Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
700/10.7TASTR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULO VALÉRIO
Descritores: NOTIFICAÇÃO
PRAZO PRESUNTIVO
Data do Acordão: 05/23/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE TORRES NOVAS - 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.º 113º, N.º 3, DO C. PROC. PENAL
Sumário: A presunção imperativa de a notificação se considerar realizada decorridos 5 (cinco) dias do depósito da carta na caixa de correio do arguido consagra um prazo que corre autónomamente e que, porque se não relaciona com a prática de actos processuais pelos interessados (embora, evidentemente, tal estipulação marque o inicio de um prazo judicial), não pode o seu decurso considerar-se interrompido nas férias judiciais.
A significar que, acontecendo o seu termo no período das férias judiciais, o prazo para a prática do acto judicial, inicia-se no primeiro dia útil, após férias judiciais.

De modo que aquele prazo presuntivo dos 5 (cinco) dias do art.º 113º, n.º 3, do C. Proc. Penal, não pode ser cumulado com os demais prazos estipulados na lei, estes sim, mas não aquele, sujeitos a suspensão durante as férias judiciais, pois que as razões que justificam esta suspensão não têm razão de ser para aquele referido prazo de 5 (cinco) dias.

Decisão Texto Integral: Em conferência na 5.ª secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra
1- No 2.º juizo do Tribunal Judicial de Torres Novas, no processo acima identificado, foi, por despacho de fls 437-438, rejeitado o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo ali arguido A..., por se considerar que o mesmo tinha sido apresentado extemporâneamente


2- Inconformado, o arguido A... recorre, concluindo deste modo :
0 prazo de cinco dias previsto no n° 3 do 112.º do CPP é um prazo dilatório previsto em processo penal.
0 n° 1 do art° 143.º do CPC, aplicável "ex vi" do disposto no n° 1 do art° 104.º do CPP, dispõe que não se praticam actos processuais nos dias em que os Tribunais estejam encerrados nem durante as férias judiciais."
0 prazo judicial é o periodo dentro do qual um acto processual pode ser praticado, que é o prazo perempório. Prazo judicial dilatório ou suspensivo é o prazo a partir do qual um outro prazo é contado.
0 escopo do n° 3 do art° 144.º do CPC, ao determinar a suspensão do prazo judicial durante as férias, sábados, domingos e dia feriado, é o de que o prazo não inicia a sua contagem nem cessa em periodo de tempo ern que esteja proibida por lei a prática de actos judiciais.
0 preceito no n° 3 do art° 144.º do CPC constitui uma derivação lógica do n° 1 do anterior art° 143.º, segundo o qual os actos judiciais não podem ser praticados nos domingos nem em dias feriados nem durante as férias, exceptuando as citações, notificações, arrematações e os actos que se destinam a evitar danos irreparáveis.
O período decorrido desde a data do depósito da notificação, ou seja, os cinco dias posteriores à data do depósito da notificação da acusação tornaria absolutamente inútil e com efeito suspensivo nos termos do n.º 3 do art 408.º do CodProcPenal

3- A Exma PGA nesta Relação, acompanhando o MP da 1.ª instância, entende que o recurso não merece provimento

4 - Foram colhidos os vistos legais e teve lugar a conferência.

5- O objecto do presente recurso, tal como vem definido nas conclusões do recurso traduz-se em saber seo o requeriemnto de abertura de instrução foi deduzido em tempo
Importa, desde já, reter os factos úteis para a compreensão do caso :
- Por despacho proferido em 7 de Julho de 2011, foi deduzida acusação contra A... pela prática, como autor material, na forma consumada e em concurso efectivo, de um crime de falsificação de documento, p. p. pelo artigo 256.°, n.° 1, alinea c), do COdigo Penal, de um crime de abuso de confiança qualificado, p. p. pelo artigo 205.°, n.°s 1, 4, alinea b), e 5, do Codigo Penal, e de um crime de emissão de cheque sem provisão, p. p. pelo artigo 1 1.°, n.° 1, alinea a), do Decreto-Lei n.° 454/91, de 28 de Dezembro, na redacção introduzida pela Lei n.° 48/2005, de 29 de Agosto.
- Tal despacho foi notificado à ilustre Defensora do arguido mediante via postal registada em 8 de Julho de 2011 e ao arguido via postal simples, tendo esta última correspondência sido depositada no dia 11 de Julho de 2011.
- O arguido veio requerer a abertura de instrução, mediante requerimento apresentado, via fax, em 26 de Setembro de 2011.
E o despacho recorrido tem o seguinte teor, com interesse :
« (...) Quando efectuada por via postal simples, a notificação considera-se efectuada no 5°. dia posterior á data indicada na declaração lavrada pelo distribuidor do serviço postal. É o que estatui o n.° 3 do artigo 113.° do Código de Processo Penal.
A acusação tem de ser, obrigatoriamente, notificada aos arguidos e ao seu defensor oficioso, contando-se o prazo para requerer a abertura da instrução a partir da data da notificação efectuada em último lugar (cfr. n° 9 do cit. artigo 113°). Por outro lado, nos termos do artigo 287.°, n.° 1, a abertura da instrução o pode ser requerida no prazo de 20 dias, a contar da notificação da acusação ou do arquivamento.
Resulta, assim, (...) que o prazo para o arguido A... requerer a abertura da instrução terminou em 20 de Setembro de 2011, uma vez que a notificação mais recente foi efectuada em 11 de Julho de 2011, e que o prazo se suspendeu a partir de 15 de Julho de 2011 e até ao termo do periodo de férias judiciais (artigo 144.°, n.° 1 do Código de Processo Civil, aplicável ao processo penal por força do artigo 104.°, n.°1, do Código de Processo Penal), coincidindo, por isso, o dies a quo de tal prazo com o dia 1 de Setembro de 2011.
Estabelece, porém, o artigo 107.°, n.° 5, do Código de Processo Penal que, "independentemente do justo impedimento, pode o acto ser praticado, no prazo, nos termos e corn as mesmas consequencias que em processo civil, com as necessárias adaptações". Ora, nos termos do artigo 145.°, n.° 5 do Código de Processo Civil, "independentemente de justo impedimento, pode o acto ser praticado dentro dos três primeiros dias uteis subsequentes ao termo do prazo, ficando a validade dependente do pagamento imediato de uma multa ". E, nos termos do n.° 6 do mesmo artigo, "praticado o acto em qualquer dos três dias úteis seguintes sem ter sido paga imediatamente a multa devida, logo que a falta seja venficada, a secretaria, independentemente de despacho, notifica o interessado para pagar multa de montante igual ao dobro da mais elevada prevista no niimero anterior, sob pena de se considerar perdido o direito de praticar o acto [...j".
Assim, tendo dado entrada em juizo no dia 26 de Setembro de 2011, o requerimento para a abertura da instrução foi apresentado no quarto dia seguinte ao do termo do prazo, o que já não permite o recurso ao regime do citado artigo 145.°, tratando-se de acto manifestamente intempestivo (...) .

Diz o recorrente que o prazo de 5 dias previsto no art. 113.º-3 do CódProcPenal, relativo à presunção da data da notificação da acusação ao arguido, quando realizada por via postal simples, se terá de suspender no período das férias judiciais, de acordo com o disposto nos arts 103.º e 104.º do CódProcPenal e 143.º e 144.º do CodProcCivil.
Ou seja, o que o ora recorrente pretende é que, tendo ele sido notificado já em férias ( por presunção imperativa do art. 113.º-3 do CódProcPenal : visto que o depósito da notificação ao mesmo é de 11-7-2011, considerava-se notificado a 16-7-2011, portanto no segundo dia das férias judiciais ), este prazo de 5 dias só começaria a correr em 1-9-2011, a que acresceria naturalmente o prazo para abertura da instrução, de 20 dias ( e ainda o prazo suplementar de 3 dias do art. 145.º do CodProcCivil ).
Sucede que o prazo de 5 dias começou a contar ainda no período de funcionamento dos tribunais ( em 11-7-2011 ), e esse prazo presuntivo não tem que ver com a prática de actos judiciais pelos interessados, nem tem incidência directa no decurso dos prazos de actos a realizar pelos interessados --- e é essa prática que justifica a suspensão da sua realização durante o período das férias judiciais, de modo a facilitar a vida aos advogados, aos magistrados e em geral aos interessados na sua prática ).
Quer dizer, aquela presunção imperativa de a notificação se considerar realizada decorridos 5 dias do depósito da carta na caixa de correio do arguido consagra um prazo que corre autónomamente e que, porque se não relaciona com a prática de actos processuais pelos interessados ( embora, evidentemente, tal estipulação marque o inicio de um prazo judicial, “ in casu” o momento a partir do qual deve ser requerida a instrução ), não pode o seu decurso considerar-se interrompido nas férias judiciais : acontecendo o seu termo no período das férias judiciais, o prazo para a prática do acto judicial ( no caso, o pedido de abertura da instrução ), inicia-se no primeiro dia útil do inicio do ano judicial, isto é, no caso, em 1 de Setembro.
De resto, a lei, no art. 143.º do CodProcCivil, não fala da regra da contagem dos prazos dos actos realizados pelo tribunal, e que por lei são inderrogáveis e inalteráveis. Refere-se, sim, à contagem e validade dos actos processuais a realizar durante as férias, isto é, que dependem da iniciativa dos interessados ou do tribunal. Diz aquele normativo que « Quando se praticam os actos : 1. Não se praticam actos processuais nos dias em que os tribunais estiverem encerrados, nem durante o período de férias judiciais (...) ». Assim, a regra é a da continuidade dos prazos, ou seja, « 1. O prazo processual, estabelecido por lei ou fixado por despacho do juiz, é contínuo, suspendendo-se, no entanto, durante as férias judiciais (...) ».
De modo que aquele prazo presuntivo dos 5 dias do art. 113.º-3 do CodProcPenal não pode ser cumulado com os demais prazos estipulados na lei, estes sim, mas não aquele, sujeitos a suspensão durante as férias judiciais, pois que as razões que justificam aquela suspensão dos prazos não tem razão de ser para aquele mesmo prazo de 5 dias .
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6- Decisão :
Pelos fundamentos expostos :
I- Nega-se provimento ao recurso, assim se mantendo a decisão recorrida

II- O recorrente pagará 3 Ucs de taxa de justiça.
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Paulo Valério (Relator)


Jorge Jacob