Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1801/11.0TBVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTINA PEDROSO
Descritores: INSOLVÊNCIA
FACTOS- ÍNDICE
ÓNUS DA PROVA
JUNÇÃO DE DOCUMENTO
REGISTO INFORMÁTICO
Data do Acordão: 03/05/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU 4º J C
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.20, 30 CIRE, 524, 693-B, 727, 806, 807 CPC
Sumário: 1.- A alegação e prova de factos cuja verificação objectiva se integre em qualquer uma, ou em várias, das situações previstas nas diversas alíneas do artigo 20.º, n.º 1, do CIRE, constitui ónus que impende sobre o credor que requeira a declaração de insolvência.

2.- Na verdade, os factos que integrem cada uma das previsões deste artigo 20.º, n.º 1, nas suas diversas alíneas são, por um lado, requisitos de legitimidade para a própria formulação do pedido por banda do credor e, por outro lado, a sua verificação é, em princípio, condição suficiente da declaração de insolvência.

3. - Alegados e provados tais factos, comummente designados por factos-índice ou presuntivos da insolvência, ao devedor incumbe demonstrar a sua solvência nos termos previstos no artigo 30.º, n.ºs 3 e 4, do CIRE.

4.- Não logrando o devedor efectuar tal prova, deve ser declarada a respectiva insolvência.

5. - A junção aos autos de documentos com as alegações de recurso deve ser rejeitada quer quando o documento já tenha sido elaborado em consequência da decisão de primeira instância, quer ainda quando a necessidade da sua junção já decorresse dos articulados e da base instrutória.

6. - O registo informático de execuções atenta a sua configuração legal definida nos artigos 806.º e 807.º do CPC, constitui prova bastante da existência dos processos executivos ali identificados e do respectivo estado.

7.- Junto tal documento pela Requerente da insolvência e constando do mesmo como estando pendentes as execuções que aquela havia indicado, é ao Requerido que incumbe demonstrar, quer por via da rectificação ou actualização dos dados inscritos no registo informático, quer pela junção aos autos de certidão comprovativa de tal facto, que a identificada execução se encontra extinta.

Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – RELATÓRIO

1. AA (…), Lda., pediu a declaração de insolvência de AS (…) Lda., com sede na (...), Viseu, com fundamento no preenchimento das situações previstas no artigo 20.º, n.º 1, alíneas a), b), e e), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas[1], aduzindo para o efeito que:

 A requerida celebrou com a requerente diversos contratos de compra e venda comercial que deram origem a outras tantas facturas onde se discriminam os materiais fornecidos, preços e prazos de pagamento, com o valor total de 9.279,43€, sendo que com os juros vencidos tal quantia ascende hoje a 12.913,78€;

 A requerida não pagou esse montante muito embora tenha sido interpelada para o fazer por diversas vezes;

A requerente instaurou execução para cobrança dessa quantia mas não conseguiu obter qualquer quantia já que a requerida não tem bens penhoráveis, furtando-se ao cumprimento das responsabilidades assumidas;

Contra a requerida existem pendentes diversas execuções para pagamento de quantia certa e diversas acções para reconhecimento de direitos de crédito;

Tal revela que a requerida está impossibilitada de cumprir pontualmente as suas obrigações;

A requerida não consegue superar a situação de insolvência em que se encontra;

A sua recuperação económica é inviável pois não tem meios próprios que lhe permitam cumprir as suas obrigações vencidas, nem tem possibilidades de recorrer ao crédito ou de obter financiamento;

A requerida recusa-se a tomar a decisão de se apresentar à insolvência.

2. Sendo do conhecimento funcional da Mm.ª Juiz que também havia sido foi requerida por J (…) a declaração de insolvência contra a aqui requerida AS (…) Lda, por requerimento que deu entrada em 7/03/2011, e que deu origem ao processo com o n.º 716/11.6TBVIS, do 3.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Viseu, ao abrigo do disposto no artigo 8.º, n.º 2, do CIRE, foi ordenada a suspensão da presente instância até que fosse proferida decisão nos autos supra referidos.

Em 10-02-2012, foi ali proferida a sentença cuja cópia faz fls. 75 a 96 dos autos que, considerando não terem sido demonstrados os factores índice previstos no referido artigo 20.º do CIRE, julgou improcedente a acção e decidiu não decretar a insolvência da requerida.

Desta sentença foi interposto recurso para este Tribunal da Relação que, por acórdão proferido em 08-05-2012, cuja cópia faz fls. 163 a 180 dos autos, a confirmou.

3. Citada a requerida, veio deduzir oposição, invocando que:

A requerente não tem legitimidade para a presente acção de insolvência na medida em que na execução que interpôs já assegurou a cobrança do seu crédito; em 1 de Março de 2012 recebeu €4.000,00 e em 23 do mesmo mês a requerente recebeu mais €386,50; o remanescente está assegurado por créditos da requerida que foram penhorados junto dos respectivos devedores.

A requerente não possui, portanto, legitimidade para requerer a insolvência da requerida já que não é desta credora para os efeitos do disposto no art. 20º do CIRE.

No âmbito de um processo de insolvência movido contra a também aqui requerida que correu termos no 3º Juízo Cível, a insolvência não foi decretada, sendo que tal decisão foi confirmada por acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra. Ora, nenhuma alteração se produziu em tão curto espaço de tempo. Com efeito, a requerida não se encontra em situação de insolvência. Tem activo mobilizável suficiente para solver os compromissos e possui muito e bom crédito junto de fornecedores. É uma das mais modernas e automatizadas empresas do ramo.

Do balanço relativo ao exercício de 2009 pode verificar-se que o activo líquido é superior ao passivo. Tem capitais próprios positivos. A contabilidade revela uma boa saúde financeira da requerida. Esta não está impedida de cumprir com regularidade as suas obrigações. A requerida continua a laborar e tem uma excelente carteira de clientes e fornecedores. Mantém ao seu serviço 29 trabalhadores.

Tem regularizadas as suas dívidas à Segurança Social e às Finanças. É locatária de um imóvel.

A requerida tem acordos de pagamento com os seus credores.

A requerente não demonstra a verificação dos factos índice em que sustenta o seu pedido de insolvência.

A requerida entende que não deverá ser declarada a sua insolvência por não se verificarem os pressupostos respectivos.

4. Foi proferido despacho saneador, tendo-se procedido à selecção da matéria de facto assente e da base instrutória nos termos constantes de fls. 320 a 329, sem que tivessem sido apresentadas reclamações.

5. Realizou-se a audiência de julgamento com observância do formalismo legal, tendo a matéria de facto merecido a resposta constante do despacho com a referência 7208190, datado de 13-11-2012 (existente apenas em suporte digital), o qual não mereceu qualquer reclamação, e em seguida foi proferida a sentença de fls. 381 a 395 onde se julgou procedente por provada a presente acção e se declarou a Requerida insolvente.

6. Inconformada com a sentença proferida a Requerida interpôs o presente recurso de apelação formulando as seguintes conclusões:     

(…)

7. A Requerente apresentou contra-alegações, as quais terminou concluindo que:

(…)

9. Dispensados os vistos, cumpre decidir.


*****

II. O objecto do recurso[2].

As questões submetidas a apreciação no presente recurso de apelação, são as seguintes, a decidir segundo a sua ordem lógica:

- saber se deve ser alterada a resposta dada à matéria dos artigos 2.º e 3.º da base instrutória;

- apreciar da invocada nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão;

- saber se estão verificadas as condições conducentes à declaração de insolvência da Apelante.


*****

III – Fundamentos

III.1. – De facto

São os seguintes os factos considerados assentes na primeira instância:

1. A requerente dedica-se à serralharia civil, tornearia, ferraria e afins. – Alínea A) dos factos assentes.

2. A Requerida tem como objecto a execução de britagens, produção e comercialização de tapetes betuminosos e asfaltagens, construção civil e obras públicas, extracção de areia e exploração florestal. – Alínea B) dos factos assentes.

3. Decorrente do exercício da actividade comercial de ambas, a Requerente prestou à Requerida que, por sua vez solicitou, com carácter de habitualidade, diversos serviços em bens que a Requerida utiliza no exercício da respectiva actividade. – Alínea C) dos factos assentes

4. Por força de tais transacções, entre o período de 10/04/2006 a 20/03/2007, a contendo da Requerida e, mediante a obrigação do pagamento do respectivo preço, foram prestados diversos serviços discriminados nas facturas: Factura n.º 20453 de 10/04/2006 no valor de € 1.306,66; Factura n.º 20528 de 28/04/2006 no valor de €235,96; Factura n.º 20574 de 09/05/2006 no valor de € 151,25; Factura n.º 20575 de 09/05/2006 no valor de € 54,45; Factura de 16/05/2006 no valor de € 417,45; Factura n.º 20653 de 31/05/2006 no valor de € 427,74; Factura n.º 20799 de 30/06/2006 no valor de € 338,32; Factura n.º 20826 de 11/07/2006 no valor de €107,69; Factura n.º 20864 de 19/07/2006 no valor de € 87,12; Factura n.º 20921 de 31/07/2006 no valor de € 479,16; Factura n.º 20960 de 14/08/2006 no valor de €355,74; Factura n.º 21035 de 31/03/2006 no valor de € 463,43; Factura n.º 21096 de 19/09/2006 no valor de € 312,79; Factura n.º 21161 de 30/06/2006 no valor de € 463,43; Factura n.º 21215 de 17/10/2006 no valor de € 360,58; Factura n.º 21235 de 23/10/2006 no valor de € 687,28; Factura n.º 21342 de 27/11/2006 no valor de € 57,48; Factura n.º 21344 de 27/11/2006 no valor de € 1.579,05; Factura nº 21408 de 19/12/2006 no valor de € 912,34, Factura n.º 20132 de 31/01/2007 no valor de €245,63; Factura n.º 4130 de 16/03/2007 no valor de € 94,74 e Factura n.º 20284 de 20/03/2007 no valor de € 139,15, sendo que tais serviços e sobre as facturas entregues não foi deduzida qualquer reclamação. – Alínea D) dos factos assentes.

5. O preço dos serviços prestados ascendeu ao montante global de € 9.279,43. – Alínea E) dos factos assentes.

6. A Requerente interpelou a Requerida por carta, instaurou procedimento de injunção contra a mesma e execução para pagamento de quantia certa. – Alínea H) dos factos assentes.

7. A Requerente instaurou execução para pagamento de quantia certa com vista ao recebimento do respectivo crédito, em 17 de Fevereiro de 2009. – Alínea G) dos factos assentes.

8. São sócios da Requerida: (…) com uma quota de €60.000,00 e (…) com duas quotas de €295.000,00 e €195.000,00. – Alínea H) dos factos assentes.

9. A gerência da Requerida e a administração da sócia maioritária (…) estão a cargo da mesma pessoa e a sede das duas sociedades é a mesma, sendo ainda, em parte, comum o respectivo objectivo social. – Alínea I) dos factos assentes.

10. A gerente da Requerida está a cargo de (…) – Alínea J) dos factos assentes

11. A Requerente recebeu € 4.000,00 (quatro mil euros) no âmbito da sobredita execução que moveu à requerida. – Alínea L) dos factos assentes.

12. Em 22/03/2012, foram pagos mais € 386,50 à requerente no âmbito daquela execução, montante este entregue directamente pelo Sr. (…) à ilustre mandatária da Requerente. – Alínea M) dos factos assentes.

13. Os presentes autos estiveram a aguardar o desenvolvimento e conclusão daqueles outros que, com o nº 716/11.6TBVIS, que correram termos pelo 3º Juízo Cível deste Tribunal e no âmbito dos quais fora igualmente peticionada a insolvência da aqui requerida. – Alínea N) dos factos assentes

14. Os autos 716/11.6TBVIS deram entrada em juízo em 07/03/2011, ou seja, 3 meses antes do presente processo. – Alínea O) dos factos assentes

15. Por douta sentença datada de 10/02/2012, foi decidido julgar totalmente improcedente aquela acção e, em consequência, não foi decretada a insolvência da aqui requerida. – Alínea P) dos factos assentes

16. Tal sentença foi confirmada por igualmente douto acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 08/05/2012. – Alínea Q) dos factos assentes

17. Resulta do balanço relativo ao exercício económico de 2009 - IES 2009, onde é apresentado como activo líquido, o montante de € 5.889.078,04 quando o passivo total se reduz ao montante de € 4.923.078,04. – Alínea R) dos factos assentes

18. Os capitais próprios são positivos e ascendem ao montante global de €966.022,37. – Alínea S) dos factos assentes

19. O activo circulante totaliza o montante de € 1.816.862,16, incluindo este activo circulante, rubricas tais como às dívidas de terceiros (clientes) ou existências e matérias-primas, caixa e bancos. – Alínea T) dos factos assentes

20. É do conhecimento do meio comercial que a Requerida, pese embora esteja a exercer a respectiva actividade não tem quaisquer bens móveis ou imóveis penhoráveis. – resposta ao ponto 1) da base instrutória

21. Furtando-se, consecutivamente, ao cumprimento das responsabilidades assumidas perante os demais credores. – resposta ao ponto 2) da base instrutória

22. Foram instauradas e estão pendentes, por credores da Requerida as seguintes execuções:

- Tribunal Judicial de Arouca, Processo 191/07.0TBARC, Espécie: execução-Comum (sol. execução), Pedido: injunção, Dívida Comercial - €14.500,00;

- Tribunal Judicial de Santa Comba Dão, 1ª secção, Processo 531/07.1TBSCD, Espécie: Execução Comum (Sol. Execução), Pedido: injunção, Divida e prestação de serviços €2.520,25;

- Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, Juizo de Execução, Processo 13978/07.4TBVNG, Espécie: Execução Comum (Sol. Execução), Pedido: Dívida comercial Sentença Condenatória Judicial, €1.233,23;

- Tribunal Judicial de Viseu - 3º Juízo Cível, Processo 1468/08.2TBVIS. Espécie: Execução Comum (Sol. Execução), Pedido: letra, divida comercial - €821,17;

- Tribunal Judicial de Santa Comba Dão - 2º Juízo, Processo 506/08.3TBSCD. Espécie: Execução Comum (Sol. Execução), Pedido: documento particular, Dívida comercial €342.312,11;

- Tribunal Judicial de Viseu - 1º Juízo Cível Processo 3140/08.4TBVIS, Espécie: Execução Comum (Sol. Execução), Pedido: Dívida civil - cheque €4.956,51;

- Tribunal Judicial de Viseu - 3º Juízo Civil, Processo: 3442/08.0TBVIS, Espécie: Execução Comum (Sol. Execução), Pedido: letra, livranças, cheques, documento particular €322.050,20;

- Tribunal Judicial de Oeiras - Juízo de Execução, Processo 359/09.4TBOER. Espécie: Execução Comum (Sol. Execução), Pedido: dívida comercial, sentença condenatória Judicial €61.364,77;

- Tribunal Judicial de Viseu - 4º Juízo Cível, Processo 62667/08.0YIPRT-A Espécie: execução Comum (Sol. Execução), Pedido: Sentença Condenatória Judicial - divida comercial €2.445,51;

- Tribunal Judicial de Marco de Canavezes - 2º Juízo, Processo 1510/09.0TBMCN; Especie: ExecuçãoComum (Sol. Execução), Pedido: Divida Comercial, injunção €7.302,00;

- Tribunal Judicial de Tábua - Secção Única, Processo 84/10.3TBRBU, Espécie: Execução-Comum (Sol. Execução), Pedido: Documento particular, dívida comercial €146.099,49;

- Tribunal Judicial de Viseu - 3º Juízo Cível, Processo 1559/10.0TBVIS, Espécie: Execução Comum (Sol. Execução), Pedido: Divida comercial, Injunção €679,38;

- Tribunal Judicial de Castro Daire - Secção Única, Processo 138/10.6TBCDR, Espécie: Execução comum (Sol. Execução), Pedido: Injunção, Divida comercial €3.265,15;

- Tribunal Judicial de Viseu - 3º Juizo Cível, Processo 2321/10.5TBVIS, Espécie: Execução comum (Sol. Execução), Pedido: letras, livrança, cheques, € 286.915,68;

- Tribunal Judicial de Penacova - Secção Única, Processo 448/12.2TBPCV, Espécie: Injunção, Dívida Comercial €3.061,78;

- Tribunal Judicial de Penacova - Secção Única, Processo 143/11.5TBPCV Espécie: Execução-Comum (Sol. Execução), Pedido: Divida-Comercial, Injunção €1.276,56;

- Tribunal Judicial de Setúbal - 2º Juízo Cível, Processo 3516/11.0TBSTB,

Espécie: Execução-Comum (Sol. Execução), Pedido: Injunção, Divida € 2.121,98. –

resposta ao ponto 3) da base instrutória;

23. Foram instauradas por credores da Requerida e estão pendentes contra esta acções cíveis. – resposta ao ponto 4) da base instrutória

24. Os montantes referidos em L) e M) haviam sido penhorados em 03/05/2010 no âmbito da Execução comum 580/09.5TBVIS. – resposta ao ponto 5) da base instrutória

25. Também no âmbito daquela execução, foram, em 31/01/2012 e 11/05/2012, efectuadas notificações visando a penhora dos seguintes créditos detidos pela requerida e por esta reclamados nos processos judiciais que se identificam:

- €175.420,41 - crédito detido pela "Liberty Seguros S.A." reclamado no âmbito do processo 1238/10.8TVLSB da 3ª Secção da 6ª Vara Cível de Lisboa

- €84.299,21 - crédito detido sobre "Edivisa - Empresa de Construções, S.A."reclamado no âmbito do processo n.º 3600/11.0TBVIS do 3º Juízo Cível deste Tribunal. – resposta ao ponto 6) da base instrutória

26. A requerente tomou conhecimento das diligências efectuadas visando as penhoras de créditos. – resposta ao ponto 7) da base instrutória

27. No âmbito daquela execução e sob impulso da Requerente em 04/06/2012, foi efectuada notificação visando a penhora do crédito de €5.229,00 detido pela Requerida sobre a "Tecnovia - Sociedade de Empreitadas, SA" e reclamado no âmbito do processo37798/12.5YIPRT do 3º Juízo Cível deste Tribunal.

– resposta ao ponto 8) da base instrutória

28. A Requerida atravessa um momento de abrandamento de recebimento de

pagamentos da sua actividade, mas tão somente por razões conjunturais e de mercado, a que é totalmente alheia. – resposta ao ponto 10) da base instrutória

29. A Requerida tem vindo a solver os seus compromissos. – resposta ao ponto 12) da base instrutória

30. Tem regularizadas as suas dívidas à Segurança social. – resposta ao ponto 18) da base instrutória

31. Regularização esta que se estende às finanças, tendo de igual modo a requerida, e não obstante e como a maioria das empresas nacionais ser devedora, a

sua situação tributária regularizada, estando a proceder ao pagamento da dívida. –

resposta ao ponto 19) da base instrutória

32. A requerida é igualmente locatária de um imóvel sito em Chão do Vento, freguesia de Sobral, concelho de Mortágua. – resposta ao ponto 20) da base instrutória

33. A requerente tem disso conhecimento. – resposta ao ponto 21) da base instrutória

34. A Requerida celebrou acordos de pagamento com alguns dos seus credores. – resposta ao ponto 22) da base instrutória

35. Na execução comum n.º 580/09.5TBVIS não foram penhorados quaisquer créditos à "Liberty Seguros, SA", "Edivisa SA", "Tecnovia SA". – resposta ao ponto 25) da base instrutória

36. A requerida bem sabe as referidas sociedades pronunciaram-se no âmbito do referido processo no sentido de inexistência dos créditos. – resposta ao ponto 26) da base instrutória


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III.2. – O mérito do recurso

III.2.1. A questão prévia da junção de documentos com as alegações

Invocando que o Mm.º Juiz a quo considerou como provadas a existência de acções que não poderia ter considerado, sem constarem dos autos certidões desses processos, para atestar da sua veracidade e estado em que se encontram, mas meras fotocópias sem valor probatório, não suficientes à prova dos factos alegados na decisão recorrida, e porque privilegia a verdade, sem colocar em crise a livre apreciação de tais documentos pelo Meritíssimo juiz, requereu a Apelante a junção aos autos ao abrigo do artigo 727.º do Código de Processo Civil[3], de certidões e outras fotocópias que foi possível a tempo obter, a atestar o estado em que se encontram alguns dos processos mencionados na decisão recorrida, entre outros, que e em contrário do que resulta da mesma, inequivocamente demonstram que a Apelante não suspendeu os pagamentos à generalidade dos credores e não se tem furtado ao cumprimento das responsabilidades assumidas perante os demais credores ao contrário do provado na resposta ao ponto 2) da base instrutória.

Trata-se dos documentos que numerou de 1 a 14 e que, em seu entender, servem para contraditar as demonstradas contradições na decisão sobre a matéria de facto, obstando, que per si, e salvo decisão adversa, à necessidade da ampliação da matéria de fato, constituindo meio de provas suficiente para a informar a decisão recorrida quanto ao exposto, sem prejuízo da invocação primeira da não aceitação da força probatória de tais documentos para sustentar o incumprimento generalizado de obrigações da Recorrente.

Também a Recorrida com as respectivas contra-alegações, ao abrigo do mesmo preceito legal, requereu a junção do relatório apresentado pela Exm.ª Senhora Administradora de Insolvência.

Vejamos, pois, se tais documentos devem ou não ser admitidos.

É consabido que os documentos são meios de prova cuja exclusiva função é a de demonstrar os factos (artigo 341.º do Código Civil), daí que a sua junção, em regra, deva ser efectuada na fase instrutória da causa, como decorre do disposto no artigo 523.º do CPC.

Vistos os documentos cuja junção foi requerida pela Apelante, tratam-se de cópias de certidões ou despachos proferidos no âmbito de vários processos ali identificados; enquanto o documento cuja junção foi requerida pela Apelada é um relatório elaborado posteriormente à sentença que decretou a insolvência.

 O artigo 727.º do CPC, que ambas invocam para proceder à junção em apreço, não é aplicável ao caso sub judice porquanto, conforme decorre da respectiva inserção sistemática, respeita à junção de documentos supervenientes no âmbito do recurso de revista.

Porém, tal junção também é passível de ser efectuada no âmbito do recurso de apelação em que nos movemos, quando se verifique alguma das situações prevenidas no artigo 693.º-B do CPC, do qual resulta que “as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 524.º, no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância e nos casos previstos nas alíneas a) a g) e i) do n.º 2 do artigo 691.º”.

Este preceito foi aditado pelo DL n.º 303/07, de 24 de Agosto, vigorando para os processos instaurados a partir de 01-01-2008, pelo que, é aplicável aos presentes autos (artigos 11.º e 12.º, n.º 1, do citado DL).

Considerando que a situação em apreço não se insere na previsão final do preceito, a junção dos documentos apenas será admissível no caso de se verificar uma das situações excepcionais previstas no artigo 524.º do CPC, ou de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido em primeira instância.

Nestes termos, a situação em apreço é semelhante àquela a que anteriormente se referia o artigo 706.º, cujo n.º 1, 2.ª parte, continha disposição em tudo idêntica à actual, que apenas permitia às partes juntarem documento com as alegações “no caso de a junção apenas se tornar necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância”, no âmbito da qual era entendimento pacífico que os documentos oferecidos pela parte na fase de recurso só seriam atendíveis se fossem destinados à prova de factos fundamentais da acção, e a sua junção tempestiva não tivesse sido possível; se fossem destinados à prova de factos que se tivesse tornado necessário demonstrar em consequência de ocorrência ou evento posterior aos articulados; ou ainda se pela fundamentação da sentença ou pelo objecto da condenação, só então se tivesse tornado necessário demonstrar factos com cuja relevância processual a parte não podia razoavelmente contar antes de a decisão ser proferida, mormente quando a decisão assentasse em meio probatório não oferecido pelas partes, ou em fundamento jurídico com cuja aplicação ou interpretação estes não podiam ter contado[4].

Na verdade, este entendimento do preceito tem por fundamento a consabida constatação de que os recursos visam reapreciar, com vista a confirmar, modificar, revogar ou anular, as decisões recorridas e não a criar decisões sobre matéria nova, razão pela qual, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, o tribunal de recurso se debruça apenas sobre as questões que já foram submetidas à apreciação do Tribunal recorrido.

Por isso mesmo, o recurso não é o meio próprio para juntar documentos aos autos, já que a sede própria para a instrução da causa é o tribunal de primeira instância, donde resulta a natureza excepcional da admissão de documentos nesta sede, uma vez que a referida reapreciação das decisões deve ser efectuada em função dos meios de prova constantes dos autos no momento em que as mesmas foram proferidas, e não avaliar da sua bondade ou desconformidade em função de outros documentos novos que poderiam ter sido tomados em conta, mas não o foram no momento próprio por não terem sido presentes para apreciação do julgador da primeira instância, isto apesar de a parte saber, ou pelo menos dever saber, que os mesmos se destinavam a provar factos que estavam sujeitos a prova.

 Este entendimento não sofreu alteração relevante no âmbito da actual redacção do artigo e, como tal, mantém-se actual para as situações que não foram objecto de inovação[5].

Assim, ao abrigo do disposto no artigo 693.º-B, do CPC, apenas é admissível a junção de documentos no âmbito das alegações de recurso de apelação nestes tipos de situações:

- quando não tenha sido possível a sua apresentação até ao encerramento da discussão em primeira instância;

- quando a apresentação se tenha tornado necessária apenas por virtude do julgamento proferido pela primeira instância;

- finalmente, quando se impugnem decisões previstas nas alíneas a) a g) e i) a n) do n.º 2 do artigo 691.º CPC, situação que não importa ao caso em apreço porquanto a decisão sob recurso se subsume ao n.º 1 do preceito em referência.

Assim, vamos cingir-nos a avaliar se a situação sub judice se enquadra em alguma das outras referidas situações.

Quanto à primeira das invocadas possibilidades - documentos cuja junção não tenha sido possível até ao encerramento da discussão em primeira instância, ou seja, no caso dos autos e tendo havido audiência de julgamento, até ao momento das alegações orais sobre a matéria de facto[6] - o preceito abrange quer a superveniência objectiva do documento, quer a superveniência subjectiva decorrente, por exemplo, do desconhecimento da existência do documento, ou mesmo da junção de documentos que tenham sido formados posteriormente àquele momento temporal[7].

No entanto, os documentos supervenientes a que o preceito se refere, não podem ser todos e quaisquer documentos que se reportem a factos já constantes da instrução da causa.

Na verdade, considerando que os recursos se destinam ao controle da decisão impugnada, hão-de admitir-se apenas os que tenham relevância processual quanto a factos supervenientes estranhos ao objecto da lide ou que se destinem a pôr-lhe termo, como sejam, o documento comprovativo do óbito da parte; a confissão, desistência ou transacção realizada através de documento autêntico ou particular[8]; ou aqueles que, tendo havido impugnação da matéria de facto, se enquadrem na previsão da alínea c), do n.º 1, do artigo 712.º, isto é, aqueles documentos que, sendo novos e supervenientes, só por si, tenham força probatória suficiente para destruir a prova em que a decisão da primeira instância assentou[9].

Já quanto aos documentos cuja apresentação se tenha tornado necessária apenas por virtude do julgamento proferido pela primeira instância, interpretando o preceito de harmonia com o seu carácter excepcional, não bastará para possibilitar a junção com este fundamento que a decisão seja desfavorável ao recorrente para que ele junte agora documentos cuja junção poderia ter efectuado com os articulados[10].

Ao invés, é necessário que estejamos perante uma decisão de primeira instância absolutamente surpreendente, com a qual não era razoável a parte contar face aos elementos probatórios constantes do processo, e que tal imprevisão da decisão proferida assente em razões de prova e não em razões jurídicas[11]. Na verdade, se a decisão configurar uma decisão-surpresa o meio próprio para a atacar é a invocação do cometimento da nulidade decorrente de, nesse caso, não ter sido dado cumprimento ao disposto no artigo 3.º, n.º 3, do CPC, quanto ao princípio do contraditório antes da decisão e não a junção de qualquer documento.

Traçado o enquadramento geral da questão em apreço e revertendo agora ao caso concreto, verifica-se, desde logo, que não é admissível a junção do relatório da Exm.ª Senhora Administradora da Insolvência, que foi requerida pela Apelada.

Na verdade, a elaboração do documento é consequência do decretamento da insolvência e, como tal, não se enquadra em nenhuma das referidas excepções porquanto não pode ser usado para comprovar a bondade da decisão proferida um documento que não podia, obviamente, ser tido em conta na decisão recorrida.

Desta sorte, indefere-se a requerida junção, determinando-se o respectivo desentranhamento e entrega à apresentante.

Quanto à Apelante, apresentou como justificação para a junção dos 14 documentos com as alegações, o facto de o tribunal ter dado como assente a pendência de processos contra a Requerida, com base em meras fotocópias sem valor probatório, pretendendo colocar em crise tal prova, precisamente com a junção de certidões e também fotocópias que em seu entender demonstram que, ao contrário do que resulta da decisão recorrida, a apelante não suspendeu os pagamentos à generalidade dos credores e não se tem furtado ao cumprimento das responsabilidades assumidas.

Apreciemos, então, os documentos juntos.

Compulsados os autos, verifica-se que os documentos respeitantes aos processos ali identificados e que fazem fls. 436 e 438, 454, 456 e 457, e 458, já haviam sido juntos pela ora Recorrente, respectivamente, a fls. 373 e verso, 291, 287 a 290 e novamente na 374, e 294. Consequentemente, o requerimento para a sua junção repetida não só é legalmente inadmissível como impertinente. Como tal, indefere-se a respectiva junção, determinado o respectivo desentranhamento e entrega à apresentante.

Depois, os documentos relativos aos processos ali identificados juntos a fls. 439 a 445, 446 a 449, 450, 451, 453 e 455, são todos eles cópias de despachos cuja notificação à ora Requerente já há muito havia ocorrido aquando da audiência de julgamento realizada em primeira instância, no passado dia 2 de Novembro de 2012.

Por isso mesmo, tal era o último momento processual de que a parte respectiva dispunha para requerer a sua junção. Não o tendo feito, sibi imputet. Não pode agora pretender fazê-lo porquanto também evidentemente não se enquadram em nenhuma das excepções supra elencadas em que tal junção seria possível, sendo manifestamente de rejeitar a junção de documento somente apresentado com as alegações de recurso quando a sua necessidade probatória já resultava dos articulados e da formulação da própria base instrutória[12].

Finalmente, os documentos relativos aos processos ali identificados juntos a fls. 437 e 452, referem-se ambos a extinção de processos executivos, sem que seja mencionada a respectiva data. Serão, só por tal omissão da data admissíveis?

Quanto ao documento de fls. 452, manifestamente não o será. Respeita a processo que não consta nas execuções dadas como pendentes e identificados no ponto 22. da matéria de facto, sendo, consequentemente irrelevante a sua junção porque, por si só, não determina a alteração do ponto 21. da matéria de facto correspondente à resposta ao artigo 2.º da Base instrutória.

Já quanto ao documento que faz fls. 437, refere-se à extinção de uma execução que foi julgada pendente na sentença recorrida. Porém, do mesmo não resulta a data em que tal extinção ocorreu. Portanto, não é possível saber se à data em que a sentença foi proferida, tal execução já estava extinta ou ainda não, sendo certo que, na afirmativa, então a Requerente devia ter procedido à sua junção até ao sobredito momento, e, em caso negativo, sendo tal extinção posterior à sentença proferida não podia ali ter sido considerada.

Diga-se ainda que os documentos supra referidos a fls. 436 e 438, (processo 3140/08.4TBVIS); 447 a 449 (processo 1559/10.0TBVIS), e fls. 437 (processo 138/10.6TBCDR), dos quais decorre a extinção dos autos em data anterior à da sentença recorrida; e bem assim o junto de fls. 439 a 445, que atesta o pagamento parcial da quantia exequenda em Outubro de 2010, subsistindo agora a execução por 244.197,99€, não podem ter o alcance pretendido pela Recorrente, atenta a sua anterioridade relativamente ao encerramento da audiência de julgamento, sendo manifesto que tais documentos poderiam ter sido juntos ou logo com a contestação ou, pelo menos, até ao encerramento da audiência de julgamento. Aliás, é exigível que quem se apresenta à insolvência actue com a diligência devida e apresente os valores correctos do activo e do passivo. E se a entrega é posterior a essa data esse facto apenas à Apelante é imputável.

De facto, é patente no caso em apreço que ao tempo da oposição deduzida estes factos já eram do conhecimento da Requerida e ora Recorrente, bem como a necessidade de apresentação dos documentos que tal pudessem provar, o que a mesma podia e devia ter feito nessa ocasião, ou o mais tardar até ao encerramento da discussão em 1.ª instância (art.º 523.º, n.º 2, do CPC), sendo consequentemente impertinente que, só quando confrontada com a decisão, venha agora suprir essa sua omissão.

Do exposto resulta claramente que também tais documentos não se enquadram em nenhuma das previsões do artigo 693.º B do CPC, salientando-se ainda que o Apelante nenhuma justificação apresentou para a junção dos documentos com as alegações, para além de pretender contraditar o que foi julgado provado. E isso, como vimos, devia tê-lo feito até ao momento legalmente admissível, e não fez.

Portanto, também quanto a estes documentos, não sendo admissível a sua junção, há que proceder ao seu desentranhamento e proceder à sua entrega à apresentante.

Consequentemente, indefere-se in totum, a junção de documentos requerida por Apelante e Apelada.


*****

III.2.2. – Alteração da matéria de facto

A Apelante pretende trazer à reapreciação deste Tribunal, nos termos conjugados do disposto nos artigos 682.º, n.ºs 1, 2 e 5, 685.º, n.ºs 1 e 7, 685º-A e 685º-B, todos do Código de Processo Civil[13], a resposta à matéria de facto constante do artigo 2.º, da base instrutória que, em seu entender, devia ter sido considerado “não provado”.

Perguntava-se nesse artigo 2.º «Furtando-se, consecutivamente, ao cumprimento das responsabilidades assumidas perante os demais credores?», o qual mereceu a resposta «Provado».

O Mm.º Juiz a quo fundamentou a respectiva convicção nos seguintes termos:

«A convicção do tribunal assentou na análise conjugada dos diferentes meios de prova. Assim, foram escrutinados os seguintes documentos» fazendo uma indicação detalhada de cada um deles e referindo-se ao respectivo conteúdo. Prosseguiu depois, afirmando «Da análise dos documentos constata-se que a última informação contabilística é a referente ao exercício de 2009, sendo que posteriormente nenhuma informação existe. Não há também qualquer informação sobre o motivo pelo qual inexistem esses dados. Ora, dos documentos atrás elencados não resulta demonstrado que a requerida tenha uma situação de solvabilidade, ou que tenha crédito junto da banca ou de fornecedores, ou que tenha negócios em curso, ou até que se encontre a laborar.

Por outro lado, esses factos também não resultaram provados após a análise do depoimento das testemunhas inquiridas. Com efeito, a testemunha (…) é técnica de contas da requerente. Referiu-se ao crédito da requerente e às diligências efectuadas no âmbito da execução instaurada para o cobrar. Referiu-se ao que apurou sobre as dívidas da requerida e as dificuldades que tem para pagar as dívidas. Referiu-se à falta de bens penhoráveis; (…), a qual foi gerente da requerida até Dezembro de 2010. É avalistas de empréstimos contraídos pela requerida. Referiu-se ao activo da requerente, e ao facto da requerida ir pagando algumas das suas dívidas. Disse, de forma dubitativa, que a requerida continua a laborar mas, estranhamente, disse não saber se tem pessoal ao seu serviço; (…), a qual foi funcionária administrativa da requerida até há cerca de 4 meses atrás. Referiu-se ao valor do activo, designadamente, ao imóvel onde se encontra o estaleiro e à central de asfaltagem. Referiu-se ainda à forma como vão pagando aos fornecedores.

As testemunhas depuseram de forma comprometida com a posição das partes envolvidas. O seu depoimento foi acolhido na medida em que se apresentou coerente com os demais meios de prova».

    Assim, da análise da fundamentação produzida pelo Mm.º Juiz a quo resulta desde logo evidente que o mesmo fundou a respectiva convicção relativamente à matéria de facto, não apenas no teor dos documentos juntos aos autos, cuja apreciação efectuou, mas também no depoimento prestado em audiência de julgamento pelas testemunhas, o qual foi acolhido na medida em que se apresentou coerente com os demais meios de prova.

A Recorrente pretende a reapreciação por este Tribunal da matéria de facto provada, apenas com base nos documentos juntos autos.

Ora, nos termos do disposto no artigo 712.º, n.º 1, do Código de Processo Civil[14], a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação:

a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos de matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 685.º- B, a decisão com base neles proferida;

b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas;

c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.

Por seu turno, o artigo 685.º- B do CPC, impõe ao Recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto o ónus de cumprir o estabelecido no seu n.º 1, por via do qual aquele, obrigatoriamente e sob pena de rejeição da impugnação da matéria de facto, deve especificar:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.

A propósito do ónus imposto pela referida alínea a), já tem sido entendido pelos tribunais superiores que o ónus que sobre o recorrente impende tem que estar cumprido também nas conclusões do recurso.

De facto, de acordo com o preceituado no artigo 685.º-A, n.º 1, do CPC, “o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão”.

A nossa jurisprudência[15], estribada nos ensinamentos doutrinários[16], tem vindo a entender quanto a este preceito legal, que as conclusões da alegação do recurso devem ser um resumo, uma síntese, explícita e clara, das razões que o recorrente expôs na fundamentação das alegações, havendo que delas se depreender claramente quais as questões postas ao Tribunal ad quem, quais os supostos erros cometidos na decisão recorrida e quais os fundamentos por que se pretende obter a sua alteração ou revogação.

Na verdade, sendo pelas conclusões que se limita o objecto do recurso, à luz dos princípios que enformam os preceitos legais aplicáveis, mormente, o princípio da cooperação, o ónus de formular conclusões sintéticas e claras quanto à pretensão do Recorrente visa facilitar a realização do contraditório, e evidentemente balizar o objecto do recurso, a fim de permitir ao Tribunal decidir sobre todas as questões que lhe sejam colocadas.

De facto, o texto da lei é claro, impondo ao recorrente o ónus de, no final das suas alegações, expor de forma sintética os fundamentos pelos quais pede a alteração ou anulação da decisão.

No caso sub judice, apreciadas as conclusões de recurso apresentadas pela Apelante, verifica-se que das mesmas apenas consta que no entender da Recorrente a impugnação da matéria de facto é possível apesar de terem sido gravados os depoimentos das testemunhas porquanto dos autos consta prova documental que infirma o facto dado como provado.

Acontece, porém, que em face da fundamentação expendida na resposta à matéria de facto, cumpre desde já salientar que no caso em apreço, estando a convicção do tribunal de primeira instância quanto aos factos dados como assentes que inclui o ora impugnado pela Recorrente, estribada também em prova testemunhal produzida em audiência de julgamento, a qual foi tomada a toda a matéria de facto, conforme da respectiva acta consta, é evidente que não se mostra preenchido o requisito a que alude o artigo 712.º, n.º 1, a), 1.ª parte, do CPC, uma vez que a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto apenas pode ser alterada pela Relação, quando do processo constam todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os concretos pontos da matéria de facto postos em causa pela Recorrente, situação que no caso em apreço não se verifica porquanto, tendo sido registada a prova produzida mas não tendo sido pedida a respectiva reapreciação, não é desde logo possível a este tribunal sindicar todos os elementos de prova em função dos quais o Mm.º Juiz a quo chegou à referida decisão de facto.

Por isso, tendo existido gravação da prova testemunhal que não pode ser sindicada, nos termos prevenidos na segunda parte do referido preceito, a reapreciação da prova só poderia ter lugar se a decisão de facto, na parte impugnada, tivesse sido “exclusivamente sustentada na apreciação, isolada ou conjunta de documentos, declarações confessórias, depoimentos escritos ou relatórios periciais, sem exclusão sequer do uso simples ou conjugado de regras da experiência congregadas em presunções judiciais”[17].

De facto, as circunstâncias em que se inscreve a actuação da Relação com este fundamento, devem ser idênticas às que existiam aquando da prolação da decisão relativa à matéria de facto pela primeira instância, porquanto também a segunda instância tem que proceder a uma valoração autónoma de todos os meios de prova produzidos quanto à matéria impugnada, sujeitando-os ao princípio da livre apreciação da prova.

Efectivamente, os poderes conferidos por lei à Relação quanto ao princípio fundamental da livre apreciação das provas fixado no artigo 655.º, n.º 1, do CPC, têm amplitude idêntica à conferida ao tribunal de 1.ª instância, devendo a 2.ª instância expressar a respectiva convicção acerca da matéria de facto impugnada no recurso, e não apenas conferir a lógica e razoabilidade da convicção firmada pelo tribunal a quo[18].

Daí que, tendo sido gravada a prova testemunhal produzida quanto a toda a matéria de facto, e na qual o tribunal de primeira instância também estribou a sua convicção, seja, em princípio, insindicável por esta Relação a resposta dada à mesma porquanto não constam no processo todos os elementos de prova de que o tribunal recorrido fez uso para o efeito[19].

Tal só assim não será se, os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas. A situação configurada pela alínea b) do n.º 1 do artigo 712.º, do CPC ocorrerá quando o tribunal recorrido tenha desrespeitado a força probatória plena de certo documento ou de certo meio de prova.

Assim acontece quando, por exemplo, tiver sido junto ao processo um documento com valor probatório pleno relativamente a determinado facto nos termos previstos nos artigos 371.º, n.º 1, e 376.º, n.º 1, do Código Civil[20], mas apesar disso, o julgador o tenha considerado como não provado; ou quando não tenha sido considerada uma declaração confessória constante de documento ou resultante do processo, em violação do preceituado nos artigos 358.º do CC, e 484.º, n.º 1, e 563.º, ambos do CPC; ou ainda quando não tenha sido atendido o acordo estabelecido entre as partes nos articulados quanto a determinado facto com o valor consagrado no artigo 490.º, n.º 2, do CPC, respondendo-se ao contrário de tal prova plena e atribuindo-se prevalência à livre convicção formada a partir de outros elementos probatórios, v.g., a prova testemunhal ou um documento particular em sentido diverso, que, nesse caso, não podiam ter sido atendidos.

Aliás, nas situações sobreditas, a alteração da matéria de facto assim respondida, nem sequer depende da iniciativa da parte, devendo oficiosamente ser levada a cabo pela Relação, face ao disposto no artigo 713.º, n.º 2, do CPC que manda atender na segunda instância ao preceituado, nomeadamente, no artigo 659.º, n.º 3, do CPC, pelo que, à semelhança da sentença, também o acórdão tomará sempre em consideração os factos admitidos por acordo e os provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito[21], devendo ainda, por força da remissão para o artigo 646.º, n.º 4, do CPC, declarar não escritas as respostas do tribunal dadas sobre factos que só possam provar-se por documentos e que tenham sido considerados provados, por exemplo, por acordo ou por confissão das partes.

Desta sorte, no caso em apreço, este tribunal apenas poderá alterar as respostas dadas pelo Mm.º Juiz a quo à matéria de facto impugnada, se verificar que as mesmas violam os ora referidos preceitos legais.

Vejamos, então, se tal acontece no tocante ao identificado artigo 2.º da base instrutória, e ainda quanto ao artigo 3.º da base instrutória porquanto este, por definição, reportando-se à pendência de processos, apenas por documento pode ser provado.

Para tal, é necessário ter presente que “a prova (...) só pode ter por objecto factos positivos, materiais e concretos; tudo o que sejam juízos de valor, induções, conclusões, raciocínios, valorações de factos é actividade estranha e superior à simples actividade instrutória"[22].

                        Na verdade, como resulta do disposto no artigo 511.º do CPC, o juiz, ao fixar a matéria de facto relevante para a decisão da causa, deve fazê-lo segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito que deva considerar-se controvertida.

                        Este normativo traz à colação a distinção entre matéria de facto e matéria de direito, que constitui um dos alicerces do nosso processo civil, e tem consagração noutras disposições legais, nomeadamente nos artigos 653.º e 659.º, n.º 2, do CPC, matéria sobre a qual muito se tem escrito, quer na doutrina quer na jurisprudência.

                        De facto, apesar da aparente simplicidade da divisão, acontece que, na prática, nem sempre a distinção nos aparece tão evidente como as normas em questão parecem fazer crer.

                        Assim, "o questionário deve conter só matéria de facto. Deve estar rigorosamente expurgado de tudo quanto seja questão de direito; de tudo quanto envolva noções jurídicas (…). Os factos materiais que possam interessar a estas noções é que devem ser quesitados. O órgão competente para conhecer de direito ajuizará depois se eles (os que estiverem provados segundo a decisão proferida sobre a matéria de facto) correspondem ou não aos elementos integradores dessas noções. Por vezes o mesmo termo é usado na linguagem jurídica e na linguagem comum. Na formulação do questionário deve arredar-se o emprego desses termos. Quando todavia lá figure algum deles, deve entender-se que foi tomado no seu sentido vulgar, pelo menos quando este seja (como tal) bem claro e preciso[23].

            Na verdade, "são ainda de equiparar aos factos, os juízos que contenham subsunção a um conceito jurídico geralmente conhecido; por outras palavras, os que, contendo a enunciação do facto pelos próprios caracteres gerais da lei, sejam de uso corrente na linguagem comum, como "pagar", "emprestar", "vender", "arrendar", "dar em penhor", etc.

          Poderão então figurar, nesses próprios termos, devendo tomar-se no sentido corrente ou comum, ou no próprio sentido em que a lei os tome, quando coincidente, desde que as partes não disputem sobre eles, podendo ainda figurar sempre na especificação e ainda no questionário quando não constituam o próprio objecto do quesito”[24].   

            Por aqui já podemos antever as dificuldades que muitas vezes se apresentam às partes para alegar os factos concretos dos quais emerge o direito que pretendem fazer valer, as quais necessariamente se irão reflectir também no labor judicial nos momentos em que tal distinção se apresenta mais necessária, tanto mais quando “os factos, no domínio processual, abrangem as ocorrências concretas da vida real e o estado, a qualidade ou situação real das pessoas, neles se compreendendo não só os acontecimentos do mundo exterior directamente captáveis pelas percepções (pelos sentidos) do homem, mas também os eventos do foro interno, da vida psíquica, sensorial ou emocional do indivíduo (por exemplo, o dolo, a determinação da vontade real do declarante, o conhecimento de dadas circunstâncias, uma certa intenção”[25].

            Uma dessas dificuldades, prende-se, como vimos, com a coincidência entre os termos empregues pelo legislador, a "linguagem jurídica", e os usados na linguagem vulgar, como acontece com os já referidos, podendo gerar-se, consequentemente, alguma confusão terminológica com a redacção dos factos.

            Mas, pode ainda surgir outra dificuldade, que consiste em saber até que ponto se devem decompor os conceitos factuais, de modo a não se discutirem conclusões, questão que se prende com a evidência de que qualquer conceito jurídico, por mais acessível que seja, como os já referidos supra, tem sempre que ter uma referência factual subjacente.

           Assim, “perante um conflito que vai desaguar em litígio judicial, há que levar a cabo uma operação de circunscrição tão nítida quanto possível, em ordem a que a discussão se situe apenas na zona circunscrita. (…) Levada a cabo a circunscrição, logo vemos que tem de se ser muito menos exigente, quanto à "pureza" da redacção factual na parte que está de fora e que serve apenas para situar o conflito do que relativamente aos factos próprios deste.

          Se assim não se pensar, à delicadeza que sempre encerra a resolução dum conflito acrescentamos complicação particularmente acrescida e afastamo-nos, negligentemente, dos objectivos de justa composição do litígio que as partes pretendem. Violando o princípio da celeridade que o artigo 266.º, n.º1 do Código de Processo Civil contempla. Mas mesmo entre muros da factualidade que caracteriza o conflito, onde a pormenorização e o afastar dos conceitos jurídicos deve ser mais premente, há que atender a que o arredar das conclusões (…) deve ser entendido em termos de razoabilidade. De outro modo, (…) atribuía-se aos articulados uma premência de gongorismo, com perdas imensas de eficiência e celeridade processuais sempre a determinarem o afastamento da prossecução dos fins do processo e do almejado pelas partes”[26].

            Ora, “factos singulares são aqueles que, existindo e sendo reconhecidos por si próprios, encerram em si uma determinada ocorrência ou constatação histórica; factos conclusivos são os que constituem uma consequência lógica dos primeiros e que, por isso, não perdem a natureza fáctica e devem merecer o mesmo tratamento[27].

            Questão diversa é ainda a de saber se os factos quesitados ou dados como provados encerram questões de direito, ou seja, se contêm em si a resposta ao “thema decidendum”, caso em que devem ter-se por não escritas as respostas dadas[28].

            Tem-se entendido que os factos conclusivos devem ter-se por não escritos, em face do preceituado no artigo 646.º, do Código de Processo Civil, «[n]ão porque tal preceito, expressamente, contemple a situação de sancionar como não escrito um facto conclusivo, mas, como tem sido sustentado pela jurisprudência, porque, analogicamente, aquela disposição é de aplicar a situações em que em causa esteja um facto conclusivo, as quais, em rectas contas, se reconduzem à formulação de um juízo de valor que se deve extrair de factos concretos objecto de alegação e prova, e desde que a matéria se integre no thema decidendum»[29].

            Porém, concordamos com uma visão diferente que tem sido também sustentada, e que considera, “no mínimo duvidoso que a regra nele contida possa ser aplicada por analogia a esta situação, por não ser inteiramente líquido que procedam no caso omisso (factos conclusivos) as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei (questão de direito).

          Por outro lado, torna-se patente que o julgamento da matéria de facto implica quase sempre que o julgador formule juízos conclusivos, obrigando-o a sintetizar ou a separar os materiais que lhe são apresentados através das provas. Insiste-se: o que a lei veda ao julgador da matéria de facto é a formulação de juízos sobre questões de direito, sancionando a infracção desta proibição com o considerar tal tipo de juízos como não escritos. Conforme já pusemos em relevo noutra ocasião (Ac. de 7.4.05, proferido na Revª 186/05, subscrito pelos mesmos juízes deste), não pode perder-se de vista que é praticamente impossível formular questões rigorosamente simples, que não tragam em si implicados, o mais das vezes, juízos conclusivos sobre outros elementos de facto; e assim, desde que se trate de realidades apreensíveis e compreensíveis pelos sentidos e pelo intelecto dos homens, não deve aceitar-se que uma pretensa ortodoxia na organização da base instrutória impeça a sua quesitação, sob pena de a resolução judicial dos litígios ir perdendo progressivamente o contacto com a realidade da vida e assentar cada vez mais em abstracções (e subtilezas jurídicas) distantes dos interesses legítimos que o direito e os tribunais têm o dever de proteger. E quem diz quesitação diz também, logicamente, estabelecimento da resposta, isto é, incorporação do correspondente facto no processo através da exteriorização da convicção do julgador, formada sobre a livre apreciação das provas produzidas”[30].

            Enquadrados pelo balizamento da questão que foi efectuado, consideramos que os factos conclusivos são ainda matéria de facto quando constituem uma consequência lógica retirada de factos simples e apreensíveis, apenas devendo considerar-se não escritos se integrarem matéria de direito que constitua o thema decidendum.

            Apreciando a matéria constante do artigo 2.º da base instrutória à luz destas considerações, afigura-se-nos evidente que o mesmo não encerra qualquer facto mas meras conclusões.

            Na verdade, saber se a Requerida se furta, consecutivamente, ao cumprimento das responsabilidades assumidas perante os demais credores, só pode concluir-se de factos que claramente o espelhem, porque em si mesmo este artigo não contém factos com relevo na economia dos autos.

            Trata-se de conclusão, a extrair pelo julgador de factos que, em si mesmos, espelhem tal realidade e que, in casu, serão os constantes – não apenas, mas essencialmente -, do artigo 3.º da base instrutória, onde se pergunta se foram instauradas, por credores da Requerida, e estão pendentes as execuções que ali se enumeram, cuja prova permitirá, ela sim, concluir, se a empresa não está a cumprir as obrigações que assumiu perante os seus credores, o mesmo se dizendo, por exemplo, da demonstração de que, tendo efectuado acordos de pagamento com credores, os não está a cumprir.

Conclui-se, assim, que a matéria constante do artigo 2.º da base instrutória deve ser declarada como não escrita.  

Debrucemo-nos agora, e oficiosamente, em face dos já indicados preceitos legais, sobre a matéria constante do artigo 3.º da base instrutória que sob a pergunta acabada de referir, elenca uma listagem de execuções que, segundo a alegação da Requerente, foram instauradas pelos credores e se encontram pendentes contra a Requerida porquanto apenas releva para a respectiva resposta a produção de prova documental.

Invocou a ora Recorrente, que a existência dos processos foi dada como provada sem que dos autos constassem as certidões dos respectivos processos.

Efectivamente, para prova da pendência dos processos que indicou, a Requerente, em 01-10-2012 (conforme da acta respectiva consta), requereu “a junção aos autos de lista de execução, acções e pedidos de insolvência uma vez que a mesma foi referida pela testemunha ora inquirida esclarecendo-se que tal lista é fornecida pela referida base de dados a que a Requerente tem acesso”.

Compulsado tal documento verifica-se que do mesmo constam efectivamente referidos como pendentes todos os processos executivos indicados pela Requerente.

Será tal documento meio de prova bastante para dar como provada tal pendência, ou será necessário a junção de certidão de todos e cada um dos processos e respectivo estado?

Dir-se-á, desde já, que não assiste razão à Recorrente.

De facto, o documento em apreço decorre do registo informático de execuções, que constitui uma inovação introduzida pelo DL n.º 38/2003, de 8 de Março, que introduziu o novo regime jurídico da acção executiva e conferiu nova redacção aos artigos 806.º e 807.º do CPC, tendo sido regulado pelo DL n.º 201/2003, de 10 de Setembro, diploma regulamentar a que o n.º 4 do referido artigo 807.º se reporta, e que entretanto foi alterado pelo Decreto-Lei nº 226/2008, de 20 de Novembro.

Conforme se alcança do artigo 1.º, n.º 1, do citado DL que estatui quanto ao seu objecto e finalidade, o registo informático de execuções contém o rol das execuções cíveis, dos processos laborais de execução e dos processos especiais de insolvência e recuperação de empresas.

Esta lista pública de execuções visa: conferir eficácia à penhora e liquidação de bens; prevenir eventuais conflitos jurisdicionais resultantes do incumprimento contratual; e promover o cumprimento pontual das obrigações[31], conforme também decorre dos n.ºs 2 e 3 do referido artigo 1.º.

Logo do preâmbulo deste diploma regulamentar consta que “a informação constante deste registo informático já é, na sua totalidade, de acesso público, constando dos processos judiciais pendentes em tribunal.

Com essas finalidades, esse registo informático disponibilizará todas as informações necessárias à realização da penhora, nomeadamente um rol dos processos de execução pendentes contra o executado, bem como informação sobre os bens já penhorados no património do mesmo e ainda um elenco das acções instauradas contra o exequente que foram declaradas findas ou suspensas”, conforme consta do artigo 806.º, n.º 2, do CPC, de cujas alíneas a) a c) resulta quais os actos que devem ser mencionados no registo: a extinção com pagamento integral; a extinção com pagamento parcial; e a suspensão da instância por não se terem encontrado bens penhoráveis, bem como os demais dados do registo previstos no artigo 2.º do mencionado DL.

Depois afirma-se que o “seu registo e actualização, bem como o registo diário dos pedidos de consulta, dos acessos ao registo informático e dos certificados emitidos, é assegurado pela secretaria”, o que decorre do disposto no n.º 3 do referido artigo, que declara que tais dados são introduzidos diariamente pela secretaria de execução.

Como assim, dúvidas não restam que a informação constante deste registo é a que existe nos processos judiciais pendentes em tribunal e, como tal, faz prova da sua existência e estado, tanto mais que o magistrado judicial tem acesso à mesma [artigo 807.º, n.º 3, alínea a) do CPC].

Porém, acautelando que tal actualização diária possa não ser efectuada, “foi atribuída ao titular dos dados a faculdade de requerer, a todo o tempo, a actualização ou rectificação dos dados inscritos no registo”, o que foi consagrado no artigo 807.º, n.º 1, do CPC, e também no artigo 5.º, n.º 1, do citado DL.

Acresce que, o devedor pode solicitar expressamente que seja eliminada a menção de a execução ter findado com pagamento parcial ou ter sido suspensa por não terem sido encontrados bens penhoráveis, conforme previsto no n.º 2 do artigo 807.º do CPC e no n.º 4 do artigo 5.º do DL 201/2003, desde que prove o cumprimento da obrigação.

            Salienta-se ainda que o acesso directo ao registo informático de execuções pode ser feito não só pelos magistrados, mas também pelos advogados e agentes de execução (artigo 6.º, n.º 1, alíneas a) e b) do citado DL).

Tudo isto para concluir que, tendo sido apresentada pela Requerente da insolvência a lista de execuções que contra si o registo informático atestava como estando pendentes, tal basta para comprovar o facto alegado nesse sentido.

Se a referida lista não se encontrava actualizada, à ora Recorrente, incumbia requerer a respectiva rectificação ou actualização nos termos do artigo 807.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, comprovando o pagamento da obrigação, o que não fez, apesar de entre a apresentação deste documento na audiência de julgamento realizada em 01-10-2012 e a audiência de julgamento ocorrida em 02-11-2012, ter decorrido o período de um mês.

Portanto, se o registo informático não foi actualizado de acordo com os meios de prova que possuía, foi porque a ora Recorrente não usou os mecanismos legais que se encontram ao seu alcance para o fazer.

Como assim, devem considerar-se pendentes todas as execuções constantes no registo informático, caso não seja comprovada pelo executado a sua extinção.

Porém, esta comprovação não tem que acontecer apenas no domínio do registo informático.

Assim, se a ora Recorrente tivesse apresentado quanto a processos identificados pela Requerente e constantes do registo informático de execuções como pendentes, prova de que os mesmos tinham sido extintos pelo pagamento da quantia exequenda, tal devia ter sido considerado pelo Tribunal, não dando como provado que os mesmos pendiam contra a Requerida.

Acontece que no caso em apreço, a Requerida juntou aos autos prova quanto à extinção de alguns processos executivos pelo pagamento, e mesmo declarativos, por via de acordo. Porém, tais processos, nos documentos apresentados até à audiência de julgamento não coincidem com aqueles que a Requerente havia indicado no requerimento inicial.

Portanto, apenas relevaram em sede probatória para ser considerado provado que a Requerida, vai procedendo a alguns pagamentos aos credores.

Tudo para dizer que deve manter-se o artigo 3.º como provado porquanto não existiu preterição do valor probatório de qualquer documento até então junto aos autos, mormente, da valoração do registo informático de execuções que foi correctamente efectuada.


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III.2.2. – Da nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão (artigo 668.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Civil)

Invoca a Recorrente para fundar a arguição da referida nulidade a contradição entre os fundamentos e a decisão quanto aos três factos-índice indicados no artigo 20.º do CIRE, o que determina a nulidade da sentença, por força do disposto no artigo 668.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Civil.

Porém, não se alcança onde exista a invocada contradição tanto mais que de um dos factos resulta que a Recorrente não efectuou pagamentos a 18 credores (os 17 da lista e a Requerente); e do outro resulta que efectuou acordos de pagamento com alguns dos seus credores. Só existiria contradição se uns e outros fossem os mesmos e não são.

Ora, em conformidade com o disposto no referido normativo a sentença será nula quando “os fundamentos estejam em oposição com a decisão”, ou seja, quanto exista contradição entre os fundamentos de facto e de direito e a decisão final proferida pelo tribunal; quando a motivação aponta para um determinado sentido e a decisão tomada foi em sentido oposto.

Como é também consabido e absolutamente pacífico, esta causa de nulidade só ocorre quando a construção da sentença é em si mesma, viciosa na respectiva estrutura. Significa isto, que a mesma se verifica quando “os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente não ao resultado expresso na decisão mas a resultado oposto”[32], Ou melhor, quando das premissas de facto e de direito que o julgador aduziu, venha a extrair na decisão final conclusão oposta àquela que logicamente deveria ter extraído.

Ora, analisando a decisão recorrida facilmente se depreende que a mesma não enferma de tal vício porquanto na elaboração do correspondente silogismo judiciário, não se detecta qualquer oposição ou contradição.

No caso em apreço, o julgador disse o que na realidade queria dizer e expressou o seu pensamento claramente em termos perfeitamente coerentes e inequívocos. O que acontece é que a Recorrente discorda dessa fundamentação e isso pode é constituir erro de julgamento que se pode reportar quer à matéria de facto quer de direito, mas que não configura a nulidade que lhe é assacada.

Iremos, portanto, apreciar, se se verifica ou não erro de julgamento, ou seja, se a matéria de facto dada como provada permite ou não sustentar a declaração de insolvência da Recorrente.


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III.2.3. Apreciação dos factos-índice

Pretende a Recorrente que não se verificam no caso em apreço os factos-índice invocados pela Requerente para peticionar a declaração de insolvência, considerando ser solvente e ter muito e bom crédito, sendo que, nada de relevante se alterou entre o momento em que este Tribunal da Relação confirmou a sentença anterior que havia julgado improcedente a acção com o mesmo fim interposta por outro credor.

Vejamos, se lhe assiste razão.

Dispõe o artigo 3.º, n.º 1, do CIRE, “[é] considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas.”

Quando, como no caso presente, o pedido de declaração de insolvência não é formulado pelo devedor, a legitimidade activa, - que foi colocada em causa pela Requerida quanto à Requerente, invocando que esta já havia penhorado créditos suficientes para o pagamento do seu crédito, alegação que foi julgada improcedente e não foi colocada em crise -, é condicionada pela verificação das situações elencadas nas alíneas a) a h) do n.º 1 do artigo 20.º do CIRE.

Na verdade, ciente da dificuldade de um terceiro e nomeadamente de um credor para demonstrar o valor do activo e do passivo do requerido, bem como a sua carência de meios para satisfação das obrigações vencidas, a lei basta-se, nos casos de requerimento de declaração de devedor por qualquer um dos legitimados, com a prova de um dos factos enunciados no referido artigo e que permitem presumir a insolvência do devedor.

Por isso, os factos que integrem cada uma das previsões deste artigo 20.º, n.º 1, nas suas diversas alíneas são, por um lado, requisitos de legitimidade para a própria formulação do pedido por banda do credor e, por outro lado, a sua verificação é, em princípio, condição suficiente da declaração de insolvência[33].

 Esta conclusão de que a verificação de um dos factos enumerados nas diversas alíneas do n.º 1 do artigo 20.º, pode, pela sua simples verificação determinar a declaração de insolvência, retira-se, por exemplo, do disposto no artigo 30.º, n.º 5, do CIRE, donde decorre que se o devedor não deduzir oposição, consideram-se confessados os factos alegados na petição inicial, sendo a insolvência decretada se tais factos preencherem a hipótese de alguma das alíneas do n.º 1 do artigo 20.º; e ainda da previsão do artigo 35.º, n.º 4, da qual resulta que em caso de não comparência à audiência de julgamento, do devedor ou de um seu representante, o juiz profere logo sentença de declaração de insolvência se os factos alegados na petição inicial forem subsumíveis ao n.º 1 do artigo 20.º.

Assim, a alegação e prova de factos cuja verificação objectiva se integre em qualquer uma, ou em várias, das situações previstas nas diversas alíneas deste preceito, constitui ónus que impende sobre o credor que requeira a declaração de insolvência[34]. Alegados e provados tais factos, comummente designados por factos-índice ou presuntivos da insolvência, e que em face das regras da experiência, constituem manifestações da impossibilidade de o devedor cumprir as suas obrigações, este será consequentemente, considerado em situação de insolvência, salvo se demonstrar a sua solvência nos termos do artigo 30.º, n.ºs 3 e 4, do CIRE.

Efectivamente, “[o] estabelecimento de factos presuntivos da insolvência tem por principal objectivo permitir aos legitimados o desencadeamento do processo, fundados na ocorrência de alguns deles, sem haver necessidade, a partir daí, de fazer a demonstração efectiva da situação de penúria traduzida na insusceptibilidade de cumprimento das obrigações vencidas, nos termos em que ela é assumida como característica nuclear da situação de insolvência (vd. art.º 3.º, n.º 1).

Caberá então ao devedor, se nisso estiver interessado e, naturalmente, o puder fazer, trazer ao processo factos e circunstâncias probatórias de que não está insolvente, pese embora a ocorrência do facto que corporiza a causa de pedir. Por outras palavras, cabe-lhe ilidir a presunção emergente do facto-índice (cfr. Ac. da RE., de 25/OUT/2007, in CJ, 2007, IV, pág. 259).

 Esta solução está, de resto, hoje claramente consagrada no n.º 3 do art.º 30.º.

O que se passa é que, o incumprimento de só alguma ou algumas obrigações apenas constitui facto-índice quando, pelas suas circunstâncias, evidencia a impossibilidade de pagar, o requerente deve então, juntamente com a alegação de incumprimento, trazer ao processo essas circunstâncias das quais, uma vez demonstradas, é razoável deduzir a penúria generalizada”[35].

Consequentemente, podemos concluir que o credor apenas pode requerer a declaração de insolvência com base na impossibilidade de cumprimento de obrigações vencidas do devedor, nalguma outra das situações previstas no artigo 20.º, n.º 1, do CIRE, e ainda no caso de manifesta superioridade do passivo sobre o activo quando o devedor seja uma pessoa colectiva ou património autónomo nos termos do artigo 3.º, n.º 2, in fine da citada codificação. Por seu turno, o devedor, pode basear a sua oposição ao pedido de insolvência, quer na inexistência do facto em que se fundamenta o pedido, quer na inexistência da situação de insolvência, sendo que a prova da solvência cabe ao devedor, baseando-se na escrituração legalmente obrigatória, se for o caso, “devidamente organizada e arrumada” - artigo 30.º, n.º 3 e 4 do mesmo código.

Acresce que, no caso de ser invocada a manifesta superioridade do passivo sobre o activo, pode ainda o devedor, usando as regras previstas no artigo 3.º, n.º 3, do CIRE, fazer a prova da sua solvência.

Provar a solvência é provar facto contrário ao resultante da presunção – o devedor apenas tem que fazer essa prova quando o facto indiciador seja provado – é a prova do contrário prevista no artigo 347.º do Código Civil[36].

Por isso, não se provando os factos-índice que tenham sido alegados pelo requerente, a insolvência não poderá ser declarada, nada precisando o requerido de provar[37].

Munidos destes conceitos é tempo de volver ao caso dos autos que a Requerente integrou nas previsões do artigo 20.º, n.º 1, alíneas a), b) e e), que se reportam:

- à suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas – al. a);

- à falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações – al. b);

- à insuficiência dos bens penhoráveis para pagamento do crédito do exequente verificada em processo executivo movido contra o devedor.

O Mm.º Juiz a quo, julgou que a matéria de facto provada integrava os indicados factos-índice, aduzindo que:

«No caso em apreço, as execuções e acções elencadas no ponto 22 dos factos provados são bem reveladores de que a requerida suspendeu os pagamentos a um número muito significativo de credores. É certo que se demonstra que a requerida tem vindo a solver os seus compromissos, tendo celebrado acordos de pagamento com alguns dos seus credores. – pontos 29 e 34 dos factos provados.

Todavia, o que devemos, para este efeito, definir é se a suspensão generalizada quer dizer que a suspensão das obrigações vencidas deve abranger todos os credores ou apenas um número significativo. Parece dever entender-se que não será suficiente que a devedora deixe de pagar apenas uma das suas obrigações vencidas mesmo que essa seja a sua maior dívida e represente no conjunto das dívidas uma percentagem muito grande. Este facto é também um facto índice mas está previsto na al. b) do mesmo artigo 20º, nº1; e, em sentido oposto, também não parece razoável exigir-se a suspensão do pagamento das obrigações vencidas a todos os credores, já que a lei não se expressa deste modo, nem existe qualquer motivo para pensar que o sentido da norma se encontra nesta interpretação. Assim, e como referem Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Vol. I, pag. 132 o que importa é a realidade que se pretende atingir, qual seja: “o devedor deixa de dar satisfação aos seus compromissos, em termos que projectam a sua incapacidade de pagar.” Em nosso entender, este facto está bem vincado no número de credores a quem a requerida suspendeu o pagamento das suas obrigações vencidas. Neste sentido, não podemos deixar de considerar que a requerida suspendeu a generalidade dos pagamentos das obrigações vencidas.

Mas mesmo que se não entendesse assim, sempre teríamos que verificar se, de acordo com a al. b) do nº1 do art. 20º, a falta de cumprimento de uma ou mais obrigações, que pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, são reveladoras da impossibilidade da devedora satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações. Ora, neste particular também se poderá dizer que se a requerida não consegue satisfazer o pagamento de obrigações vencidas de muito baixo valor (como se vê do ponto 22 dos factos provados), não tem condições para satisfazer as obrigações vencidas para com a generalidade dos seus credores. Daí que também se verifique o facto índice da al. b) do normativo em apreço.

Por fim, o facto constante da alínea e) do nº1 artigo 20º consiste na insuficiência de bens penhoráveis para pagamento do crédito do exequente verificada em processo executivo movido contra o devedor.

Aqui a requerente logrou demonstrar que no processo executivo que instaurou contra a requerida não consegue obter o pagamento do seu crédito por insuficiência de bens penhoráveis. Com efeito, e não obstante os pagamentos efectuados conforme resulta dos pontos 11, 12 e 24 dos factos provados, ficou por pagar parte substancial do crédito, sem que no decurso da execução fosse possível penhorar bens ou outros direitos, designadamente, de crédito (cfr. pontos 25, 26, 27, 35 e 36 dos factos provados).

Verifica-se, portanto, o facto índice constante da al. e) do nº1 do art. 20º».

Diremos, desde já, que não vemos quaisquer razões para discordar da sentença recorrida que já contempla na sua fundamentação a “resposta” às questões que a Recorrente havia colocado na sua oposição e agora renova em sede de alegações recursórias.

Pretende a recorrente que quanto ao primeiro facto-índice, não podia o Meritíssimo Juiz a quo encontrar matéria bastante para o ter por integrado na existência das execuções e acções elencadas no ponto 22 dos factos provados, quando também deu como provado que a apelante tem vindo a solver os seus compromissos, tendo celebrado acordos de pagamento com alguns dos seus credores. – pontos 29 e 34 dos factos provados.

Salvo o devido respeito, não existe qualquer contradição entre os referidos factos que o Mm.º Juiz, aliás, logo refere na fundamentação supra expendida e com a qual concordamos na íntegra.

Acontece que o facto-índice previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 20.º do CIRE, respeitante à suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas, contempla as situações em que “o devedor deixa de dar satisfação aos seus compromissos, em termos que projectam a sua incapacidade de pagar”, sendo “utilizado como sinónimo de paragem ou paralisação”, não estando, por isso, “em causa uma situação necessariamente transitória a que a ideia de suspender poderia apelar”[38].

Acresce que, tal suspensão tem que ser «generalizada», significando que deve respeitar à generalidade das obrigações da requerida, em suma, que revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações vencidas, que seja suficientemente significativa da sua incapacidade financeira, não significando isto que para a verificação deste facto-índice seja necessário que a devedora não pague a ninguém.

Ora, o que os factos espelham é que a Requerida tem vindo a fazer alguns pagamentos, a maioria dos documentados a pequenos credores, e que fez alguns acordos de pagamento com outros credores. Porém, a simples existência de acordos de pagamento não significa que os mesmos estejam a ser cumpridos, e tal facto a Requerida não demonstrou. Efectivamente, no caso dos autos, diferentemente do que aconteceu na acção a que se reporta o Acórdão desta Relação de 08-05-2012, a ora Recorrente não circunstanciou a quem pagou, quando e o quê, como havia feito na anterior. Por isso, existe apenas uma prova genérica de que tem vindo a solver alguns compromissos.

Porém, tal prova não afasta que pendam contra si um número considerável de execuções (os autos atestam 18 com a instaurada pela Requerente, mas no registo informático de execuções – que é posterior à data da entrada da presente acção em juízo – consta um número muito superior), e que apesar de ter decorrido um período temporal considerável desde a data da presente acção em juízo até ao início da audiência de julgamento, a Requerida não logrou satisfazer o pagamento aos exequentes, sendo certo que muitos dos créditos nem sequer são de montantes muito elevados, nomeadamente o da ora Requerente.

Daí que, ao invés do que pretende a Recorrente, nada obsta, antes impõe, que se conclua que a mesma se encontra impossibilitada de cumprir atempadamente as suas obrigações e que suspendeu o cumprimento da generalidade das suas obrigações vencidas, tanto assim que é a própria que afirma que entende «não se verificar uma suspensão generalizada, mas meramente parcial e "à vez", das obrigações vencidas».

Ora, pergunta-se: se o requerimento inicial da presente acção deu entrada em juízo em 06-06-2011, reportando-se ao não pagamento, nem em sede executiva, de facturas respeitantes a serviços prestados entre 2006 e início de 2007, qual a razão que não seja a impossibilidade de cumprimento da respectiva obrigação, que determina que, volvidos mais de 5 anos, ainda não tenha sido integralmente satisfeito o crédito da Requerente? E este foi só um exemplo. Basta atentar na lista das execuções consideradas pendentes no facto sob o n.º 22, e respectivas datas, para verificarmos que não se trata de uma impossibilidade recente.

Conclui-se, pois, que a existência de alguns pagamentos pontuais, não impede que se considere, como entendeu a sentença recorrida, que a Requerida suspendeu generalizadamente o cumprimento das suas obrigações, significando isso que não paga à esmagadora maioria dos seus credores, “escolhendo” alguns deles para fazer alguns pagamentos, o que não é, como parece pretender, sinónimo de prover à satisfação pontual da generalidade das suas obrigações.

E tal já basta para se mostrar verificada a presunção de que a Requerida se encontra em situação de insolvência. Ainda assim, cumpre apreciar os demais, mesmo que sucintamente.

Passemos então ao factor-índice da alínea b) do normativo em apreço. Também aqui a sentença recorrida tocou o ponto essencial. E ele já está respondido pelas afirmações que efectuámos supra. Basta olhar para o elenco das execuções que pendem contra a Requerida para verificar que a mesma não consegue proceder ao pagamento das dívidas que tem, nem ao maior credor nem a vários dos credores de pequenos montante. Como assim, sem necessidade de maiores considerações até porque esta alínea, em certa medida, repete a anterior consideramos que se mostra verificado o aludido facto-índice.

In casu, verifica-se ainda o factor índice previsto na alínea e) porquanto, ao invés do que havia alegado a Recorrente não demonstrou que já tinham sido penhorados bens suficientes para a satisfação da credora, tendo esta, ao invés demonstrado que não lhe foi possível satisfazer o seu crédito, em face da impossibilidade de penhorar bens que tal garantissem.

Verificados os factos-índice invocados pela Requerente, é tempo de apreciar se a Requerida logrou demonstrar, como alegou, que se encontra solvente.

Afirma a Apelante, e com razão, ter demonstrado que continua a exercer a sua actividade; que atravessa um momento de abrandamento de recebimento de pagamentos da sua actividade, mas tão somente por razões conjunturais e de mercado, a que é totalmente alheia; que tem vindo a solver os seus compromissos; que tem regularizadas as suas dívidas à Segurança Social e, sendo devedora às Finanças, tem a sua situação tributária regularizada, estando a proceder ao pagamento da dívida; é locatária de um imóvel sito em Chão do Vento, freguesia de Sobral, concelho de Mortágua; e celebrou acordos de pagamento com alguns dos seus credores.

Assim, no entender da Apelante resulta dos factos expostos que, muito embora a mesma não seja uma pagadora pontual, vai renegociando os seus compromissos e realizando pagamentos, sendo certo que se mantém em laboração, com património imobiliário, um estaleiro locado, com trabalhadores ao seu serviço, tendo a sua situação fiscal e contributiva regularizada.

Conclui, portanto, não emergir da factualidade apurada qualquer impossibilidade da apelante cumprir as suas obrigações vencidas nos termos previstos no artigo 3.º, n.º 1, do CIRE, não bastando a existência de atrasos no pagamento, sendo certo que também não resulta que o passivo da apelante seja manifestamente superior ao activo, avaliados segundo as normas contabilísticas aplicáveis, nos termos previstos no art. 3º, nº 2 do CIRE; e que por via das alíneas R)S)T) dos factos assentes, e com base na escrituração legalmente obrigatória, se faz prova da solvência da apelante, nos termos do n.º 4 do artigo 30º.

Completamente sem razão.

De facto, “para o efeito de caracterização da insolvência, segundo o Código, não é relevante saber se o devedor tem ainda possibilidade de pagar as suas dívidas – embora num contexto reformulado – ou, se, pelo contrário, o remédio passa exclusivamente pela liquidação do activo”[39]. Portanto, o facto de a Requerida ir pagando algumas dívidas não significa que tenha solvência para as pagar.

Ora, é bom significar que a situação da informação contabilística, à qual a mesma tanto se apega, reflectia uma situação económica e financeira aceitável da apelante, em 2009, ano a que a mesma se reporta. E já nesse ano, como sabemos, a Requerida era devedora da (pelo menos) da Requerente, e mesmo com tal situação aparentemente satisfatória, já não cumpria pontualmente os seus compromissos.

Depois, não se alcança porque razão, se a mesma se mantém em situação económica tão satisfatória contabilisticamente como aquela, tendo sido citada para deduzir oposição já depois do prazo legal de entrega da declaração de rendimentos do ano de 2011, tenha optado por pretender dar cumprimento ao disposto no artigo 30.º, n.º 4, com declaração de 2009, que só por tal, não pode satisfazer a pretensão de provar a solvência em 2012! O que aconteceu entretanto à Requerida que não pode apresentar a declaração fiscal dos anos de 2010 e 2011, devidamente arrumada e organizada, como impõe a lei?

Salienta-se ainda que também os documentos apresentados de pagamento aos trabalhadores são muito anteriores ao momento da audiência de julgamento. Será por essa razão que a ex-sócia-gerente nem sequer pode afirmar com segurança que a Requerida mantinha trabalhadores ao seu serviço, como salientou o Mm.º Juiz a quo?

Tudo para afirmar que manifestamente a Requerida não provou a sua solvência. Provou efectivamente alguns factos que revelam para considerar que a mesma tem feito esforços para cumprir algumas obrigações e que chegou a esta situação por razões decorrentes da conjuntura económica. Diremos, infelizmente, à semelhança de muitas empresas neste momento crítico que o país atravessa. Tal, porém, não significa que a mesma seja solvente, tenha possibilidade de cumprir as suas obrigações vencidas e ultrapassar a “situação conjuntural” em que se encontra e que já se arrasta com incumprimentos, mesmo de pequenos montantes como é o devido à Requerente, e do qual a Requerida só conseguiu efectuar em todos estes anos, um pagamento parcial.

Termos em que, sem necessidade de maiores considerações, improcedem in totum todas as conclusões do presente recurso, devendo consequentemente manter-se a sentença recorrida.


*****

III.2.3. - Síntese conclusiva:

       I – A junção aos autos de documentos com as alegações de recurso deve ser rejeitada quer quando o documento já tenha sido elaborado em consequência da decisão de primeira instância, quer ainda quando a necessidade da sua junção já decorresse dos articulados e da base instrutória.

II – O registo informático de execuções atenta a sua configuração legal definida nos artigos 806.º e 807.º do CPC, constitui prova bastante da existência dos processos executivos ali identificados e do respectivo estado.

III – Junto tal documento pela Requerente da insolvência e constando do mesmo como estando pendentes as execuções que aquela havia indicado, é ao Requerido que incumbe demonstrar, quer por via da rectificação ou actualização dos dados inscritos no registo informático, quer pela junção aos autos de certidão comprovativa de tal facto, que a identificada execução se encontra extinta.

IV -  A alegação e prova de factos cuja verificação objectiva se integre em qualquer uma, ou em várias, das situações previstas nas diversas alíneas do artigo 20.º, n.º 1, do CIRE, constitui ónus que impende sobre o credor que requeira a declaração de insolvência.

V – Na verdade, os factos que integrem cada uma das previsões deste artigo 20.º, n.º 1, nas suas diversas alíneas são, por um lado, requisitos de legitimidade para a própria formulação do pedido por banda do credor e, por outro lado, a sua verificação é, em princípio, condição suficiente da declaração de insolvência.

VI - Alegados e provados tais factos, comummente designados por factos-índice ou presuntivos da insolvência, ao devedor incumbe demonstrar a sua solvência nos termos previstos no artigo 30.º, n.ºs 3 e 4, do CIRE.

VII - Não logrando o devedor efectuar tal prova, deve ser declarada a respectiva insolvência.


*****

     IV - Decisão

      Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso, confirmando-se integralmente a sentença recorrida.

     Custas pela Apelante. 


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Albertina Pedroso ( Relatora )

Virgílio Mateus

Carvalho Martins


[1] Doravante abreviadamente designado CIRE, aprovado pelo DL n.º 53/2004, de 22 de Julho, e com as alterações introduzidas pelo DL n.º 282/2007, de 7 de Agosto.
[2] Com base nas disposições conjugadas dos artigos 660.º, 661.º, 664.º, 684.º, n.º 3, 685.º-A, n.º 1, e 713.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil, é pacífico que o objecto do recurso se limita pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo evidentemente daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha.
[3] Doravante abreviadamente designado CPC.
[4] Cfr. neste sentido, a título meramente exemplificativo, os Acs. TRL de 11-01-2007, proc.º n.º 7496/2006-2, e mais recentemente, deste TRC de 22-05-2012, proc.º n.º 1407/07.8TBGRD.C1.
[5] Cfr. neste sentido, Abrantes Geraldes in Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 3.ª Edição Revista a Actualizada, Almedina 2010, pág. 254.
[6] Entendido este momento processual como sendo a data em que o tribunal encerrou os debates - cfr. por todos, no sentido de que é este o momento a que lei se reporta com a expressão encerramento da discussão em primeira instância, Jorge Augusto Pais de Amaral, Direito Processual Civil, 7.ª ed., Almedina 2008, pág. 370.
[7] Cfr. neste sentido, Amâncio Ferreira, in Manual dos Recursos em Processo Civil, 9.ª Edição, Almedina 2009, pág. 215.
[8] Cfr. neste sentido, autor, obra e local citado, e Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, vol. III, 2.ª edição, Coimbra Editora, pág. 98 e 99. Em sentido contrário, cfr. Miguel Teixeira de Sousa, in Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, pág. 457, entendendo que se devem admitir como relevantes os factos supervenientes atinentes à matéria da causa.
[9] Cfr. neste sentido, Luís Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2.ª Edição Aumentada e Reformulada, Almedina, pág. 123.
[10] Cfr. neste sentido, Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, Revista e Actualizada, Coimbra Editora, 1985, págs. 532 a 534.
[11] Cfr. neste sentido, autor, obra, e local ora citado.
[12] Cfr. neste sentido, Ac. deste TRC de 22-05-2012, processo 1407/07.8TBGRD.C1, disponível em www.dgsi.pt.
[13] Doravante abreviadamente designado CPC.
[14] Doravante abreviadamente designado CPC.
[15] Cfr. a título exemplificativo do que se afirma, o recente Ac. STJ de 26-04-2012, Processo n.º 1314/07.4TBOER.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt, proferido na esteira do entendimento que antes havia já sido adoptado nos Acórdãos de 11-11-2003 (Revista n.º 03A3021) e 08/03/2001 (Agravo n.º 00A3277).     
[16] Cfr. Alberto dos Reis, in CPC Anotado, vol. V, 1952, pág. 359; Rodrigues Bastos, in Notas ao CPC, vol. III, pág. 299, Armindo Ribeiro Mendes, in Os Recursos no CPC revisto, Lisboa, 1998, pág. 68.
[17] Cfr. neste sentido, Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 3.ª Edição, Revista e Actualizada, Almedina 2010, pág. 313.
[18] Cfr. neste sentido, Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 3.ª Edição Revista e Actualizada, pág. 313; e na jurisprudência de forma meramente exemplificativa, Ac. STJ de 24-05-2012, processo n.º 850/07.7TVLSB.L1.S2, disponível em www.dgsi.pt. 
[19] Cfr. neste sentido, o recente Acórdão desta 2.ª secção do TRC, proferido em 05-12-2012, no proc.º n.º 1567/10.0TBVIS-C.C1, e disponível em www.dgsi.pt.
[20] Doravante abreviadamente designado CC.
[21] Cfr. neste sentido, autor e obra citada, pág. 311.
[22] Cfr. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, vol. III, pág. 212.
[23] Cfr. Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág. 187.
[24] Cfr. Anselmo de Castro, in Direito Processual Civil, Almedina, 1982, vol. III, pág. 269.
[25] Cfr. Ac. STJ de 22-04-2009, processo 08S1901, disponível em www.dgsi.pt.

[26] Cfr. Ac. STJ de 02-11-2006, processo n.º 06B3267, disponível em www.dgsi.pt.

[27] Cfr. Ac. STJ de 24-09-1998, processo n.º 98P041, com sumário disponível em www.dgsi.pt.

[28] Cfr. neste sentido, Ac. STJ de 21-06-2012, processo n.º 265/03.6TBRMR.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt.

[29]  Cfr. Acórdão do STJ de 23-09-2009, Processo n.º 238/06.7TTBGR.S1, da 4.ª Secção, seguido, entre outros pelo recente Ac. STJ de 23-05-2012, processo 240/10.4TTLMG.P1.S1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
[30] Cfr. Ac. STJ de 13-11-2007, processo n.º 07A3060, disponível em www.dgsi.pt.
[31] Cfr. Amâncio Ferreira, in Curso de Processo de Execução, 13.ª Edição, Almedina 2010, pág. 130.
[32] Cfr. neste sentido, Alberto dos Reis, ob cit. pág. 141.
[33] Cfr. neste sentido, Lebre de Freitas, in Pressupostos Objectivos da Declaração de Insolvência, Themis, Edição Especial, 2005, “Novo Direito da Insolvência”, págs. 13 e segs.
[34] Cfr. neste sentido, os recentes Acórdãos deste TRC de 08-05-2012, proferido no processo n.º 716/11.6TBVIS.C1 em que era Requerida a ora Recorrente; e de 15-05-2012, proferido no processo n.º 817/11.0T2AVR.C1, em que foi relator o ora 2.º Adjunto, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
[35] Cfr. Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado - Reimpressão, Quid Juris 2009, pág. 135.
[36] Cfr. Lebre de Freitas, obra e loc. cit.
[37] Cfr. citado Acórdão de 08-05-2012.
[38] Cfr. Carvalho Fernandes e João Labareda, obra cit., pág. 134.
[39] Cfr. Autores e obra citada, pág. 134.