Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1530/12.7TALRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ELISA SALES
Descritores: INSOLVÊNCIA DOLOSA
TIPO DE CRIME
DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA
CONDIÇÃO OBJECTIVA DE PUNIBILIDADE
ADMINISTRADOR DA INSOLVÊNCIA
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
LEGITIMIDADE ACTIVA
Data do Acordão: 03/13/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA (JL CRIMINAL DE LEIRIA – JUIZ 1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 227.º DO CP; ART. 71.º DO CPP; ART. 82.º, N.º 3, AL. B), DO CIRE
Sumário: I – Actualmente, e após a alteração introduzida pelo DL 48/95, de 15-03, a declaração de insolvência não faz parte do tipo de crime de insolvência dolosa p. e p. no artigo 227.º do CP.

II – Deste modo, já não se exige que a actuação do devedor seja causa directa da situação de insolvência e do respectivo reconhecimento judicial, bastando, apenas, o preenchimento do tipo de ilícito com uma das actuações previstas no n.º 1 do artigo 227.º do CP, realizadas com o intuito de prejudicar os credores.

III – A declaração de insolvência constitui agora uma condição objectiva de punibilidade.

IV – A representação do administrador da insolvência circunscreve-se aos aspectos de natureza patrimonial que interessem à insolvência.

V – Nesse círculo de representação inscrevem-se as acções destinadas à indemnização de danos ou prejuízos causados à generalidade dos credores da sociedade pela diminuição do património desta.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em audiência, na secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I - RELATÓRIO

No processo comum n.º 1530/12.7TALRA supra identificado, após a realização da audiência de julgamento, foi proferida sentença que decidiu:

3.1. Absolver as arguidas A. e B., da prática, em coautoria, de um crime de insolvência dolosa, p. e p. nos termos do art.º 227.º, n.º 1, als. a) e b) do Código Penal;

3.2. Condenar o arguido C., pela prática, na forma consumada, e em autoria material, de um crime de insolvência dolosa, p. e p. nos termos do art.º 227.º, n.º 1, als. a) e b) do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão;

3.3. Suspender a execução daquela pena de prisão por um período de 4 (quatro) anos, condicionada ao cumprimento de deveres impostos ao arguido de cumprir e fazer cumprir o plano de recuperação da insolvente, aprovado no Processo de Insolvência da (…), com o n.º (…), e se abster de praticar ou mandar praticar quaisquer atos, que comprometam ou possam vir a comprometer a sua execução, bem como a satisfação dos créditos, por via do cumprimento desse plano;

3.4. Julgar parcialmente procedente, o pedido de indemnização civil formulado pela demandante Caixa (...) , S.A. contra os arguidos/demandados e, consequentemente:

3.4.1. Absolver as demandadas A. e B., da totalidade do pedido de indemnização civil formulado;

3.4.2. Condenar o demandado C. a pagar à demandante (…) a quantia de €786.898,38 (setecentos e oitenta e seis mil oitocentos e noventa e oito euros e trinta e oito cêntimos), a que acresce o montante diário de €215,05 (duzentos e quinze euros) de juros de mora, os quais, atenta a regra contida na 2ª parte do nº 3 do artigo 805.º do Código Civil, são devidos desde a data da notificação do pedido de indemnização civil ao demandado, até integral pagamento, descontando-se, a tal quantia, os montantes que já tiverem sido pagos, ou que venham a ser pagos à demandante, no âmbito do cumprimento do plano de recuperação da insolvente, aprovado e homologado por sentença no Processo de Insolvência da (…), com o n.º (…), a correr termos no Juízo de Comércio de Leiria, 1.ª Secção – Juiz 1;

3.4.3. (…);

3.5. Julgar parcialmente procedente, o pedido de indemnização civil formulado pelo demandante originário (…), cuja posição processual veio a ser ocupada pela demandante (…) (habilitada na pendência da causa, no lugar do demandante originário (…) contra os arguidos/demandados e, consequentemente:

3.5.1. Absolver as demandadas A. e B., da totalidade do pedido de indemnização civil formulado;

3.5.2. Condenar o demandado C. a pagar à demandante (…) (habilitada na pendência da causa, no lugar do demandante originário (…) a quantia de €1.160.585,22 (um milhão, cento e sessenta mil, quinhentos e oitenta e cinco euros e vinte e dois cêntimos), acrescida de juros civis de mora à taxa legal de 4%, os quais, atenta a regra contida na 2ª parte do nº 3 do artigo 805.º do Código Civil, são devidos desde a data da notificação do pedido de indemnização civil ao demandado, até integral pagamento, descontando-se, a tal quantia, os montantes que já tiverem sido pagos, ou que venham a ser pagos à demandante, no âmbito do cumprimento do plano de recuperação da insolvente, aprovado e homologado por sentença no Processo de Insolvência da (…), com o n.º (…), a correr termos no Juízo de Comércio de Leiria, 1.ª Secção – Juiz 1;

3.5.3. (…).


*

O arguido C. não se conformou com a decisão proferida em 1ª instância, e dela interpôs recurso, tendo extraído da motivação as seguintes conclusões:

(…).

A Magistrada do Ministério Público junto do Tribunal a quo defendeu a improcedência do recurso, tendo rematado a sua resposta nos seguintes termos:

(…).

Também a Caixa (...) SA, demandante cível, respondeu ao recurso defendendo a sua improcedência, com a consequente manutenção da sentença recorrida, tendo concluído que:

(…).

O arguido/recorrente requereu a realização de audiência e, nos termos do n.º 5 do artigo 411º do CPP, indicou que na mesma pretende debater oralmente todo o objecto do recurso apresentado.

Realizou-se a audiência, com observância do legal formalismo, onde foram produzidas as alegações orais.

Os autos tiveram os vistos legais.

II- FUNDAMENTAÇÃO

Consta da sentença recorrida (por transcrição):

“ 2.1.1. Factos provados

A. Natureza, objecto social da sociedade insolvente, e composição dos órgão de gestão:

1. A (…) é uma sociedade anónima com o número de pessoa coletiva (…).

2. Tem sede em (…).

3. Constituída em (…), dedicava-se ao comércio por grosso de (…).

4. Tinha o capital social de € 198.000, dividido em 110.000 ações de valor nominal de € 1.8.

5. De 4 de abril de 2008 a 13 de julho de 2010, a referida sociedade foi administrada por um Conselho de Administração composto pelos arguidos A., B. e C., este na qualidade de presidente do referido Conselho.

6. A arguida B. renunciou ao cargo em 13 de julho de 2010, tendo o referido ato sido sujeito a registo em 25 de janeiro de 2011.

7. Em 9 de maio de 2011 (…) foi nomeado administrador para o quadriénio 2008/2011.

8. Em 18 de fevereiro de 2012 foi realizada alteração do pacto social da insolvente, passando a administração única, exercida pelo arguido C. para o quadriénio 2008/2011.

9. Em 11 de abril de 2013 o arguido C. foi novamente nomeado administrador único.

B. Declaração de insolvência:

10. No dia 21 de março de 2012, às 12h, a sociedade (…) foi declarada insolvente (por sentença proferida no processo nº (…), transitada em julgado em 08/05/2012), após a mesma se ter apresentado à insolvência.

C. Situação económico-financeira da sociedade nos 3 anos antecedentes à declaração de insolvência:

11. Em 2009, a insolvente apresentou um resultado líquido positivo de €373.420,78.

12. Em 2010, o resultado líquido gerado foi positivo de €235.010,70, apesar da redução do volume de negócios em cerca de 4.300.000€.

13. Em 2011, verificou-se uma redução do Volume de Negócios de €2.439.172,48, mas aumentou a margem bruta, uma vez que diminuiu o custo das Mercadorias Vendidas e Matérias Consumidas em cerca de €4.735.000.

14. No ano de 2011, a insolvente gerou um Resultado Líquido Negativo de €938.172,21.

15. A insolvente (…), apresentou nos anos de 2009 e 2010, Capitais Próprios positivos de €9.230.459,58 e €9.377.897,59, fruto dos resultados positivos gerados em anos anteriores.

16. Em 2011, o referido resultado líquido negativo, no montante de €938.172,21 acrescido da redução de capital próprio realizada, no montante de €886.040,78, implicou uma redução no balanço, continuando no entanto positivo, não evidenciando este uma situação de falência técnica.

17. A insolvente apresentava, então, uma estrutura financeira desequilibrada, uma vez que os valores que tinha a pagar a terceiros no curto prazo (menos de um ano) eram próximos dos valores a receber no mesmo período, nos seguintes termos:

(…).

18. Em 2011, as dívidas ao Estado tiveram um aumento substancial de cerca de €1.333.000, atingindo o valor em dívida de €1.872.511,58.

D. A operação de cessão da quota da (…):

19. A (…) é uma sociedade comercial por quotas, cujo objeto é o comércio de (…), com o capital social de € 65.000.

20. O arguido C. foi gerente da referida sociedade até 5/2/2012, tendo (…) sido nomeada gerente em 6/2/2012.

21. (…) renunciou à gerência em 11/6/2012, tendo o arguido C. voltado a ser nomeado gerente no dia seguinte.

22. Porém, quem continuava gerente de facto e decidia todos os eventos da referida sociedade, no período referido em 20, era o arguido C..

23. A sociedade insolvente era titular, antes de 13/2/2012, de uma quota no valor nominal de €32.500 na sociedade (…).

24. Na contabilidade da insolvente existiam cinco contas:

a) Na rubrica de clientes:

- a conta de cliente 211…1870 onde estavam refletidas faturas emitidas a (…) pela insolvente (estas foram pagas através de letras aceites de maior valor do que aquele que se encontrava em dívida, o que provocou que esta conta evidenciasse um saldo credor (contra natura) em 31/12/2011 de €270.130,74)

- a conta nº 211…37148 refletia apenas movimentos de letras apresentando também um saldo credor a 31/12/2011 de €121.531,25;

b) A conta de fornecedor (1056) com saldo credor de €14.673,87 em 31/12/2011;

c) A conta de sócios 2532105 onde estão lançados empréstimos da (…), cujo valor totaliza €135.000 em 31/12/2011;

d) Em outros devedores encontra-se a 31/12/2011, na conta 26802 o valor de €97.541,86 (saldo credor) resultante de lançamentos de regularização.

25. A insolvente encontrava-se devedora a (…) do montante de €638.877,72, provindo este valor, essencialmente, do aceite de letras que não tinham subjacente uma transação comercial.

26. No dia 13/2/2012, um mês antes de se apresentar a insolvência, a insolvente (…), por deliberação de arguido C. e (…), cedeu a sua quota que detinha na (…) a (…), pelo preço de €32.500.

27. Sociedade essa, cuja gerência, pertencia a (…).

28. Mantendo-se o arguido, que renunciou em 2/2/2012, como gerente de facto da referida sociedade e decidindo todos os eventos da referida sociedade.

29. A quota de (…) estava registada na sociedade insolvente na conta 41 – Investimentos Financeiros no Balanço (quadro 2) e do Quadro 4.

30. O investimento efetuado na (…) encontrava-se contabilizado pelo total de €702.976,12 correspondendo este, a €32.500 do custo de aquisição da quota e €670.476,12 da imputação de resultados e ajustamentos que também foram refletidos em Capital Próprio, na conta – 57 - Ajustamentos em Ativos Financeiros que apresenta o valor de €651.410,07, pela utilização do Método de Equivalência Patrimonial (MEP).

31. Encontrava-se também registado como investimento financeiro na (…), a quantia de €109.271,58.

32. Esta venda gerou uma menos-valia contabilística €19.066,05 para a insolvente que foi contabilizada na conta 6853.

33. A sociedade insolvente não recebeu da (…) o preço do valor da quota, apesar de ter sido essa a primeira contabilização do contrato de cessão de quotas - conta 278212.

34. Ao invés, o arguido C., alterou a contabilização e o valor dos €32.500, o qual foi registado na conta corrente da (…) (26802), como se esta é que estivesse a adquirir a própria quota, não tendo existido qualquer fluxo financeiro subjacente a este contrato.

35. Se não se tivesse efetuado esse ajuste, a conta corrente (…) apresentaria uma dívida para com a insolvente (…) de €32.500.

36. Como causa direta e necessária destes atos, a insolvente ficou prejudicada na quantia de €702.976,12, que não recebeu.

37. Em 29/9/2014, (…) foi destituída da gerência de (…), tendo sido novamente nomeado o arguido (…).

38. A referida cessão de quotas teve como escopo transferir o domínio e propriedade, por meio indireto, da insolvente para o arguido C., salvaguardando-a de ser vendida para responder a débitos, o que o arguido C. quis.

E. Aumento de capital da (…) (cuja denominação social, veio posteriormente a ser alterada para (…).

39. A (…) é uma sociedade anónima com sede na Rua (…), pessoa coletiva (…).

40. Tinha o capital de € 100.000, tendo em 28/5/2010 sido objeto de aumento de capitais para € 9.680.000.00 através de suprimentos, com a emissão de 1.916.000 novas ações com o valor nominal de 5,00 Euros, cada uma.

41. O conselho de administração era composto, no quadriénio 2009/2012, pelo arguido A., como Presidente, e (…), como Vogal.

42. Em 9 de dezembro de 2009, através de ata nº 15, os arguidos C., A. e B. deliberaram aumentar o capital da (…) (à data, com a designação (…) em espécie, por transmissão da (…) para esta, dos seguintes direitos de crédito que a insolvente detinha sobre as seguintes sociedades e sobre o próprio arguido, no valor global €9.580.000.00, nos seguintes termos:

a. €890.000 da (…) – em Novembro de 2009, a (…) devia à insolvente o valor de €893.628,70; com esta cessão de créditos, a conta corrente foi regularizada nesse montante apresentando um saldo devedor em 31/12/2009 de €3.628,70;

b. €465.000 de (…) – a dívida desta empresa para com a insolvente era de €466.107,76 em 2009; após a cessão de créditos, a conta foi regularizada apresentando um saldo em 31/12/2009 de €1.107,76;

c. €200.000 da (…) – em 2009, a conta de outros devedores relativa a esta empresa apresentava um saldo devedor de €208.915,50; com a cessão de créditos de €200.000, a conta corrente passou a apresentar um saldo devedor de €8.915,50;

d. €6.430.000 da (…) – o valor em dívida desta empresa à (…) em Novembro de 2009 de €6.434.447,24; após a cessão de créditos no valor de €6.430.000, o valor em dívida ficou em €4.447,24, apresentando um saldo final devedor de €139.747,24 em Dezembro desse mesmo ano;

e. €220.000 da (…) – Esta empresa em 01/01/2009 devia €220.607,46 à insolvente; após a cessão de créditos de €220.000, o saldo em 31/12/2009 era de €1.607,46 devedor;

f. €100.000 da (…) – Em 01/01/2009, esta empresa apresentava uma dívida à insolvente de €100.954,76; com a cessão de créditos, a conta corrente foi regularizada apresentando um saldo devedor de €954,76 em 31 de Dezembro desse ano;

g. €1.275.000 de arguido C. - Em Novembro de 2009, o arguido C. devia €1.365.556,13 à insolvente, provenientes de transferências efetuadas desta; após a cessão de créditos que regularizou a conta em €1.275.000, o saldo em 31/12/2009 era de €90.556,13;

43. No seguimento dessa operação, a (…) passou a ser titular da participação maioritária do capital da sociedade, então denominada, (…).

44. Aquando do referido aumento de capital da (…), esta sociedade alterou a sua denominação social para (…).

45. Porém, nos anos de 2008 a 2011, a (…) não revelou desempenhar qualquer atividade, uma vez que apenas apresentou custos residuais de funcionamento e de financiamento que desencadearam resultados negativos de:

a. 6.785,23€ em 2008;

b. 11.013,46€ em 2009;

c. 3.452,77€ em 2010;

d. 393,64€ em 2011;

46. Não apresentou qualquer valor em Ativos Fixos e os valores registados em Ativo e Passivo corrente provêm apenas da movimentação residual da empresa;

47. Os valores relativos ao aumento de capital encontravam-se registados na rubrica de Outros devedores por contrapartida de Capital.

48. Naquela data, a (…) era acionista da insolvente e por ela detida no seu capital, sendo administrada pelos arguidos C., A. e B. no quadriénio 2008/2011.

49. Por deliberação de 2014-09-29, foi nomeado como presidente do conselho de administração, para o quadriénio 2012/2015, o arguido C.

50. A (…), era detida em 70% do seu capital pela sociedade (…) e 30% pela arguida B.

51. O arguido C. foi seu gerente, renunciando em 22/2/2012, tendo a arguida A. sido nomeada gerente em 27/2/2012.

52. A sociedade (…), pessoa coletiva (...) era administrada naquela data pelas arguidas (…), na qualidade de presidente do conselho de administração, (…) e (…).

53. A (…), sociedade anónima (...) , foi administrada em 2007 e 2010 pela administradora única (…).

54. Em 2/2/2012 o arguido C. foi nomeado administrador único.

55. A (…), pessoa coletiva (…), tinha, à referida data, como presidente do conselho de administração (…) e vogais (…) e (…).

56. (…), pessoa coletiva (…), tinha como objeto investimentos e gestão de participações sociais de outras sociedades como forma indireta de exercício de atividades económicas.

57. Era presidente do conselho de administração o arguido C. e eram vogais (…) e (…).

58. As ações da (…) não geram qualquer rendibilidade para a insolvente, uma vez que a (…) não tinha qualquer atividade nem apresentava resultados positivos.

59. Implicando a perda de €9.580.000 na sociedade insolvente.

60. E desonerando de pagamento as sociedades comerciais acima referidas, todas sobre o domínio e propriedade dos arguidos C., A. e B.

61. Com prejuízo para todos os credores da insolvente, o que o arguido C. previu, e quis.

F. Créditos sobre a (…), decorrentes de empréstimos efetuados pela insolvente (…):

62. A (…) em Portugal é uma pessoa coletiva nº (…).

63. Tem como objeto social a atividade de (…).

64. O seu representante legal é o arguido C..

65. Na contabilidade da insolvente, em clientes, na conta (…) encontram-se contabilizadas as faturas relativas a venda de material, cujo saldo atinge o valor de €5.150.109,86 em 31/12/2011, sendo que a última fatura emitida foi em Junho de 2010 e o último recebimento em Outubro do mesmo ano.

66. Foi também criada uma conta de clientes de cobrança duvidosa cujo saldo era de €877.282,14 em 31/12/2011.

67. Encontra-se na conta da insolvente em Outros Devedores, um saldo devedor de €3.787.363,67 contabilizado nas contas 278101 e 278103.

68. O arguido C., na qualidade de administrador da insolvente, procedeu à retirada da quantia de €3.387.363,67, das contas da insolvente, que entregou à (…), não sendo contudo possível identificar qual o seu destino final nem correspondendo esse ato ao objeto social da insolvente.

69. A (…) devia à insolvente (…) o valor de €9.814.755,67 sendo €3.787.363,37 decorrentes de empréstimos efetuados.

70. Inexistiu benefício para a insolvente na entrega dos referidos valores que transitaram para a sociedade sob o domínio do arguido C..

71. Em Fevereiro de 2014, a (…) foi condenada ao pagamento da quantia de €8.607.479,90, não sendo, no entanto, especificado qual a data para o pagamento nem a forma.

G. Empréstimos da (…) à (…):

72. A (…), pessoa coletiva em liquidação com o nº (…) tinha como objeto a participação em (…)..

73. No quadriénio de 2007 a 2010 foi presidente do Conselho de Administração o arguido C., sendo renovado o mandato em 24/2/2011 para os anos de 2011 a 2014.

74. O arguido C., na sua qualidade de presidente de conselho de administração, no ano de 2010, ao arrepio do objeto social da insolvente, procedeu a transferências financeiras desta no valor de €1.398.514,83 para (…)..

75. A qual, por sua vez, procedeu a aceites de letras e descontos a favor da insolvente apresentando um saldo credor de €938.195,98.

76. Na contabilidade da insolvente, a conta de clientes (211…5941), apresentou movimentos relativos a aceites de letras e descontos das mesmas apresentando um saldo credor de €938.195,98, enquanto a conta em Outros Devedores (278214) apresentava um saldo devedor de €1.398.514,83 proveniente de transferências financeiras.

77. O saldo destas duas contas perfez €460.318,85, sendo este valor a favor da insolvente, que se viu privada do referido montante monetário, ao arrepio do seu escopo comercial.

H. Operação de redução do capital social da (…):

78. Em data anterior a 18/2/2012 a insolvente tinha o capital social de € 550.000.

79. No referido dia o arguido deliberou realizar uma redução de capital no valor de €370.000, para cobertura de prejuízos.

80. Em termos contabilísticos, ocorreu uma diminuição do Capital Próprio de €886.040,78, uma vez que esta redução teve como compensação a conta (…).

81. A referida conta corrente foi regularizada, por contrapartida das contas de capital, resultando, assim, numa diminuição do valor do capital próprio da insolvente.

82. Se assim não fosse, o saldo relativo ao arguido C. apresentaria o valor de €947.878,28, valor este que o mesmo efetivamente tinha em dívida à insolvente (…)..

83. Com a referida deliberação de redução de capital, com regularização de valores recebidos anteriormente pelo sócio e aqui arguido C., este procedeu a uma distribuição de lucros a seu favor e descapitalização da sociedade insolvente, com prejuízo para credores, o que quis.

84. O arguido fez seu o montante de €947.878,28, que acrescido ao montante acima referido de €1.275.000, totaliza €2.222.878,28, valores esses que eram da sociedade insolvente.

85. Para ocultar tais procedimentos, no final do ano de 2011, o arguido C. contabilisticamente apenas apresentava um débito de €61.837,50.

I. Hipoteca de imóveis a favor da Fazenda Nacional, para garantia de dívidas fiscais da sociedade (…):

86. A (…) pessoa coletiva 505236915 tem sede na Rua (…).

87. No ano de 2011, o arguido C. era Presidente do Conselho de Administração, sendo vogais as arguidas A. e B.

88. O que sucedia desde 4/11/2004.

89. Em 01/01/2009, a (…) era devedora de €6.458.478,49 à insolvente (…), tendo sido regularizado o valor de €6.430.000, aquando do aumento de capital da (…).

90. No dia 18 de maio de 2009, através de ata nº 13, os arguidos C., A. e B. deliberaram hipotecar, a favor da Fazenda Nacional, duas frações autónomas “AJ e AL que a insolvente era proprietária, sitas na Rua (…).

91. Para garantir dívidas fiscais da sociedade (…) no montante de € 147.168,09.

92. A (…), não apresentava valores em dívida à (…), tendo a hipoteca apenas beneficiado esta empresa, ao arrepio do objeto social da insolvente e desvalorizando o valor de mercado dos referidos imóveis.

J. Hipoteca de imóveis a favor da Fazenda Nacional, para garantia de dívidas fiscais da sociedade (…):

93. No dia 17 de fevereiro de 2011, por ata nº 19, os arguidos C. e A. deliberaram que a insolvente iria constituir hipoteca voluntária a favor de Fazenda Nacional das suas frações EB do prédio sito na Rua (…), descrito sob o nº (…) da referida freguesia e frações CT, D e M do prédio sito na Rua (…), nº , Edifício (…), (…), descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº (…).

94. As quais foram dadas como garantia de pagamento de € 659.583,94. em processo de execução fiscal que correu no Serviço de Finanças de (…) sob o nº (…) em que era executada (…).

95. A 31/12/2011 a insolvente apresentava-se devedora de € 273.972,86 a (…).

K. Sociedade (…):

96. Essa sociedade foi declarada insolvente pelo Tribunal Judicial do (…), no dia (…) (Autos de Proc. …).

97. Sociedade essa que foi administrada até 6-2-2012 por (…).

98. E, desde 6 de fevereiro de 2012, por (…)..

99. O qual era igualmente administrador de (…).

L. Consequências diretas e necessárias das condutas acima descritas:

100. Como causa direta e necessária das referidas condutas, a insolvente viu-se, assim, privada dos seguintes ativos:

a) €702.976,12 decorrente da cessão de quotas de (…) para sociedade dominada pelos arguidos, sem qualquer recebimento para a insolvente;

b) €8.305.000 decorrente do aumento de capital de (…), dominada pelos arguidos, sem qualquer rentabilidade para (…) e desonerando (…), (…), (…), sociedade que arguido C. detinha e/ou dominava;

c) €460.318,85, montante entregue à (…), sociedade administrada pelo arguido C., a qual pouco tempo depois entrou em processo de insolvência;

d) €3.783.363,67 que foram entregues à (…), sociedade esta representada pelo arguido C., não correspondendo esse ato ao objeto social da insolvente, e do qual, a mesma se viu privada; e de

e) €2.222.878,28, correspondendo à soma de € 947.878,28 acrescido de aumento de capital no montante de €1.250.000 que o arguido C. fez seu;

101. Como causa direta e necessária dos referidos comportamentos, a insolvente viu-se privada de ativos, valores mobiliários, investimentos financeiros, direitos e créditos para satisfazer os seus encargos.

102. As ações supra descritas levadas a cabo pelo arguido C., concretizadas na dissipação e dissimulação do património da sociedade insolvente foram causa direta e necessária da posterior decisão judicial de declaração de insolvência.

M. Factos relativos ao dolo:

103. Os arguidos agiram de forma livre, deliberada e consciente.

104. O arguido C. atuou com o propósito de fazer desaparecer e dissimular o património da sociedade insolvente, de que era administrador, no intuito de prejudicar os credores da sociedade.

105. E impedir que os mesmos conseguissem obter a cobrança coerciva dos seus legítimos créditos à custa dos bens (ativos) da sociedade insolvente.

106. Previu e quis salvaguardar o seu património pessoal, transferindo valores monetários, quotas e efetuando regularizações contabilísticas em sua vantagem pessoal e/ou para sociedades comerciais que dominava e/ou era titular, bem como previu e quis apresentar contabilidade que não refletia os movimentos que ocorriam.

107. Bem sabia que as condutas, por ele assumidas e praticadas, lesavam os legítimos interesses dos credores da insolvente e lhes causariam, como causaram, graves prejuízos, impedidos que ficaram de cobrar os seus créditos.

108. Previu e quis fazer suas as quantias monetárias acima referidas bem sabendo que eram da sociedade insolvente.

109. O arguido C. sabia que tais condutas eram proibidas e punidas por lei.

110. Os arguidos tinham capacidade de determinação segundo as prescrições legais.

O. Outros factos relevantes para a decisão, relativos à instância criminal:

(…).

2) Pedido de indemnização civil deduzido pelo (…):

Q. Factos relativos aos antecedentes criminais dos arguidos:

(…).

R. Factos relativos às condições económico-sociais dos arguidos:

(…).

2.1.2. Factos não provados:

(…).

2.1.3. Exame crítico e motivação da prova:

(…).

APRECIANDO

É pacífica a jurisprudência de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que os recorrentes extraem das respectivas motivações, sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso.

No presente recurso (em que o recorrente pugna pela sua absolvição quanto ao crime de insolvência dolosa por que foi condenado e, quanto aos pedidos de indemnização deduzidos pelas demandantes cíveis), as questões suscitadas, tal como foram sintetizadas pelo recorrente, são:

“I – DO RECURSO EM MATÉRIA DE DIREITO

1.               Questão prévia: Do crime de insolvência dolosa enquanto crime específico e da atipicidade da conduta

2.               Do crime de insolvência dolosa enquanto crime de resultado e da questão da imputação objectiva

II – DA IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO PROFERIDA SOBRE MATÉRIA DE FACTO – artigo 412.º, n.º 3, do CPP

1.               Os concretos pontos de facto que se consideram incorrectamente julgados

2.               Da análise da fundamentação apresentada em confronto com as concretas provas que impõem decisão diversa e das provas que devem ser renovadas

III – (SUBSIDIARIAMENTE) DA MEDIDA DA PENA

1.               Da medida concreta da pena principal aplicada na Sentença recorrido

IV – DOS PEDIDOS DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL

1.               Questão prévia: da violação do artigo 82.º, n.º 3, alínea b), do CIRE

2.               Impugnação da matéria de facto

3.               Ausência dos pressupostos de que depende a obrigação de indemnizar.”

3. Do crime de insolvência dolosa enquanto crime específico e da atipicidade da conduta

Pugnando pela sua absolvição quanto ao crime por que foi condenado, com fundamento na atipicidade da conduta, alega o recorrente:

- o crime de insolvência dolosa p. e p. pelo artigo 227º, n.º 1, als. a) e b) do CP, é, quanto ao autor, um crime específico puro, pelo que a qualidade especial do autor – tem de ser o devedor – fundamenta a própria responsabilidade criminal;

- in casu, dúvidas não existem, por tudo quanto resulta dos autos e da própria sentença, de que o devedor, enquanto sujeito passivo da insolvência, é a sociedade anónima (…);

- ora, se é na sociedade que se verifica a qualidade de devedor exigida pela norma incriminadora e não no seu administrador, então, quando este (alegadamente) pratica uma conduta prevista no tipo objectivo de ilícito, a sua conduta não é típica pois falta-lhe a qualidade de devedor necessária para o seu preenchimento;

- para que a Sentença recorrida pudesse fundamentar adequadamente a condenação do ora Recorrente, teria que se ter socorrido de outras normas legais habilitantes de tal juízo condenatório, fundamentando concretamente a sua aplicação, e não o fez – impunha-se fundamentar a punição do arguido em qualquer uma das norma legais que prevêem uma extensão de punibilidade, no caso, ou o artigo 12º ou o artigo 227º, n.º 3, do CP.

Não tem razão o recorrente.

Talvez seja conveniente começar por aflorar qual o bem jurídico tutelado, quando estão em causa os crimes insolvenciais.

Pedro Caeiro[1] entende ser o património dos credores, defendendo que “a ofensa ao património dos credores surge, na sua forma mais imediata, quando o devedor, violando o dever de manter um volume patrimonial suficiente para a integral satisfação dos credores, se coloca em (ou agrava) uma situação de défice patrimonial real ou fictício (insuficiência ostensiva do activo para prover ao passivo): o património dos credores é ofendido em virtude da diminuição patrimonial causada pela virtual impossibilidade de ressarcimento integral dos créditos (perigo abstracto), pelo que a área de tutela típica do bem jurídico se circunscreve aos montantes inscritos nos concretos direitos de crédito titulados pelos credores.”

 Também Paulo Pinto de Albuquerque[2] entende que o bem jurídico protegido pela incriminação é o património de outra pessoa.

Já Fernanda Palma[3] entende que a realidade tutelável é a economia de crédito ou até a economia em geral, já num plano supra-individual. Escreveu que “a protecção do património dos credores não é, verdadeiramente, obtida pela protecção penal na relação jurídica imediata, isto é, o direito penal não permite obter efeitos reparadores semelhantes aos do direito civil. Nesse sentido, as sanções penais tornam-se ineficazes e desnecessárias para, directamente, ressarcirem os danos gerados na sociedade pelas situações de insolvência ou de falência. Quando o direito penal intervém já não é, em regra, possível evitar irreparáveis lesões para os bens do credor.”

Também Luís Menezes Leitão[4] entende que “estas incriminações não têm como fim a protecção dos direitos patrimoniais dos credores, atenta a proibição da aplicação das sanções penais por dívidas, mas apenas as actuações lesivas da economia do crédito ou até da economia em geral, resultantes de determinados comportamentos do devedor.”

Aqui chegados, acompanhamos Ana Luísa Mota Miranda[5] quando refere que “o bem jurídico será essencialmente o património dos credores, embora se possa salvaguardar indirectamente o bom funcionamento da economia, pois, os devedores ao praticarem condutas violadoras de princípios da boa-fé, da lealdade, da cooperação, da verdade e da boa informação, põem em causa a relação entre devedor-credor, relação essencial à economia de mercado.”.

Volvendo à concreta questão colocada pelo recorrente.

Na verdade, o crime de insolvência dolosa p. e p. pelo artigo 227º, n.º 1, als. a) e b) do CP, é um crime específico próprio ou puro, tal significando que só pode ser cometido por determinadas pessoas, às quais pertence uma certa qualidade ou sobre as quais recai um dever especial ( ).

Assim, estabelece o artigo 227º, n.º 1, als a) e b) do CP, pelo qual o arguido foi condenado:

«1- O devedor que com intenção de prejudicar os credores:

  a) Destruir, danificar, inutilizar ou fizer desaparecer parte do seu património;

  b) Diminuir ficticiamente o seu activo, dissimulando coisas, invocando dívidas supostas, reconhecendo créditos fictícios, incitando terceiros a apresentá-los, ou simulando, por qualquer outra forma, uma situação patrimonial inferior à realidade, nomeadamente por meio de contabilidade inexacta, falso balanço, destruição ou ocultação de documentos contabilísticos ou não organizando a contabilidade apesar de devida;

c) (…) e d) (…);

É punido, se ocorrer a situação de insolvência e esta vier a ser reconhecida judicialmente, com pena de prisão até cinco anos ou com pena de multa até 600 dias.»

Argumenta o recorrente que, no caso vertente, o devedor é a sociedade (…), pelo que, ainda que tivesse praticado uma conduta prevista no tipo objectivo do ilícito, a sua conduta não é típica pois falta-lhe a qualidade de devedor necessária para o seu preenchimento.

Por regra, só as pessoas singulares são susceptíveis de responsabilidade criminal e, quanto à responsabilidade criminal das pessoas colectivas dispõe o artigo 11º do CP que estas só respondem pelos crimes elencados no n.º 2 e, nestes não consta o crime previsto no artigo 227º.

No caso vertente, tendo sido dado como provado que a sociedade (…) foi declarada insolvente, por sentença transitada em julgado, em 8-5-2012, donde, detendo a sociedade a qualidade típica de devedor, qualidade que caracteriza a autoria objectivamente, coloca-se a questão de saber se, exercendo o ora recorrente a administração única da insolvente, a qualidade de devedor é transferível pela sua função de representação.

Ou seja, como refere Pedro Caeiro (in ob. cit. “Comentário (…)”, pág. 409) se a qualidade de devedor da sociedade pode repercutir-se nas pessoas humanas que pratiquem as condutas típicas como titulares dos seus órgãos ou como seus representantes, de acordo com o artigo 12º, n.º 1, al. a) do CP, e/ou ainda, como defende Fernanda Palma (ob. cit., pág. 412) sendo exigível que o agente actue como se da sociedade se tratasse, em nome dela e por ela, nos termos da al. b) do mesmo preceito.

Como ensina Germano Marques da Silva[6] “a lei utiliza um critério formal para alargar o âmbito dos agentes do crime, mas pressupõe um critério material que corresponde ao domínio do facto”.

Prevê o artigo 12º do CP uma cláusula extensiva da tipicidade, visando unicamente estender a punibilidade dos tipos legais da parte especial do Código Penal, o qual estabelece:

«1. É punível quem age voluntariamente como titular de um órgão de uma pessoa colectiva, sociedade ou mera associação de facto, em representação legal ou voluntária de outrem, mesmo que o respectivo tipo de crime exigir:

  a) Determinados elementos pessoais e estes só se verifiquem na pessoa do representado; ou

  b) Que o agente pratique o facto no seu próprio interesse e o representante actue no interesse do representado. (…)»

Portanto, por força da cláusula de extensão do tipo prevista no artigo 12º do CP é possível responsabilizar os administradores. E, tal extensão justifica-se pela necessidade de tutela do património dos credores, pois, se o agente físico – rectius administrador – não fosse punido, os crimes insolvenciais ficariam desprovidos de qualquer tutela, na medida em que a pessoa colectiva não é responsável pelos mesmos.

Deste modo, existindo na parte geral do Código uma previsão como a do artigo 12º, mesmo para o caso da actuação em nome de outrem por parte dos administradores de facto, afigura-se-nos desnecessário, in casu, o disposto no n.º 3 do artigo 227º, segundo o qual:

«3- Sem prejuízo do disposto no artigo 12º, é punível nos termos dos n.ºs 1 e 2 deste artigo, no caso de o devedor ser pessoa colectiva, sociedade ou mera associação de facto, quem tiver exercido de facto a respectiva gestão ou direcção efectiva e houver praticado algum dos factos previstos no n.º 1.».

No sentido de equiparar a titularidade jurídica à titularidade de facto dos órgãos da pessoa colectiva encontra-se Germano Marques da Silva[7], tendo sublinhado “Também o administrador de facto – ou seja, aquele que exerce efectivamente o poder de administrador da empresa, ainda que careça de legitimidade para tal, responde como se fora administrador de direito, por força do (…) art. 12º do CP”.

A situação já será diversa se estiver em causa a actuação de um terceiro. A este propósito, sublinha Fernanda Palma (in ob. cit. pág. 412) “o artigo 227º, n.º 3 (actual n.º 2), refere-se, explicitamente, a um terceiro, isto é, a alguém para quem não é transferível juridicamente a caracterização objectiva do autor e que, portanto, não possui (ou não pode possuir) sequer o elemento subjectivo especial da ilicitude (a intenção de prejudicar os credores). A sua responsabilidade atenuada adequa-se a um menor desvalor da acção relativamente ao património dos credores”.

Deste modo, tendo sido dado como provado que o arguido C. foi o presidente do conselho de administração da (…) entre 4-4-2008 e 18-2-2012 e, após esta data passou a exercer a administração única, e que foi o arguido enquanto titular do órgão respectivo da sociedade, quem praticou os factos dados como assentes, não se compreende a argumentação do recorrente de que a sua conduta não é típica, pois, falta-lhe a qualidade de devedor necessária para o preenchimento do crime em causa.

Como já ficou dito, a qualidade de devedor pertence à sociedade insolvente, mas foi o arguido, enquanto seu legal representante e agindo em nome da mesma, no âmbito dos poderes especiais que lhe estavam conferidos, quem praticou os actos típicos que integram a prática do crime de insolvência dolosa e, por via da cláusula de extensão da tipicidade prevista no artigo 12º do CP, a qualidade de devedor da sociedade pode repercutir-se nas pessoas humanas que pratiquem as condutas típicas como titulares dos seus órgãos ou como seus representantes. Situação que se verifica no caso vertente. Pois,

A factualidade dada como provada comprova a qualidade de administrador do arguido, e de que actuou nessa qualidade na sociedade (…).

Acresce que, o recorrente vem invocar a inconstitucionalidade da interpretação do artigo 227º, n.º 1, [als. a) e b)] do Código Penal, no sentido de que é autor, para efeitos de imputação do crime de insolvência dolosa de pessoa colectiva, pessoa singular relativamente à qual não se verifica a qualidade de devedor, por violação do princípio da legalidade criminal, constitucionalmente consagrado no artigo 29º, n.º 1 da CRP.

Ora, sobre a invocada inconstitucionalidade, e sem necessidade de outras considerações, para além do que ficou explanado neste ponto, acompanhamos a resposta da Magistrada do Ministério Público junto da 1ª instância, quando diz: “A interpretação da referida norma legal, no sentido de que o autor, para efeitos de imputação de crime de insolvência dolosa de pessoa coletiva, pode ser uma pessoa singular, ainda que a devedora seja a pessoa coletiva, não viola o referido princípio da legalidade criminal, constitucionalmente consagrado no artigo 291º, nº. 1, da Constituição da República Portuguesa.

Não se trata de uma questão de atipicidade da conduta do arguido, como pretende o recorrente, antes pelo contrário. O mesmo, ao praticar os factos típicos respetivos, e de acordo com o disposto nos artigos 11º. e 12º., ambos do Código Penal, constituiu-se como agente do crime de insolvência dolosa, p. e p. pelo artigo 227º, n.º 1, alíneas a) e b), do Código Penal.”


*

4. Do crime de insolvência dolosa enquanto crime de resultado e da questão da imputação objectiva

Diz o recorrente:

1- O Tribunal erra quando se limita a considerar a qualificação do crime de insolvência dolosa - do artigo 227.º, n.º 1, als. a) e b) do CP - quanto ao bem jurídico (crime de perigo ou crime de dano), e não considera o que realmente releva, que é a qualificação do crime, quanto à conduta, como crime de resultado.

2- O Tribunal erra quando desconsidera o problema da imputação objectiva do resultado à conduta, que é obrigatoriamente suscitado a propósito dos crimes de resultado.

3- O Tribunal erra quando defende que a alteração legislativa ao CIRE implica que o problema da imputação do resultado à conduta deixa de existir ao nível da tipicidade.

4– Daqui decorre a evidência de que, ao nível da decisão em matéria de facto, teria o Tribunal a quo que ter fundamentado adequadamente - o que não cuidou de fazer - a razão pela qual considerou que “apesar de, como referimos “supra”, entendermos que o crime de insolvência dolosa, na sua tipologia, não exige que a atuação do devedor seja causa direta e necessária da situação e posterior declaração de insolvência, sempre se dirá, que ainda assim, se logrou provar que as condutas levadas a cabo, designadamente, pelo arguido C., constituíram causa direta e necessária da posterior decisão judicial de declaração de insolvência (cfr. factos descritos no ponto L)” – Pág. 67 da Sentença recorrida.

Na verdade, o Tribunal não cuidou de fundamentar devidamente a relação de causalidade entre as condutas consideradas ilícitas e a produção do resultado típico, conforme seria exigível.

Segundo o n.º 1 do artigo 3º do CIRE (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas), é considerado na situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas.

Ora, no crime de insolvência dolosa, pelo qual o recorrente foi condenado previsto no n.º 1 do artigo 227º do CP, as modalidades da conduta típica são: a destruição, danificação, inutilização ou o desaparecimento de parte do património [al. a)] e, a diminuição fictícia do activo [al. b)].

Trata-se de um crime de execução vinculada, porquanto o modo de execução vem descrito no tipo.

E, como elemento subjectivo geral exige-se o dolo, que se traduz no conhecimento e vontade de realização dos elementos objectivos do tipo. Exigindo ainda este crime a verificação do dolo específico: - a intenção de prejudicar os credores.

Porém, as condutas típicas do n.º 1 do artigo 227º só são puníveis se ocorrer a situação de insolvência e esta vier a ser reconhecida judicialmente.

Por conseguinte, a sentença que declarou a insolvência constitui uma condição objectiva de punibilidade, pois “(…) é o reconhecimento judicial da insolvência que evidencia a insatisfação dos credores e, portanto, o perigo penalmente perseguido: se o devedor causa ilícita e culposamente a sua própria impotência económica, mas consegue satisfazer os interesses dos credores, e a insolvência não é, por esse facto, objecto de reconhecimento judicial, o facto carece de dignidade penal.” (Pedro Caeiro, ob. cit. “Comentário (…)”, pág. 425).

Neste sentido, o acórdão desta Relação de Coimbra de 16-11-2011, proc. n.º 785/07.3TACBR.C1, e da Relação de Évora de 26-2-2013, proc. n.º 9/06.0TAAVS.E1 e 19-12-2013, proc. 248/08.0TATVR.E1, disponíveis em www.dgsi.pt.

Sobre a condição objectiva de punibilidade, sublinhou Germano Marques da Silva[8] que “são elementos suplementares do tipo, mas não se incluem no mesmo, caracterizando-se precisamente pela circunstância de serem exteriores (…), condicionam a punibilidade do facto a circunstâncias alheias”.

Entende o recorrente que “o crime de insolvência dolosa p. e p. pelo artigo 227º, n.º 1, als. a) e b) do CP, é, quanto à conduta, um crime de resultado, exigindo o estabelecimento de um nexo de causalidade entre a(s) conduta(s) típica(s) e as produção do resultado abrangido pelo tipo legal de crime.”

Porém, sem razão, havendo que atender à evolução legislativa entretanto ocorrida. Mas vejamos:

Estatui o n.º 1 do artigo 10º do CP que «Quando um tipo legal de crime compreender um certo resultado, o facto abrange não só a acção adequada a produzi-lo como a omissão da acção adequada a evitá-lo, salvo se outra for a intenção da lei.»

Neste n.º 1 consagra-se a doutrina da causalidade adequada, para resolver a imputação objectiva do resultado ao agente, e ainda a equiparação da acção à omissão nos casos em que o tipo legal de crime compreende um certo resultado; equiparação que fica sujeita às particularidades dos n.ºs 2 e 3[9].

Segundo Eduardo Correia[10] para que se possa estabelecer um nexo de causalidade entre um resultado e uma acção não basta que a realização concreta daquele se não possa conceber sem esta: é necessário que, em abstracto, a acção seja idónea para causar o resultado. Para que uma acção se possa dizer causa de um resultado é, pois, mister que em abstracto seja adequada a produzi-lo. É preciso que este seja uma consequência normal típica daquela. O processo lógico deve ser o de uma prognose póstuma, ou seja, de um juízo de idoneidade, referido ao momento em que uma acção se realiza, como se a produção do resultado se não tivesse ainda verificado, isto é, o de um juízo «ex-ante».

Nos crimes de resultado sob a forma de comissão por acção o tipo pressupõe a produção de um evento como consequência da actividade do agente. Nestes tipos de crime só se dá a consumação quando se verifica uma alteração externa espácio-temporalmente distinta da conduta. Se, pelo contrário, o tipo incriminador se preenche através da mera execução de um determinado comportamento estaremos em face de crimes de mera actividade. (Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 306)

Ora, na anterior redacção do artigo 227º resultante da revisão do Código Penal levada a efeito pelo DL n.º 48/95, de 15.3, o n.º 1 apenas divergia da actual redacção quanto à medida da pena: pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.

Porém, havia um n.º 2 que dispunha «Se a falência vier a ser declarada em consequência da prática de qualquer dos factos descritos no número anterior, o devedor é punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias»; sendo esta a pena cominada para o actual n.º 1.

Acontece que este n.º 2 veio a ser eliminado pelo DL n.º 53/2004, de 18.3., diploma que para os tipos criminais eliminou todas as referências a “falência”, que foram substituídas por “insolvência” e introduziu uma agravação para alguns dos crimes (227º, 227º-A, 228º e 229º), entre eles a insolvência dolosa.

Ora, a argumentação do recorrente (de que o crime de insolvência dolosa é, quanto à conduta, um crime de resultado) estaria correcta se o n.º 2 do preceito, na redacção dada pelo citado DL n.º 48/95 ainda estivesse em vigor, visto que, se exigia que a falência viesse a ser declarada em consequência da prática das respectivas condutas típicas, daí resultando a existência de uma relação de causalidade entre essas condutas e a declaração de falência. Só que, a declaração de insolvência já não é elemento do tipo.

Actualmente, já não se exige que a actuação do devedor seja causa directa da situação de insolvência e do respectivo reconhecimento judicial, bastando, apenas, que se mostre preenchido o tipo de ilícito com uma das actuações previstas no n.º 1, realizadas com intenção de prejudicar os credores, sendo que a declaração de insolvência, como já mencionado, constitui apenas uma condição objectiva de punibilidade.

Assim, o crime de insolvência dolosa não tem resultado típico, ou seja, as condutas não têm de causar necessariamente a situação de insolvência (ainda que in casu ela tenha acontecido), não se exigindo, pois, qualquer nexo de causalidade entre as condutas típicas e a situação de insolvência.

A este propósito, e no mesmo sentido, escreveu Luís Menezes Leitão (ob. cit. págs. 343/344) “No âmbito da redacção anterior, exigia-se que a falência viesse a ser declarada em consequência da prática dos referidos factos, o que implicava a exigência de uma relação de causalidade entre os referidos comportamentos e a declaração de falência. Actualmente, no entanto, deixou de se exigir essa relação, exigindo-se apenas que ocorra a situação de insolvência e esta venha a ser judicialmente reconhecida (art. 227º, n.º 1, 228º, n.º 1, e 229º, n.º 1, in fine CP). Estamos assim perante meras condições objectivas de punibilidade do agente, o que implica que hoje estes crimes insolvenciais tenham que ser qualificados como crimes de perigo abstracto, cuja ilicitude corresponderia aos comportamentos previstos no tipo respectivo e cuja punibilidade seria limitada de duas condições objectivas: a ocorrência da insolvência e o respectivo reconhecimento judicial. Estas condições de punibilidade teriam como função a confirmação da perigosidade típica dos comportamentos incriminados nas várias alíneas, e daí a sua exigência para que o agente possa ser sancionado”.

Improcede, pois, nesta parte a argumentação do recorrente.


*

5. Da medida da pena aplicada

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6. Dos pedidos de indemnização civil

a) da violação do artigo 82.º, n.º 3, alínea b), do CIRE

Entende o recorrente que:

Os demandantes cíveis, in casu, a (…), e o demandante originário (…) (posteriormente …, habilitada na pendência da causa), carecem de legitimidade processual activa para intentar qualquer acção/pedido cível contra o aqui arguido C., na sua qualidade de administrador da (…), porquanto, tendo tal pedido sido deduzido posteriormente à declaração de insolvência, o mesmo teria obrigatoriamente que ser intentado pelo Administrador de Insolvência.

Ao desconsiderar tal questão, violou o Tribunal a quo, de forma ostensiva, o disposto no artigo 82.º, n.º 3, alínea b), do CIRE, pelo que se impõe a revogação da condenação do arguido nos pedidos cíveis, em face da ilegitimidade processual activa dos demandantes.

Foi o recorrente condenado:

- a pagar à demandante (…) a quantia de €786.898,38 a que acresce o montante diário de €215,05 de juros de mora (…); e

- a pagar à demandante (…) a quantia de €1.160.585,22 acrescida de juros civis de mora (…).

Consagra o artigo 71º do CPP o princípio da adesão obrigatória ao processo penal, estabelecendo o mesmo que «O pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei.»

E, nos termos do artigo 129º do CP «A indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil».

Portanto, o pedido de indemnização civil a deduzir no processo penal, há-de ter por causa de pedir os mesmos factos que são também pressuposto da responsabilidade criminal e pelos quais o arguido é acusado. Sendo que, quanto à responsabilidade civil terão de se verificar ainda os factos que indicam o dano e o nexo causal entre o dano e o facto ilícito, ou seja, os pressupostos do artigo 483º do CC.

Sustenta o recorrente que os demandantes civis carecem de legitimidade processual activa para deduzir o pedido de indemnização civil contra o arguido, na qualidade de administrador da (…), porquanto a legitimidade exclusiva (dado os pedidos terem sido deduzidos após a declaração de insolvência desta) é do Administrador de Insolvência, nos termos do artigo 82º, n.º 3, al. b) do CIRE.

Dispõe o referido preceito que «3- Durante a pendência do processo de insolvência, o administrador da insolvência tem exclusiva legitimidade para propor e fazer seguir: b) As acções destinadas à indemnização dos prejuízos causados à generalidade dos credores da insolvência pela diminuição do património integrante da massa insolvente, tanto anteriormente como posteriormente à declaração de insolvência.»

Refere-se esta alínea b) do n.º 3, “à limitação das acções que o administrador da insolvência pode propor com vista a assegurar direitos dos credores, que são agora somente aquelas que aproveitarem à generalidade deles.”[11].

Ainda que, nos termos do citado n.º 3 [als. a) e b)], “Por iniciativa do administrador da insolvência podem os administradores da insolvente ser chamados a responder pelos prejuízos que, com a sua actuação (designadamente pela diminuição do património integrante da massa insolvente), tenham causado quer ao devedor quer aos credores. Nestes casos caberá ao administrador da insolvência propor uma acção declarativa de condenação, por apenso ao processo de insolvência (art. 82º, n.º 5), tendo como causa de pedir a responsabilidade por factos ilícitos.”[12]

Também, quanto à obrigação de indemnização pelos prejuízos causados à generalidade dos credores da insolvência pela diminuição do património integrante da massa insolvente, sublinha Catarina Serra[13] “Coordenando a norma processual contida no art. 82º, n.º 3, al. b), do CIRE com as normas substantivas do Código das Sociedades Comerciais e do Código da Insolvência e da Recuperação de empresas, pode concluir-se que o art. 82º, n.º 3, al. b), do CIRE se aplica às acções propostas ao abrigo do art. 78º (sob a epígrafe “Responsabilidade para com os credores sociais”) do CSC e do art. 189º [sob a epígrafe “Sentença de qualificação” (da insolvência como culposa ou furtuita (]), n.º 2, al. e) e n.º 4, do CIRE. Estas são acções destinadas à indemnização de danos ou prejuízos causados à generalidade dos credores da sociedade pela diminuição do património desta. São necessariamente propostas pelo administrador da insolvência.”

Por conseguinte, a representação do administrador da insolvência circunscreve-se aos aspectos de natureza patrimonial que interessem à insolvência. Pelo que, contrariamente ao que afirma o recorrente, com a dedução dos pedidos de indemnização civil pelos demandantes não se verifica a violação do artigo 82º, n.º 3, b) do CIRE pois, a causa de pedir de tais pedidos é, tão só, a responsabilidade civil emergente da prática do crime de insolvência dolosa pelo demandado.

Deste modo, detinham os demandantes (…e…) legitimidade processual activa para deduzir o pedido de indemnização civil contra o arguido/demandado C.


*

b) da impugnação da matéria de facto

(…).


*

c) da ausência dos pressupostos de que depende a obrigação de indemnizar

Diz o recorrente:

Invoca-se a total ausência dos pressupostos de que depende a obrigação de indemnizar, à luz dos pressupostos enunciados na lei civil, atento o disposto nos artigos 129.º do Código Penal e 377.º do Código de Processo Penal.

O Tribunal recorrido não cuida de fundamentar devidamente e por referência a meios de prova o porquê de estarem preenchidos tais pressupostos, além de que olvida o artigo 78.º do CSC, que é a norma que enuncia os pressupostos de que depende a responsabilização dos administradores para com os credores sociais.

Porém, sem razão.

Na fundamentação de direito encontra-se devidamente justificada a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil e, a consequente obrigação de indemnizar a cargo do demandado, como passamos a transcrever: «Face à matéria de facto apurada, no caso dos autos, mostram-se preenchidos todos os referidos pressupostos: mediante a prática de um facto ilícito (que constitui, mesmo, infração penal), consubstanciada na adoção de condutas ilícitas que provocaram a dissipação de património da sociedade insolvente (…), pelo arguido, designadamente de ativos nos valores referidos no facto 100, condutas essas que constituíram a causa direta e necessária de a insolvente se ver privada desses ativos, da posterior decisão judicial de declaração de insolvência (factos 101 e 102), e da subsequente impossibilidade de os demandantes (…) e (…) conseguirem cobrar coercivamente o seu crédito junto da (…), o que lhes provocou um prejuízo de €786.898,38, a que acresce o montante diário de €215,05 desde 24-10-2015 até integral pagamento, e de, €1.160.585,22, respetivamente (cfr. factos constantes do Ponto P).

Desta forma, encontram-se preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, imputando-se esta ao arguido/demandado.

Verificados que sejam estes pressupostos nasce a obrigação de indemnizar a cargo do demandado [cfr. art.º 562.º e o 564.º, n.º1, todos do Código Civil].

Nos termos do art.º 562º Código Civil, a obrigação de indemnizar visa, desde logo, a reconstituição da situação que existiria na esfera jurídica do lesado, no caso de não se ter verificado o evento que obriga à reparação, ou seja, a chamada teoria da diferença. São, pois, indemnizáveis os danos de carácter patrimonial (quer os prejuízos emergentes quer os lucros cessantes, sejam danos presentes ou futuros, nos termos dos nº 1 e 2 do artº 564º Código Civil) e os de carácter não patrimonial (estes apenas no caso de merecerem a tutela do direito, nos termos do art.º 496º, nº 1 Código Civil).

Impossibilitada a reconstituição natural, a indemnização será fixada em dinheiro [cfr. art.º 566.º, n.º 1, 1ª parte do Código Civil]. (…) e tais prejuízos dos lesados, provocados pelo arguido, deverão ser qualificados como danos de natureza patrimonial.».

Por conseguinte, e sem necessidade de outras considerações, improcede, também nesta parte, a argumentação do recorrente.


*****

III- DECISÃO

Face ao exposto, acordam os juízes da secção criminal deste Tribunal da Relação em:

a) Corrigir a sentença recorrida, nos seguintes termos:

O facto 44 dado como provado na sentença recorrida passa a ter a seguinte redacção:

44. Aquando do referido aumento de capital da (…)., esta sociedade alterou a sua denominação social para (…).

                                   (Proceda à rectificação na própria sentença, a fls. 2169 dos autos)

 b) Negar provimento ao recurso.

c) Ainda que sem qualquer relevância, tendo em conta o crime praticado pelo arguido, procede-se à modificação da decisão recorrida (vide fls. 108 e 109 deste acórdão), passando os Factos Provados 136 e 137 a ter a seguinte redacção:

(…).

Custas a cargo do recorrente, fixando-se em 8UCs a taxa de justiça.


*****

Coimbra, 13 de Março de 2019
Texto processado em computador e integralmente revisto pela relatora e assinado electronicamente - artigo 94º, n.º 2 do CPP

Elisa Sales (relatora)

Pilar de Oliveira (adjunta)

Alberto Mira (presidente da 5.ª Secção)


[1] Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, Coimbra Editora, 1999, págs. 404, 407 e 408, e in Sobre a Natureza dos Crimes Falenciais: O património, a falência, a sua incriminação e a reforma dela, Coimbra Editora, 2003, págs. 191, 241 e 243.
[2] Comentário do Código Penal (à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem), Universidade Católica Editora, pág. 625.
[3] Aspectos Penais da Insolvência e da Falência: Reformulação dos Tipos Incriminadores e Reforma Penal – Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Vol. XXXVI, 1995, pág. 402.
[4] Direito da Insolvência, Almedina, 2015, 6.ª Edição, pág. 343.
[5] Na sua Dissertação de Mestrado sobre A Responsabilidade Penal nos Crimes Insolvencias – Insolvência Dolosa e Insolvência Negligente, Universidade Católica
[6] Responsabilidade Penal das Sociedades e dos seus administradores e representantes, Verbo, 2009, pág. 296.
[7] Direito Penal Tributário, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2009, pág. 307.
[8] Direito Penal Português, Parte Geral, Tomo II, Teoria do Crime, Editorial Verbo, 1998, págs. 38/39.
[9] Maia Gonçalves, Código Penal Português, Almedina, 1996, 10.ª Edição, pág. 130.
[10] Direito Criminal, I, Livraria Almedina, Coimbra, 1968, págs. 257/258.
[11] Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid Juris, Sociedade Editora, pág. 437.
[12] Maria José Costeira, A Responsabilidade de Pessoas Colectivas, Revista Julgar, n.º 18, 2012, Coimbra Editora, pág. 167.
[13] Lições de Direito da Insolvência, Almedina, 2018, pág. 182.