Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1558/18.3T8CVL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULA MARIA ROBERTO
Descritores: PRINCÍPIO DA IRREDUTIBILIDADE DA RETRIBUIÇÃO
COMPONENTES
Data do Acordão: 12/06/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO – JUÍZO DO TRABALHO DA COVILHÃ
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 94º DA LCT; 265º E 276º, Nº 3 CT.
Sumário: 1. Não é admitida prova testemunhal sobre a celebração do acordo de IHT (artigos 393.º, n.º 1, do CC e 218.º do CT), no entanto, esta proibição não engloba os factos respeitantes à forma de pagamento da retribuição específica prevista no artigo 265.º do CT.

2. O princípio da irredutibilidade da retribuição apenas se aplica à retribuição considerada em sentido estrito, ou seja, não abrange todas as componentes da retribuição, excluindo-se as parcelas da retribuição habitualmente designadas de complementares ou acessórias, relacionadas com um maior esforço, risco ou penosidade do trabalho (subsídio de risco; subsídio de compensação por penosidade do trabalho), com situações de desempenho específicas (isenção de horário de trabalho), ou situações de maior trabalho (trabalho prestado para além do período normal de trabalho).

3. O princípio da irredutibilidade da retribuição reporta-se ao seu valor global, pelo que não viola o mesmo o empregador que procede à diminuição do valor de um complemento remuneratório, desde que não se verifique uma diminuição do montante global das quantias recebidas a título de retribuição.

Decisão Texto Integral:









Acordam[1] na Secção Social (6ª secção) do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - Relatório

R..., residente no ...,

intentou a presente ação de processo comum contra

C..., com sede na ...

alegando, em síntese, que:

Trabalhou para a Ré como psicóloga e coordenadora do lar de crianças e jovens, assumindo depois o cargo de diretora técnica da Ré, de junho de 2004 até outubro de 2018; acordou com a Ré, à data da celebração do contrato, a IHT com a compensação mensal de €150,00, que nunca recebeu; após baixa médica apresentou-se ao serviço mas a Ré recusou a sua prestação de trabalho e em 01/10/2018, depois de três meses sem receber a retribuição, resolveu o contrato com justa causa.

Termina pedindo:

“Termos em que deverá ser a presente acção julgada provada e procedente, condenando-se e declarando-se o seguinte:

1. Declarando-se que a autora tinha justa causa para resolver o contrato de trabalho;

2. Sendo a ré condenada a pagar à autora uma indemnização de antiguidade no montante de €36.142,92;

3. Sendo a ré condenada a pagar à autora as horas de formação profissional em falta no montante de €4.177,95;

4. Sendo a ré condenada a pagar à autora as diferenças salariais, a título de redução ilícita da retribuição pelo exercício das funções de coordenadora/directora técnica, no montante de €3.502,41;

5. Sendo a ré condenada a pagar à autora a compensação por IHT no valor de €60.431,77;

6. Sendo a ré condenada a pagar à autora as retribuição de Julho (a partir do dia 4), Agosto e Setembro de 2018, no montante de €6.368,40;

7. Sendo a ré condenada a pagar à autora as férias e subsídio de férias correspondentes ao trabalho prestado em 2017, vencidas em 1 de Janeiro de 2018, no montante de €4.392,00, e os proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal pelo trabalho de 2018, no montante de €4.941,00;

8. Sendo a ré condenada a pagar à autora os juros já vencidos à taxa legal de 4% no montante de €18.867,21, e os vincendos, sobre todas as quantias reclamadas, desde o seu vencimento ou desde a citação e até integral e efectivo pagamento, sendo que no caso do não não pagamento imediato dos já vencidos deverão estes ser capitalizados.”

              A contestou alegando, em sinopse, que:

Sempre pagou à A. os valores a que tinha direito; procedeu em conformidade com a lei, tendo informado a A. da impossibilidade de aceitar a sua prestação de trabalho em face das “notificações realizadas no âmbito do processo ...”; impedimento temporário que determinou a suspensão do contrato; nada deve à A. a título de formação profissional que lhe foi facultada; a Ré pagou à A. todas as retribuições complementares e acessórias, quer pela coordenação, quer pela IHT e que não existe qualquer fundamento dos invocados pela A. como justa causa da resolução do contrato, pelo que, não lhe poderão ser reconhecidos os direitos que invoca. Mais alega que a A. agiu de má fé.

Termina, dizendo que a presente ação deve ser julgada improcedente por não provada e, em consequência:

“a) Declarar inválida e ilícita a justa causa de rescisão invocada pela Autora, com todas as consequências legais.

b) Ser a Ré Absolvida de todos os pedidos contra si formulados.

c) Ser a Autora condenada como litigante de má fé, condenada a pagar à Ré as despesas e os prejuízos que este teve de suportar, e que são da exclusiva responsabilidade da Autora, no montante a liquidar em execução de sentença.

d) Mais deve ser condenada a Autora nas custas do processo, de procuradoria condigna e dos demais encargos legais”.
*

Foi proferido o despacho saneador de fls. 155.

Procedeu-se a julgamento conforme consta das atas de fls. 156 e segs.

Foi proferida a decisão sobre a matéria de facto constante do despacho de fls. 252 e segs.

De seguida foi proferida a sentença de fls. 262 e segs. e cujo dispositivo é o seguinte:

Nestes termos, julgo parcialmente procedentes os pedidos deduzidos pela autora R..., deduzidos contra a ré "C..." e:

- Condena-se a ré a pagar à autora as férias e subsídio de férias correspondentes ao trabalho efetivamente prestado em 2017, vencidas em 1 de Janeiro de 2018, e os proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal pelo trabalho de 2018, na parte não suportada pelo ISS, em montante a liquidar nos termos dos artigos 609º n.º 2 e 716º do Código de Processo Civil,

- Absolvendo-se a ré do mais peticionado.

- Mais se condena a a autora como litigante de má fé, nos termos do disposto nos artºs. 542º/1 e 2 a) do Código de Processo Civil, no pagamento de uma indemnização a favor da ré, que adiante se arbitrará, depois de ambas as partes se pronunciarem, em 10 dias, sobre o quantum da mesma.

- Sobre tais quantias são devidos juros de mora, contados desde a desde a data do vencimento de cada prestação, e até integral e efetivo pagamento, computados à taxa legal de 4% ao ano.

*

A A., notificada desta sentença, veio interpor o presente recurso que concluiu da forma seguinte:

...

  A apresentou resposta, formulando as seguintes conclusões:

...

  O Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que a apelação deverá ser julgada improcedente.

  Colhidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.

  II – Questões a decidir:

Como é sabido, a apreciação e a decisão dos recursos são delimitadas pelas conclusões da alegação do recorrente (artigo 639.º, n.º 1, do C.P.C. na redação da Lei n.º 41/2013 de 26/06), com exceção das questões de conhecimento oficioso.

São as seguintes as questões que cumpre apreciar:

1ª – Reapreciação da matéria de facto.

2ª – Se é devida à A. a quantia peticionada a título de IHT.

3ª – Se a Ré deve à A. as diferenças salariais peticionadas.

4ª – Se a Ré não podia ter recusado o trabalho da A.

5ª – Se a A. não litigou de má fé.

  III – Fundamentação

a) Factos provados

...

b) - Discussão

Apreciando as questões suscitadas pela A. recorrente:

1ª questão

Reapreciação da matéria de facto

...

Vejamos:

Conforme resulta do n.º 1 do artigo 393.º do CC, sob a epígrafe “inadmissibilidade da prova testemunhal”, <<se a declaração negocial, por disposição da lei ou estipulação das partes, houver de ser reduzida a escrito ou necessitar de ser provada por escrito, não é admitida prova testemunhal>>.

Por outro lado, por força do disposto no artigo 218.º, n.º 1 do CT, o acordo de isenção de horário de trabalho tem de ser reduzido a escrito.

Assim sendo, não é admitida prova testemunhal sobre a celebração do acordo de IHT, no entanto esta proibição não engloba os factos respeitantes à forma de pagamento da retribuição específica prevista no artigo 265.º do CT, nomeadamente, os descritos nos pontos 30 a 34 da matéria de facto provada, sendo certo que, ao contrário do alegado pela recorrente, não estamos perante alterações ao acordado sujeitas a prova documental.

Acresce que também não colhe a alegação da recorrente no sentido de que os recibos de vencimento fazem prova plena quanto ao não pagamento da retribuição por IHT porque esta não se encontra especificada nos mesmos[2].

Certo é que o empregador deve entregar ao trabalhador documento do qual conste, além do mais, a retribuição base e as demais prestações (n.º 3 do artigo 276.º do CT), no entanto, como já referimos, não existe qualquer impedimento legal quanto à produção de prova testemunhal no sentido de uma determinada parcela constante do recibo de vencimento se destinar ao pagamento de um complemento e da retribuição por IHT.

Como se decidiu no acórdão do STJ de 12/01/2006, disponível em www.dgsi.pt:

<<I – A disposição do art. 94.º da LCT, exigindo que, no acto de pagamento da retribuição, a entidade patronal entregue ao trabalhador documento onde conste o período a que respeita a retribuição, com a discriminação da retribuição base e das demais remunerações, não tem o objectivo de fixar a espécie de prova que é exigível para efeito de se considerar satisfeita a obrigação retribuitiva, e destina-se antes a estabelecer um dever contratual da entidade empregadora, cujo incumprimento implica a prática de uma mera contra-ordenação (…). II – Nestes termos, nada obsta, à luz das regras de direito probatório material, que o tribunal considere como provado, segundo o princípio da livre convicção, que, para além das verbas constantes dos recibos de remunerações, tenham sido pagas ao trabalhador outras importâncias a título de retribuição>>.

Resta dizer que a recorrente no que respeita à impugnação da matéria de facto, mais concretamente aos concretos meio probatórios que, no seu entender, impõem decisão diversa quanto à matéria impugnada, pese embora no corpo das alegações tenha feito apelo ao depoimento de testemunhas que indica, nas conclusões abandonou esta alegação, ou seja, restringiu o objeto inicial do recurso nos termos supra referidos, pelo que, tendo em conta o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do CPC, a este tribunal não cumpre apreciar quaisquer outros fundamentos.

Na verdade, <<as conclusões exercem ainda a importante função de delimitação do objecto do recurso, como clara e inequivocamente resulta do art. 635º, nº 3. Conforme ocorre com o pedido formulado na petição inicial, as conclusões do recurso devem corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que se pretende obter do tribunal superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo tribunal a quo.>>[3]

Pelo exposto, deve manter-se a matéria de facto constante dos pontos 30 a 34 do elenco dos factos provados.

 Improcede, assim, na quase totalidade, a pretendida alteração da matéria de facto.

                                                           2ª questão

Se é devida à A. a quantia peticionada a título de retribuição por IHT.

Alega a recorrente que:

Quer a retribuição pelas funções de psicóloga quer a retribuição pela coordenação devem ser consideradas retribuição em sentido estrito, já que são ambas contrapartida do desempenho dessas funções, pelo que a retribuição por IHT tinha de ser calculada sobre a soma das duas; uma vez que a retribuição da autora era equiparada à da outra coordenadora da ré, que se não provou trabalhar no regime de IHT, não cabe espaço para este pagamento na retribuição global da autora e que nada demonstra, nem permite deduzir, nem foi feita prova a esse respeito, que a compensação por IHT inicialmente fixada em €150,00 tenha depois acompanhado a evolução dessa compensação prevista no CCT aplicável.

A este propósito consta da decisão recorrida o seguinte:

Finalmente, no que concerne ao peticionado pagamento do montante de €60.431,77, correspondente à compensação por IHT, importa dizer o seguinte,

Desde logo, como atrás se referiu, a trabalhadora não logrou provar que tal compensação não lhe foi paga, resta saber se a mesma lhe foi paga no montante legalmente devido, de forma a saber se se encontram diferenças salariais em divida, pela ré.

Ora, de acordo com a autora, tal compensação por IHT, corresponde a 20% calculados sobre a retribuição (como psicóloga e coordenadora/diretora técnica) acrescida das diuturnidades, pelo que deveria ter sido:

- de €180,00 em Junho de 2004,

- de €210,00 entre Julho e Outubro de 2004,

- de €287,87 entre Novembro de 2004 e Julho de 2006,

- de €295,96 entre Agosto e Dezembro de 2006,

- de €299,96 entre Janeiro de 2007 e Janeiro de 2008,

- de €313,86 entre Fevereiro de 2008 e Abril de 2009,

- de €317,85 em Maio de 2009,

- de €322,05 entre Junho de 2009 e Junho de 2011,

- de €345,68 entre Julho de 2011 e Abril de 2014,

- de €349,88 entre Maio de 2014 e Setembro de 2015,

- de €353,40 entre Outubro de 2015 e Junho de 2016,

- de €366,00 entre Julho de 2016 e final do contrato.

Da matéria de facto provada resulta que os valores correspondentes a 20% da retribuição base mensal e diuturnidades devidos pela isenção de horário e trabalho, que foram considerados nas retribuições da A. são os seguintes:

- de €75,00 em Junho de 2004 (trabalhou apenas a partir do dia 15);

- de €150,00 entre Julho e Outubro de 2004;

- de €173,53 entre Novembro de 2004 e Julho de 2006;

- de €181,60 entre Agosto de 2006 e Janeiro de 2007;

- de €185,60 entre Fevereiro de 2007 e Janeiro de 2008;

- de €199,49 entre Fevereiro de 2008 e Abril de 2009;

- de €203,48 entre Maio e Setembro de 2009;

- de €207,68 entre Outubro de 2009 e Junho de 2014;

- de €211,88 entre Julho de 2014 e Setembro de 2015;

- de €215,40 entre outubro de 2015 e junho de 2016; e

- de €228,00 entre Julho de 2016 e final do contrato, num total de €33.177,58.

Do que resulta, baseou a ré o cálculo do valor da retribuição devida pela isenção de horário, na retribuição base da autora acrescida das diuturnidades.

Importa, então aferir qual deverá ser considerada a basa de calculo da presente prestação complementar

A cláusula 61ª do CTT aplicável ao caso estabelece, sob a epígrafe “Retribuição especial para os trabalhadores isentos de horário de trabalho”: Os trabalhadores isentos do horário de trabalho têm direito a uma remuneração especial, no mínimo, igual a 20 % da retribuição mensal ou à retribuição correspondente a uma hora de trabalho suplementar por dia, conforme o que lhes for mais favorável.”

Sendo que o n.º 1 da Cláusula 62ª rege sobre a forma de remuneração do trabalho suplementar, prestado em dia normal de trabalho, diurno.

Por seu turno, a Cláusula 56ª estabelece, na parte que aqui interessa:

“1 - Considera -se retribuição aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho.

2 -Na contrapartida do trabalho inclui-se a retribuição base e todas as prestações regulares e periódicas feitas, direta ou indiretamente, em dinheiro ou em espécie.

3 — Até prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação do empregador ao trabalhador.

4 — A base de cálculo das prestações complementares e acessórias estabelecidas na presente convenção é constituída apenas pela retribuição base e diuturnidades”. (sublinhado nosso)

Assim sendo, bem andou a ré, quando efetuou o cálculo de tal prestação com base no salario base e nas diuturnidades, como impunha o CCT aplicável, pelo que, também neste tocante nenhuma diferença salarial é devida à autora, improcedendo in totum o presente petitório.” fim de citação.

Vejamos:

Tendo em conta a matéria de facto que se manteve inalterada, acompanhamos a sentença recorrida, nada mais se impondo dizer.

Improcedem, assim, as conclusões da recorrente.

3ª questão

Se a Ré deve à A. as diferenças salariais peticionadas.

Alega a recorrente que a Ré lhe deve “as diferenças salariais relativas aos períodos em que lhe reduziu a retribuição por desempenho de funções de coordenadora, que é retribuição em sentido estrito, não tendo a autora que fazer prova da diminuição da sua retribuição global.

Por força do disposto no artigo 129.º, n.º 1, d), do CT é proibido ao empregador diminuir a retribuição (consagração do princípio da irredutibilidade da retribuição).

Acresce que, constitui jurisprudência uniforme, acompanhada pela doutrina, que este princípio apenas se aplica à retribuição considerada em sentido estrito, ou seja, não abrange todas as componentes da retribuição, excluindo-se as parcelas da retribuição habitualmente designadas de complementares ou acessórias, relacionadas com um maior esforço, risco ou penosidade do trabalho (subsídio de risco; subsídio de compensação por penosidade do trabalho), com situações de desempenho específicas (isenção de horário de trabalho), ou situações de maior trabalho (trabalho prestado para além do período normal de trabalho).

Neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16/1/2008 e o Acórdão da Relação de Lisboa de 18/6/2008, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).

Na verdade, conforme se decidiu no acórdão desta Relação, de 26/03/2015, disponível em www.dgsi.pt

<<I – Ocorrem situações de retribuição mista, composta pelo salário base e por determinadas prestações retributivas complementares determinadas por contingências especiais de prestação de trabalho (penosidade, perigo, isolamento, toxicidade, ...), pelo rendimento, mérito, produtividade ou mesmo por certas situações pessoais dos trabalhadores (antiguidade, diuturnidades, ...).

II – No que toca ao princípio da irredutibilidade da retribuição consagrado nos artºs 21º, nº 1, al. c) da LCT e 122º, al. d) do CT/2003, o mesmo só incide sobre a retribuição estrita, não abrangendo as parcelas correspondentes a maior esforço ou penosidade do trabalho ou a situações de desempenho específicas (como é o caso da isenção de horário de trabalho), ou a maior trabalho (como ocorre quando se verifica a prestação de trabalho para além do período normal de trabalho), ou à prestação de trabalho em condições mais onerosas, em quantidade ou esforço (como é o caso do trabalho por turnos), o mesmo sucedendo com as prestações decorrentes de factos relacionados com a assiduidade ou desempenho do trabalhador, cujo pagamento não esteja antecipadamente garantido.

III – Embora integrem o conceito de retribuição, tais prestações complementares não se encontram sujeitas ao princípio da irredutibilidade da retribuição, pelo que só serão devidas enquanto perdurar a situação em que assenta o seu fundamento, podendo a entidade patronal suprimi-las quando cesse a situação específica que esteve na base da sua atribuição.>>[4]

E, por outro lado, <<o princípio da irredutibilidade da retribuição reporta-se ao seu valor global (…). Por isso, não viola aquele princípio a entidade empregadora que, tendo, durante algum tempo, pago suplementos remuneratórios de 200%, por trabalho prestado em Domingos e dias feriados, passa, posteriormente, a remunerar o mesmo trabalho com acréscimos de 100%, desde que o trabalhador não veja diminuído o montante global das importâncias recebidas a título de retribuição>>[5].

Pese embora resulte da matéria de facto provada que o complemento em causa sofreu um decréscimo de €571,81 para €524,00 em fevereiro de 2008 e até junho de 2011; de €690,00 para €598,00 em novembro de 2015 e até fevereiro de 2016 e de €690,00 para €627,00 em julho de 2016, o certo é que da matéria de facto provada (bem como dos respetivos recibos de vencimento juntos aos autos) não resulta uma diminuição da retribuição global da A..

Assim sendo, acompanhamos a sentença recorrida quando nela se decidiu que:

Quanto aos créditos laborais decorrentes da alegada, redução ilícita da retribuição pelo exercício das funções de coordenadora/diretora técnica, decorre da matéria de facto provada, não tendo, a autora, provado, como lhe competia, a redução da sua retribuição global, nos períodos em referência, impõe-se concluir pela improcedência do petitório.

Na verdade, o princípio da irredutibilidade da retribuição só incide sobre a retribuição estrita, não abrangendo as parcelas correspondentes a maior esforço ou penosidade do trabalho ou a situações de desempenho específicas (como é o caso da coordenação do lar/creche), ou a maior trabalho (como ocorre quando se verifica a prestação de trabalho para além do período normal de trabalho), ou à prestação de trabalho em condições mais onerosas, em quantidade ou esforço (como é o caso do trabalho por turnos), o mesmo sucedendo com as prestações decorrentes de factos relacionados com a assiduidade ou desempenho do trabalhador, cujo pagamento não esteja antecipadamente garantido.

Embora integrem o conceito de retribuição, tais prestações complementares não se encontram sujeitas ao princípio da irredutibilidade da retribuição, pelo que só serão devidas enquanto perdurar a situação em que assenta o seu fundamento, podendo a entidade patronal suprimi-las quando cesse a situação específica que esteve na base da sua atribuição.

No caso dos autos, resultou provado que o complemento auferido pela autora pelo desempenho das funções de coordenadora em Fevereiro de 2007 passou de €571,81 para €524,00, em Novembro de 2015 de €690,00 para €598,00 e, em Julho de 2016, de €690,00 para €627,00, mas, não resulta apurado que a retribuição global da autora tenha sofrido uma redução do seu valor global, sendo que esta redução poderá ter sido compensada com o aumento de outras componentes do salário, como sendo a destinada a assegurar a paridade entre os vencimentos duas das coordenadoras, como foi referido por algumas testemunhas.

Assim, não tendo a autora, como lhe competia, feito prova que o montante do seu salário global sofreu decréscimo em consequência da redução do montante da presente prestação complementar, não há diferenças salariais a pagar.”

Pelo exposto, improcede a pretensão da recorrente.

4ª questão

Se a Ré não podia ter recusado o trabalho da A.

Alega a A. recorrente que na data em que se apresentou ao trabalho já se tinha extinguido a medida de coação de proibição do exercício de funções que lhe tinha sido imposta em 14/07/2017 e, por isso, a Ré não podia ter recusado trabalho à A. e não podia ter deixado de lhe pagar a retribuição nos meses de julho a setembro de 2018; que a informação errada dada pelo MP de manutenção da medida não é justificação para a atuação da Ré que tinha recusado trabalho anteriormente e que não avisou a A. dessa informação e não pediu esclarecimentos àquele sobre as razões da manutenção da medida após a sua caducidade quando era do seu conhecimento a data da sua imposição inicial.

A este propósito, consta da sentença recorrida o seguinte:

(…) O art.º 394º, nº2, elenca comportamentos da entidade empregadora suscetíveis de constituir justa causa de rescisão do contrato pelo trabalhador.

A este respeito, dispõe o n.º 4 do art.º 394.º do Código do Trabalho que a justa causa de rescisão do contrato pelo trabalhador deve ser apreciada nos termos do n.º 3 do art.º 351.º, com as necessárias adaptações, o qual determina que, para apreciação da justa causa, deve o Tribunal atender “ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e seus companheiros e às demais circunstâncias que, no caso se mostrem relevantes”.

Revertendo, agora, para o caso dos autos, vejamos da bondade dos fundamentos alegados pela autora para a resolução do contrato de trabalho que a unia à ré.

Invocou a autora perante entidade empregadora a falta culposa de pagamento pontual da retribuição e violação culposa de garantias legais ou convencionais do trabalhado, como fundamento da resolução do contrato de trabalho (art.º 394, nºs. 1 e 2 a) e b) e 5) do Código do Trabalho).

(…)

Assim, cabe ao trabalhador provar os factos que alicerçam a justa causa e que indiciam a situação de inexigibilidade de prossecução da relação laboral que constitui o seu núcleo essencial (exceptuada, sendo o caso, a culpa do empregador, que se presume, nos termos gerais do art. 799º, nº1, do Código Civil), suportando o mesmo, as consequências da sua, eventual, insuficiência.

Comecemos por aferir da existência de falta culposa de pagamento pontual da retribuição (art.º 394, nº 2 a) do Código do Trabalho);

De acordo com o disposto no artigo 127.º, n.º 1/b) do Código do Trabalho, a primeira e elementar obrigação da entidade empregadora é o pagamento pontual da retribuição devida ao trabalhador e o artigo 277.º do mesmo código dispõe que a retribuição deve ser satisfeita no lugar onde o trabalhador presta a sua atividade, salvo se outro for o acordado.

No caso de incumprimento da obrigação de pagamento da retribuição devida ao trabalhador, a qual tem natureza contratual, cabe à entidade patronal provar a sua falta de culpa, de acordo com o disposto no artigo 799.º do Código Civil, aplicável a todas as obrigações contratuais.

(…)

Acontece, porém, que, inversamente a esta presunção, a decorrente do art.º 394.º/5 do Código do Trabalho não é elidível.

Com efeito, estabelece tal preceito legal que “Considera-se culposa a falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por período de 60 dias, ou quando o empregador, a pedido do trabalhador, declare por escrito a previsão de não pagamento da retribuição em falta, até ao termo daquele prazo”.

A este propósito refere João Leal Amado (Contrato de Trabalho, 2.ª edic., pg. 460), que “a mora patronal que se prolongue por períodos de sessenta dias implica que a falta de pagamento pontual da retribuição se considere culposa “mediante uma ficção legal” que “não admite prova em contrário”.

Ora, no caso concreto, a respeito da presente invocação, resultou da matéria de facto provada que a ré não pagou à autora as retribuições e subsídios dos meses de Julho, Agosto e Setembro de 2018.

No entanto, também resulta da matéria de facto provada que a autora não prestou efetivamente as suas funções durante este período, mercê do cumprimento da medida de coação que lhe foi aplicada no processo n.º ..., então em curso como inquérito Procuradoria do Juízo Local Criminal da ..., por decisão judicial em 14 de Julho de 2017, tendo sido proibida de exercer as suas funções ao serviço da ré.

Essa medida de coação acha-se prevista no artigo 199.º do Código de Processo Penal que possui a seguinte redação:

Artigo 199.º

Suspensão do exercício de profissão, de função, de atividade e de direitos.

1– Se o crime imputado for punível com pena de prisão de máximo superior a 2 anos, o juiz pode impor ao arguido, cumulativamente, se disso for caso, com qualquer outra medida de coação, a suspensão do exercício:

a)- De profissão, função ou atividade, públicas ou privadas;

b)- Do poder paternal, da tutela, da curatela, da administração de bens ou da emissão de títulos de crédito;

Sempre que a interdição do respetivo exercício possa vir a ser decretada como efeito do crime imputado.

2– Quando se referir a função pública, a profissão ou atividade cujo exercício dependa de um título público ou de uma autorização ou homologação da autoridade pública, ou ao exercício dos direitos previstos na alínea b) do número anterior, a suspensão é comunicada à autoridade administrativa, civil ou judiciária normalmente competente para decretar a suspensão ou a interdição respetivas.

Nos termos do artigo 249.º, número 2, alínea d) do Código do Trabalho é considerada falta justificada, aquela motivada por impossibilidade de prestar trabalho, devido a cumprimento de obrigação legal, como naturalmente, constitui a que se traduz na referida suspensão preventiva de funções do artigo 199.º do Código de Processo Penal.

Acresce que as faltas, ainda que justificadas, não obrigam ao pagamento de qualquer retribuição ao dito trabalhador faltoso, face ao disposto nos artigos 255.º, número 1, 295.º, número 1 e 296.º, números 1 e 3 do Código do Trabalho/2009, dado determinarem, desde logo, a suspensão do contrato de trabalho desde o início da suspensão preventiva de funções, face à previsibilidade de que a sua duração irá exceder o prazo de 1 mês.

Assim, não sendo devido à autora o pagamento das retribuições em causa, encontrando-se suspenso o respectivo contrato de trabalho, não poderemos falar em falta culposa de pagamento da retribuição, não se verificando, quanto a este aspeto, fundamento para a resolução contratual.

(…)

Vejamos, agora da licitude da recusa da entidade empregadora a receber a prestação laboral da autora,

Nos termos do artigo 129º n.º 1 b) é proibido ao empregador obstar injustificadamente à prestação efetiva de trabalho.

No caso dos autos ficou, a tal respeito, provado que:

- Por decisão judicial proferida no processo n.º ..., então em curso como inquérito Procuradoria do Juízo Local Criminal da ..., foi a autora, em 14 de Julho de 2017, como medida de coação que lhe foi imposta nesse processo, proibida de exercer as suas funções ao serviço da ré.

- Nessa data estava a autora de baixa médica desde 4 de Julho de 2017, situação que se prolongou até 3 de Julho de 2018.

- Quando cessou a baixa médica, a autora comunicou à ré, por escrito, que se iria apresentar ao serviço no dia 4 de Julho de 2018.

- No dia 4, às 9:00, a autora apresentou-se ao serviço no seu local de trabalho, sendo-lhe recusada a prestação de trabalho.

- Nesse dia entregou a ré à autora uma comunicação escrita exigindo-lhe, nos termos da Lei n.º 103/2015, de 24 de Agosto, que entregasse cópia do seu certificado de registo criminal com as especificações constantes do art.º 2.º daquele diploma legal.

- No mesmo dia obteve a autora o certificado de registo criminal com as especificações legais remetendo-o de imediato à ré, por email e pelo correio.

- Também nesse dia remeteu a ré à autora uma carta, na qual lhe comunicava, sob a menção “Assunto” e no texto dessa carta, a recusa de prestação de trabalho, “exortando-a” ainda a remeter mais documentos que comprovassem a idoneidade da autora para o exercício das suas funções.

- Respondeu a autora, em resumo, que a ré detinha já toda a informação necessária titulada pelo certificado de registo criminal e pelos registos de assiduidade e todo o seu histórico na instituição.

- A ré não respondeu a tal comunicação, mantendo por isso a referida recusa de prestação do trabalho da autora, o que se prolongou pelos meses seguintes de Agosto e Setembro de 2018.

- A autora foi alvo da aplicação de uma medida de coação que proibia, não só, o exercício da sua profissão e funções junto da Ré, como inicialmente determinava a proibição de contatos e de acesso às instalações da Ré.

- Tal decisão foi comunicada à Ré, que desde aquela data esteve proibida de aceitar qualquer trabalho da Autora ou de permitir que a mesma frequentasse as suas instalações ou contatasse com as pessoas, nomeadamente, os menores que estão a seu cargo.

- No início de Julho de 2018, quando a A. se apresentou nas instalações da Ré, com o intuito de retomar a sua atividade profissional, a Ré solicitou às entidades competentes, a confirmação da manutenção da medida de coação, sendo que a manutenção da medida de coação apenas veio a ser formalmente confirmada, alguns dias depois.

- A ré informou a A. da impossibilidade de aceitar a sua prestação de trabalho em face das “notificações realizadas no âmbito do processo ...”.

Ora, em face desta materialidade não podemos deixar de concluir pela inverificação de uma recusa injustificada da prestação efetiva de trabalho pela autora, à data em que a mesma se apresentou para trabalhar, findo o seu período de baixa médica.

Desde logo, a medida de coação aplicada á autora impedia, não só a ré de aceitar a sua prestação laboral, como a própria autora de a prestar, sob pena de violação do estatuto coativa desta, com todas as legais consequências, designadamente as previstas no artigo 203º do Código de Processo Penal.

Mesmo que admitamos que á data da cessação da baixa médica da autora, já tinha terminado o prazo de duração máximo da medida, e, como tal, a recusa da entidade empregadora terá que ter-se por injustificada, não podemos concluir pela existência de violação culposa de garantias legais ou convencionais do trabalhador.

Atento o disposto no art.º 351.º/1 do Código do Trabalho o conceito de justa causa de resolução está, pois, ligado à ideia de inexigibilidade. Assim, qualquer comportamento da entidade patronal descrito no art.º 394.º/2 apenas pode constituir justa causa subjetiva de rescisão quando esse comportamento gere uma situação de imediata impossibilidade de subsistência da relação laboral, tornando inexigível, em concreto, que o trabalhador permaneça ligado à empresa por mais tempo.

Assim, existirá impossibilidade prática de subsistência da relação laboral sempre que, nas circunstâncias concretas, a permanência do contrato e das relações pessoais e patrimoniais, que ele importa, sejam de forma a ferir, de modo exagerado e violento, a sensibilidade e a liberdade psicológica de uma pessoa normal, colocada  na posição de trabalhador, ou seja, sempre que a continuidade do vínculo represente uma insuportável e injusta imposição ao trabalhador.

No entanto, sempre se dirá, aliás na esteira do defendido no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 25/10/2012, acessível em www.dgsi.pt, que, a apreciação de justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador o grau de exigência tem de ser menor que o utilizado na apreciação da justa causa de despedimento – uma vez que o trabalhador perante o incumprimento contratual do empregador não tem formas de reação alternativas à resolução, enquanto este perante o incumprimento contratual do trabalhador pode optar pela aplicação de uma sanção conservatória do vínculo laboral, em detrimento da mais gravosa de despedimento.

Assim, a impossibilidade de subsistência da relação de trabalho deverá aferir-se em função da diversa factualidade invocada e apurada nos autos.: é perante esses factos que terá que se apurar se a falta, pela sua gravidade e consequências, tornou praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.

Assim, desde logo torna-se necessário que haja um comportamento culposo do empregado, ou seja, uma ação ou uma omissão imputáveis ao trabalhador a título de culpa, e violadoras dos deveres a que, como tal, está sujeito, e que emergem do vínculo contratual a que se obrigou.

Ora, como ressalta da factualidade supra elencada, após ter tido conhecimento da intenção da autora retomar a sua atividade profissional, a Ré solicitou às entidades competentes, a confirmação da manutenção da medida de coação, sendo que a manutenção da medida de coação apenas veio a ser formalmente confirmada, alguns dias depois.

Ora, considerando que a culpa da entidade empregadora há-de ser apreciada em termos objetivos e concretos, de acordo com o entendimento de um "bom pai de família" ou de um "empregador normal", em face do caso concreto e segundo critérios de objetividade e razoabilidade, não podemos deixar de concluir não ser exigível outro comportamento à entidade empregadora, que teve o cuido de confirma a manutenção do estatuto coativo da trabalhadora, que a impedia de receber, daquela, a prestação laboral, sob pena de incorrer em responsabilidade criminal.

Assim sendo, faltando o pressuposto da culpa da entidade empregadora, há que concluir pela improcedência da invocação da autora, e, logo, pela inexistência de justa causa na resolução contratual, por si operada.

Em face de tais constatações, não podemos deixar de concluir pela total improcedência da pretensão da autora, por não se vislumbrar a existência de justa causa para a resolução contratual, mormente, pela verificação das circunstancias previstas no artigo 394º n.ºs 1 e 2 alíneas c) e f) do Código do Trabalho de 2009.

Não tendo a A. logrado provar a existência de justa causa para a resolução do contrato de trabalho, como lhe competia segundo as regras de distribuição do ónus da prova (artigo 342º do Código Civil), improcedem os pedidos sob os n.ºs 1 e 2 do petitório.” – fim de citação.

Ora, face à matéria de facto provada, pese embora a alteração do ponto 29 que em nada belisca o que ficou dito, acompanhamos a decisão recorrida, pouco mais se impondo dizer.

Não assiste qualquer razão à recorrente quando alega que a informação do MP não é justificação para a atuação da Ré que não avisou a A. de tal informação e não pediu esclarecimentos àquele.

Na verdade, ao contrário do alegado pela recorrente, não se nos afigura que outra atuação fosse exigível à Ré que havia sido notificada da medida imposta à A. de proibição do exercício das suas funções e, quando a A. se apresentou nas suas instalações, no início de julho de 2018, a fim de retomar a sua atividade profissional, solicitou às entidades competentes a confirmação da manutenção da medida de coação e que veio a sê-lo alguns dias depois.

Assim sendo e, em suma, não assistia à A. o direito de resolver o contrato com invocação de justa causa e, consequentemente, a recorrente não tem direito a ser indemnizada nos termos previstos no artigo 396.º do CT.

Pelo exposto, improcedem as conclusões da A. recorrente.

 5ª questão

Se a A. não litigou de má fé

Alega a recorrente que não litigou de má e tinha o direito de considerar, face à sua ausência dos recibos de retribuição, o não pagamento da retribuição por IHT.

Decidiu-se na sentença recorrida:

Da má fé da autora,

Importa agora avaliar, em termos de lisura processual, a conduta da autora.

Esta formulou, indubitável e incontornavelmente, pretensão cuja falta de fundamento não podia ignorar, alterando a verdade dos factos, desde logo quanto ao não pagamento do complemento retributivo devido pela isenção de horário, como atrás se deixou explicitado.

Com efeito, ao contrário do alegado pela autora, tal complemento sempre lhe foi pago, apesar de não se encontrar individualizadamente discriminado no recibo de vencimento, integrando a rubrica denominada “Compl. Coordenador Lar Criança”, como decorre da matéria de facto provada sob os pontos 30. e seguintes.

Alegou a autora que, apesar de a mesma estar prevista no contrato de trabalho e no acordo de isenção de horário de trabalho, nunca recebeu a compensação por isenção de horário de trabalho de €150,00 mensais, prova que não logrou efetuar, muito longe disso, antes pelo contrário, a prova produzida foi cabal e abundante, para o esclarecimento da situação, que a autora não podia ignorar, por lhe dizer direta e pessoalmente respeito.

Esta atuação foi a estratégia utilizada pela autora para tentar, pela via judicial obter, vantagem patrimonial, a que, não podia ignorar, não ter direito.

Conduta processual, que não pode deixar de merecer censura, a nível de qualificação como de litigância de má fé, material, que abarca a situação de dedução de pretensão cuja falta de fundamento bem se conhece, com a alteração consciente da verdade dos factos, Rev. Tribunais, ano 94º, 161.

Estamos perante o exercício do direito de ação, abusivo, a apresentação de uma tese contrária à realidade, da autora bem conhecida, sendo certo que tal só pode ter  acontecido, com dolo e não com mera culpa, ainda que grave, que hoje justifica, também, a litigância de má fé, art. 542º do Código de Processo Civil.

Tudo isto a justificar a condenação em multa, a graduar em função da motivação, importância, contexto e gravidade da litigância malévola e também, em indemnização à parte contrária por oportunamente, pedida, que pode consistir, artigo 543º/1 a) e b) C P Civil, no reembolso das despesas a que a má fé do litigante, tenha obrigado a parte contrária, incluindo os honorários do mandatário e no reembolso dessas despesas e na satisfação dos restantes prejuízos sofridos pela parte contrária como consequência direta ou indireta da má fé.

Devendo o juiz optar pela indemnização que julgue mais adequada à conduta do litigante de má fé, fixando-a, sempre em quantia certa e se não tiver, desde logo, elementos para a fixar na sentença, serão ouvidas as partes e depois se fixará, em prudente arbítrio, o que parecer razoável, podendo reduzir-se aos justos limites as verbas de despesas e de honorários apresentados pela parte, sendo os honorários pagos diretamente ao mandatário, salvo se a parte mostrar que o seu patrono já está embolsado, artigo 543º/1, 2 e 3 C P Civil.

No caso, resulta manifesto do pedido genérico, global e não reportado à fonte, em relação ao montante da indemnização, que se terá de relegar para momento posterior, a fixação do quantum indemnizatório a que a ré terá direito, pela litigância de má fé da autora.”

Vejamos:

Diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave: tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; tiver praticado omissão grave do dever de cooperação ou tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão – n.º 2 do artigo 542.º do CPC. 

A A. veio peticionar a condenação da Ré no pagamento da quantia de € 60.431,77, a título de compensação por IHT.

Resulta da matéria de facto provada que:

30. Desde a admissão da autora ambas as prestações (complementar e acessória), apesar de serem calculadas de forma autónoma e individual, foram processadas em conjunto numa única verba consta dos recibos como “Compl. Coordenador Lar Criança”.

31. Tal ocorreu por decisão, dos serviços da Ré e assim foi processado e pago, desde primeiro momento, com o conhecimento e consentimento e acordo da Autora, que nunca suscitou qualquer questão ou realizou qualquer reclamação acerca do assunto, aceitando como normal tal prática e procedimento.

32. Tal verba constante dos recibos como “Compl. Coordenador Lar Criança” corresponde à soma das duas prestações complementar e acessória (coordenação e isenção de horário de trabalho) contratualmente estipuladas.

Assim sendo, dúvidas não existem de que a A. ora recorrente deduziu, com dolo, pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar, posto que, o montante peticionado a título de IHT foi processado e pago desde o primeiro momento, com o seu conhecimento, consentimento e acordo, nunca tendo suscitado qualquer questão ou realizado qualquer reclamação acerca do assunto, aceitando como normal tal prática e procedimento.

Ao contrário do alegado pela recorrente, o facto de o pagamento da IHT não se encontrar discriminado no recibo de vencimento não legitima o pedido que formulou, na medida em que, bem sabia, aceitou e nunca reclamou que tal quantia lhe fosse paga da forma supra descrita, ou seja, na rubrica “Compl. Coordenador Lar Criança” correspondente à soma das duas prestações complementar e acessória (coordenação e isenção de horário de trabalho) contratualmente estipuladas.

Pelo exposto, existe fundamento legal e impõe-se a condenação da A. recorrente como litigante de má fé, tal como consta da decisão recorrida.

Improcede, por isso, mais esta conclusão da recorrente

                                                             *

Assim, na improcedência das conclusões da recorrente, impõe-se a manutenção da sentença recorrida em conformidade.

IV – Sumário[6]

1. Não é admitida prova testemunhal sobre a celebração do acordo de IHT (artigos 393.º, n.º 1, do CC e 218.º do CT ), no entanto, esta proibição não engloba os factos respeitantes à forma de pagamento da retribuição específica prevista no artigo 265.º do CT.  

2. O princípio da irredutibilidade da retribuição apenas se aplica à retribuição considerada em sentido estrito, ou seja, não abrange todas as componentes da retribuição, excluindo-se as parcelas da retribuição habitualmente designadas de complementares ou acessórias, relacionadas com um maior esforço, risco ou penosidade do trabalho (subsídio de risco; subsídio de compensação por penosidade do trabalho), com situações de desempenho específicas (isenção de horário de trabalho), ou situações de maior trabalho (trabalho prestado para além do período normal de trabalho).

3. O princípio da irredutibilidade da retribuição reporta-se ao seu valor global, pelo que, não viola o mesmo o empregador que procede à diminuição do valor de um complemento remuneratório, desde que não se verifique uma diminuição do montante global das quantias recebidas a título de retribuição.

V – DECISÃO

Nestes termos, sem outras considerações, na improcedência do recurso acorda-se em manter a sentença recorrida.

Custas a cargo da A. recorrente.

                                                                                     Coimbra, 2019/12/06

                                                                                      (Paula Maria Roberto)

                                                                                                        (Ramalho Pinto)

                                                                                          (Felizardo Paiva)

                                                                                                                                                                                                                                                                 


***


[1] Relatora – Paula Maria Roberto
  Adjuntos – Ramalho Pinto
                        Felizardo Paiva

[2] Neste sentido, cfr. o Ac. do STJ, de 14/12/2004, disponível em www.dgsi.pt..
[3] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, pág. 118.
[4] No mesmo sentido, cfr. o Acórdão do STJ, de 09/01/2008, disponível em www.dgsi.pt..
[5] Acórdão do STJ, de 26/03/2008, disponível em www.dgsi.pt.
[6] O sumário é da responsabilidade exclusiva da relatora.