Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
656/05.8TBPCV.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISAÍAS PÁDUA
Descritores: IMPUGNAÇÃO DE FACTO
ALTERAÇÃO
TRIBUNAL SUPERIOR
UNIÃO DE FACTO
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
Data do Acordão: 02/23/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE PENACOVA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 690º-A, NºS 1 E 2, E 712º, NºS 1 E 2, DO CPC; LEI Nº 135/99, DE 28/08; LEI Nº 7/2001, DE 11/05; LEI Nº 23/2010, DE 11/05; ARTºS 473º DO C.CIV.
Sumário: I – É entendimento jurisdicional dominante o de que a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto deve ser feita por referência expressa (havendo-a) aos pontos concretos da base instrutória de cuja resposta se discorda, sendo que a falta dessa indicação não impõe, antes da rejeição liminar da impugnação, o prévio convite ao recorrente para proceder à especificação de tais pontos.

II – Deve usar-se de uma certa cautela quando se trate de alterar a matéria de facto fixada pela 1ª instância, a qual só deverá ocorrer, em princípio, quando se verificar existir erro grosseiro na apreciação das provas pelo tribunal a quo, ou seja, só quando as provas produzidas levem inequivocamente a uma resposta diversa da dada na 1ª instância é que deve o tribunal superior alterar tais respostas.

III – Com a publicação da Lei nº 135/99, de 28/08, foi consagrado, no nosso país, um regime de medidas visando especificamente a protecção da união de facto.

IV – Esse diploma foi, entretanto, substituído/revogado pela Lei nº 7/2001, de 11/05 (o qual foi também objecto de alterações introduzidas pela Lei nº 23/2010, 11/05), num reforço das medidas de protecção à união de facto, estipulando, logo no seu artº 1º que “a presente lei regula a situação jurídica de duas pessoas, independentemente do sexo, que vivam em união de facto há mais de dois anos”.

V – Não existe qualquer base legal para estender à união de facto as disposições que ao casamento se referem, e sendo assim não lhe são aplicáveis as regras que disciplinam os efeitos patrimoniais do casamento.

VI – É entendimento prevalecente o de que, nas uniões de facto, há que recorrer ao regime geral do direito comum, através do recurso ao instituto que melhor se enquadre na situação factual descrita, e mais concretamente no âmbito do direito obrigacional e real.

VII – O Tribunal pode lançar mão do “instituto do enriquecimento sem causa” mesmo sem ter sido invocado pelas partes nos seus articulados – desde que se verifiquem os respectivos pressupostos legais.

VIII – Para que haja a pretensão de enriquecimento (uma obrigação em que é devedor o enriquecido e credor o que suporta o enriquecimento) será necessário a verificação dos seguintes requisitos: 1) a existência de um enriquecimento; b) que esse enriquecimento se obtenha à custa de outrém; c) a falta de causa justificativa.

IX – Porém, para que se constitua uma obrigação de restituir fundada num enriquecimento, não basta que uma pessoa tenha obtido vantagens económicas à custa de outra. É ainda necessário que não exista uma causa jurídica justificativa dessa deslocação patrimonial.

Decisão Texto Integral: Acordam neste Tribunal da Relação de Coimbra

I- Relatório

1. O autor, A..., instaurou (em 15/9/2005), contra a ré, B..., ambos melhor identificados nos autos, a presente acção declarativa, com a forma de processo ordinário, pedindo a condenação da última:

“a) A reconhecer que o autor adquiriu o seu direito de compropriedade (por si e por antepossuidores), por usucapião, sobre os imóveis supra identificados;

b) A reconhecer ao autor o seu direito de compropriedade, na proporção de metade, sobre os prédios supra identificados, sobre os bens, equipamentos e utensílios, benfeitorias e veículos automóveis identificados na p.i.;

c) A restituir ao autor, na aludida proporção de metade, os bens em questão, não praticando actos que impeçam o exercício do direito de compropriedade por parte daquele;

d) ou, assim se não entendendo, a indemnizar o autor pela quantia global conhecida de 997,60 euros e a que vier a ser apurada em sede de prova pericial (face ao desconhecimento dos valores envolvidos, conhecidos integralmente pela ré), correspondente a metade de todas as aquisições, investimentos, melhoramentos, despesas e benfeitorias realizados nos bens em causa, em virtude da acessão industrial imobiliária e mobiliária, assim como de todos os rendimentos e frutos recebidos em virtude de arrendamento e até exploração dos estabelecimentos (de combustível e café), correspondente a 1/2 de tudo o mencionado e também pago pelo autor, acrescido de juros de mora contabilizados desde a citação e até integral pagamento.”

Para o efeito, e em síntese, alegou:

Ter vivido com a ré em união de facto, como se de marido e mulher se tratassem, tendo, ao longo desse período em que viveram juntos, adquirido um património comum (composto de vários bens móveis e imóveis, que descrimina naquele seu articulado inicial) conseguido com a contribuição de ambos em rendimentos e trabalho.

Cessado que foi tal relacionamento, reclama, por isso, o seu direito de compropriedade (na proporção de metade) sobre tais bens, o que a ré se recusa a reconhecer, já que se afirma a única proprietária dos mesmos.

2. A ré contestou, pugnando pela improcedência da acção e a sua absolvição do pedido, dado que o autor não contribuiu para a aquisição dos aludidos bens - com excepção de duas fracções autónomas que conjuntamente com a ré adquiriu e que ambos depois venderam, sem que o seu produto fosse utilizado a favor da aquisição de património -, sendo que ao longo desses anos de vivência em comum o autor fez sempre questão de manter os seus rendimentos à parte dos rendimentos da ré.

3. Replicou o autor, mantendo a seu versão inicial dos factos e o seu pedido.

4. Foi proferido despacho saneador, no qual se afirmou a validade e a regularidade da instância, elaborando-se depois a selecção da matéria de facto.

5. Procedeu-se, mais tarde, à realização do julgamento – com a gravação dos depoimentos prestados em audiência -, sem que a decisão da matéria de facto tivesse então sido objecto de qualquer censura.

6. Seguiu-se a prolação da sentença que, a final, julgando apenas parcialmente procedente a acção, decidiu condenar a ré a pagar ao autor “a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença, correspondendo a metade do valor do estabelecimento de abastecimento de combustíveis identificado na alínea G), ao qual se deduzirá metade da quantia ainda em divida no âmbito do contrato de mútuo referido em P), valor que será acrescido de juros de mora, contabilizados desde a citação e até integral pagamento.”

7. Não se conformando com tal sentença, o autor e ré dela apelaram.

8. O autor/apelante concluiu as respectivas alegações de recurso que apresentou nos seguintes termos:

[…]

9. Por sua vez, a ré concluiu as suas alegações de recurso nos seguintes termos:

[..]

Nestes termos (…) deverá a Sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue improcedente o pedido formulado pelo Autor, dele se absolvendo a Recorrente.

10. Nenhuma das partes contra-alegou o recurso da outra.

11. Corridos que foram os vistos legais, cumpre-nos, agora, apreciar e decidir.


***

II- Fundamentação


1. Do objecto dos recursos.

1. Começaremos por sublinhar que os presentes recursos (de apelação), dada a data da instauração da acção, foram processados e serão julgados à luz das disposições do CPC vigentes à data da reforma que lhe foi introduzida pelo DL nº 303/2007 de 24/8 (artºs 11, nº 1, e 12, nº 1, desse DL) e a cuja versão (anterior a esse DL) pertencerão os normativos daquele diploma que porventura venham doravante a ser indicados.

Constitui entendimento, desde há muito pacífico, que são as conclusões das alegações dos recursos que fixam e delimitam o seu objecto (cfr. ainda artºs 684, nº 3, e 690, nºs 1 e 4, do CPC).

Calcorreando as (extensas) conclusões das alegações dos recursos de apelação (interpostos pelo autora e pela ré), verifica-se que as questões de que importa aqui conhecer e apreciar serão, essencialmente, as seguintes:

b) Da impugnação/alteração da decisão da decisão da matéria de facto (referente a ambos os recursos).

c) Do erro de julgamento de direito - quanto ao mérito da causa - (referente a ambos os recursos).


***

2. Quanto à 1ª questão.

2.1 Da impugnação da decisão da matéria de facto.

2.1.1 Questão prévia.

Vem, desde há muito, constituindo entendimento prevalecente que a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto deve ser feita por referência expressa (havendo-a, como sucede no caso dos autos) aos pontos concretos da base instrutória de cuja resposta se discorda, sendo que a falta dessa indicação não impõe, antes da rejeição liminar da impugnação, o prévio convite ao recorrente para proceder à especificação de tais pontos (vidé ainda, por todos, e no sentido defendido, Acs. do STJ de 06/10/2005, in “Rec. Agravo nº 1336/04, 2ª sec.”; de 11/10/2005, de 5/2/2004, de 20/3/2003 e de 9/7/2003 in www.dgsi.pt/jstj, Amâncio Ferreira, in “Manual dos Recursos em Processo Civil, 3ª ed., pág. 466” e Lopes do Rego, in “Comentários ao Código de Processo Civil, pág. 466”).

Já vimos que é pelas conclusões das alegações dos recursos que se fixa e delimita o objecto e o âmbito dos mesmos.

Ora, calcorreando as conclusões de recurso (que neste aspecto estão em sintonia com as alegações que as precedem) do autor/apelante delas se extrai que o mesmo se insurge contra a decisão da matéria de facto.

Todavia, e salvo o devido respeito, fá-lo de uma forma vaga e ambígua, em total desrespeito do artigo 690-A, nºs 1 e 2, do CPC, sendo que o único ponto da base instrutória por si ali expressamente referenciado é o quesito 5º (ali se indicando concretamente o sentido da resposta que defende dever ser-lhe dado – cfr. nº 17 das conclusões, as quais já referiremos estarem, nesse aspecto, em plena sintonia com as alegações que as precedem), pois que quanto ao demais fica este tribunal, desde logo, sem saber os concretos os pontos da base instrutória que se pretende impugnar e o respectivo sentido de resposta.

Desse modo, no que concerne à impugnação da decisão da matéria de facto do A./apelante, apenas se aceitará e considerará a impugnação feita quanto à resposta dada ao ponto ou quesito 5º da base instrutória, rejeitando-se a mesma quanto ao demais.

2.1.2 […]


2.1.3 Dado que a prova foi gravada e uma vez que, no que concerne à impugnação dos aludidos quesitos, foi dado suficientemente cumprimento ao disposto no artº 690-A do CPC, nada obsta a que se reaprecie aquela matéria de facto que foi objecto de impugnação e que se altere a mesma no caso de se vir a concluir que os elementos probatórios produzidos nos autos o justificam plenamente (cfr. artº 712, nºs 1 e 2, do CPC).
Antes, porém, de entrarmos na concreta apreciação da questão em apreço, teceremos umas breves considerações de cariz teórico-técnico que, a esse propósito, se nos afiguram úteis realçar.
Começaremos por salientar que no caso em apreço – e no que concerne aos factos insertos nos quesitos cujas respostas foram impugnadas - não estamos perante nenhuma situação de prova vinculada (cfr. artº 655, nº 2, do CPC), constituindo entendimento prevalecente da doutrina e jurisprudência que, em tal apreciação, não se deverá deixar de ter em consideração o princípio da liberdade do julgador na apreciação das provas e na formação da sua convicção (plasmado no artº 655, nº 1, do CPC), sendo ainda certo que é o julgador da 1ª instância quem está em condições privilegiadas para a apreciação da prova, dado o princípio da imediação da produção das provas e dado que, como é sabido, existe todo um manancial de situações que podem ocorrer na fase dessa produção e que são intraduzíveis ou incaptáveis através do simples sistema de registo da gravação dos depoimentos. E daí que se venha defendendo uma certa cautela quando se trate de alterar a matéria de facto fixada pela 1ª instância, a qual só deverá ocorrer, em princípio, quando se verificar existir erro grosseiro na apreciação das provas pelo tribunal a quo, ou seja, só quando as provas produzidas levem inequivocamente a uma resposta diversa da dada na 1ª instância é que deve o tribunal superior alterar tais respostas. (vidé, por todos, Michel Taruffo, in “La Prueba De Los Hechos, Editorial Trotta, 2002, págs. 435 e ss”; Ac. da RC de 17/02/2002, in “Rec. Apelação nº 3380/2002 - 3ª Sec.”, e Ac. da RC de 2006/12/2005, in “Rec. Apelação nº 411/2002. C1 – 3ª sec.”).
Na verdade, e contrariamente ao que sucede no sistema da prova legal, em que a conclusão probatória é prefixada legalmente, no sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do julgamento, com base apenas no juízo que fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo.
O que se torna necessário é que no seu livre exercício da convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção do facto como provado ou não provado, possibilitando, assim, um controle sobre a racionalidade da própria decisão.
De resto, a lei determina a exigência de objectivação, através da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (cfr. artº 653, nº 2, do CPC).
Nessa perspectiva, se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.
2.1.4 Posto isto, avancemos.
[…]


***

3. Os factos.

Pelo tribunal da 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos:

[…]


***

4. Quanto à 2ªquestão.

Essa questão tem a ver com o mérito da causa, e com o saber se ele foi ou não bem julgado, à luz dos factos apurados e do direito que lhe é subsumível.

Pela forma como o autor a estruturou, estamos na presença de uma acção em que, no fundo, o que através dela se visa, verdadeiramente, é obter a liquidação ou partilha de um invocado património comum adquirido no decurso de uma relação de união de facto que em que viveram o autor e a ré e que, entretanto, cessou ou se dissolveu.

Como é sabido, sobretudo desde o último quarto do século passado e, entre nós, sobretudo após a publicação da nossa Magna Carta de 2/4/1976, saída da revolução de Abril de 1974, são múltiplas as questões que se têm vindo a suscitar - quer ao nível do plano constitucional, que ao nível do nível infraconstitucional – em redor da figura da união de facto, e dos diversos aspectos a ela conexos.

Sem nos quereremos envolver, por o caso em apreço não o impor, numa análise profunda dessa figura da união de facto, importa, todavia, começar por tecer, ainda que de forma perfunctória, algumas breves considerações sobre ela, com vista a fazer o seu enquadramento no nosso ordenamento jurídico.

A nossa Constituição não fala na união de facto, e nem dispõe directamente sobre ela.

Ainda que o seu artº 36º, nº 1, possa levantar algumas dúvidas, tem constituído entendimento dominante que não pretende referir-se à união de facto, quando dispõe sobre o direito de constituir família, ainda que a união de facto esteja abrangida no direito ao desenvolvimento da personalidade, previsto no artº 26, nº 1 (cfr., por todos, e para maior desenvolvimento, os profs. F. Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, in “Curso de Direito de Família, Vol. I, 3ª edição, pág. 103/104”, e com voz discordante, por ex., os profs. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in “Constituição da República Portuguesa anotada, 3ª ed. revista 1993, pág. 220”).

Também no Código Civil ela não aparece entre as fontes das relações jurídicas familiares (cfr. artº 1576).

Mas isso não significa que a união de facto não encontre previsão no nosso ordenamento jurídico, e não seja fonte de direitos e objecto de tutela (o que, como é sabido, tem vindo cada vez mais a acontecer no nosso país, acompanhando, a esse respeito, uma tendência crescente que se implantou na sociedades do mundo contemporâneo civilizado).

Entre nós, foi com a Reforma de 1977 que, pela 1ª vez, na epígrafe do artº 2020º, foi usada a expressão “união de facto”, para designar a situação das pessoas que não são casadas mas que viviam como se o fossem, isto é, em “condições análogas às dos cônjuges” (muito embora o Código de 1966 já falasse em “comunhão duradoura de vida em condições análogas às dos cônjuges” – cfr. artº 1860º, nº 1 al. c), e que corresponde ao actual artº 1871º, nº 1 al. c), do CC).

Todavia, foi com a publicação da Lei nº 135/99 de 28/8 que se veio consagrar um regime de medidas visando especificamente a protecção da união de facto. Diploma esse que entretanto foi substituído/revogado pela Lei nº 7/2001 de 11/5 (o qual foi, como se sabe, foi recentemente também objecto de alterações introduzidas pela Lei nº 23/2010 de 11/5), num reforço das medidas de protecção à união de facto, estipulando, logo no seu artº 1º que “a presente lei regula a situação jurídica de duas pessoas, independentemente do sexo, que vivam em união de facto há mais de dois anos”. No mesmo normativo daquela primeira lei que foi revogada, falava-se em “pessoas de sexo diferente”, sendo essa a única diferença de redacção.

Esta última lei, tal como a primeira, não define o conceito de “união de facto”, todavia, constitui hoje entendimento pacífico (e até na sequência do que já emanava de legislação anterior, alguma dela a que supra fizemos referência) que nesse conceito se integram as pessoas (actualmente, independentemente do seu sexo) que vivam em condições idênticas (análogas) às do cônjuges, isto é, fazendo-o em comunhão de leito, mesa e habitação (tori mensae et habitationis), ou melhor, como se fossem casadas entre si; sendo que a única diferença é que o não são, dado não estarem ligadas pelo vínculo do matrimónio.

Posto isto, e calcorreando e conjugando a matéria factual dada como assente (cfr., nomeadamente, nºs 2., 3., 16., 17., 18. e 19.) facilmente se é levado à conclusão de que o autor e a ré, durante período compreendido entre, pelo menos, o ano de 1982 e o mesmo de Maio do ano de 2004 viveram numa situação de união de facto.

Situação de essa que, todavia, por motivos não apurados, entrou em ruptura, extinguindo-se a partir de então, ou seja, a partir do mês de Junho do ano 2004 cessou aquela relação de união de facto em que ambos viveram. (cfr. nº 19.)

E foi a extinção ou dissolução dessa relação que deu origem à presente acção, pois, com ela o autor pretende ver reconhecido um património comum que, segundo invoca, foi construído e adquirido, com o contributo de ambos, ao longo desse relacionamento.

Assim, o que está subjacente à presente acção é a partilha desse património comum, que o autor descrimina na petição inicial.

Entramos, assim, no domínio dos efeitos patrimoniais decorrentes da dissolução da união de facto, matéria que não foi objecto de qualquer regulamentação específica, e nomeadamente através da citada Lei nº 7/2001 ou outra qualquer.

Como se sabe, as relações patrimoniais entre os cônjuges (e mesmo entre estes e terceiros) estão sujeitas a um estatuto particular, denominado “regime de bens do casamento.”

Porém, esse regime de bens não existe na união de facto.

Pelas razões que implicitamente supra se deixaram expressas, não existe qualquer base legal para estender à união de facto as disposições que ao casamento se referem, e sendo assim não lhe são aplicáveis as regras que disciplinam os efeitos patrimoniais do casamento independentes do regime de bens (vg. os artºs 1678º a 1679º do CC): a administração dos bens dos cônjuges, as dívidas dos cônjuges e bens que respondem por elas, bem como a partilha dos bens do casal, etc..

Sendo assim vem constituindo entendimento prevalecente de que nesse caso haverá que recorrer ao regime geral do direito comum, através do recurso ao instituto que melhor se enquadre na situação factual descrita, e mais concretamente no âmbito do direito obrigacional e real.

E nessa medida as soluções que tem sido propostas pela doutrina e jurisprudência vão desde o recurso às regras ou princípios do regime das sociedades de facto (irregulares), às regras do regime da compropriedade, ao instituto do enriquecimento sem causa, e desde que se verifiquem os respectivos pressupostos ou requisitos legais; sendo ainda que uma boa parte da doutrina vem mesmo mostrando-se favorável a que os membros da união de facto possam eles próprios, de acordo com o princípio da autonomia da vontade, regular os aspectos patrimoniais da sua relação (vg. inventariando os bens que levam para a união, fixando regras sobre a propriedade dos bens móveis ou dos valores depositados em contas bancárias, regulando a contribuição de cada um para as despesas do lar, o pagamento das dívidas, a divisão dos bens que sejam adquiridos no decurso da união de facto, etc.), naquilo que vulgarmente se designou apelidar de “contratos coabitação”, contanto que não colidam com normas de ordem pública e bons costumes. (Sobre a temática que vimos abordando, vidé, e para maior e melhor desenvolvimento, os profs. F. Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, in “Ob. cit.; págs. 100/110, 119/128”; Cristina M. A. Dias, in “Dissolução da União de Facto”, em excelente estudo publicado na Revista de Cadernos de Direito Privado, nº 11 Julho Setembro 2005, págs. 69/80, em comentário ao Ac. da RG de 29/9/2004” - cujos pensamentos seguimos de perto -; França Pitão, in “União de Facto No Direito Português, Almedina, 2000, págs. 106/115”; e ainda Acs. do STJ de 15/11/95, de 9/5/97 e de 9/3/2004, respectivamente, in “BMJ 451 - 387”; “CJ/STJ, Ano V, T2 - 81” e “CJ/STJ, Ano XII, T1 - 112”).

Aqui chegados, importa, agora, indagarmos, à luz dos factos apurados e de tais considerações de cariz teórico-técnico, sobre a solução que se impõe para o caso em apreço.

Como se extrai do petitório final, o autor pretendia, a título principal, obter o reconhecimento do direito de (com)propriedade, na proporção de metade, sobre os bens (móveis e imóveis) por si identificados na petição inicial (com o pedido ainda de restituição dos mesmos em tal proporção), invocando para o efeito, e como modo ou fonte dessa aquisição, o instituto da usucapião (sendo que, muito embora o não refira no seu pedido final acima transcrito, no seu articulado da p.i. – cfr. artº 43 – invoca ainda, embora sem o fazer acompanhar da alegação dos correspondentes factos materiais, a acessão industrial mobiliária e imobiliária).

Uma simples leitura da matéria factual assente permite, desde logo, concluir que o autor não lograr provar, como lhe competia (artº 342, nº 1, do CC), os correspondentes factos conducentes à invocada aquisição originária desse direito, por via de usucapião (e muito menos por via da acessão industrial, pois como se viu, nem sequer alegou para esse efeito os correspondentes factos materiais a tal conducentes – cfr. artºs 1333 e 1340 do CC) – cfr. ainda respostas negativas aos quesitos 35 a 38 da base instrutória, que nem sequer foram objecto de qualquer impugnação.

E nessa medida tal pedido terá que ser julgado improcedente, tal como se fez na sentença recorrida.

No que concerne ao pretendido direito de indemnização/compensação que, de forma subsidiária, formulou na al. d) do seu petitório final, verifica-se, também pela leitura da matéria factual dada como assente, que a sua contribuição para a construção do património comum a que aludiu ela só ocorreu em relação ao posto de abastecimento de combustível (id. nos nºs 7 e 21 dos factos assentes) - cujo direito de indemnização lhe foi reconhecido na sentença recorrida, nos termos que supra se deixaram transcritos, tendo-se o A., ao contrário da ré, conformado com essa parte da sentença -, pois que quanto ao demais o A. não logrou (como lhe competia) fazer prova desse seu contributo.

É ainda certo que materialidade factual apurada não resulta que o A. e a R. tenham entre si celebrado qualquer “pacto ou contrato de coabitação”, através do qual tivessem, nomeadamente, disposto sobre o modo de proceder à divisão dos bens que fossem adquiridos no decurso da união de facto.

E nem sequer tal materialidade factual permite concluir no sentido da existência de um sociedade de facto (ainda que irregular) entre eles.

De facto, e tal como resulta do que supra deixámos exposto, a aplicação das regras da sociedade de facto pode surgir - nas palavras Cristina M. A. Dias, in “Ob. cit., pág. 77, nota 42” – como uma das formas de regular os problemas da partilha da união de facto quando a constituição da sociedade se presume do comportamento dos conviventes, sem que estes tenham expressamente convencionado nesse sentido. Sabendo-se que, em termos gerais, são três os requisitos essenciais do contrato de sociedade: a contribuição dos sócios; o exercício em comum de uma certa actividade económica, que não seja de mera fruição, e a repartição dos lucros. (Cfr., ainda os profs. Pires de Lima e A. Varela, in “Código Civil anotado, vol. II, 4ª ed., Coimbra Editora, 1997, págs. 285 e ss.”).

Ora, perante o que se acabou de expor, é manifesto que a escassez da materialidade factual não permite avançar no sentido da conclusão sobre a existência ou constituição de qualquer sociedade de facto entre o A. e a R..

E mesmo que porventura os factos permitissem chegar a essa conclusão, sempre a liquidação desse património societário teria que, em princípio, vir depois a ser feita em processo especial a que alude o artº 1122 do CPC ex vi artº 1011 do CC, a correr por apenso à acção em que foi declarada a sua dissolução (cfr., por todos, Ac. do STJ de 9/3/2004, in “CJ, Acs. do STJ, Ano XII, T1 – 112).

E daí que a pretensão recursiva do autor tenha de improceder.

Improcedendo o recurso o recurso do A. haverá, agora, indagar do recurso da ré.

Da matéria factual assente resulta:

- Que no terreno adjacente ao prédio identificado no artigo 4° da petição inicial, por ordem e com dinheiro da ré, foi construído um posto de abastecimento de combustível, sendo a sua construção e exploração legalizada no âmbito do processe n.° CD.06.13.029. (nº 7.)

- Que esse posto de abastecimento de combustível também foi construído com o dinheiro do autor. (nº 21)

Pois bem, foi com base nessa contribuição económica do autor, ocorrida durante o período de vigência da união de facto de ambos, para a construção do referido posto de abastecimento que na sentença sob recurso se condenou a ré, com base no instituto do enriquecimento sem causa, a pagar-lhe a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença, correspondendo a metade do valor daquele estabelecimento de abastecimento de combustíveis, ao qual se deduzirá metade da quantia ainda em divida no âmbito do contrato de mútuo referido em 15. dos factos assentes, valor que será acrescido de juros de mora, contabilizados desde a citação e até integral pagamento.

É contra essa parte da sentença (já que quanto ao demais peticionado a mesma foi absolvida do pedido) que, inconformada (sendo que, como vimos, o A. conformou-se com essa parte), a ré dela recorre.

E fá-lo por entender que, in casu – e mesmo que viesse a improceder, tal como aconteceu, a impugnação que deduziu contra a decisão que deu como provado tal facto, acima descrito sob o nº 21 -, e pelas razões que aduziu, não ficou provado o seu enriquecimento (à custa do empobrecimento do A.).

Apreciemos.

Já vimos, que as partes não celebraram entre si qualquer contrato de coabitação (nomeadamente quanto à forma de divisão dos bens adquiridos no decurso da união de facto), como apurado não ficou que tenham entre si constituído qualquer sociedade facto (irregular).

É igualmente patente que, perante aquela singeleza dos factos, não se pode falar, no que concerne ao aludido estabelecimento comercial referente ao posto de abastecimento de combustíveis, de uma situação de compropriedade em relação a ele (que envolva o A.).

É sabido, que o direito de propriedade se adquire por algum dos modos previstos no artº 316 do CC, ou seja, por contrato (o que pressupõe a existência de declarações de vontade nesse sentido), sucessão por morte, usucapião, ocupação, acessão e demais modos previstos na lei.

Ora, daquela matéria apenas resulta que o referido posto de abastecimento de combustíveis também foi construído com dinheiro do A., o que é manifestamente escasso para, sem mais, concluir pelo direito de (com)propriedade do último sobre o mesmo.

Vem constituindo entendimento dominante que tribunal pode lançar mão do instituto do enriquecimento sem causa mesmo sem ter sido invocado pelas partes nos seus articulados - desde que, claro, se verifiquem os respectivos pressupostos legais - (cfr., por todos, Ac. do STJ de 23/03/99, in “CJ, Acs do STJ, Ano VII, T1 - 172”).

Como se sabe, na base do instituto de enriquecimento sem causa encontra-se a ideia de que nenhuma pessoa deve locupletar-se à custa de outrem, encontrando-se, pois, a ele subjacente situações de enriquecimento sem causa, de enriquecimento injusto ou de locupletamento à custa alheia.

O objectivo do enriquecimento sem causa é apagar a diferença no património do enriquecido, não interessando que o empobrecido fique em situação igual, melhor ou pior que aquela em que estaria se não se tivesse dado a deslocação patrimonial que funda a obrigação de restituir.
Instituto esse que entre nós encontra a sua consagração legal no artº 473 do C. Civil, ao dispor-se que “aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou” (nº 1) e que “a obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objecto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou (nº 2).

Para que haja a pretensão de enriquecimento (uma obrigação em que é devedor o enriquecido e credor o que suporta o enriquecimento), será necessário a verificação, desde logo, dos seguintes requisitos: 1) a existência de um enriquecimento; 2) que esse enriquecimento se obtenha à custa de outrem; 3) a falta de causa justificativa.

O enriquecimento consiste na obtenção de uma vantagem de carácter patrimonial, seja ela qual for a forma que revista, numa melhoria da situação patrimonial. Umas vezes tal vantagem traduzir-se-á num aumento do activo patrimonial, outras numa diminuição do passivo, outras na poupança de despesas.

A vantagem em que o enriquecimento consiste é encarada do ponto de vista do enriquecimento patrimonial, que traduz a diferença produzida na esfera económica do enriquecido e que resulta da comparação entre a sua situação efectiva (situação real) e aquela em que se encontraria se a deslocação se não tivesse verificado (situação hipotética).

À partida, à vantagem patrimonial obtida por uma pessoa corresponde normalmente uma perda sofrida por outra, ou seja, verifica-se um enriquecimento à custa de um empobrecimento. Mas a diminuição suportada pelo empobrecido não tem necessariamente de ser igual à vantagem conseguida pelo enriquecido.

Paralelamente, o enriquecimento e o seu suporte alheio, normalmente traduzido num sacrifício económico, têm de estar relacionados.

Finalmente, para que se constitua uma obrigação de restituir fundada num enriquecimento, não basta que uma pessoa tenha obtido vantagens económicas à custa de outra. É ainda necessário que não exista uma causa jurídica justificativa dessa deslocação patrimonial. O enriquecimento carecerá de causa quando o direito não aprova ou consente, porque não existe uma relação ou um facto que, de acordo com os princípios jurídicos, justifique a deslocação patrimonial, sempre que aproveite a pessoa diversa daquela a quem, segundo a lei, deveria beneficiar.

De referir ainda o carácter subsidiário do instituto do enriquecimento sem causa: o artº 474 estabelece que “não há lugar à restituição por enriquecimento, quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído”. Assim, a questão coloca-se a propósito das situações de facto que preenchem, não só os pressupostos do enriquecimento sem causa, mas também os de outro instituto ou norma. O empobrecido não dispõe de uma acção alternativa, ou seja, apenas poderá recorrer à acção de enriquecimento quando a lei não lhe faculte outro meio de ser indemnizado ou restituído.

Preenchidos os requisitos do enriquecimento sem causa – cujo ónus de prova impende sobre o autor, nos termos do artº 342, nº 1, do CC -, sobre a pessoa que se locupletou injustamente recai a obrigação de restituir ao empobrecido tudo quanto haja sido obtido à sua custa. Proceder-se-á à restituição em espécie, mas não sendo possível, entregar-se-á o valor correspondente (artº 479º, nº 1, do CC). Porém, essa obrigação de restituir não pode, nos termos do nº 2 de tal preceito, exceder a medida desse locupletamento. (Cfr., Cristina M. A. Dias, in “Ob. cit., págs. 79/80 – cujo pensamento seguimos de perto –, o prof. A. Varela, in “Das Obrigações em Geral, Vol. I, Almedina Coimbra, 4ª ed. 390/418”, o prof. Mário Júlio de Almeida Costa, in “Direito das Obrigações, Almedina, 10ª ed., págs. 489/501”; o prof. Inocêncio Galvão Teles, in “Direito das Obrigações, 4ª ed., Coimbra Editora, págs. 133/138; o prof. Luís M. T. de Menezes Leitão, in “O Enriquecimento sem Causa no Direito Civil, págs. 549 e ss”; Acs. do STJ de 6/10/2009, proc. 2217/07.8TBVCD.S1; de 14/7/2009, proc. 413/09.2YFLSB, e de 16/9/2008, proc. 08B1644, publicados em www.dgsi.pt/jstj).

Posto isto, e por tudo aquilo que se supra se deixou exarado, é clara a contribuição (económica) do A. para a construção do referido posto de abastecimento de combustíveis. Contribuição essa ocorrida durante o período em que autor e ré viveram em união de facto.

Com a cessação ou dissolução dessa união, e dado que é a ré que se encontra a usufruir desse posto de combustíveis, é claro que, pelo menos desde então, se terá de considerar ter havido um enriquecimento indevido da ré, obtido à custa do autor. Pois se este contribuiu também com dinheiro seu para construção do dito posto de combustíveis, parece ser evidente que a ré obteve com tal uma vantagem de carácter patrimonial, tendo visto o seu activo patrimonial aumentado, e desde logo porque com o recebimento da aludida contribuição económica do autor deu-se uma poupança nas suas despesas, isto é, o seu esforço financeiro relacionado com a referida construção passou a ser, assim, menor, e desse modo aumentou o seu património à custa do autor que, ao dispor do seu dinheiro para tal efeito, viu diminuído, assim, o seu património, ficando mais pobre.

E daí que a ré deva ser obrigada a restituir ao autor aquilo com que injusta ou indevidamente se enriqueceu/locupletou à sua custa, o que significa que, no caso sub júdice, se mostram preenchidos todos os requisitos de que supra falámos que integram o instituto do enriquecimento sem causa.

Restituição essa que, que no caso, deverá ser feita através das entrega do valor correspondente a tal enriquecimento/locupletamento.

E qual deverá ser a medida dessa restituição?

Dos factos (cfr. nºs 7 e 21) não resulta qual foi o montante ou sequer a percentagem ou proporção da contribuição do autor e da ré para a construção do dito posto de combustível.

Na sentença recorrida fixou-se essa contribuição em metade para cada um deles.

Porém, à falta de outros elementos mais concretos, e considerando que a construção em causa foi levada a efeito à luz de uma união de facto que então existia, convocando para o efeito os princípios de equidade (artº 4º. al. a.), e 566, nº 3, do CC), e julgando ex aequo et bono, afigura-se-nos ajustada a fixação da referida contribuição na proporção de metade. (Neste sentido, vidé, a propósito situação idêntica, Ac. do STJ de 15/11/95, in “BMJ 451 - 387”).

E qual deverá ser o valor a restituir?

Como resulta do que supra se deixou exarado, o enriquecimento corresponderá à diferença entre a situação real e actual do beneficiário e aquela em que se encontraria se a deslocação patrimonial se não tivesse verificado (situação hipotética).

Assim, no caso em apreço deve atender-se para o efeito ao valor actual do referido posto (estabelecimento) de abastecimento de combustíveis. (Nesse sentido, vidé, por ex., o último aresto atrás citado do STJ).

E sendo assim o valor a restituir/pagar pela ré ao autor deverá corresponder a metade o valor do referido estabelecimento comercial, que actualmente se ignora totalmente, pelo que, à luz do disposto no artº 661º, nº 2, do CPC, se deverá relegar para incidente posterior a sua liquidação, acrescida do juros de mora, tal como se decidiu na sentença recorrida.

Porém, nessa sentença decidiu-se ainda que a esse valor que vier a ser encontrado/liquidado deverá ainda ser deduzido metade da quantia ainda em dívida no âmbito do contrato de mútuo referido em 15. dos factos assentes.

A esse propósito importa dizer o seguinte:

Da materialidade descrita (vg nºs 15. e 21.) como assente não se logra estabelecer, só de per si, qualquer ligação directa/nexo causal entre o referido contrato de mútuo e a dita construção do posto de combustíveis, mas ainda que essa ligação exista – como tudo parece apontar que tenha sucedido -, do facto descrito no citado nº 21 dos factos assentes não se extrai que tenha sido exclusivamente na base desse mútuo, isto é, que a contribuição do autor para construção desse posto tenha sido exclusivamente feita com base no dinheiro recebido por via desse empréstimo, sendo certo ainda que nem de tal materialidade resulta que a importância mutuada ainda se encontre por saldar.

Contudo, não haverá que mexer em tal seguemento decisório, pois, como vimos, tendo-se chegado à conclusão de ter havido, no que concerne à construção do aludido posto de combustíveis, um enriquecimento sem causa por parte da ré, com a fixação da restituição do valor desse enriquecimento ao autor nos termos que supra se deixaram referenciados, a decisão de mandar deduzir a esse valor metade da quantia ainda em dívida no âmbito do referido contrato de mútuo apresenta-se, nessa parte, desfavorável ao autor e favorável à ré. E daí que tendo-se conformado o autor com tal parte da sentença, não poderá agora alterar-se o referido seguemento decisório, em respeito do princípio da proibição da reformatio in pejus consagrado no artº 684, nº 4, do CPC.

Termos, pois, em quem por tudo o exposto, se decide manter a douta sentença recorrida, negando-se provimento a ambos os recursos.


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III- Decisão


Assim, em face do exposto, acorda-se em negar provimento a ambos os recursos (interpostos pelo autor e pela ré), confirmando-se a sentença da 1ª instância.

Custas (em relação cada um dos recursos que interpuseram) pelo A. e pela R. apelantes.


Isaías Pádua (Relator)
Regina Rosa
Artur Dias