Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
32/10.0TBCLB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CATARINA GONÇALVES
Descritores: EXPROPRIAÇÃO
SOLO APTO PARA CONSTRUÇÃO
Data do Acordão: 11/06/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE CELORICO DA BEIRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 25º Nº 2DO CÓD. DAS EXPROPRIAÇÕES
Sumário: I – A classificação de um solo como “solo apto para construção”, para efeitos de fixação da justa indemnização, não decorre, necessária e automaticamente, da verificação das situações previstas no citado art. 25º nº 2, não podendo ser assim classificado um terreno que, embora se encontre naquela situação, não tem, na realidade, qualquer potencialidade edificativa devido à impossibilidade – decorrente das leis e regulamentos em vigor – de nele proceder a qualquer construção.

II – A potencialidade edificativa de um determinado solo não se mede apenas pelas suas aptidões físicas e materiais para esse efeito (quer em termos de características, quer em termos de localização), mas também pelas aptidões ou pelo destino que, em termos jurídicos e legais, lhe forem reservados.

III – Assim, estando em causa um prédio que, de acordo com o PDM em vigor, está inserido em Zona de “Espaços Agrícolas” e não se verificando as condições impostas pelo Plano para que aí pudesse ser implantada qualquer construção, o respectivo solo terá que ser classificado e avaliado – para efeitos de cálculo da indemnização devida pela expropriação – como “solo apto para outros fins”, já que, não estando aí autorizada a construção e não existindo qualquer expectativa razoável de que tal autorização viesse a ser concedida, essa circunstância não deixaria de se reflectir no respectivo valor de mercado e, portanto, a avaliação efectuada de acordo com a potencialidade construtiva (que a parcela não tinha) não seria idónea para alcançar o valor da justa indemnização, que deverá corresponder ao valor real e corrente da parcela, numa situação normal de mercado.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I.

Nos presentes autos de expropriação, em que é Expropriante A..., ACE, e em que são Expropriados, B..., C... e D..., melhor identificados nos autos, a Expropriante interpôs recurso da decisão arbitral que havia fixado a indemnização devida pela expropriação em 84.400,61€.

Alegava que: o solo deveria ser classificado como solo para outros fins; ainda que fosse classificado como solo apto para construção, o índice de construção não deveria ultrapassar os 0,05m2/m2; deveria ser aplicado o factor correctivo de 15%, bem como os factores previstos nos nºs 8 e 9 do art. 26º do C.E. e o factor de localização e qualidade ambiental deveria ser inferior a 7%.

Com esses fundamentos, contestando o valor de uma benfeitoria (o muro) e alegando que não existia qualquer depreciação das parcelas sobrantes, concluía a Expropriante que a indemnização deveria ser fixada em 24.547,50€.

Os Expropriados responderam, sustentando a improcedência do recurso.

Foi realizada a avaliação e, após apresentação de alegações, foi proferida sentença que, julgando o recurso parcialmente procedente, fixou o valor da indemnização em 28.280,50€, a actualizar nos termos do art. 24º do Código das Expropriações.

Inconformados com essa decisão, os Expropriados vieram interpor o presente recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:

1ª - A questão fundamental que aqui se põe – base da indemnização a fixar – é a de saber se a parcela expropriada deve ser qualificada como solo apto para construção ou como solo para outros fins.

2ª - No entender do M.mo Juiz a quo, como o PDM de Celorico da Beira, situa a parcela em espaços agrícolas, e não integra os pressupostos constantes do artº 44º do Regulamento do PDM, nomeadamente uma frente de 100m não pode ali ser erigida qualquer construção pelo que se impõe que se qualifique o terreno /parcela como solo apto para outros fins.

3ª - Nesta base, ordenou aos peritos uma nova avaliação da parcela como solo apto para outros fins (rural/agrícola), tendo estes vinculado a posição constante de fls.l2, ao fundo e no início de fls.13 do seu segundo relatório, ao indicarem as infra estruturas existentes que levavam a conclusão diferente, não deixando de salientar a folhas 7 deste seu relatório que nesse “ESPAÇO AGRÍCOLA”, verifica-se a existência de algumas habitações tipo unifamiliar, inseridas dentro do mesmo espaço, que têm uma frente para a estrada inferior a 100metros.

4ª - Daqui se conclui que o PDM de Celorico da Beira, dentro do mesmo espaço onde se encontra a parcela expropriada, permitiu a construção de várias habitações sem “respeitar” o artº 44º do Regulamento do PDM , sendo este (artigo do PDM) a base em que o M.mo Juiz se apoiou para considerar que o solo da parcela não era apto para a construção mas sim para outros fins.

5ª - E com base nessa sua conclusão, quanto a nós sem fundamento e em contradição com a situação de facto existente, decidiu fixar o valor da indemnização, considerando que o solo da parcela expropriada estava inserido em espaços agrícolas.

6ª - Segundo o PDM tanto a parcela expropriada como o prédio de onde foi destacada, não se situa em zona onde seja interdita a construção, como seria se fosse terreno destinado a Zona verde, Zona de lazer ou para instalação de infra-estruturas e equipamentos públicos, Zonas da RAN/REN, ou para fins florestais (se bem que nestes não seja de todo excluído poder ser solo apto a construção)

7ª - A parcela expropriada não se situa em nenhum destes espaços onde a construção é afastada por lei ou regulamento nem tão pouco o PDM interdita a construção nesta zona, tanto assim que permitiu a construção de diversas habitações unifamiliares, dentro do mesmo espaço onde se situa a parcela expropriada.

8ª - Além de que, a classificação territorial feita pelo PDM tem um valor meramente pragmático e indicativo, não reflectindo, frequentemente, as efectivas e pertinentes condições do terreno em apreço.- v.Acórdãos desta Relação de Coimbra atrás citados.

9ª - São as seguintes infra-estruturas urbanísticas, existentes junto da parcela expropriada, constatadas e comprovadas pelos árbitros e peritos: -- - - Acesso rodoviário com pavimentação em betuminoso; -- Rede de abastecimento domiciliário de água; -- Rede de saneamento; -- Rede de distribuição de energia eléctrica em baixa tensão.

10ª - Mais ainda: -- Junto à parcela existe uma placa a indicar a povoação de Aldeia Rica: - a parcela situava-se junto da povoação de Aldeia Rica, com uma moradia no prédio contíguo à parcela ( ver laudo), havendo mais casas de habitação – vivendas - próximo quer do prédio quer da parcela (resposta ao quesito 19º).

11ª - Os peritos comprovaram ainda, respondendo aos quesitos do modo seguinte: -- O prédio e a parcela confinam com estrada, sendo que uma das subparcelas também confina com a estrada e esta está pavimentada a betuminoso (respostas aos quesitos 9, 10 e 11);-- A rede de saneamento com colector em serviço situa-se junto da parcela; (respostas aos quesitos 13, 14 e 15). -- De um lado e do outro do prédio existem construções urbanas, sendo uma delas uma casa de habitação; -- esta casa de habitação é contígua ao prédio e junto da parcela; -- e há mais casas de habitação – vivendas – próximo quer do prédio quer da parcela dele destacada (respostas aos quesitos 16, 17 e 18).

12ª - Mais: -- A sub-parcela que fica junto da Estrada e que, em grande parte, fica a confinar com a parcela expropriada, mesmo sendo apta para construção, devido à abertura da estrada na parte expropriada fica sem viabilidade construtiva (resposta ao quesito 20); -- A parcela expropriada confinava com a estrada; estava muito bem localizada e a curta distância da A-25 (reposta ao quesito 22). - Todos estes quesitos dos expropriados.

13ª - “ A propriedade afectada pela expropriação tinha acesso através da estrada municipal que leva de Aldeia Rica a Açores, com pavimento em betuminoso e com a qual confrontava numa extensão de cerca de 50 metros; tinha também junto “estação depuradora ligada à rede de colectores de saneamento, rede telefónica”.

14ª - “A parcela a expropriada situa-se no limite do núcleo urbano de Aldeia Rica, distando cerca de 1km do seu centro; a sede de freguesia, Açores, fica a cerca de 1,5 km da propriedade”; e entre o local (parcela) e o centro de Aldeia Rica, ao longo das margens da estrada municipal situam-se, de modo quase contínuo, habitações do tipo unifamiliar”.

15ª - A parcela, com as vias de comunicação já referidas, situa-se também próximo da A-25.

16ª - A parcela expropriada fica, assim, como que à porta do núcleo urbano existente, de Aldeia Rica.

17ª - Face a todas estas infra-estruturas e demais circunstancialismo envolvente, não há dúvida alguma que a parcela expropriada tem de ser considerada com sendo solo apto para construção nos termos previstos no artº 25º, nº 1-a) e 2-a) e b) do Código das Expropriações.

18ª - A decisão arbitral, o relatório do perito indicado pelos expropriados e que acompanhou o relatório e acórdão arbitral, seguiram os critérios legais e estão devidamente fundamentados, dando-se aqui por reproduzidos.

19ª - Pecam apenas por defeito pois não tiveram em conta a estação depuradora com rede de colectores de saneamento e rede telefónica, sendo que à qualidade ambiental e equipamentos existentes, deram uma percentagem diminuta em relação a realidade concreta.

20ª - As partes sobrantes estão devidamente fundamentadas na sua desvalorização, atendendo às suas características.

21ª - Já o relatório dos quatro restantes peritos, é algo ambíguo, tanto parece considerar a parcela com sendo solo apto para construção, como, no seu valor, a consideram mais como parte agrícola, sendo imprecisos até nas áreas indicadas, fundamentando-as apenas no que consta da matriz e não na sua medição exacta, o que demonstra a ligeireza com trataram em parte a situação com reflexos no baixo valor atribuído.

22ª - Quanto ao valor indicado no segundo relatório pericial, entendemos que não tem interesse algum porque respeita a uma situação meramente teórica, desfasada da realidade factual existente.

23ª - O M.mo Juiz a quo, pronunciou-se sobre questões que não devia apreciar e conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento ao não ter em consideração toda a situação de facto existente e que tanto os árbitros como os peritos comprovaram.

24ª - Não merece reparo o valor da indemnização a que os árbitros e o perito indicado pelos expropriados chegaram de 84.400,61€, salvo o erro de escrita atrás assinalado e, como erro de escrita que é, deve ser rectificado, e que eleva o valor de indemnização para 87.447,45€ a pagar pela expropriante; - tratando-se, como se trata de erro de escrita, deve ser rectificado como tal, não significando esta rectificação qualquer recurso da decisão arbitral por parte dos expropriados.

25ª - Ao decidir-se como se decidiu, violou-se, nomeadamente, o disposto nos arts. 659º, nº 3 e 668º nº 1.d), ambos do Cód. Proc. Civil, bem como os arts.24º, 26º, 27º, 29º e 51º, todos do Código da Expropriações

Deste modo, deve dar-se provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida na parte em deu provimento ao recurso de decisão arbitral interposto pela expropriante, fixando-se a indemnização no valor da decisão arbitral de 84.400,61€, sendo que esta quantia, conhecendo-se do erro de escrita invocado, se rectifique para 87.447,45€ , quantia a pagar pela entidade expropriante aos expropriados, acrescida da actualização prevista no artigo 24º do Código das Expropriações.

Não foram apresentadas contra-alegações.


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II.

Questão a apreciar:

Atendendo às conclusões das alegações dos Apelantes – pelas quais se define o objecto e delimita o âmbito do recurso – a questão a apreciar e decidir consiste em saber se o solo da parcela expropriada deve ser classificado e avaliado como “solo apto para construção” ou como “solo apto para outros fins”, determinando-se, em função da decisão dessa questão, o valor da indemnização devida pela respectiva expropriação.


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III.

Na 1ª instância, foi considerada provada a seguinte matéria de facto:

1. Por despacho do Sr. Secretário de Estado das Obras Públicas de 11/08/2003, publicado no Suplemento do Diário da República n.º 154 - II Série de 11/08/2009, foi declarada a expropriação para utilidade pública, com carácter de urgência, da parcela de terreno n.º 348, com a área de 5.670 m2, a destacar do prédio rústico omisso na Conservatória do Registo Predial de Celorico da Beira e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 158 da Freguesia de Açores, confrontando a Norte com estrada, a Sul com José dos Santos Gomes, a Nascente com restante prédio e Graciosa Augusto e a Poente o restante prédio, com vista à realização da obra do IP2 - Lanço Trancoso/Celorico da Beira;

2. A parcela expropriada é um terreno de orografia plana, ocupada numa parte por vinha velha não aramada, em fase final de produção, com compasso médio 2,50 x 1,35 m, com uma área de 1.000 m2, e na restante por uma área de regadio com 4.670m2, constituída por um solo de origem granítica, com textura franco-arenosa, boa profundidade, nível de fertilidade considerado médio;

3. Tem 3 poços com paredes em pedra, um deles com 5m de profundidade e de secção rectangular 2m x 2,50m, um outro com 3m de profundidade, com secção quadrangular com 2m x 2m e um terceiro de secção circular, com 5,5m de profundidade e 1,5m de diâmetro, cujas paredes estão forradas com pedra tosca de granito, no qual existe o resto de uma velha nora;

4. Os dois primeiros poços encontram-se interligados por uma mina, forrada a pedra e com 15 m de comprimento;

5. A placa a indicar a povoação de Aldeia Rica situa-se do outro lado da estrada, em frente da parcela;

6. A parcela encontra-se qualificada no PDM de Celorico da Beira como “Espaços Agrícolas”;

7. Confina com estrada municipal pavimentada em betuminoso, com muro em pedra solta, numa extensão de 20 metros, confinando o prédio de origem com a via pública em 50m;

8. A rede de abastecimento domiciliário de água fica a 32m da parcela e confina com o prédio de origem;

9. A rede de saneamento com colector em serviço fica a 52m da parcela e a 30m do prédio de origem;

10. A rede de distribuição de energia eléctrica em baixa tensão confina com a parcela e com o prédio;

11. A parcela tem um muro em pedra solta com 33m2;

12. Tem 5 figueiras e 4 árvores de fruto de médio porte, 3 figueiras de grande porte, uma árvore de fruto de pequeno porte, uma figueira de pequeno porte, 13 oliveiras de médio porte e 22 videiras de vigor entre médio e fraco;

13. Existe uma habitação contígua ao prédio, que dista 28m da parcela e uma outra, cuja entrada se situa a 50m da parcela e a 20m do prédio de origem;

14. A expropriação deu origem a três partes sobrantes do prédio: uma com 676 m2, outra com 132m2 e uma terceira com 482m2;

15. Uma das subparcelas tem acesso a partir da estrada com a qual confina e as outras duas ficam isoladas;

16. Após a expropriação, as parcelas sobrantes ficaram desprovidas de água por via da destruição dos três poços, que serviam a totalidade do prédio original.


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IV.
Analisemos, pois, a questão suscitada no recurso que se prende com a avaliação do solo expropriado e a determinação da indemnização devida aos Expropriados.
O direito a receber uma justa indemnização pela expropriação por utilidade pública de quaisquer bens ou direitos encontra-se consagrado na Constituição e é concretizado no art.º 23º do Cód. das Expropriações[1], onde se determina que a justa indemnização visa ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação e que corresponde ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal, à data da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data.
Conforme dispõe o art. 25º, para efeitos de cálculo da indemnização por expropriação, o solo classifica-se em solo apto para a construção e solo para outros fins.
A sentença recorrida classificou a parcela expropriada como “solo apto para outros fins”.
Os Apelantes discordam dessa classificação, alegando que, tal como consideraram os árbitros e os peritos, o solo deverá ser classificado e avaliado como “solo apto para construção” por estarem verificadas as situações previstas no art. 25º, nº 2, alíneas a) e b).
Apreciemos, pois, essa questão.

Dispõe o nº 2 do citado art. 25º:
Considera-se solo apto para construção:
a) O que dispõe de acesso rodoviário e de rede de abastecimento de água, de energia eléctrica e de saneamento, com características adequadas para servir as edificações nele existentes ou a construir;
b) O que apenas dispõe de parte das infra-estruturas referidas na alínea anterior, mas se integra em núcleo urbano existente;
c) O que está destinado, de acordo com instrumento de gestão territorial, a adquirir as características descritas na alínea a);
d) O que, não estando abrangido pelo disposto nas alíneas anteriores, possui, todavia, alvará de loteamento ou licença de construção em vigor no momento da declaração de utilidade pública, desde que o processo respectivo se tenha iniciado antes da data da notificação a que se refere o nº 5 do artigo 10º”.
E, dispõe o nº 3 da mesma disposição legal:
“Considera-se solo apto para outros fins o que não se encontra em qualquer das situações previstas no número anterior”.


Perante a matéria de facto provada, afigura-se-nos inquestionável que o solo em causa nos autos encontra-se na situação prevista no citado art. 25º nº 2 alínea a), na medida em que dispõe das infra-estruturas aí mencionadas e, situando-se no limite do núcleo urbano da povoação, poder-se-ia ainda considerar que se encontra na situação prevista na alínea b) da citada disposição legal.
Assim, e numa interpretação literal e isolada do preceito em causa, o referido solo teria que ser considerado como “solo apto para construção”.
Mas será assim? Ou seja, a verificação de uma das circunstâncias previstas na citada disposição determina, necessária e automaticamente, a classificação do solo como “apto para construção”?
Parece-nos claro que não.
De facto, a citada norma tem que ser lida e interpretada em conjugação com os demais preceitos que regulam a fixação da indemnização devida pela expropriação e, designadamente, com as normas constitucionais referentes a essa matéria.
Dispõe o art. 62º nº 2 da CRP que “a requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efectuadas com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização”.
Embora determine que a indemnização há-de ser “justa”, a CRP não estabelece o critério que deve ser adoptado para alcançar a justa medida dessa indemnização. Tal critério deverá, pois, ser encontrado nas demais disposições legais que regulam essa matéria, sendo certo, porém, que “…os critérios definidos por lei têm de respeitar os princípios materiais da Constituição (igualdade, proporcionalidade), não podendo conduzir a indemnizações irrisórias ou manifestamente desproporcionadas à perda do bem requisitado ou expropriado” – cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição revista, pág. 336.
Com efeito, a indemnização só será justa, se conseguir ressarcir o expropriado do prejuízo que efectivamente sofreu; tal indemnização não pode ser de montante tão reduzido que a torne irrisória, mas também não pode ser desproporcionada à perda do bem expropriado. Por outro lado, a indemnização a pagar ao expropriado deverá ter em vista e realizar a igualdade dos expropriados entre si e a igualdade destes com os não expropriados. A fixação da indemnização deverá, pois, observar os princípios de igualdade e de proporcionalidade de forma a concretizar aquele princípio de justiça que deverá estar subjacente ao “quantum” da indemnização a pagar ao expropriado.
Ao definir – no citado art. 25º  – “solo apto para construção”, o legislador não adoptou um critério abstracto de aptidão edificatória (já que, abstracta ou teoricamente, todo o solo é passível de edificação urbana), mas sim um critério concreto de potencialidade edificativa assente em elementos certos e objectivos (os enumerados nas diversas alíneas do nº 2 da citada norma) cuja existência aponta para uma efectiva potencialidade edificativa.
Todavia, e tal como dissemos, tal disposição legal tem que ser lida e interpretada em conjugação com os princípios constitucionalmente impostos (igualdade e proporcionalidade) e com as demais disposições legais que regulam essa matéria e, designadamente, o art. 23º do Código das Expropriações.
Com efeito, e como resulta dos nºs 1 e 5 desta disposição legal, a justa indemnização há-de corresponder ao valor real e corrente do bem expropriado, numa situação normal de mercado, de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data.
Sendo este o critério básico e orientador na fixação da justa indemnização, os critérios concretos que estão estabelecidos no citado art. 25º só poderão ser aplicados se e na medida em que, através deles, for possível chegar ao valor real e corrente do bem, numa situação normal de mercado e atendendo ao seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal.
Embora se considere que a existência, em concreto, de alguma das situações enunciadas pelo citado art. 25º nº 2 é o mínimo exigível para que possa afirmar-se a existência de uma efectiva e real potencialidade edificativa, situações existem em que, não obstante a verificação de alguma das situações ali previstas, tal potencialidade edificativa não existe na realidade, porquanto a construção não é possível nem existe qualquer expectativa razoável de que o venha a ser.
Ora, o cálculo do montante indemnizatório com base numa potencialidade edificativa que o terreno não tem (porque, apesar de se encontrar nalgumas das situações previstas no citado art. 25º nº 2, não é possível a construção), nunca poderia conduzir a uma indemnização justa.
Com efeito, uma indemnização fixada nesses termos seria desproporcionada relativamente ao valor do bem, na medida em que seria superior ao seu valor real e corrente, numa situação normal de mercado, sendo evidente que nenhum comprador prudente e avisado pagaria por tal terreno (onde não é possível a construção) o mesmo valor que estaria disposto a pagar por um terreno que está efectivamente destinado a construção.
Tal indemnização violaria o princípio da igualdade na medida em que redundaria num tratamento desigual do expropriado relativamente a outros expropriados e relativamente a não expropriados que, em condições normais de mercado, não conseguiriam obter o mesmo valor por um terreno na mesma situação.
 Conclui-se, pois, que a classificação de um solo como “solo apto para construção”, para efeitos de fixação da justa indemnização, não decorre, necessária e automaticamente, da verificação das situações previstas no citado art. 25º nº 2, não podendo ser assim classificado um terreno que, embora se encontre naquela situação, não tem, na realidade, qualquer potencialidade edificativa devido à impossibilidade – decorrente das leis e regulamentos em vigor – de nele proceder a qualquer construção. 
Como se refere no acórdão da Relação do Porto de 29/05/2008, nº convencional JTRP00041471[2], “se por lei ou regulamento se limita a capacidade construtiva, não pode essa limitação deixar de ser atendida, só sendo de afastar quando, perante as circunstâncias concretas do caso, as condições e características de determinado bem expropriado, ainda que afectado por essas limitações, permitam afirmar-lhe “uma muito próxima, ou efectiva, potencialidade edificativa, o que não sucede “quando a potencialidade edificativa seja uma simples possibilidade abstracta, sem qualquer concretização nos planos municipais de ordenamento, num alvará de loteamento, ou numa licença de construção… Só devem avaliar-se os solos como aptos para construção quando, do ponto de vista físico e legal, é possível e admissível construir nesses terrenos, sem ficcionar uma potencialidade que os mesmos não têm nem podem ter nem se perspectiva, como possibilidade próxima ou imediata, que a possam vir a ter”.

No mesmo sentido, pode ver-se o Acórdão do STJ de 08/02/2011 (processo nº 153/04. 9TBTMC.P1.S1)[3], onde se refere que “a classificação do solo como apto para construção, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 25.º do Código das Expropriações de 1999, não é automática, ainda que verificado qualquer dos requisitos do n.º 2, devendo ceder se a lei geral ou o PDM impedir a sua utilização (o normal “jus aedificandi”) para aquele fim”, acrescentando que “não podendo ser visto numa perspectiva abstracta, o “jus aedificandi” depende de autorização genérica da lei para poder considerar-se haver potencialidade edificativa, que terá de ser efectiva e não eventual por não ter consagração possível nos planos municipais de ordenamento”.
Temos, pois, como assente que não pode ser classificado como “apto para construção” um terreno em que, de acordo com as leis e regulamentos em vigor, não é permitida a construção e relativamente ao qual não existe qualquer expectativa legítima e concreta de tal construção vir a ser autorizada, ainda que tal terreno se encontre nas situações previstas no art. 25º nº 2 do CE. 
Feitas estas considerações, regressemos ao caso “sub-judice”, de forma a saber se o terreno aqui em causa podia ou não ser classificado como “solo apto para construção” (como pretendem os Recorrentes).

Como decorre da matéria de facto provada, a parcela de terreno aqui em causa encontra-se inserida no PDM de Celorico da Beira[4] em zona de “Espaços Agrícolas”.

De acordo com a definição constante do art. 42º do PDM, os espaços agrícolas são aqueles que estão a ser, ou podem economicamente vir a ser, objecto de utilização agrícola e agropecuária, ou seja, são espaços não vocacionados para a construção e urbanização, mas sim para a exploração agrícola e nos quais são interditos os loteamentos urbanos e as construções industriais (cfr. art. 43º do PDM).

É certo, porém, que o PDM autoriza a construção nos espaços agrícolas (desde que não inseridos na RAN ou REN) em determinadas circunstâncias que estão definidas no respectivo art. 44º, aí se permitindo a implantação de construções indispensáveis à actividade produtiva, construções de utilização residencial, industrial compatível ou turística, desde que se verifiquem as circunstâncias aí mencionadas.

Foi esta a utilização considerada pelos árbitros e peritos (e que os Apelantes pretendem ver considerada no presente recurso), sendo certo que nada permite considerar a utilização prevista no nº 2.

Sucede, porém, que, como decorre do nº 1, alínea d), do PDM, a possibilidade de utilização desses espaços para a construção pressupõe, além das demais condições aí previstas, que a parcela tenha uma frente mínima de 100m, o que não acontece com o prédio do qual foi destacada a parcela expropriada, que tem uma frente de apenas 50 metros.

Ou seja, de acordo com o PDM, o prédio aqui em causa não tinha qualquer possibilidade construtiva, na medida em que, situando-se em “Espaço Agrícola”, não reunia as condições (estabelecida no art. 44º) para que aí fosse autorizada a implantação de qualquer construção e, por essa razão, a sentença recorrida considerou que o solo tinha que ser classificado e avaliado como “solo apto para outros fins”.

E, a nosso ver, a sentença recorrida decidiu acertadamente.

De facto, se é certo que, como acima referimos, a verificação de alguma das circunstâncias a que alude o art. 25º nº 2 é o mínimo exigível para que possa afirmar-se a existência de uma efectiva e real potencialidade edificativa, a verdade é que isso não basta, sendo ainda necessário que essa potencialidade edificativa não seja afastada por disposição expressa de lei ou regulamento, e, designadamente, pelo PDM que se encontre em vigor.

A potencialidade edificativa de um determinado solo não se mede apenas pelas suas aptidões físicas e materiais para esse efeito (quer em termos de características, quer em termos de localização), mas também pelas aptidões ou pelo destino que, em termos jurídicos e legais, lhe forem reservados, já que, como parece evidente, o comprador prudente e avisado não deixaria de considerar essa situação e, portanto, em condições normais de mercado, o valor de um terreno onde o PDM não permite a realização de qualquer construção não é, evidentemente, igual ao valor de um terreno que está inserido em zona de construção.

Assim, e como se refere no Ac. da Relação do Porto de 01/07/2012 (processo nº 1343/06.5TBLSD.P1)[5], “se, por lei ou por via do plano director municipal, é interdita a construção em determinada zona, por regra, não pode o terreno situado nessa zona ser valorizado como solo apto para construção, sob pena de violação da lei e de atribuição ao bem a expropriar de um valor que ele não tem, não se obtendo, desse modo, a justa indemnização”.

Alegam os Apelantes que a classificação territorial feita pelo PDM tem um valor meramente pragmático e indicativo, não reflectindo, frequentemente, as efectivas e pertinentes condições do terreno em apreço.

Mas, isso quer dizer o quê?

Quer dizer que as disposições do PDM são letra morta e que, afinal, os terrenos podem ser utilizados para as finalidades que cada um entender dar-lhes?

Evidentemente que não.

É certo que o PDM não é imutável e, como tal, pode ser revisto e alterado, mas, enquanto vigorar, as regras e orientações nele consagradas são vinculativas e não poderão, naturalmente, ser desrespeitadas fora das condições determinadas na lei.

O art. 56º do PDM de Celorico da Beira define claramente as situações que pode ocorrer a reafectação de espaços, ou seja, as situações em que uma parcela de terreno pode passar para classe distinta daquela que lhe está consignada na planta de ordenamento: a) revisão do PDM, nos termos da legislação; b) aprovação de um plano de urbanização, nos termos da legislação; c) aprovação de um plano de pormenor, nos termos da legislação.

Ora, no caso sub júdice, não ocorre nenhuma dessas situações e não está provado – e nem sequer alegado – que exista alguma expectativa razoável de tal vir a acontecer e, portanto, nada permite valorizar a parcela de terreno expropriada de acordo com uma aptidão construtiva que não lhe é – nem se prevê que venha a ser – conferida pelo PDM e que, como tal, também não seria considerada pelo comprador prudente e avisado para, em condições normais de mercado, oferecer o preço que corresponderia a um terreno com essa aptidão.

Mas – dizem os Apelantes e dizem os peritos – existem nas proximidades outras construções que foram implantadas em espaços do mesmo tipo (Espaços Agrícolas), apesar de os prédios não possuírem a frente de 100 metros que é exigida pelo PDM e, portanto, nenhuma razão existiria para que a construção não fosse também admitida na parcela expropriada.

Admitindo – como afirmam os peritos, embora não conste da matéria de facto – que tais construções existem, que foram erigidas em “Espaços Agrícolas” e em prédios cujas frentes eram inferiores aos 100 metros exigidos pelo PDM, importaria saber se essas construções foram devidamente legalizadas e licenciadas e em que circunstâncias foram autorizadas, já que, aparentemente, violam o disposto no art. 44º do PDM.

De qualquer forma, ou essas construções são legais (em virtude de esses prédios não se encontrarem exactamente nas mesmas condições em que se encontra o prédio dos Expropriados) ou, caso estejam em efectiva contravenção ao disposto no PDM, não lhes poderá ser concedida qualquer relevância para os autos, já que, como nos parece claro, a classificação e avaliação da parcela expropriada não pode ser efectuada com base num acto que, pelo menos aparentemente, não é legal por violar o PDM.

A verdade é que a parcela expropriada não tem, segundo o PDM, potencialidades edificativas e nada se alegou e provou que permita concluir pela existência de uma efectiva e real expectativa de que tal potencialidade lhe viesse a ser concedida e, portanto, terá que ser classificada e avaliada como “solo apto para outros fins”.

Nada há, pois, a censurar à sentença recorrida que, como tal, se confirma, sendo certo que nenhuma outra questão foi suscitada no recurso.


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SUMÁRIO (elaborado em obediência ao disposto no art. 713º, nº 7 do Código de Processo Civil, na sua actual redacção):
I – A classificação de um solo como “solo apto para construção”, para efeitos de fixação da justa indemnização, não decorre, necessária e automaticamente, da verificação das situações previstas no citado art. 25º nº 2, não podendo ser assim classificado um terreno que, embora se encontre naquela situação, não tem, na realidade, qualquer potencialidade edificativa devido à impossibilidade – decorrente das leis e regulamentos em vigor – de nele proceder a qualquer construção. 

II – A potencialidade edificativa de um determinado solo não se mede apenas pelas suas aptidões físicas e materiais para esse efeito (quer em termos de características, quer em termos de localização), mas também pelas aptidões ou pelo destino que, em termos jurídicos e legais, lhe forem reservados.
III – Assim, estando em causa um prédio que, de acordo com o PDM em vigor, está inserido em Zona de “Espaços Agrícolas” e não se verificando as condições impostas pelo Plano para que aí pudesse ser implantada qualquer construção, o respectivo solo terá que ser classificado e avaliado – para efeitos de cálculo da indemnização devida pela expropriação – como “solo apto para outros fins”, já que, não estando aí autorizada a construção e não existindo qualquer expectativa razoável de que tal autorização viesse a ser concedida, essa circunstância não deixaria de se reflectir no respectivo valor de mercado e, portanto, a avaliação efectuada de acordo com a potencialidade construtiva (que a parcela não tinha) não seria idónea para alcançar o valor da justa indemnização, que deverá corresponder ao valor real e corrente da parcela, numa situação normal de mercado. 


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  V.
Pelo exposto, nega-se provimento ao presente recurso e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida.
Custas a cargo dos Apelantes.
Notifique.

Maria Catarina Gonçalves (Relatora)

Maria Domingas Simões

Nunes Ribeiro                      


[1] Diploma a que se reportam as demais disposições legais que venham a ser citadas sem menção de origem.
[2] Disponível em http://www.dgsi.pt.
[3] Disponível em http://www.dgsi.pt.
[4] Aprovado por Resolução do Conselho de Ministros nº 86/95, publicada no D.R. nº 209, I Série – B de 09/09/1995.
[5] Disponível em http://www.dgsi.pt.