Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
706/12.1TTLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FELIZARDO PAIVA
Descritores: DESPEDIMENTO ILÍCITO
PODER DISCIPLINAR
PRAZO DE CADUCIDADE
Data do Acordão: 11/21/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE LEIRIA – 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 329º, Nº 2, E 382º, Nº 1 DO CÓDIGO DO TRABALHO.
Sumário: I – O procedimento disciplinar deve exercer-se nos 60 dias subsequentes àquele em que o empregador ou o superior hierárquico com competência disciplinar teve conhecimento da infracção disciplinar.

II –No caso de procedimento disciplinar visando o despedimento do trabalhador, o referido prazo só é interrompido com o conhecimento, pelo trabalhador, da nota de culpa que lhe venha a imputar a prática dos factos passíveis de semelhante sancionamento.

III – Caso o procedimento prévio de inquérito seja necessário para fundamentar a nota de culpa, o seu início interrompe a contagem dos prazos estabelecidos nos nºs 1 ou 2 do artº 329º C.T., desde que ocorra nos 30 dias seguintes à suspeita de comportamentos irregulares, o procedimento seja conduzido de forma diligente e a nota de culpa seja notificada até 30 dias após a conclusão do mesmo (artº 352º CT).

IV – As faltas (injustificadas) são de fácil constatação e o juízo sobre a viabilidade da continuação da relação laboral é feito em face da sua simples constatação, sem necessidade de realização de quaisquer outras diligências.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:

I - A... veio intentar a presente acção com processo especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento contra “B... , E.P.E.”, pedindo que seja declarada a ilicitude ou a irregularidade do seu despedimento.


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Na audiência de partes não foi possível a composição amigável do litígio pelo que se ordenou a notificação da ré para apresentar o articulado motivador, o que esta fez, alegando para o efeito e em síntese, sic, que “devem os factos constantes do presente articulado serem considerada provados e em consequência ser o despedimento considerado lícito, com as legais consequências”.

Alegou, para o efeito e muito em síntese, que, devido ao comportamento culposo da Trabalhadora e às suas faltas injustificadas ao serviço, a despediu com justa causa, no final do respectivo procedimento disciplinar


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A Trabalhadora apresentou contestação (posteriormente aperfeiçoada), pretendendo, a final e sic, que “deve a presente petição inicial ser julgada improcedente por não provada e a presente contestação ser julgada procedente, por provada, e, em consequência, ser: a) Considerado despedimento ilícito que a Ré promoveu à Autora; b) A Ré condenada a pagar à Autora: 1. Indemnização devida à trabalhadora, correspondente à diferença entre o salário e o subsídio de desemprego no montante de € 539,81 (quinhentos e trinta e nove Euros e oitenta e um cêntimos). 2. Indemnização por danos não patrimoniais €5.000,00 (cinco mil Euros); c) Ser a Trabalhadora/Autora reintegrada no seu posto de trabalho”.

Alegou, para o efeito e muito em resumo, que caducou o direito de exercer o poder disciplinar pela Entidade Empregadora, que ultrapassou também o prazo para proferir a respectiva decisão final e que o seu despedimento é, ao não se verificarem os fundamentos legalmente previstos para o efeito, ilícito, com as consequências previstas na legislação laboral, tendo também direito ao pagamento das restantes quantias peticionadas.


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A Entidade Empregadora apresentou Resposta à Contestação, referindo, a final, que “devem as excepções ser julgadas improcedentes por não provados e o pedido reconvencional”.

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II – Admitida a reconvenção, prosseguiram os autos a sua normal tramitação com dispensa de realização da audiência preliminar e elaboração de base instrutória tendo, a final, sido proferida sentença que decidiu julgar procedente, por provada, a presente acção, bem como parcialmente procedente a reconvenção deduzida pela trabalhadora-reconvinte, e, em consequência:

a) Declarou ilícito, por efeito da caducidade do direito de exercer o poder disciplinar por parte da Entidade Empregadora o despedimento da Trabalhadora efectuado, em 29/6/2012, pela entidade empregadora absolvendo a Trabalhadora A... do pedido contra si deduzido pela Entidade Empregadora, considerando, de todo o modo, como verificados e procedentes os fundamentos invocados para o efeito;

b) Condenou a entidade empregadora-reconvinda a pagar à trabalhadora-reconvinte, a título de retribuições intercalares, a quantia mensal de € 485 (quatrocentos e oitenta e cinco euros), desde o dia 29/6/2012 e até ao trânsito em julgado desta sentença, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data do trânsito em julgado da sentença e até efectivo e integral pagamento, deduzidas do montante de subsídio de desemprego atribuído à Trabalhadora, devendo a Entidade Empregadora entregar essa quantia à Segurança Social;

c) Condenar a entidade empregadora-reconvinda a reintegrar a trabalhadora-reconvinte no mesmo estabelecimento da entidade Empregadora, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade;

d) Absolver a Entidade empregadora-reconvinda do demais peticionado pela trabalhadora-reconvinte.


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III – Inconformada veio a ré apelar, alegando e concluindo[1]:

[…]


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A autora não contra alegou.

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Recebida a apelação o Exmo PGA emitiu parecer no sentido da improcedência da apelação

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A ré espondeu a este parecer.

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IV – Da 1ª instância vem dada como provada a seguinte factualidade:

[…]


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V - Conforme decorre das conclusões da alegação da recorrente que, como se sabe, delimitam o objecto do recurso, as questões a decidir são as seguintes:

1. Se a sentença é nula;

2. Se decorreu o prazo de caducidade do direito em exercer o poder disciplinar (art. 329º, nº 2 do Código do Trabalho).

3. Em caso negativo se a trabalhadora foi despedida licitamente.

Da nulidade da sentença:

Expressa e separadamente veio o recorrente invocar a nulidade da sentença por excesso de pronúncia (artigo 668º nº 1 alínea d) do anterior Cód. Proc. Civil, hoje artigo 615º nº 1 alínea d]).

Alega que o tribunal a quo não podia ter declarado a caducidade do PD, por ter decorrido o prazo de caducidade a que alude o artigo 329º nº 2 do Cód. do Trabalho, na medida em que este prazo não é de conhecimento oficioso[2], não tendo a trabalhadora procedido correctamente à sua invocação pois invocou a prescrição e não a caducidade como facto extintivo.

Acrescentou que quando se alega a prescrição não se está, nem se pretende alegar a caducidade pelo que ao Srº Juiz não lhe era permitido concluir que a autora pretendeu alegar a caducidade quando alegou a prescrição

Decidindo:

Nos artigos 2º e 3º da contestação alegou, respectivamente, a autora : “…o direito de exercer o poder disciplinar prescreveu, em virtude da ré ter dado início ao referido procedimento em data posterior à que alude o artigo 329º do Cód. do Trabalho” e “também a decisão disciplinar ultrapassou o prazo estabelecido no artigo 357º do Cód. do Trabalho”.

Desta alegação decorre que a trabalhadora apelidou como de prescrição o prazo concedido pela lei para se dar início ao PD, fazendo menção expressa ao disposto no artigo 329º do Cód. do Trabalho.

Não podem restar quaisquer dúvidas que a trabalhadora pretendeu invocar a seu favor o decurso do prazo consignado no dito normativo. Só que qualificou mal tal prazo, caracterizando-o como de prescrição e não como de caducidade.

Ora, uma coisa é a qualificação ou caracterização jurídica de um prazo; outra bem diferente, é a sua invocação, ou seja, pretender alguém que se extinga certo direito pelo decurso de tempo. E foi isso, justamente, que a trabalhadora pretendeu com a alegação que fez constar dos artºs 2º e 3º da sua contestação.

Como se decidiu no acórdão desta relação nº 182/08.3TTTMR.C1 (não publicado) “a caducidade deve-se considerar arguida pela ré, independentemente da sua qualificação (a ré chamou-lhe prescrição), porque decorrente da extinção dos direitos pelo decurso do tempo”.

Daí que o tribunal a quo não tenha incorrido em excesso de pronúncia quando conheceu da caducidade e não da prescrição.

Improcede, pois, a invocada nulidade.

Da caducidade do procedimento disciplinar:

A 1ª instância declarou o despedimento ilícito por ter decorrido o prazo de caducidade do direito de exercer o poder disciplinar previsto no art. 329º, nº 2 do Código do Trabalho.

Alinhou, para o efeito, a seguinte fundamentação: “Quanto ao prazo de caducidade (que deverá ser qualificado enquanto tal por a norma em causa não se referir ao mesmo como um prazo de prescrição – assim, MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO, Direito do Trabalho II, 3.ª Edição, Coimbra, 2010, p. 725, falando de “caducidade atípica”, porque passível de interrupção em alguns casos, como veremos infra, e, no mesmo sentido, o Acórdão da Relação de Coimbra de 31 de Janeiro de 2013, retirado de www.dgsi.pt) de sessenta dias relativo ao início do procedimento disciplinar, temos que a Entidade Empregadora (rectius, o seu Conselho de Administração) teve conhecimento, pelo menos (se não antes, em 24 de Janeiro de 2012), da existência de 10 faltas injustificadas por parte da Trabalhadora em 10 de Fevereiro de 2012, data em que decidiu iniciar o respectivo procedimento disciplinar contra a Trabalhadora.

Todavia, a nota de culpa desse procedimento disciplinar apenas foi notificada à Trabalhadora em 14 de Maio de 2012 (sendo essa a data que releva para o efeito, nos termos do Art. 224º do Código Civil), quando já tinha decorrido, há muito, o prazo de sessenta dias mencionado, sendo que “A notificação da nota de culpa ao trabalhador interrompe a contagem dos prazos estabelecidos nos nºs 1 ou 2 do artigo 329º” – Art. 353º, n.º 3 do Código do Trabalho, pelo que essa prévia decisão de instauração do procedimento disciplinar não interrompe o decurso desse prazo (cfr., por todos, Pedro Furtado Martins, ob. cit., p. 188, escrevendo, de forma perfeitamente esclarecedora, que “o que releva para a interrupção do prazo não é o início do procedimento, mas a notificação ao trabalhador da nota de culpa – artigo 353º, 3. O ponto é importante porque, em regra, o procedimento tem início antes da comunicação da nota de culpa ao trabalhador visado (…) Se a nota de culpa não for comunicada dentro do prazo, o poder disciplinar não poderá ser exercido e o trabalhador já não poderá ser despedido”).

Como se escreveu, em relação ao regime legal então em vigor, no Acórdão da Relação de Évora de 26 de Junho de 2007, disponível em www.dgsi.pt, “A regra fundamental em tal domínio é a que se acha consignada no artº 372º, nº 1, do C.T.: “o procedimento disciplinar deve exercer-se nos 60 dias subsequentes àquele em que o empregador, ou o superior hierárquico com competência disciplinar, teve conhecimento da infracção’. Por outro lado, há que notar igualmente que, no caso de procedimento disciplinar visando o despedimento do trabalhador, como sucedeu na hipótese dos autos, e em que como se sabe a lei estabelece uma tramitação formal (cfr. arts.º 411º a 418º do C.T.), o referido prazo de 60 dias só é interrompido com a conhecimento, pelo trabalhador, da nota de culpa que lhe venha a imputar a prática dos factos passíveis de semelhante sancionamento. É o que resulta directamente do preceituado no nº 4 daquele art.º 411º, quando afirma que ‘a comunicação da nota de culpa ao trabalhador interrompe a contagem dos prazos estabelecidos no art.º 372º’”.

De qualquer forma, “Caso o procedimento prévio de inquérito seja necessário para fundamentar a nota de culpa, o seu início interrompe a contagem dos prazos estabelecidos nos nºs 1 ou 2 do artigo 329.º, desde que ocorra nos 30 dias seguintes à suspeita de comportamentos irregulares, o procedimento seja conduzido de forma diligente e a nota de culpa seja notificada até 30 dias após a conclusão do mesmo” – Art. 352º do Código do Trabalho.

Porém, o procedimento prévio de inquérito (sendo muito duvidoso, aliás e face à natureza das infracções disciplinares em causa, que o mesmo fosse minimamente necessário para fundamentar a nota de culpa, não havendo também qualquer “suspeita de comportamentos irregulares”, antes sabendo-se já então que a Trabalhadora tinha faltado injustificadamente por dez vezes num mesmo ano civil) apenas se iniciou mais de 30 dias após o dia 10/2/2012 – em 14/3/2012, como o confessa a Entidade Empregadora, não se podendo considerar que esse inquérito prévio tenha interrompido a contagem deste prazo de caducidade.

Em suma, temos que, aquando da notificação da nota de culpa à Trabalhadora, já tinha decorrido, inexoravelmente, o prazo de caducidade do direito de exercer o poder disciplinar previsto no Art. 329º, nº 2 do Código do Trabalho, o que torna, inelutavelmente, este despedimento ilícito, nos termos do Art. 382º, n.º 1 do Código do Trabalho, devendo, não obstante e por força do disposto no Art. 387, n.º 4 desse diploma (para que remete, de resto, o Art. 98º-M, n.º 2 do Código de Processo do Trabalho), pronunciar-se, algo inutilmente, o Tribunal sobre a “verificação e procedência dos fundamentos invocados para o despedimento”.

Com se pode observar do extracto transcrito a 1ª instância entendeu que o procedimento prévio de inquérito não interrompeu o prazo de 60 dias a que alude o artigo 329º nº2 do Cód. do Trabalho por duas ordens de razão: em primeiro lugar, não havia necessidade em instaurar tal procedimento prévio para fundamentar a nota de culpa. Em segundo lugar, o mesmo procedimento não teve o seu início nos trinta dias seguintes às suspeitas de comportamentos irregulares.

Contra este entendimento se insurge a recorrente, mas sem razão como se irá de seguida demonstrar.

A realização do inquérito é muitas vezes essencial para possibilitar ao empregador a elaboração da nota de culpa, quando é certo que se exige que esta contenha “descrição circunstanciada dos factos” o que sobretudo nas infracções de maior complexidade, pressupõe que o empregador leve a cabo uma investigação preliminar que lhe permita apurar os factos e as circunstâncias em que os mesmos ocorreram para dar integral satisfação àquela exigência”.- P. Furtado Martins, Cessação do Contrato de Trabalho, 3ª edição, págªs 205 e 206.

Alega o recorrente que, confrontado com os comportamentos da recorrida, necessitou de efectuar diligências tendentes a aquilatar do eventual impacto da ausência da trabalhadora, verificando eventuais prejuízos, de forma a verificar se se mantinha a relação de confiança; se se verificava o nexo de causalidade entre o comportamento da trabalhadora e a impossibilidade da relação laboral.

Ora, em causa está a infracção disciplinar consubstanciada em a trabalhadora ter dado, interpoladamente, 10 faltas injustificadas, a última das quais em 17 de Novembro de 2011.

Dada a natureza da infracção dificilmente se concebe a necessidade da instauração de procedimento prévio de inquérito para fundamentar a nota de culpa.

As faltas (injustificadas) são de fácil constatação e o juízo sobre a viabilidade da continuação da relação laboral é feito em face da sua simples constatação, sem necessidade de realização de quaisquer outras diligências.

Sinceramente não vemos qual a utilidade e necessidade de, nestes casos, se instaurar inquérito prévio. A não ser assim, este inquérito seria admissível em todas as situações de despedimento e não só, como exige a lei, nos casos de reconhecida complexidade instrutória.

Por outro lado, quando se verifique que o trabalhador deu 10 faltas injustificadas interpoladas não se exige para a verificação da justa causa que essas faltas tenham originado prejuízos para a entidade empregadora (artigo 351º nº 2 alínea g) do Cód. do Trabalho).

Assim o inquérito prévio não podia ter a virtualidade de interromper o prazo de caducidade de 60 dias referido no nº 2 do artigo 329º do Cód. do Trabalho.

Acrescenta ainda o recorrente que, devido a falta de alegação, estava o tribunal a quo impedido de se pronunciar sobre se estavam reunidos ou não os requisitos do artigo 352º do Cód. do Trabalho, ou seja, que estava vedado ao tribunal pronunciar-se sobre o circunstancialismo previsto neste preceito legal.

Ora, neste preceito não se prevê qualquer prazo de prescrição ou de caducidade, mas sim uma causa de interrupção dessas formas de extinção de direitos pelo decurso do tempo que, para se preencher, necessita que sejam provados os elementos constitutivos nele previstos. Trata-se de uma questão de prova.

E, essa prova não se encontra feita nos autos, antes pelo contrário.

Com efeito, está demonstrado que o inquérito prévio era desnecessário e bem assim que não foi observado o prazo de 30 dias referido no preceito; e tanto basta para que o referido inquérito não possa funcionar com facto interruptivo.

Por tudo isto, bem andou o tribunal recorrido ao decidir ser o despedimento ilícito por ter decorrido o prazo de caducidade a que alude o artigo 329º nº 2 do Cód. do Trabalho, ficando prejudicada a apreciação da questão acima enunciada em terceiro lugar.


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VI Termos em que se delibera julgar a apelação totalmente improcedente, com integral confirmação da decisão impugnada.

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Custas a cargo da recorrente.

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(Joaquim José Felizardo Paiva - Relator)

(Jorge Manuel da Silva Loureiro)

(José Luís Ramalho Pinto)



[1] Os lapsos e omissões que possam ser detectadas na redacção das conclusões ficam a dever-se exclusivamente à forma como as alegações foram redigidas e apresentadas ao tribunal.
[2] Já assim o era no domínio da LCT (artigo 31º nº 1), nos termos do Acórdão e Uniformização nº 4/2003 (Dr, I-A, nº 157 de 10/07/03 (v. ainda artigo 33º do Cód.Civil).