Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
46/12.6TBRSD.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOÃO AREIAS
Descritores: EXPROPRIAÇÃO
SOLO APTO PARA OUTROS FINS
RESERVA ECOLÓGICA NACIONAL
RESERVA AGRÍCOLA NACIONAL
Data do Acordão: 01/09/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU - LAMEGO - JL CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.26 Nº12, 27 C EXP.
Sumário: 1. A qualificação do solo como “apto para construção” ou “apto para outros fins” pressupõe a aplicação do direito aos factos caraterizadores da parcela expropriada, não devendo, como tal, constar da matéria de facto dada como provada.

2. O disposto no nº12 do artigo 26º do Cod. Expropriações deve considerar-se reservado para aqueles casos em que não fora a classificação atribuída pelo plano municipal – como zona verde ou de lazer ou para instalação de infraestruturas ou equipamentos públicos – teriam de ser considerados como aptos para a construção.

3. A citada norma não é de aplicação extensiva aos terrenos incluídos na REN ou na RAN.

Decisão Texto Integral:                





                                                                                

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2ª Secção):

I – RELATÓRIO

Nos presentes autos de expropriação por utilidade pública em que é expropriante a Câmara Municipal de (...) e expropriados Herdeiros de A (…) e outros,

 foi adjudicada à expropriante a parcela de terreno com a área de 3.830 m2 desanexada do prédio rústico denominado “Quinta (...) ”, inscrito sob o n.º (...) /19930623, com o artigo matricial n.º (...) necessária à execução do Parque Urbano e Módulos de Apoio a Eventos, sita na freguesia e concelho de (...) .

Tendo sido proferido Acórdão Arbitral que fixou a indemnização a atribuir pela expropriação da parcela no valor de 29 250,90 € (23.860,90 €, pelo valor do terreno como “solo ato para outros fins” e 5.390,90 € correspondente ao valor das benfeitorias – fls. 527 a 560), os expropriados dela interpuseram recurso, propondo a fixação de uma indemnização global no valor de 273. 060,00 € – 188.250,00 € a título de indemnização pela parcela a expropriar e o restante a título de benfeitorias –, acrescida das devidas atualizações.

A Expropriante respondeu no sentido da improcedência do recurso.

Realizada a avaliação, foi apresentado um Relatório de Arbitragem subscrito por todos os peritos, no qual, sendo unânimes quanto à qualificação do solo como “apto a outros fins”, divergem, contudo, quanto aos critérios de avaliação, quer quanto ao valor do solo, quer quanto às benfeitorias: os peritos do tribunal propõem a indemnização de € 40.712,90 como valor da parcela a expropriar, pela entidade expropriante é proposto o valor indemnizatório de 26.119,50 € e pelo perito indicado pelos expropriados o valor de € 132.128,50, todos eles propondo determinado valor a título de benfeitorias consideradas pertinentes (fls. 662 a 667).

Posteriormente, na sequência dos esclarecimentos que lhe foram solicitados pelo tribunal, e tendo-lhes sido pedido que elaborassem novo relatório de modo a contemplar as possíveis soluções de direito, quer quanto à natureza do solo quer quanto às benfeitorias, os Srs Peritos vieram apresentar nova avaliação partindo da qualificação do solo como “apto a construção”:

- os peritos do tribunal e o da expropriante um Relatório conjunto, no qual propõem como valor total do solo a quantia de 36.768,00 €, a que acresce o valor das benfeitorias (Relatório de fls. 879 a 899 e declaração de adesão de fls. 904).

- o perito dos expropriados apresenta também ele novo relatório no qual propõe um valor indemnizatório de € 267.560,00 , correspondendo 188.250, 00 € ao valor do terreno como “apto para construção” (cfr. fls. 870/876).

As partes apresentaram alegações ao abrigo do disposto no artigo 64º do Código das Expropriações:

- a expropriante defendendo que o valor indemnizatório deve ser fixado em € 36.768,00, com os fundamentos de facto e de direito constantes de fls. 965/970;

- sustentando os expropriados que o valor indemnizatório deverá ser o correspondente ao valor do solo apto para construção (fls. 956/962).

Foi proferida sentença a julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelos expropriados e, em consequência, fixando o montante global indemnizatório a pagar em EUR 41.362,90, a atribuir aos expropriados, a atualizar à data da sentença de acordo com os índices de preços ao consumidor aplicáveis.


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Não se conformando com a mesma, os expropriados dela interpuseram recurso de apelação, concluindo a respetiva motivação, com as seguintes conclusões:

I - Sem prejuízo do entendimento quanto à classificação do solo, não se apreende a razão de desconsideração do valor de €87.782,90 (Laudo de 11/2012) a que chegaram os Peritos do Tribunal na referida avaliação (pág.ª 14/30) e que sempre deveria prevalecer!

II - Existem fatos quanto à inserção da parcela demonstrados pela VAPRM, Acórdão Arbitral e Laudo Pericial que devem ser carreados para a matéria assente e que não o foram nesta extensão.

III - Deve ser aplicável o n.º 12 do artigo 26.º do CE porque, para além da inserção urbana, a aquisição (cfr. Registo Predial junto aos autos) é anterior à vigência do PDM aplicável, como o é anterior à delimitação da REN para a área do Município de (...) foi aprovada apenas em 1997 – Resolução do Conselho de Ministros n.º 93/97 de 12-6 – estes são fatos que, também, devem ser acolhidos nos factos assentes.

IV - A não se avaliar a parcela nos termos ora defendidos estamos perante um exemplo flagrante de aceitação de uma manipulação da Expropriante que, como detentora da possibilidade de previsão do PDM e sua proposta, manteve a classificação na zona para poder pagar como agrícola aquilo que era de construção, quando, ademais – resulta do pedido de DUP – foi pedida autorização à CCDR Norte a possibilidade de construção – facto a reverter, também, para a matéria provada.

V - A percentagem a título de Localização e Qualidade Ambiental deve ser a de, pelo menos, 10%.

VI - No que respeita à aplicação dos acréscimos previstos no n.º 7 do artigo 26.º do CE – sempre tendo em conta a avaliação de Junho de 2016, a posição assumida pelos Peritos do Tribunal é ilegal torpedeando o exposto na VAPRM pois existem infraestruturas com exceção do gás!

VII - Desconsiderando a existência de infraestruturas, não podem penalizar-se duplamente os Expropriados ao considerarem fatores corretivos previstos nos n.ºs 8 e 9 com conexão também àquelas.

VIII - O Fator de conversão área bruta-útil deve ser desconsiderado.


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A expropriante apresenta contra-alegações, no sentido da improcedência do recurso.
Cumpridos que foram os vistos legais, ao abrigo do disposto na última parte do nº4 do artigo 657º do CPC, cumpre decidir do objeto do recurso.
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., artigos 635º, e 639º, do Novo Código de Processo[1] –, as questões a decidir são as seguintes:
1. Desconsideração do valor de 87.782,90 € a que chegaram os peritos do Tribunal no laudo em que se apoiou a decisão recorrida.
2. Aditamento de factos.
3. Qualificação da parcela como solo apto pra construção ou solo apto para outros fins.
4. Critérios de cálculo do valor da parcela em conformidade com a qualificação adotada.
III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

1. Desconsideração do valor de 87.782,90 €, atribuído no relatório de peritagem em que se apoiou a decisão recorrida

O tribunal recorrido, optando por qualificar a parcela expropriada como “solo apto para outros fins” – qualificação que lhe competia, por envolver matéria de direito – na determinação do valor da parcela acabou por seguir os cálculos constantes do 1º Relatório conjunto elaborado no âmbito dos presentes autos, e aí adotados pelos peritos nomeados pelo tribunal respeitantes a tal parcela enquanto “terreno para outros fins” (Relatório subscrito pelos cinco peritos, embora os peritos da expropriante e o dos expropriados assumam aí posições divergentes – fls. 656 a 677).

O juiz a quo considerou, assim, adequado o valor a que aí chegaram os Srs. peritos nomeados pelo Tribunal, vindo a fixar a indemnização a atribuir aos expropriados no valor de 41.362,90 €.

Lido tal Relatório, constata-se que os Srs. Peritos do Tribunal calcularam o valor do solo expropriado no montante de 40.712,90 €, avaliando as benfeitorias aí identificadas (amieiros e muros), no valor global de 47.070,00 €, parcelas cuja soma dá o tal valor de 87,782,90 €, reclamado pelos Apelantes.

Lida a sentença recorrida, a única referência que aí se encontra quanto à existência de benfeitorias e ao respetivo valor situa-se na alínea (m) da matéria de facto dada como provada – “O valor a considerar das benfeitorias plantadas (amieiros) existentes na mencionada parcela, ascende a 650,00 €”.

E, comparando com a avaliação efetuada pelos Peritos do Tribunal do Relatório inicial, constata-se que enquanto os Srs. Peritos avaliaram também uns muros a que atribuíram o valor de 46.420,00 €, a sentença recorrida considerou unicamente como benfeitorias a existência dos referidos 13 amieiros.

E a sentença recorrida, ao fundamentar a convicção que formou relativamente à decisão proferida sobre a matéria de facto, surge aí a explicitação do motivo que levou à desconsideração da existência dos referidos muros:

“Quanto às benfeitorias a convicção do Tribunal assentou, desde logo, na vistoria ad perpetuam rei memoriam cujo relatório é elucidativo no tocante as benfeitorias existentes na parcela a expropriar, sendo que os muros descritos nos pontos 4.11.6 e 5.2 b) do relatório maioritário (fls. 666 e 668), estão denominadas como “benfeitorias envolventes”, para as diferenciar daquelas que efectivamente foram construídas na parcela expropriada pelos expropriados, resultando do levantamento topográfico e das fotografias juntas aos autos que tais muros (em betão armado) servem de suporte à EN, que delimitam a parcela em causa, não fazendo parte da sua estrutura produtiva, tal como foram assim descritas na aludida vistoria (pontos 7.3 e 12 de fls. 152 e 153 v.), com a qual as partes se conformaram, inexistindo nos autos outros elementos que indiciem o contrário do vertido nos factos assentes descritos em g) e h). Para ao cálculo das benfeitorias, perfilhando o relatório maioritário, foi apenas valorado o custo das benfeitorias plantadas (amieiros), já que o valor dos tanques e do muro em pedra se fará repercutir na exploração económica do prédio, por se considerar que as produções dele resultantes só serem alcançáveis, considerando o benefício daquelas infraestruturas, sem as quais não seria permitida a sua exploração agrícola, considerando-os assim como componente intrínseca da produtividade do solo.

Ou seja, não existe qualquer omissão relativamente à não consideração dos muros existentes para efeitos de atribuição da indemnização aos expropriados. O tribunal a quo nas benfeitorias a indemnizar não considerou o valor tais muros, porquanto servem de suporte à E.N., não fazendo parte da estrutura produtiva da parcela.

2. Aditamento de factos

Embora de um modo não muito claro, extrai-se das suas alegações de recurso que a apelante pretende ver aditados os seguintes factos, que, em seu entender, resultariam da VAPRM, do Acórdão Arbitral e do Laudo Pericial:

- O prédio de onde é destacada a parcela é servido, designadamente, por acessos em betuminoso (duas vias públicas, a saber, Rua (...) e Rua (...) ) infra-estruturados;

- De acordo com a VAPRM a parcela a expropriar tem todas as infra-estruturas urbanísticas à exceção da rede de gás que não existe em todo o concelho de (...) ;

- A parcela tem na sua envolvente o CENTRO da sede do concelho com habitações, arruamentos e equipamentos normais de um qualquer Centro Cívico da sede do Concelho;

- esta encontra-se no próprio Centro da Vila de (...) ;

- Naquele Centro Urbano em que a parcela se encontra integrada (e na envolvente) existem edifícios de habitação coletiva com R/C e 3 andares (cfr. VAPRM) e temos a Câmara Municipal e as Piscinas Municipais a 100metros, o Quartel da GNR a 200metros, o Centro de Saúde a 400m, uma Escola Secundária a 500metros e outros equipamentos públicos; Bem assim o Tribunal, Junta de Freguesia, Santa Casa da Misericórdia de (...) , Mercado Municipal, Clínicas Privadas e tantos outros Serviços Públicos e Privados normais de qualquer Centro Urbano.

Da análise do Auto de Vistoria ad Perpetuam Rei Memoriam, do Acórdão Arbitral, e dos vários relatórios de Peritagem juntos aos autos (nomeadamente do Relatório conjunto, na parte em que se mostra subscrito por todos os peritos), concluiu-se que se podem efetivamente ter como provados os seguintes factos relativos à localização da parcela e sua envolvente, factos esses que serão de aditar à matéria de facto dada como provada:

s) O prédio de onde é destacada a parcela é servido por duas vias públicas, a Rua (...) e a Rua (...) com pavimento a betuminoso e com passeios;

t) As infraestruturas existentes nessas duas ruas são as seguintes:

- Rede de abastecimento domiciliário de água;

- Rede de distribuição de energia elétrica em baixa tensão;

- Rede de tratamento de águas residuais;

- Estação depuradora;

- Rede de drenagem de águas pluviais;

- Rede telefónica.

u) A parcela localiza-se no centro da Vila de (...) com habitações, arruamentos e equipamentos normais de um qualquer Centro Cívico da sede do Concelho;

v) Naquele Centro Urbano em que a parcela se encontra integrada (e na envolvente) existem edifícios de habitação coletiva com R/C e 3 andares (cfr. VAPRM) e temos A Câmara Municipal e as Piscinas Municipais a 100metros, o Quartel da GNR a 200metros, o Centro de Saúde a 400m, uma Escola Secundária a 500metros e outros equipamentos públicos; Bem assim o Tribunal, Junta de Freguesia, Santa Casa da Misericórdia de (...) , Mercado Municipal, Clínicas Privadas e tantos outros Serviços Públicos e Privados normais de qualquer Centro Urbano.

x) A parcela apresenta configuração geométrica irregular, que será desanexada do topo sul do prédio mãe; a parcela expropriada propriamente dita não confina com nenhuma rua pavimentada ou outra.

z) A nascente, a parcela expropriada confina com o Auditório e a Piscina Municipal.

Igualmente é de aditar o seguinte facto, que se mostra provado pela junção aos autos da certidão de registo junta a fls.44 (facto relevante por respeitar a um dos requisitos necessários à aplicação do critério provisto nº12 do art. 26º C.E., aqui em discussão)

c).1. O prédio onde se insere a parcela expropriada encontra-se registado a favor dos expropriados desde 23-06-1993.


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Antes de passarmos às questões atinentes à qualificação da parcela expropriada e critérios para a sua avaliação, haverá inda de, oficiosamente, proceder à eliminação da alínea (n) dos factos dados como provados – “O terreno é classificado como solo apto para outros fins” –, porquanto, a qualificação do terreno como “solo apto a construção” ou como “apto a outros fins” constituiu, não um “facto”, mas um juízo de valor a que se chegará pela aplicação do direito aos factos.

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A. Matéria de Facto.

São os seguintes os factos tidos em consideração na sentença recorrida com as alterações e aditamentos aqui introduzidos:

(a) Por despacho n.º (...) /2011 do Sr. Secretário de Estado da Administração Local de (...) 2011, publicado no Diário da Republica n.º (...) – II Série de (...) 2011 aprovou o mapa de parcelas constante do IT n.º 000170-2011 de 11.02.2011, declarando a utilidade pública, com carácter de urgência, da parcela com 3830 m2 a desanexar do prédio rústico descrito sob o n.º (...) /19930623 e inscrito sob o art. (...) , com vista à execução da obra Parque Urbano e Módulos de Apoio a Eventos.

(b) A obra levada a cabo pela entidade expropriante na parcela em causa traduz-se numa remodelação aberta, sem qualquer edificação, de onde resultam infraestruturas amovíveis.

(c) A parcela identificada é uma parcela rústica com a área total de 3830 m2 a destacar de uma propriedade com a área de 79.000 m2, correspondente ao prédio denominado “Quinta (...) ” sito na freguesia e concelho de (...) , o qual se encontra inscrito na matriz predial rústica com o art. (...) e descrito sob o n.º (...) /19930623 e confronta a norte com (...) , a sul com Quinta (...) , a nascente com herdeiros de (...) e poente com Quinta (...) .

c).1. O prédio onde se insere a parcela expropriada encontra-se registado a favor dos expropriados desde 23-06-1993.

(d) Tal parcela apresentava uma configuração geométrica irregular, desanexada do topo sul do referido prédio, localizada numa encosta, com declive no sentido sul/norte em direção ao rio Douro, com socalcos e bom perfil para culturas hortícolas (batata, couve penca, cebola e alho), a cuja prática se destinava, a confrontar do norte com a área sobrante dos expropriados, do sul com terreno municipal (parque de estacionamento), do nascente com área sobrante da quinta e do poente com terreno municipal confinante com a Rua (...) .

(e) O acesso é feito através do caminho que parte da Rua de (...) .

(f) A referida parcela, de acordo com o PDM de (...) , enquadra-se na classificação de Solo Rural, Espaços Agrícolas e Espaços Florestais de Proteção, Reserva Ecológica Nacional (REN), donde consta uma linha de água – Área de Domínio Público Hídrico.

(g) À data da Vistoria ad Perpetuam Rei Memoriam existiam: 13 amieiros com DAP 0,40m, um tanque com 5 m (comprimento)×3 m (largura)×1.30 m (altura), em bom estado de conservação, ao qual estão ligados 3 tubos de polietileno, debitando apenas um deles um caudal de água de aprox. 10 l/minuto; um muro antigo, em pedra sobreposta de granito com 50 m de extensão e 2 m de altura (média); e um tanque de retenção de água construído em pedra, ligado a uma mina em pedra aparelhada.

(h) Decorre do Relatório de Vistoria ad Perpetuam Rei Memoriam, que «as benfeitorias existentes na parcela expropriada” são as constantes dos “itens 7.1 e 7.2” do mesmo relatório, ou seja, as “benfeitorias construídas” e as “benfeitorias plantadas” descritas no ponto (g).

(i) A área envolvente é de natureza ecológica e urbana, sendo a norte, nascente e poente constituída por terrenos de cultivo agrícola e frutícola, sistematizados em socalcos que se estendem até ao rio Douro e a sul pela área urbana da vila de (...) .

(j) A parte sobrante é agrícola, mantendo os mesmos cómodos para a respetiva prática que se vinha praticando no prédio.

(k) Dado o elevado desnível entre as plataformas da parcela em causa, esta não dispõe de acessibilidade às infraestruturas urbanísticas existentes na Rua (...) (com a qual o prédio confina a sul), registando-se um desnível mínimo da parcela, superior a 10 m.

(l) Existem infraestruturas urbanas no arruamento aludido em (k), onde predominam habitações multifamiliar de tipologia r\c+2 e na Rua (...) que permite a ligação ao auditório e piscina municipal, com a qual a parcela confina a nascente, com desnível superior a 10 m.

(m) O valor total a considerar das benfeitorias plantadas (amieiros) existentes na mencionada parcela, ascende a € 650,00.

 (n) (eliminado).

(o) A parcela em causa tem exposição norte, com inclinação média na ordem dos 40%.

(p) A totalidade da parcela com cerca de 3830 m2, é apta a cultura de espécies hortícolas, tratando-se de um terreno com boa fertilidade.

(q) A taxa de atualização mais adequada para o terreno em referência, de cultura arvense de regadio é de 5%, tendo em conta a sua aptidão e localização.

(r) O valor fundiário da parcela é de 10,63€/m2, atenta a sua localização, confinância, acessos e fertilidade do solo.

s) O prédio de onde é destacada a parcela é servido por duas vias públicas, a Rua (...) e a Rua (...) com pavimento a betuminoso e com passeios;

t) As infraestruturas existentes nessas duas ruas são as seguintes:

- Rede de abastecimento domiciliário de água;

- Rede de distribuição de energia elétrica em baixa tensão;

- Rede de tratamento de águas residuais;

- Estação depuradora;

- Rede de drenagem de águas pluviais;

- Rede telefónica.

u) A parcela localiza-se no centro da Vila de (...) com habitações, arruamentos e equipamentos normais de um qualquer Centro Cívico da sede do Concelho;

v) Naquele Centro Urbano em que a parcela se encontra integrada (e na envolvente) existem edifícios de habitação coletiva com R/C e 3 andares (cfr. VAPRM) e temos A Câmara Municipal e as Piscinas Municipais a 100metros, o Quartel da GNR a 200metros, o Centro de Saúde a 400m, uma Escola Secundária a 500metros e outros equipamentos públicos; Bem assim o Tribunal, Junta de Freguesia, Santa Casa da Misericórdia de (...) , Mercado Municipal, Clínicas Privadas e tantos outros Serviços Públicos e Privados normais de qualquer Centro Urbano.

x) A parcela apresenta configuração geométrica irregular, que será desanexada do topo sul do prédio mãe; a parcela expropriada propriamente dita não confina com nenhuma rua pavimentada ou outra.

z) A nascente, a parcela expropriada confina com o Auditório e a Piscina Municipal.


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3. Qualificação da parcela expropriada:

O juiz a quo, partindo da circunstância de que “a parcela expropriada se insere num prédio rústico de onde foi destacada e está integrada, de acordo com o PDM de (...) , em espaço agrícola, em zona de REN, numa área de domínio público hídrico”, invocando o entendimento versado no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 6/2011, e considerando que nos caso em apreço, os expropriados não lograram demonstrar a verificação de alguma das hipóteses em que, excecionalmente solos adquiridos em data anterior à inclusão na REN ou na RAN e que tenham alguma capacidade edificativa, poderão ser avaliados nos termos do artigo 26º, nº12 do C.E.. – quando o proprietário demonstre ter sido autorizado a construir nesse solo algum edifício ou quando a expropriação tenha visado a construção de prédios urbanos –, optou por qualificar a parcela expropriada como “solo apto para outros fins”.

Insurgem-se os apelantes contra tal qualificação defendendo dever ser classificado como “solo apto para a construção”, porquanto, não só a parcela se situa no Centro de (...) , sendo servida por duas vias públicas infraestruturadas, como a aquisição do terreno pelos expropriados é anterior à vigência do PDM – o PDM é de 16-11-1993, Resolução do Conselho de Ministros nº 93/97, de 16-11 – bem como à delimitação da REN para o concelho de (...) aprovada apenas em 1997 a – Resolução do Conselho de Ministros nº 93/97, de 12-06.

A este nível – qualificação do solo como “apto para a construção” ou “apto para outros fins” –, desde logo se constata que todos os Srs. Peritos participaram na elaboração de um Relatório conjunto, no qual, de forma unânime, qualificaram a parcela como “apta para outros fins”, divergindo, tão só, relativamente a alguns dos critérios de avaliação do valor do solo (bem como relativamente ao valor a atribuir às benfeitorias).

E, basearam tal qualificação nas seguintes circunstâncias, que se encontram refletidas na matéria de facto dada como provada[2]:

1. apesar da parcela (bem como o prédio rústico em que se insere) se situar no centro da Vila de (...) , ou seja, em pleno núcleo urbano, e de o prédio onde ela se insere confinar com a Rua (...) e a Rua (...) com pavimento a betuminoso e passeio e que dispõem de todas as infraestruturas previstas na al. a) do nº2 do artigo 25º, a parcela em si não confina diretamente com qualquer rua, sendo que, dado o desnível da parcela relativamente àquelas ruas, superior a 10 metros, os Srs. peritos, de forma unanime, concluíram que as infraestruturas existentes naquelas ruas não são de molde a servir a parcela expropriada;

2. a parcela, de acordo com o PDM de (...) , enquadra-se na classificação de “Solo Rural, Espaços Agrícolas e Espaços Florestais de Proteção, Reserva Ecológica Nacional (REN)”, donde consta uma linha de água Área de Domínio Público Hídrico.

As circunstâncias descritas sob os pontos 1 e 2 levar-nos-ão, desde logo, à classificação de solo apto para outros fins, nos termos do nº3 do artigo 25º do Código das Expropriações (C.E.), uma vez que a parcela, dadas as suas caraterísticas, não é enquadrável em qualquer uma das alíneas previstas no seu nº1, por não possuir as infraestruturas previstas na al. a) (a circunstância de não beneficiar de qualquer infraestrutura torna irrelevante a localização da parcela no centro urbano de (...) ), nem ser previsível que delas venha a beneficiar face ao teor dos ordenamentos territoriais em vigor, sendo que não é alegada a existência de qualquer alvará de loteamento à data da declaração de utilidade pública.

Vejamos, agora, a segunda questão – se a parcela pode ser avaliada com recurso aos critérios previstos no nº12 do artigo 26º do Código da Expropriação, segundo o qual, “Sendo necessário expropriar solos classificados como zona verde, de lazer ou para instalação de infraestruturas e equipamentos públicos por plano municipal de ordenamento de território plenamente eficaz, cuja aquisição seja anterior à sua entrada em vigor, o valor de tais solos será calculado em função do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente, cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada”.

No caso em apreço, sendo a aquisição do prédio onde se insere a parcela expropriada, anterior à aprovação do PDM, pretendem os Apelantes que à situação se enquadraria no âmbito da referida norma.

E, se os limites à construção resultassem única e exclusivamente do enquadramento resultante do Plano Diretor Municipal, não teríamos dúvidas quanto à aplicação da citada norma.

Contudo, no caso em apreço, deparamos com uma outra condicionante, resultante de a parcela se integrar na Reserva Ecológica Nacional (REN) o que nos remete para a velha discussão sobre a aplicabilidade de tal norma aos terrenos integrados na REN ou na RAN, sobre a qual o Tribunal Constitucional[3] foi chamado a sobre ela se pronunciar por diversas vezes e que deu já lugar à prolação de dois acórdãos para fixação de jurisprudência.

O AUJ nº 6/2011, de 07-04-2011, publicado no D.R. 1ª Série, de 17-05-2011, fixou a seguinte jurisprudência:

Os terrenos integrados seja em Reserva Agrícola Nacional (RAN), seja em Reserva Ecológica Nacional, por força do regime legal a que estão sujeitos, não podem ser qualificados como “solo apto para construção”, nos termos do art. 25º, ns. 1, al. a), e 2, do Cod. Das Expropriações, aprovado pelo art. 1º da Lei nº 168/99, de 18-09, ainda que preencham os requisitos previstos naquele nº2”.

E o recente AUJ nº 6/2017, relatado por Abrantes Geraldes e publicado no DR 1ª Série de 05-07-2017, que estabeleceu a seguinte uniformização:

A indemnização devida pela expropriação de terreno rústico integrado na Reserva Ecológica Nacional e destinado por plano diretor municipal de ordenamento do território a “espaço-canal” para a construção de uma infra-estrutura rodoviária é fixada de acordo com o critério definido pelo artigo 27º do Cod. das Expropriações, destinado a solos para outros fins, e não segundo o critério previsto no artigo 26º, nº12”.

Este acórdão veio responder à questão sobre se o disposto no artigo 26º, nº12 do Cod. das Expropriações acerca da avaliação de terrenos expropriados, deve ser confinado aos solos que “são destinados a “zona verde, de lazer ou para instalação de infraestruturas e equipamentos públicos” por “plano municipal de ordenamento de território” ou se abarca também aqueles cuja potencialidade edificativa sobra a interferência da sua integração em zona de REM.

A referida norma, inicialmente inserida no nº12 do art. 26 do CE aprovado pelo De-Lei nº 438/91, de 9 de novembro, artigo que tinha por epígrafe “Calculo do valor do solo como apto para outros fins”, surge agora inserida no artigo com a epígrafe “Calculo do valor do solo apto para construção”, fixou um especial critério de avaliação para os solos classificados como “zona verde e de lazer”, bem como para os solos destinados à “instalação de infraestruturas e equipamentos públicos”, critério este apenas aplicável aos solos adquiridos pelo expropriado em data anterior à entrada em vigor do plano municipal de ordenamento do território.

Aí se considerou que, com a salvaguarda que emerge do nº12 do artigo 26º, o legislador visou tutelar interesses dos proprietários dos terrenos que, conquanto não sejam formalmente classificados como terrenos para construção, apresentam, ainda assim, potencialidade construtiva que sai prejudicada pela atribuição de alguma das aludidas classificações.

Este critério deve ser reservado a solos que, não fora a classificação atribuída pelo plano municipal, teriam de ser considerados como solos aptos a construção, atendendo a um conjunto de elementos certos e objetivos, relativos à sua localização, acessibilidades, desenvolvimento urbanístico da zona e existência de infraestruturas urbanísticas, atestando uma aptidão ou vocação objetiva para a edificabilidade[4].

Partindo da distinta natureza dos interesses em jogo – enquanto a inserção em zonas verdes ou equiparadas é fixada pelos planos municipais segundo critérios de oportunidade amplamente discricionários das entidades administrativas, na base da aprovação e delimitação dos solos na RAN/REN estão interesses de ordem geral de projeção nacional, consubstanciando a proibição de neles construir uma imposição de restrições decorrentes da natureza intrínseca dos terrenos e que se mostram necessárias e funcionalmente adequadas a acautelar uma reserva de terrenos agrícolas que propiciem o desenvolvimento da atividade agrícola, o equilíbrio ecológico e outros fundamentais interesses públicos – o recente Acórdão UJ nega a possibilidade de aplicação extensiva do nº12 do art. 26º CE aos terrenos incluídos na REN/RAN.

Tal acórdão foi igualmente sensível à circunstância de o Tribunal Constitucional se ter vindo a pronunciar no sentido de que as situações em que os particulares são prejudicados por restrições edificativas que emergem da REN ou da RAN, por comparação com outros terrenos situados em área envolvente mas não submetidos a tais restrições, não constituir uma violação quer do princípio da igualdade, quer do princípio da justa indemnização[5].

Assim sendo, quer porque, apesar de situada no centro urbano de (...) , as infraestruturas urbanísticas existentes nos dois arruamentos que a ladeiam não servem a parcela dado o desnível existente entre aqueles e esta, quer porque não se encontra destinada a adquiri-las pelo PDM em vigor, quer por se tratar de solo integrado na REN, confirmar-se-á a qualificação dada pela 1ª instância, avaliando a parcela expropriada como um “solo apto para outros fins”, e com recurso aos critérios previstos no art. 27º do C.E.

Fazendo os apelantes assentar toda a sua discordância relativamente ao decidido partindo da qualificação da parcela como apta para construção, e denegada tal pretensão, nenhuma outra questão haverá a tratar nesta sede.

A apelação é de improceder, sem outras considerações.

IV – DECISÃO

 Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas da apelação pelos expropriados/Apelantes.                     

                                                                Coimbra, 09 de janeiro de 2018

Maria João Areias ( Relatora)

Alberto Ruço

Vítor Amaral

                                                                                 


V – Sumário elaborado nos termos do art. 663º, nº7 do CPC.
1. A qualificação do solo como “apto para construção” ou “apto para outros fins” pressupõe a aplicação do direito aos factos caraterizadores da parcela expropriada, não devendo, como tal, constar da matéria de facto dada como provada.
2. O disposto no nº12 do artigo 26º do Cod. Expropriações deve considerar-se reservado para aqueles casos em que não fora a classificação atribuída pelo plano municipal – como zona verde ou de lazer ou para instalação de infraestruturas ou equipamentos públicos – teriam de ser considerados como aptos para a construção.
3. A citada norma não é de aplicação extensiva aos terrenos incluídos na REN ou na RAN.
 


[1] Tratando-se de decisão proferida após a entrada em vigor do novo código, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, em ação instaurada depois de 1 de Janeiro de 2008, aplicar-se-á o regime de recursos constante do novo código, de acordo com o art. 5º, nº1 do citado diploma – cfr., neste sentido, António Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina 2013, pág. 16.
[2] Nomeadamente nas alíneas k) e l), da matéria de facto dada como provada, e que não foi objeto de impugnação por parte dos Apelantes.
[3] Entre outros, cfr., Acórdãos do Tribunal Constitucional nº 196/2011 (no sentido de que a exclusão dos terrenos integrados na REN ou na RAN violaria o principio da igualdade), e ns. 641/2013 e 93/2014, que concluíram pela não inconstitucionalidade de tal aplicação restritiva.
[4] Alves Correia, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 133, pp. 53 e 54.
[5] Entre outros, o Acórdão do Plenário do Tribunal Constitucional do plenário nº641/2013, Acórdãos nº 93/2014, nº 599/2015 e nº 84/2017, no qual se decidiu “não julgar inconstitucional a norma contida nos arts. 25º, nº2, 26º, nº12 e 27º do Cod. Expropriações, segundo o qual o valor da indemnização devida pela expropriação de terreno integrado na RAN e/ou na REN, com aptidão edificativa segundo os elementos objetivos definidos no nº2 do artigo 25º, deve ser calculado de acordo com os critérios definidos no nº12, do art. 26º, todos do referido Código”.