, até porque não seria de excluir que a situação económica dos requerentes (ele advogado) pudesse alterar-se!

            O despacho mostra-se, assim, suficientemente fundamentado, factica e juridicamente, por isso não merecendo censura.

            Quanto à alegada violação do arsenal de art.ºs do CPC invocados é manifesta, assim, a sem-razão dos recorrentes, o mesmo acontecendo quanto à violação dos preceitos constitucionais no que respeita à obrigatoriedade de fundamentação da decisão (art.º 205.º da CRP), dever esse que foi cumprido, como vimos, sendo que quanto aos art.ºs 208.º e 268.º invocados não se vê que possam aqui ser aplicados e quanto ao direito de acesso ao direito e aos tribunais prevenido no art.º 20.º da CRP é sabido não ser de âmbito ilimitado, mas dependente de regras – como as que dispõem sobre prazos processuais – que os recorrentes não cumpriram.

            Eis por que o agravo tem de improvir.


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            3. Resumindo e concluindo

            I - Para poder beneficiar da dispensa (ou redução) da multa processual do n.º 5 do art.º 145.º do CPC deve a parte invocar circunstâncias concretas  em que se baseiam as condicionantes desse benefício (“manifesta carência económica” e “montante manifestamente desproporcionado”);

            II – Para esse efeito não é bastante ao facto de a parte beneficiar de apoio judiciário.


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            4. Decisão

            Face ao exposto, acordam em julgar não provido o agravo e manter a decisão recorrida.

            Custas pelos recorrentes, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficiam.


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Francisco M. Caetano (Relator)
António Magalhães
Ferreira Lopes


[1] “Código de Proc. Civil, Anot.”, 2.ª ed., 1.º, pág. 276.
[2] Entre outros, Ac. RC de 10.3.05, Proc. 4171/04, in www.dgsi.pt.