Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
412/10.1TACVL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: DIFAMAÇÃO
EXCLUSÃO DA ILICITUDE
Data do Acordão: 01/25/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 2º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COVILHÃ
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 31º Nº 2 B), 180º NºS 2 E 3 CP
Sumário: 1- A “exceptio veritatis” , como causa de exclusão da ilicitude prevista no art.180.º, n.ºs 2 e 3 do Código Penal , tem lugar através da prova dos factos imputados, não se aplicando à formulação de juízos ofensivos.

2- Escrever numa “Reclamação” que os utentes são maltratados e que a assistente tem vindo, ao longo da sua permanência naquele serviço, a ter atitudes quer verbais, quer comportamentais, indignas e inaceitáveis, são juízos de valor e não factos concretos e como tal estão fora da “exceptio veritatis”.

3- Independentemente da prova da “exceptio veritatis”, a imputação de juízos poderá sempre integrar a causa de exclusão da ilicitude ao abrigo do ao artº 31.º, n.º 2, al. b), do Código Penal, quando fiquem demonstrados factos concretos que sustentem os juízos ou que com base nos mesmos o agente tinha fundamento sério para, em boa fé, os reputar verdadeiros.

4- Aceitando o arguido não ter presenciado os factos que imputou à assistente, e que nem sequer entra há pelo menos 15 anos na Extensão de Saúde, exigia a boa fé que o mesmo antes de escrever a reclamação averiguasse junto de outros utentes do serviço, não só se eram maltratados pela assistente e se ao longo da sua permanência naquele serviço ela tinha atitudes verbais e comportamentais indignas e inaceitáveis, a impor a sua suspensão ou transferência, especificando os respetivos factos concretos.

Decisão Texto Integral: Relatório

            Pelo 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca da Covilhã, sob pronúncia que recebeu a acusação do Ministério Público, a que a assistente A... aderiu, foi submetido a julgamento em processo comum, com intervenção do Tribunal singular, o arguido

             B..., residente em Rua …, Leiria, imputando-se-lhe a prática, em autoria material, de um crime de difamação agravada previsto e punido, pelos artigos 180.º/1, 182.º, 184.º ex vi art.º 132/2/l e art.º 188.º/1/a do C. Penal; 

A assistente A... deduziu pedido de indemnização civil, peticionando a condenação do arguido a pagar-lhe a quantia de € 1 500, a título de danos não patrimoniais.

Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal Singular, por sentença proferida a 15 de Julho de 2011, decidiu:

- julgar procedente a acusação e, em consequência, condenar o arguido B... como autor material de um crime de difamação agravada previsto(s) e punido(s) 180.º, n.º1, 182.º, 184.º ex vi art.º 132.º, n.º2, al. l) e art.º 188.º, n.º 1, al.a), do C. P., na pena de 100 dias de multa à taxa diária de 8 euros; e

- julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil e, em consequência , condenar o arguido/requerido a pagar à assistente a quantia de 1000 euros a título de indemnização.

           

Inconformada com a douta sentença dela interpôs recurso o arguido B..., concluindo a sua motivação do modo seguinte:

1.- A reclamação foi efectuada em data posterior a que foi dada como provada na matéria de facto;

2.- Nos factos provados deveria figurar um outro que se consubstancia na questão de saber em que data é que o Arguido lavrou a reclamação;

3.- A ausência de prova no que respeita a essa factualidade toma a matéria de facto provada insuficiente para a decisão tomada, porquanto não se alcança o processo lógico que esteve subjacente a conduta do arguido desde o relato da mãe e da irmã , até lavrar a reclamação;

4.- A insuficiência para a decisão da matéria de facto é fundamento para o presente recurso, cfr. Artigo 410.º,n.º 2, alínea a) do C.P.P.;

5.- O M.º Juiz a quo, ao sobrevalorizar declarações tomadas a Assistente, sem qualquer depoimento directo que as firmasse, e renegou em absoluto as declarações prestadas pelo Arguido e das testemunhas por este arroladas , desvalorizando-as;

6.- Nenhuma das Testemunhas teve conhecimento directo dos factos, antes sendo qualificados como depoimentos indirectos, v.g artigo 129.º do C.PP., condenação suportada pelas declarações que Assistente prestou em Audiência de Julgamento, sendo parte interessada no desfecho do pleito, como Queixosa Demandante e Assistente;

7.- A palavra do arguido soçobrou perante a palavra da Assistente e as legitimas dúvidas que se levantaram sobre as causas de exclusão da punibilidade não foram atendidas, ignorando-se o principio basilar de Direito Penal in dúbio pró réu;

8.- Os factos enunciados nos números cinco e seis das presentes conclusões evidenciam que o Mº Juiz do Tribunal a quo errou notoriamente na apreciação da prova sendo tal, também fundamento para o presente recurso, cfr. Artigo 410, n.º 2, alínea c) do C.P.P.;

9.- O Arguido tinha fundamento sério para, em boa fé, reputar como verdadeiras as imputações feitas a Assistente, foram relatadas pela sua mãe, que se tinha deslocado a Extensão de Saúde de W..., no dia 08 de Março de 2010;

10.- O Arguido não tinha como averiguar a veracidade das imputações feitas a Assistente na Extensão de Saúde de W..., a Assistente é a única administrativa;

11.- O Arguido apenas exerceu o seu direito de reclamação, não teve a intenção de praticar um crime, mas apenas de reclamar do atendimento na extensão de Saúde de W..., cfr.Artigo 31.º, n.º 1, 2, alínea b) do C.P.P.;

12.- O Meritíssimo Juiz a quo ao aplicar as normas previstas no artigo 180.º, n.º 2 alíneas a) e b), deveria ter feita uma aplicação no sentido de excluir a sua punibilidade , devendo por isso absolver o Arguido.

Nestes termos e nos melhores de Direito que V.Ex.as doutamente suprirão, deverá a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que absolva o Arguido ou, caso assim não se entenda deverão os presentes autos ser reenviados para o tribunal a quo para novo julgamento, a fim de sanar os vícios invocados e constantes da decisão de que se recorreu.

            O Ministério Público respondeu ao recurso interposto pelo arguido, pugnando pelo não provimento daquele e manutenção da douta sentença recorrida.

            O Ex.mo Procurador-geral adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso e manutenção da douta sentença recorrida.

            Foi dado cumprimento ao disposto no art.417.º, n.º2 do Código de Processo Penal.

            Colhidos os vistos, cumpre decidir.

     Fundamentação

            A matéria de facto apurada e respectiva motivação constante da sentença recorrida é a seguinte:

            Factos provados

a) A assistente A..., desde há 36 anos e até agora, exerceu funções como administrativa – assistente operacional, na Extensão de Saúde de W..., Covilhã, organismo tutelado pelo Ministério da Saúde, encontra-se agora aposentada;

 b) No dia 8 de Março de 2010, na referida Extensão de Saúde de W…, foi atendida a utente C....

c) Em sequência a tal atendimento, o arguido, pelas 11h45m, do dia 8 de Março, na sequência de reclamação oral, acabou por redigir uma “Reclamação”, com o seu próprio punho, no interior das instalações do Gabinete do utente, da ARS da Covilhã, onde a pessoa visada era a ora assistente A..., cuja certidão se encontra a fls. 30 e 31 dos presentes autos (que aqui se dá por integralmente reproduzida para os legais efeitos), a qual compreende o seguinte conteúdo: “Sou natural de W... onde ainda residem a minha mãe C... e a minha irmã e com esta reclamação pretendo informar os serviços de saúde em relação ao procedimento da funcionária administrativa em exercício no Centro de Saúde de W..., que passo a expor: Naquele Centro de Saúde os utentes, na sua maioria idosos, têm medo de ali se deslocarem e serem maltratados. “Essa Senhora” tem vindo, ao longo da sua permanência naquele serviço, a ter atitudes quer verbais quer comportamentais, indignas e inaceitáveis num lugar como aquele. Ela assume que é ela quem tem acesso aos médicos e quando. Recentemente chegou ao ponto de dar um empurrão à minha irmã e dizer para a minha mãe que “não as suporta e não as pode ver ali”. Para além disso não sei de quem é a culpa ou que ordens essa senhora tem para decidir quando é que os pedidos escritos de exames apresentados para serem devidamente presentes pelo médico de família. Também não compreendo como é que, infelizmente, indo ali tantos médicos e enfermeiros, por curtos períodos de tempo não transmitam aos seus superiores o clima que ali se vive e a situação de carência alegando “essa senhora” que os médicos só têm duas horas para atender os doentes e não podem fazer tudo. Compreendo a falta de médicos, embora não o aceite, mas não compreendo quais os assuntos que devem tratar com prioridade pois parece-me que quando algum exame levante a “suspeita de “cancro” deveria ter prioridade de ser atendido por quem de direito e isso em relação ao Centro de Saúde de W... não tem sido feito, mas são atendidos primeiro os utentes “amigos” dessa senhora”. Como cidadão e como filho exijo que sejam tomadas as providências adequadas para que esta situação ali se altere e que “essa senhora” faça um pedido de desculpas por escrito à minha mãe e à minha irmã que passe a respeitar todos e porque não suspensa ou movimentada para outro local.”

e) Em sequência à reclamação que o arguido apresentou, foi instaurado procedimento de averiguações, que correu termos na Administração Regional de Saúde do Centro, contra a assistente A....

f) Em W... correu o rumor de que a assistente se encontrava castigada, como consequência da reclamação que aquele havia apresentado.

g) O arguido B... agiu consciente e livremente, com intenção de, por escrito, junto dos competentes Serviços do Ministério da Saúde, atentar contra o bom nome, honra e reputação pessoal e profissional, da assistente, o que conseguiu, bem sabendo serem as suas condutas proibidas e puníveis por lei penal.

h) O arguido não entra na Extensão de saúde de W... há pelo menos 15 anos;

i) È professor, residindo e trabalhando a mais de 200 Km da …, Covilhã;

j) Não têm antecedentes criminais;

l) A requerente sempre foi sempre funcionária respeitada e considerada na extensão de saúde do W... pelos utentes e superiores;

m) Em consequência da conduta do arguido a assistente sentiu-se doente, magoada e vexada perante a população e ofendida na sua honra e consideração;

            Factos não provados

Não se provou qualquer outro facto com interesse para a decisão, nomeadamente, que:

1 O arguido, na aldeia de W..., onde a assistente reside, fez correr o falso rumor de a assistente estava castigada em razão da sua reclamação;     

2. O arguido tenha apresentada a reclamação a extensão de  Saúde do W...

            Motivação

            Os factos dados como provados colhem a sua demonstração em:

1- Documental:

 a. Teor da reclamação de fls. 30 e 31 apresentada no Centro de Saúde da Covilhã (deu-se assim, como não provado tivesse sido apresentada na extensão de Saúde do W…);

b. Informação interna de fls. 6, subscrita pelo coordenador executivo e resposta de assistente de fls. 8; informação prestada pelo sr. Funcionário D.. , de que corria processo interno de natureza confidencial contra a assistente ( fls 9)

2. Declarações de:

a. O arguido que confessou a autoria da reclamação;  que recolheu as informações de sua mãe; mas que não averiguou junto da assistente os dos serviços da sua veracidade;

b. A assistente sobre o conhecimento da reclamação, que mandatou advogado para a auxiliar no esclarecimentos solicitados pela administração de saúde e, ainda, que ficou muito magoada e vexada com as imputações que lhe foram feitas;

3. Depoimentos de:

a) D..., funcionário da ARS Covilhã que disse ser o arguido o autor da reclamação;

b) … que disse falar-se no W... que … se falava na Aldeia que a assistente estava suspensa… que estava de castigo por causa  da reclamação;

c) …, que foi claro em afirmar ter a assistente desempenhado as suas funções com zelo e sempre em favor da comunidade; que era respeitada pelos utentes; que havia o “ boato” que a assistente seria expulsa;

d) …, que afirmou ter ouvido dizer que a assistente estava suspensa, quando na realidade estava de baixa por doença;

e)  … que na sequência da reclamação a assistente ficou muito ofendida; que ao ler a reclamação o depoente ficou muito surpreendido com os “termos e forma da reclamação” que tem por ofensivos

Todas estas testemunhas prestaram os seus depoimentos de forma clara e revelando total isenção e objectividade;

E de forma igual o fizeram as testemunhas  … que nada sabiam dos factos;

*
                                                          *

                                                  

O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. ( Cfr. entre outros , os acórdãos do STJ de 19-6-96 [1] e de 24-3-1999 [2] e Conselheiros Simas Santos e Leal Henriques , in Recursos em Processo Penal , 6.ª edição, 2007, pág. 103).

São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar [3], sem prejuízo das de conhecimento oficioso .

No caso dos autos, face às conclusões da motivação do recorrente B... as questões a decidir são as seguintes:

- se a sentença padece dos vícios da insuficiência para a decisão da matéria de facto e de erro notório na apreciação da prova, a que aludem, respectivamente, as alíneas a) e c), n.º2 do art.410.º do C.P.P., pelo que deve o processo ser reenviado para o Tribunal a quo sanar os vícios; e

- a não se entender assim, se o Tribunal a quo errou na aplicação do direito, uma vez que o arguido agiu no exercício do direito previsto no art.31.º, n.º1, al. b), do Código Penal, e com fundamento sério para em boa fé reputar verdadeira a imputação, nos termos a que alude  o art.180.º, n.º2, alíneas a) e b), do Código Penal, pelo que deve ser absolvido  


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          Passemos ao conhecimento da primeira questão.

          O art.410.º n.º 2 do Código de Processo Penal, estatui que mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter por fundamento, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:

     a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;

     b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; ou 

     c) O erro notório na apreciação da prova.

Uma vez que os vícios do art.410.º, n.º 2, do C.P.P., têm de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugados com as regras da experiência comum, não é possível a consulta de outros elementos constantes do processo na decisão sobre a sua verificação.

O vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto na al. a) do n.º2 do art. 410.º do C.P.P., existe quando da factualidade vertida na decisão se colhe faltarem dados e elementos para a decisão de direito, considerando as várias soluções plausíveis, como sejam a condenação ( e a medida desta) ou a absolvição ( existência de causas de exclusão da ilicitude ou da culpa), admitindo-se, num juízo de prognose, que os factos que ficaram por apurar, se viessem a ser averiguados pelo Tribunal a quo através dos meios de prova disponíveis, poderiam ser dados como provados, determinando uma alteração de direito.

A insuficiência para a decisão da matéria de facto existe se houver omissão de pronúncia pelo tribunal sobre factos relevantes e os factos provados não permitem a aplicação do direito ao caso submetido a julgamento, com a segurança necessária a proferir-se uma decisão justa. [4]

Dito ainda noutros termos, a insuficiência relevante para efeitos do disposto no art. 410.º do CPP, consiste numa carência de factos que permitam suportar uma decisão dentro do quadro das soluções de direito plausíveis, e que impede que sobre a matéria da causa seja proferida uma decisão segura e justa.

O arguido B... alega que na alínea c) da factualidade provada ficou assente  que a reclamação tinha sido efectuada pelas 11h45m, do dia 8 de Março de 2011, no interior das instalações do utente da ARS da Covilhã.

O dia 8 de Março de 2011 foi o dia em que foi atendida a utente C..., na extensão de Saúde de W.... A reclamação foi lavrada em data posterior a 8 de Março de 2011, no dia em que a utente C... foi atendida na consulta de oncologia do Hospital da Covilhã. Conclui-se, assim, pela necessidade de incluir na factualidade, pelo menos, um novo facto provado, a fim de se saber quando foi efectuada a reclamação pelo arguido, pois a dúvida torna a matéria de facto prova insuficiente para a decisão tomada, porquanto não se alcança o processo lógico que esteve subjacente à conduta do arguido em apresentar a reclamação.  

Vejamos.

O arguido B..., ao apresentar a sua defesa, nos termos que constam da contestação junta a folhas 160 a 162, escreveu que apresentou a reclamação “ em data que não sabe precisar, do mês de Março de 2010”.

O Tribunal a quo deu como provado que a reclamação em causa foi apresentada pelo arguido, pelas 11h45m, do dia 8 de Março de 2010, remetendo para o efeito para o teor da reclamação de fls. 30 e 31.

O arguido ao defender que deve ser incluída na factualidade, pelo menos, um novo facto provado, a fim de se saber quando foi efectuada a reclamação pelo arguido, está claramente a manifestar o seu desacordo sobre o julgamento da factualidade dada como provada quanto ao dia e hora em que apresentou a reclamação.

O que manifestamente não se verifica é carência de factos que permitam suportar uma decisão dentro do quadro das soluções de direito plausíveis, e que impede que sobre a matéria da causa seja proferida uma decisão segura e justa. Fosse a reclamação apresentada dia 8 de Março de 2010, pelas 11h45m, ou noutro dia e hora do mês de Março de 2010, a solução de direito seria sempre a mesma.

O processo lógico que levou o Tribunal a quo a dar como provada aquela factualidade encontra-se suficientemente explicitado na fundamentação da matéria de facto. O Tribunal teve em conta o teor da reclamação de folhas 30 e 31 dos autos, onde consta escrito como dia e hora da reclamação, o dia 8 de Março de 2010, pelas 11h45m.

Seguidamente, menciona o recorrente, na motivação do recurso, que na alínea l) foi dado como provado que a assistente “foi sempre funcionária respeitada e considerada na extensão de saúde do W... pelos utentes e superiores”, e na alínea m) foi dado como provado que “em consequência da conduta do arguido a assistente sentiu-se doente, magoada e vexada perante a população e ofendida na sua honra e consideração”, mas não foi ouvido em audiência de julgamento nenhum superior hierárquico da assistente, nem nenhum utente da extensão de saúde de W..., pelo que a ausência de prova sobre esta factualidade torna a matéria provada insuficiente para a decisão tomada.  

Este motivo determinante do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada não foi retomado nas conclusões da motivação, mas uma vez que os vícios do n.º2 do art.410.º do C.P.P., são de conhecimento oficioso – acórdão do plenário das secções criminais do STJ de 19 de Outubro de 1995 [5]- não deixamos de o conhecer.

Mais uma vez o arguido/recorrente confunde, na sua alegação, a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada com a insuficiência de prova para a decisão de facto proferida, sendo que esta resulta da convicção do julgador e das regras da experiência.

Do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum , não se vislumbram factos que ficaram por apurar.

Quando muito haveria insuficiência de prova para a decisão de facto proferida nas ditas alíneas l) e m), mas não tendo o arguido impugnado a matéria de facto nos termos do art. 412.º, n.ºs 3 e 4 do C.P.P., não pode o Tribunal da Relação sindicar a prova fora do âmbito do texto da decisão recorrida e desta não resulta que nenhuma das testemunhas não é superior hierárquico da assistente, nem é utente da Extensão de Saúde de W..., ou que não o sendo, que não tinham conhecimento directo sobre tal factualidade, em contrário do que se percepciona da fundamentação da matéria de facto da sentença.

Uma vez que os factos dados como provados permitem a aplicação segura do direito ao caso submetido a julgamento, designadamente quanto ao preenchimento pelo arguido dos elementos constitutivos do crime de difamação agravado, pelo qual foi condenado, e do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, não se vislumbram factos que ficaram por apurar, não temos por verificado o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto na al. a) do n.º2 do art. 410.º do C.P.P..

Passando agora ao vício do erro notório na apreciação da prova, a que alude o art.410.º, n.º 2 do C.P.P., diremos que ele tem lugar “... quando se retira de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável, quando se dá como provado algo que notoriamente está errado , que não podia ter acontecido , ou quando , usando um processo racional e lógico , se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica , arbitrária e contraditória , ou notoriamente violadora das regras da experiência comum , ou ainda quando  determinado facto provado é incompatível ou irremediavelmente contraditório com outro dado facto ( positivo ou negativo )  contido no texto da decisão recorrida”. [6]

Este erro, que para ser notório tem de ser ostensivo, que não escapa à percepção de um homem com uma cultura média, nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto proferida e aquela que o recorrente entende ser a correcta face à prova produzida em audiência de julgamento.

O recorrente alega que o Tribunal a quo sobrevalorizou as declarações tomadas à assistente, parte interessada no desfecho do pleito, sem qualquer depoimento directo que as firmasse, e renegou em absoluto as declarações prestadas pelo arguido e pelas testemunhas por este arroladas, desvalorizando-as. Nenhuma das testemunhas terá conhecimento directo dos factos, enquadrando-se os seus depoimentos no âmbito dos depoimentos indirectos a que alude o artigo 129.º do C.PP, o que evidencia que o Mº Juiz do Tribunal a quo errou notoriamente na apreciação da prova, nos termos do artigo 410.º, n.º 2, alínea c) do C.P.P.

Na resposta a esta parte da questão objecto de recurso, importa acentuar que vigora entre nós o principio da livre apreciação da prova, previsto no art. 127.º do Código de Processo Penal, e dos seus termos resulta que “Salvo quando a lei dispuser de modo diferente , a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.”.

As normas da experiência são «...definições ou juízos hipotéticos de conteúdo genérico, independentes do caso concreto “sub judice”, assentes na experiência comum, e por isso independentes dos casos individuais em cuja observação se alicerçam, mas para além dos quais têm validade.»[7].

Sobre a livre convicção do juiz diz o Prof. Figueiredo Dias que esta é “... uma convicção pessoal -  até porque nela desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais  -  , mas em todo o caso , também ela uma convicção objectivável e motivável , portanto capaz de impor-se aos outros.”[8].

A convicção do Tribunal a quo é formada da conjugação dialéctica de dados objectivos fornecidos por documentos e outras provas constituídas, com as declarações e depoimentos prestados em audiência de julgamento, em função das razões de ciência, das certezas, das lacunas, contradições, inflexões de voz, serenidade e outra linguagem do comportamento, que ali transparecem.

Para respeitarmos os princípios oralidade e imediação na produção de prova – que assumem especial relevância na audiência de julgamento, encontrando afloramento, nomeadamente, no art.355.º do Código de Processo Penal – se a decisão do julgador estiver fundamentada na sua livre convicção baseada na credibilidade de determinadas declarações e depoimentos e for uma das possíveis soluções, segundo as regras da experiência comum, ela não deverá ser alterada pelo tribunal de recurso.

Como se diz no acórdão da Relação de Coimbra, de 6 de Março de 2002, “ quando a atribuição da credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear na opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum”.[9]

No caso em apreciação, começamos por realçar que o recorrente alega que o Tribunal a quo sobrevalorizou as declarações tomadas à assistente, renegando em absoluto as declarações prestadas pelo arguido e pelas testemunhas por este arroladas, desvalorizando-as, mas não concretiza em que termos. e relativamente a que factos, houve a invocada sobrevalorização, como não especifica ainda relativamente a que factos concretos terão sido desvalorizados os depoimentos das testemunhas por si indicadas.

Resultando da fundamentação da matéria de facto que foram tidas em consideração as declarações da assistente, essencialmente, enquanto declarou que ficou muito magoada e vexada com as imputações que lhe foram feitas na Reclamação apresentada pelo arguido, não vislumbramos ali mais que uma “normal” valorização das declarações da assistente.

Por outro lado, e quanto às testemunhas arroladas pelo arguido -  …- menciona-se na fundamentação da matéria de facto da sentença que nada sabiam dos factos, pelo que, a ser assim, é racional que tenha desvalorizado os seus depoimentos.

A convicção a que o Tribunal a quo chegou nesta parte, face ao texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, mostra-se objecto de procedimento lógico e coerente de valoração, com motivação bastante, onde não se vislumbra assumo de arbítrio na apreciação da prova.

Seguidamente, o recorrente alega que nenhuma das testemunhas teve conhecimento directo dos factos relativos ao rumor de que a assistente estava castigada em razão da reclamação, e consequentemente, enquadra os seus depoimentos no âmbito dos depoimentos indirectos a que alude o artigo 129.º do C.P.P..

Não cremos que assim seja.

O art.129.º, n.º1 do Código de Processo Penal estatui que « Se o depoimento resultar do que se ouviu dizer a pessoas determinadas, o juiz pode chamar estas a depor. Se o não fizer, o depoimento produzido não pode, naquela parte, servir como meio de prova, salvo se a inquirição das pessoas indicadas não for possível por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de serem encontradas.».

No caso em apreciação, foi dado como assente na al.f), da factualidade dada como provada na sentença, que “Em W... correu o rumor de que a assistente se encontrava castigada, como consequência da reclamação que aquele havia apresentado”.  

O Tribunal a quo, não deu como provado naquela al.f) um facto concreto contra o arguido, por o ter ouvido dizer a uma concreta pessoa. O que se deu como provado, com base nos depoimentos das testemunhas … , foi o próprio rumor ou boato, como facto, que existiu no W.... Já não se deu como provado que foi o arguido que lhe deu início.

Eventualmente, poderia estar aqui em causa é a violação do disposto no art.130.º, n.º1 do Código de Processo Penal, não invocado pelo recorrente, que estabelece que « Não é admissível como depoimento a reprodução de vozes ou rumores públicos », mas porquanto a situação respeita ao conhecimento do rumor, como facto, por conhecimento directo de testemunhas, cremos que  não se estar perante esta inadimissibilidade legal.

Ainda no âmbito do vício do erro notório na apreciação da prova, vem o arguido/recorrente alegar que a palavra do arguido soçobrou perante a palavra da assistente e as legitimas dúvidas que se levantaram sobre as causas de exclusão da punibilidade a que alude o art.31.º, n.ºs 1 e 2, al. b), do C.P. – exercício dum direito - não foram atendidas, ignorando-se o principio in dubio pro reo. Se outras valorações tivessem merecido as declarações do arguido, ter-se-ia apercebido que a “Reclamação” não teve intenção de atentar contra a honra e consideração da assistente, mas exercer o seu direito de reclamação.

O princípio in dubio pro reo, que o arguido B... alega ter sido violado pelo Tribunal a quo, estabelece que na decisão de factos incertos a dúvida favorece o arguido. Ou seja, o julgador deve valorar sempre em favor do arguido um non liquet.

O Tribunal de recurso apenas pode censurar o uso feito desse principio se da decisão recorrida resultar que o tribunal a quo chegou a um estado de dúvida insanável e que, face a ele, escolheu a tese desfavorável ao arguido.[10]  

Lendo-se a fundamentação da matéria de facto e de direito da decisão recorrida, não resulta da dela qualquer dúvida de que para o Tribunal a quo o arguido sabia e quis, com a dita reclamação, atentar contra o bom nome, honra e reputação pessoal e profissional da assistente.

A sugestão, feita pelo reclamante, de que a ora assistente seja suspensa ou movimentada para outro local, é o culminar dum conjunto de factos, de alguma gravidade, que imputa a esta.

O que o recorrente não defende, em lado algum do seu recurso, é que as imputações feitas à assistente correspondiam á verdade; limita-se a invocar que as fez de boa fé. Nesta base, quer impor ao Tribunal as suas próprias declarações em detrimento das proferidas pela assistente, sem atender que é ao Tribunal, e não ao arguido, que cabe apreciar e valorar a prova de acordo com o citado princípio da livre apreciação da prova.  

Em suma, do texto da motivação da matéria de facto da sentença recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum, não resulta que tenham sido violados os princípios in dubio pro reo e da livre apreciação da prova e não vislumbramos motivo para concluir que o Tribunal recorrido, tenha seguido um raciocínio ilógico, arbitrário ou contraditório, ao fixar a matéria de facto nos termos em que a consignou na sentença, pelo que não se reconhece a existência nesta do vício enunciado no art.410.º, n.º 2, al. c) do C.P.P..


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            Passemos agora a conhecer da segunda e última questão objecto de recurso.

            O art.180.º, do Código Penal, estabelece no seu n.º1, que « Quem , dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita , um facto , ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias

A honra ou consideração, a que alude este tipo penal, consiste num bem jurídico complexo que inclui quer o valor pessoal ou interior de cada indivíduo, radicado na sua dignidade, quer a própria reputação ou consideração exterior.

Se a norma diz claramente que difamar mais não é que imputar a outra pessoa um facto ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra e consideração, também se vem entendendo que nem todo o facto ou juízo que envergonha e perturba ou humilha, cabem na previsão do art.180.º do Código Penal. A conduta pode ser reprovável em termos éticos, profissionais ou outros, mas não o ser em termos penais.

Existem margens de tolerância conferidas pela liberdade de expressão, que compreende não só a liberdade de pensamento, como a liberdade de exteriorização de opiniões e juízos.
É o que decorre do art.37.º, n.º1 da Constituição da República Portuguesa, quando preceitua que «todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem descriminações.».

O direito à liberdade de expressão e crítica tem limites, como decorre do próprio n.º 3 do mesmo art.37.º da C.R.P, quando estabelece que « as infracções cometidas no exercício destes direitos ficam submetidas aos princípios gerais de direito criminal...».

Nos termos do art.31.º , n.º 2 , al. b) do Código Penal , incluído na Parte Geral , não é ilícito o facto praticado no exercício de um direito.

Há pois que conciliar o direito à honra e consideração com o direito à critica, pois um e outro , pese embora sejam  direitos fundamentais , não são direitos absolutos , ilimitados .

Em matéria de direitos fundamentais deve atender-se ao princípio jurídico-constitucional da proporcionalidade, segundo o qual se deve procurar obter a harmonização ou concordância prática dos bens em colisão, a sua optimização, traduzida numa mútua compressão por forma a atribuir a cada um a máxima eficácia possível.

Até onde vai o exercício do direito e quando passa ele a ser ilegítimo? O art.334.º do Código Civil ao estatui que « é ilegítimo o exercício de um direito quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé , pelos bons costumes  ou pelo fim social ou económico desse direito.».

Uma definição idêntica não se encontra no Código Penal. Acompanhando o acórdão da Relação de Coimbra de 23 de Abril de 1998 diremos que « Há um sentir comum em que se reconhece  que a vida em sociedade só é possível se cada um não ultrapassar certos limites na convivência com os outros . (...) . Do elenco desses limites ou normas de conduta fazem parte (regras) que estabelecem a “obrigação e o dever” de cada cidadão se comportar relativamente aos demais com um mínimo de respeito moral, cívico e social, mínimo esse de respeito que não se confunde, porém, com educação ou cortesia, pelo que os comportamentos indelicados, e mesmo boçais, não fazem parte daquele mínimo de respeito, consabido que o direito penal, neste particular, não deve nem pode proteger as pessoas face a meras impertinências[11].

Tal interpretação está de acordo com o princípio do mínimo de intervenção do aparelho sancionatório do Estado, que subjaz ao direito penal.

E deste princípio não podemos esquecer-nos na determinação dos elementos objectivos previsto no art.180.º, n.º1 do Código Penal.

Para a correcta determinação dos elementos objectivos do tipo importa atender ao contexto em que os factos ou juízos pretensamente atentatórios da “honra ou consideração” são produzidos. [12]

Nas sociedades democráticas e abertas , como aquela em que vivemos , o direito à critica é um dos mais importantes desdobramentos da liberdade de expressão.

Pelo que se deixou já expresso pode-se concluir que só perante o caso concreto se pode decidir se a crítica realizada pelo seu autor configura uma conduta típica ou não, do direito à honra.

No caso em apreciação, o arguido/recorrente não questiona que existem as imputações feitas à assistente na “Reclamação” ofensivas do bom nome, honra e reputação pessoal e profissional, da assistente, como quando escreve, designadamente:

«Naquele Centro de Saúde os utentes, na sua maioria idosos, têm medo de ali se deslocarem e serem maltratado»;

« “Essa Senhora” tem vindo, ao longo da sua permanência naquele serviço, a ter atitudes quer verbais quer comportamentais, indignas e inaceitáveis num lugar como aquele»; e que  « Recentemente chegou ao ponto de dar um empurrão à minha irmã e dizer para a minha mãe que “não as suporta e não as pode ver ali”».

Estabelecido que a conduta do arguido é típica cumpre averiguar em sede ilicitude se esta pode ser excluída, designadamente por se verificar a causa de justificação a que alude o n.º 2 do art.180.º do Código Penal. 

O art.180.º do Código Penal, estabelece, nomeadamente, com interesse para a decisão da presente questão:

« 2 - A conduta não é punível quando:

a) A imputação for feita para realizar interesses legítimos ; e

 b) O agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver fundamento sério para, em boa fé , a reputar verdadeira .

3. Sem prejuízo do disposto nas alíneas b) , c) e d) do n.º2 do art.31.º o disposto no número anterior não se aplica quando se tratar de imputação de facto relativo à intimidade da vida provada ou familiar.

4. A boa fé referida na alínea b) do n.º2 exclui-se quando o agente não tiver cumprido o dever de informação, que as circunstâncias do caso impunham, sobre a verdade da imputação.» .
Desta disposição resulta que a conduta do agente não será punível quando a imputação for feita para realizar interesses legítimos e o mesmo provar a verdade da mesma imputação ou tiver fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira, sendo que a boa fé exige o cumprimento do dever de informação.

Existe um interesse real e efectivo em distinguir a imputação dum facto da formulação de um juízo sobre a honra e consideração do sujeito passivo, pois a causa de exclusão da ilicitude a que se referem os n.º s 2 e 3 do art.180.º do Código Penal  diz apenas respeito à imputação de factos.

A “exceptio veritatis” , como causa de exclusão da ilicitude prevista no art.180.º, n.ºs 2 e 3 do Código Penal , tem lugar através da prova dos factos imputados, não se aplicando à formulação de juízos ofensivos.[13]

Um facto é “ …um elemento da realidade, traduzível na alteração dessa mesma realidade, cuja existência é incontestável, que tem um tempo e um espaço precisos…”. Já um juízo deve ser percebido, neste contexto, como uma apreciação relativa ao valor de uma ideia ou de uma coisa. No juízo a ideia ou coisa é valorada em função do fim prosseguido.

Ainda que a reclamação pudesse integrar um interesse legítimo, escrever na “Reclamação” que os utentes são maltratados e que a assistente tem vindo, ao longo da sua permanência naquele serviço, a ter atitudes quer verbais, quer comportamentais, indignas e inaceitáveis, são juízos de valor e não factos concretos. Como tal estão fora da “exceptio veritatis”.

Mesmos os factos que diz terem sido praticados relativamente à sua mãe e irmã, não se mostram provados, nem resulta da sentença que o recorrente tenha feito qualquer esforço no sentido dos conseguir provar, uma vez que não as arrolou como testemunhas. Para além da relação familiar, nada se refere na factualidade provada que ao fazer esta imputação agiu de boa fé.

Independentemente da prova da “exceptio veritatis” cremos que a imputação de juízos poderá sempre integrar a causa de exclusão da ilicitude ao abrigo do ao art.31.º, n.º 2, al. b), do Código Penal, quando fiquem demonstrados factos concretos que sustentem os juízos ou que com base nos mesmos o agente tinha fundamento sério para, em boa fé, os reputar verdadeiros.

No caso, aceitando o arguido B... que não presenciou os factos que imputa à assistente, e resultando da al. h) da factualidade provada que não entra há pelo menos 15 anos na Extensão de Saúde de W..., querendo o recorrente assumir as “dores” de todos os utentes, exigia a boa fé que o mesmo antes de escrever a reclamação averiguasse junto de alguns outros utentes do serviço, não só se eram maltratados pela assistente e se ao longo da sua permanência naquele serviço ela tinha atitudes verbais e comportamentais indignas e inaceitáveis, a impor a sua suspensão ou transferência, mas especificar os respectivos factos concretos. Confrontar a assistente, com uma situação que ele não presenciara era, nas circunstâncias concretas, um dever a cargo do reclamante e como vemos não o fez. Aliás, optou por fazer a reclamação, não na Extensão, mas na ARS da Covilhã ( al.c) da factualidade provada).

Da factualidade provada não resulta que o arguido tenha seguido um caminho de adequação e proporcionalidade de modo a preservar até onde fosse possível o direito à honra e consideração que era e é atributo da assistente.

Do exposto se conclui que não pode o arguido beneficiar da causa de exclusão da ilicitude a que alude o n.º2 do art. 180.º do Código Penal, nem vemos motivos para excluir a ilicitude da sua conduta em face das regras gerais constantes do art.31.º do Código Penal, designadamente, do seu n.º2 , alínea b) , em que se prevê que não é ilícito o facto praticado no exercício de um direito.

Entendemos, consequentemente, que a decisão recorrida ao considerar que a conduta do arguido é típica, ilícita e culposa, não viola qualquer das normas legais, designadamente as apontadas pelo recorrente nas conclusões da motivação, pelo que se impõe manter a decisão recorrida.

            Decisão

            Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido B... e manter a douta sentença recorrida.

             Custas pelo recorrente, fixando em 5 Ucs a taxa de justiça.

                                                                         *

Orlando Gonçalves (Relator)

Alice Santos


[1]  Cfr. BMJ n.º 458º , pág. 98.
[2]  Cfr. CJ, ASTJ, ano VII, tomo I, pág. 247.
[3]  Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2ª edição, pág. 350.

[4] – neste sentido, entre outros, os Acórdãos do STJ de 7/04/2010 ( proc. n.º 83/03.1TALLE.E1.S1, 3ª Secção, in www.dgsi.pt) de 6-4-2000 (BMJ n.º 496 , pág. 169) e de 13-1-1999 (BMJ n.º 483 , pág. 49) e os Cons. Leal- Henriques e Simas Santos , in “Código de Processo Penal anotado” ,   2ª ed., pág. 737 a 739.

[5] DR, I-A Série, de 28 de Dezembro de 1995.
[6]  - Cfr. Cons. Simas Santos e Leal-Henriques , in “Código de Processo Penal anotado”, Rei dos Livros , 2ª ed. ,Vol. II , pág. 740. No mesmo sentido decidiram, entre outros, os acórdãos do STJ de 4-10-2001 (CJ, ASTJ, ano IX, 3º , pág.182 ) e Ac. da Rel. Porto de 27-9-95 ( C.J. , ano XX , 4º, pág. 231).

[7] cfr. Prof. Cavaleiro de Ferreira , in “Curso de Processo Penal”, Vol. II , pág.300. 
[8]  cfr.“Direito Processual Penal”, 1º Vol., Coimbra Ed., 1974, páginas 203 a 205.
[9]  in C.J. , ano XXVII , 2º , página 44.

[10] Cfr. entre outros , o acórdão do S.T.J. de 2 e Maio de 1996 ( C.J. , ASTJ , ano IV , 1º, pág. 177 ) .

[11]  C.J. ano XXIII,  2º , pág. 64 e seguintes.
[12] Escreve Cuello Calon, que para apreciar se os factos , palavras e escritos são injuriosos será de ter em conta os antecedentes do facto , o lugar , ocasião , qualidade , cultura e relações entre ofendido e agente , de modo que factos , palavras e escritos que em determinados casos ou circunstâncias se reputam gravemente injuriosos , podem noutros não se considerar ofensivos ou tão somente constitutivos de injúria leve .- Cfr. “Derecho Penal , Parte Especial , pág. 651.

Também  o Prof. José Faria Costa alerta para que « o cerne da determinação dos elementos objectivos se tem sempre de fazer pelo recurso a um horizonte de contextualização . Reside, pois, aqui , um dos elementos mais importantes para , repete-se , a correcta determinação dos elementos objectivos do tipo.». "Comentário Conimbricense ao Código Penal" , Tomo I , pág. 612.

No mesmo sentido, ainda, entre outros, o  Ac. Rel. de Coimbra , de 5-6-2002 , proc. n.º 1480/02 , in WWW.dgsi.pt..

[13] Cfr. Desembargador António Oliveira Mendes, “ O direito à honra e a sua tutela Penal”, Almedina , 1996, páginas 62 a 64 , e Cons. Leal-Henriques e Simas Santos, “ Código Penal” , 2º Vol., 2ª edição, Rei dos Livros, pág.319 , e acórdão da Relação de Coimbra, de 23 de Abril de 1998, CJ, ano XXIII, 2º, pág. 64.