Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3014/17.8T8VIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE MANUEL LOUREIRO
Descritores: SERVIÇO DOMÉSTICO
ABANDONO PELO TRABALHADOR
NÃO EXIGÊNCIA DE COMUNICAÇÃO
Data do Acordão: 09/14/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU – JUÍZO DO TRABALHO DE VISEU – JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO DE APELAÇÃO - SECÇÃO SOCIAL
Decisão: PROCEDENTE
Legislação Nacional: ARTºS 25º/3 E 34º/5 DO D.L. 235/92, DE 24/10
Sumário: No contrato de trabalho de serviço doméstico, a cessação do contrato de trabalho pelo abandono do trabalho previsto no artº 25º/3 do DL 235/92, de 24/10, não depende de qualquer tipo de comunicação do empregador ao trabalhador, designadamente da que se encontra exigida no artº 34º/5 do mesmo diploma legal.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 6.ª secção social do Tribunal da Relação de Coimbra

I – Relatório

A autora propôs contra a ré a presente acção com a forma de processo comum e emergente de contrato de trabalho, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de € 7.866,65, acrescida de juros à taxa legal até integral e efectivo pagamento.
Alegou, em resumo, que tendo sido trabalhadora subordinada da ré, no âmbito de um contrato de trabalho de serviço doméstico, resolveu tal contrato com justa causa para o efeito, sendo que do contrato de trabalho e da sua cessação emergiram para a autora os direitos de crédito que pretende ver reconhecidos através desta acção.
Citada, a ré contestou, pugnando pela improcedência da acção.
Alegou, em resumo, que: o contrato de trabalho se extinguiu em data anterior à da resolução invocada pela autora, tendo esta recebido por via disso uma compensação superior à que seria legalmente devida, assim aceitando o despedimento, além de ter recebido os demais créditos a que tinha direito; prescreveram os direitos de crédito invocados pela autora; a autora litiga de má-fé.
A autora respondeu para, em resumo, pugnar pela improcedência das excepções aduzidas na contestação e da sustentada litigância de má-fé, assim como para concluir como já tinha feito na petição.
A acção prosseguiu os seus regulares termos, acabando por ser proferida sentença de cujo dispositivo consta o seguinte:
Por tudo o exposto e ao abrigo das disposições legais citadas, julga-se a presente acção parcialmente procedente, por parcialmente provada, e em consequência condena-se a Ré Ra pagar à Autora A… a quantia global de € 1.837,92 (mil oitocentos e trinta e sete euros e noventa e dois cêntimos) a título de diferença de indemnização pelas cessação do contrato e créditos salarias nos termos que ficaram expostos, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% desde 24-06-2016 até integral pagamento, absolvendo-se a Ré do restante pedido contra ela formulado.
Julga-se improcedente o pedido de litigância de má-fé da Autora.
Custas da acção por Autora e Ré na proporção do respectivo decaimento,
Registe e notifique.”.
Não se conformando com o assim decidido, apelou a ré, rematando as suas alegações com as conclusões seguidamente transcritas:
(…)
A autora contra-alegou, pugnando pela improcedência da apelação.
Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.
Colhidos os vistos legais, importa decidir
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II - Principais questões a decidir

Sendo pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso (artigos 635º/4 e 639º/1/2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei 41/2013, de 26/6 – NCPC – aplicável “ex-vi” do art. 87º/1 do Código de Processo do Trabalho – CPT), integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a decidir:
) se a matéria de facto foi incorrectamente julgada, devendo ser alterada;
) se o contrato de trabalho cessou por abandono do trabalho por parte da autora;
) se o contrato de trabalho cessou por alteração substancial das circunstâncias da vida familiar do empregador que tornou imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho;
) se à data da proposição da acção estavam prescritos os créditos a que a autora se arroga nesta acção.
) se a autora aceitou o despedimento por extinção do posto de trabalho pela aceitação da indemnização que lhe foi oferecida pela ré como compensação pela cessação do contrato de trabalho e, na afirmativa, se tal circunstância é impeditiva da proposição da presente acção pela autora;
) se a autora litiga de má-fé.
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III – Fundamentação

A) De facto

Factos provados

O tribunal recorrido deu como provados os factos seguidamente transcritos:
(…)
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B) De Direito

Primeira questão: se a matéria de facto foi incorrectamente julgada, devendo ser alterada.
A resposta a esta questão é negativa.
(…)
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Segunda questão: se o contrato de trabalho cessou por abandono do trabalho por parte da autora.
Nos termos do art. 25º do DL 235/92, de 24/10: “1 - Quando o trabalhador esteja temporariamente impedido de prestar trabalho por facto que não lhe seja imputável, nomeadamente doença ou acidente, e o impedimento se prolongue por mais de um mês, cessam os direitos, deveres e garantias das partes, na medida em que pressuponham a efectiva prestação de trabalho, sem prejuízo da observância das disposições aplicáveis na legislação sobre segurança social ou outra.
(…)
3 - Terminado o impedimento, o trabalhador deve, dentro de 10 dias, apresentar-se à entidade empregadora para retomar o serviço, sob pena de se considerar abandono do trabalho, com consequente cessação do contrato de trabalho.”.
No número 3 acabado de transcrever encontra-se prevista uma forma específica de cessação do contrato de serviço doméstico associada à falta de apresentação para prestação de trabalho subsequente à cessação do impedimento que determinou a suspensão do contrato cominada no número 1 da mesma norma legal.
Importa sublinhar que: i) trata-se de uma forma de cessação determinada por causa exclusivamente imputável ao trabalhador e que depende de circunstâncias que o mesmo domina e conhece na sua integralidade (a causa do impedimento e a sua duração mínima; a cessação deste; a ausência de apresentação para prestação de trabalho durante um determinado período de tempo), o que dispensa qualquer comunicação do empregador tendente a determinar as reais causas do abandono e que as mesmas são imputáveis ao trabalhador, bem assim como a despertar no trabalhador a situação de ausência em que se encontra e as consequências a tanto associadas; ii) a falta de apresentação ao trabalho durante o período legalmente fixado determina por si só o abandono do trabalho, sem necessidade de quaisquer outros factos indiciadores do que seja a intenção do trabalhador não retomar o posto de trabalho, diversamente do que se exige para relevância do abandono do trabalho previsto no art. 34º do DL 235/92 (nº 1); iii) a ausência de apresentação para prestação de trabalho durante o período legalmente previsto determina o efectivo abandono do trabalho, que não uma mera presunção ilidível de abandono, diversamente do que sucede no âmbito do abandono regulamentado do art. 34º (nºs 2 e 3) do DL 235/92, a significar que ali, ao contrário do que sucede aqui, o trabalhador incorre automaticamente e sem possibilidade de demonstração do contrário em abandono do trabalho; iv) a ausência de apresentação para prestação de trabalho durante o período legalmente previsto determina o abandono do trabalho e automática extinção do contrato de trabalho, não estando prevista, directamente ou por remissão, designadamente para o nº 5 do citado art. 34º do DL 235/92, como condição de eficácia ou de arguibilidade dessa forma de cessação do contrato, qualquer comunicação de abandono dirigida ao trabalhador pelo empregador.
Face a quanto vem de referir-se, temos de concluir no sentido de que no art. 25º/3 do DL 235/95 está prevista uma forma autónoma e automática de cessação do contrato de trabalho por abandono que se distingue nos seus pressupostos e condições do abandono do trabalho a que se alude no art. 34º do mesmo diploma legal, não sendo necessária, ao contrário do sustentado na decisão recorrida e nas contra-alegações, qualquer comunicação do empregador ao trabalhador para aquele poder prevalecer-se da cessação do contrato por abandono do trabalho pelo trabalhador.
De outro modo não faria qualquer sentido e representaria uma duplicação excrescente a regulamentação específica da situação de abandono a que se alude no art. 25º/3, no confronto da causa geral de abandono a que se alude no art. 34º.
De facto, que sentido faz o legislador regular autonomamente a situação de abandono a que se alude no art. 25º/3, se o mesmo acabasse por ficar sujeito às condições de eficácia e de arguibilidade enunciados por referência à outra situação a que se alude no art. 34º?
Nenhum, a nosso ver.
No caso em apreço, na sentença recorrida decidiu-se, sem objecção da autora e da ré e, por isso, com trânsito em julgado, que a autora incorreu na forma de abandono prevista no art. 25º/3 citado.
Demonstra-o o seguinte trecho da decisão recorrida: “Assim, no caso em apreço não tendo a Autora se apresentado ao trabalho nos dentro de 10 dias, após o termo da baixa médica, havia motivo para se considerar existir uma situação de abandono de trabalho.”.
Nesse sentido apontam, também, os factos dados como provados, pois que tendo a baixa médica cessado em Março de 2016 (ponto 12º dos factos provados), a mesma só se apresentou para prestar trabalho em Junho de 2016 (ponto 18º dos factos descritos como provados).
Entendeu-se na decisão recorrida, contudo, que a ré não poderia prevalecer-se dessa forma de cessação do contrato de trabalho, uma vez que não dirigiu à autora a comunicação a que se alude no art. 34º/5 citado, sendo que, como supra sustentado, não acompanhamos tal entendimento enunciado naquela decisão.
Como assim, tendo a baixa e o correspondente impedimento à prestação de trabalho cessado em Março de 2016, pelo menos em 10/4/2016 cessou o contrato de trabalho entre a autora e a ré, por abandono do posto de trabalho pela primeira, nos termos e para os efeitos do art. 25º/3 do DL 235/92.
É positiva, assim, a resposta à questão em análise.
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Terceira questão: se o contrato de trabalho cessou por alteração substancial das circunstâncias da vida familiar do empregador que tornou imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
Toda a discussão em torno desta questão ficou prejudicada pelo decidido a respeito da segunda questão.
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Quarta questão: se à data da proposição da acção estavam prescritos os créditos a que a autora se arroga nesta acção.
Através desta acção a autora reclama a satisfação de determinados créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua cessação.
Como visto a respeito da questão segunda, o contrato de trabalho entre a autora e a ré cessou, por abandono do trabalho, em Abril de 2016.
Nos termos do art. 337º/1 do CT/2009, ex-vi do art. 9º do mesmo diploma, “O crédito do empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.”.
A presente acção ingressou em juízo no dia 19/6/2017; a ré foi citada em 21/6/2017; antes da data da proposição da acção não se verificou, tanto quanto resulta dos factos provados, qualquer outra causa suspensiva ou interruptiva da prescrição.
Assim sendo, à data da proposição da acção estavam prescritos todos os créditos que a autora pretende ver reconhecidos através desta acção, designadamente os que lhe foram reconhecidos na sentença recorrida que, por isso, deve ser revogada, absolvendo-se integralmente a ré dos pedidos contra si deduzidos pela autora.
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Em face do decidido na quarta questão, fica prejudicado o conhecimento da quinta questão suscitada na apelação.
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Sexta questão: se a autora litiga de má-fé.

A resposta afirmativa a esta questão dependia, como claramente se deduz das conclusões e da delimitação do objecto do recurso que através das mesmas se opera, da prévia procedência da pretensão recursiva fáctica da apelante incidente sobre a aceitação pela autora de uma indemnização pela cessação do contrato de trabalho que alegadamente lhe teria sido paga pela ré.
É o que emerge, com clareza, do enunciado nas conclusões 3ª e 4ª, do seguinte teor: “3. Na presente Apelação a recorrente vem impugnar a matéria de facto que não considerou que a Apelada recebeu uma avultada indemnização por cessação do contrato de trabalho, conforme resulta dos documentos constantes dos autos e não impugnados, e
4. Na presente Apelação a recorrente vem impugnar a matéria de facto que não considerou que a Apelada para além de receber a referida quantia a aceitou, mas omitiu tal realidade de facto ao Tribunal, litigando de má-fé.”.
Assim, tendo a procedência da pretensão recursiva jurídica da apelante sido colocada por ela própria na dependência da prévia procedência da sua pretensão recursiva fáctica, tendo esta improcedido mais não resta do que decretar consequencialmente a improcedência daquela.
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IV - Decisão

Acordam os juízes que integram esta sexta secção social do Tribunal da Relação de Coimbra no sentido de julgar procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida e absolvendo-se integralmente a ré dos pedidos contra si deduzidos pela autora.
Custas pela apelante.
Coimbra, 14/9/2018
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(Jorge Manuel Loureiro)

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(Paula Maria Roberto)

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(Ramalho Pinto)