Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
6368/09.6TBLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA INÊS MOURA
Descritores: MANDATO FORENSE
RESPONSABILIDADE CIVIL
DANOS
PERDA DE CHANCE
NEXO DE CAUSALIDADE
Data do Acordão: 05/27/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: MARINHA GRANDE 1º J
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 562, 563, 566, 1157 CC, 43, 44 CPC, LEI Nº15/2005 DE 26/1
Sumário: 1. O dever do mandatário traduz-se, como é genericamente reconhecido, numa obrigação de meios e não de fins ou resultados, não tendo o mesmo a obrigação de ganhar a causa, mas apenas a de defender de forma cuidada os interesses do mandante, segundo as regras da arte e direcionado ao ganho do processo.

2. Com a omissão do R., que não interpôs recurso de decisão desfavorável aos AA., fica afastada a possibilidade destes verem reapreciada a decisão, frustrando-se qualquer expectativa que pudessem ter no ganho da acção, no que se traduz a “perda da chance” ou a “perda da oportunidade” do ganho da causa.

3. O artº 563 do C.Civil vem consagrar a chamada teoria da causalidade adequada, ao dispôr que a obrigação de indemnizar só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.

4. A avaliação dos danos indemnizáveis tem de passar assim por um juízo de prognose póstuma, ou seja, por uma avaliação sobre as probabilidades de êxito da pretensão dos AA. naquele processo. Só há lugar à obrigação de indemnizar por perda da chance, se há uma probabilidade elevada de ganho da acção.

5. Decidindo a sentença recorrida, o que os Recorrentes não questionaram, que não haveria uma probabilidade séria e consistente na chance dos AA. conseguirem a procedência dos embargos, forçoso se torna concluir que a omissão do R. não foi causa adequada da sua perda da oportunidade em obter ganho de causa.

Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório

            J (…) e mulher M (…), vêm propor a presente ação declarativa sob a forma ordinária contra MF (…), pedindo a condenação deste a pagar-lhes a quantia de € 60.000,00 a título de danos morais e patrimoniais.

Alegam, em síntese, que contrataram o R. como advogado para os patrocinar em processo judicial. Tendo aí sido proferida decisão que lhes foi desfavorável, o R. comprometeu-se a dela interpor recurso, tendo-os informado que assim havia feito, o que não aconteceu. Os AA. apresentaram queixa à Ordem dos Advogados, tendo o R. sido sancionado. O desleixo ou negligência do R. com o incumprimento defeituoso do contrato de mandato provocou prejuízos aos AA., com danos que devem ser indemnizados no valor de € 60.000,00 considerando que o valor da causa perdida era o de cerca de € 50.000,00.

O R. devidamente citado veio contestar. Invoca a sua ilegitimidade para a acção por ter um contrato de seguro de responsabilidade civil profissional, havendo ainda um outro seguro decorrente da contratação por parte da Ordem dos Advogados de um seguro de responsabilidade civil destinado a cobrir os riscos decorrentes da actividade profissional de qualquer advogado inscrito na Ordem. Requer a intervenção provocada das duas seguradoras e impugna os factos alegados, concluindo pela improcedência da ação.

Os AA. vêm apresentar réplica referindo que as seguradoras devem ser chamadas à acção.

Foi proferido despacho a fls. 120, após observância do contraditório, que concluiu pela incompetência do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria para conhecer a acção, em razão do território, considerando competente o Tribunal Judicial da Comarca da Marinha Grande, para onde foi remetido o processo.

Foi admitida a intervenção principal provocada da Companhia de Seguros A...Ldª e da B...- Companhia Portuguesa Seguros.

Citada, veio a B...- Companhia Portuguesa de Seguros S.A., contestar a acção, concluindo pela sua improcedência. Invoca a excepção da prescrição do direito dos AA., por terem decorrido mais de três anos entre a data da participação do R. para efeitos disciplinares e a entrada da presente ação, aplicando-se o regime do artº 483 ss. do C.Civil. Refere que o limite do seguro é de € 50.000,00 e ainda que, em face da pluralidade de seguros, o seguro da Ordem dos Advogados é anterior respondendo assim a contestante só residualmente em caso de insuficiência daquele. No mais impugna os danos e alega a falta de nexo causal entre o acto ilícito e os danos reclamados, porquanto havia manifesta improbabilidade dos AA. ganharem o recurso.

Também a A... Ltd. veio contestar, pedindo a improcedência da acção e a sua absolvição do pedido. Aceita a existência do contrato de seguro; alega a legitimidade passiva do R. MF (…) para consigo se encontrar como parte na ação; refere que na co-existência de dois contratos de seguro, apenas responde na falta ou insuficiência do contrato de seguro celebrado pelo R. e no mais veio impugnar a versão dada pelos AA. fazendo sua a defesa do R. MF (…). Alega ainda a falta de nexo causal entre o acto ilícito e os danos e conclui que, mesmo que o R. tivesse interposto recurso, o mesmo sempre seria manifestamente improcedente, não havendo por isso qualquer responsabilidade do R. pelos alegados danos sofridos pelos AA.

            Os AA. vêm apresentar réplica concluindo pela improcedência da excepção da prescrição suscitada, mantendo o peticionado.

            Foi designada e realizada audiência preliminar na qual os AA. foram convidados a juntar nova petição inicial aperfeiçoada, o que vieram fazer, tendo as RR. apresentado articulado de oposição.

            Foi proferido despacho saneador onde se afirmou a legitimidade das partes e os demais pressupostos processuais da lide, relegando-se para final o conhecimento da excepção da prescrição. Seleccionaram-se os factos assentes e organizou-se a base instrutória, que teve reclamação por parte da R. A..., Ldª, que foi indeferida.

            Realizou-se a audiência de julgamento e foi proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo os RR. do pedido.

            Inconformados com esta decisão vêm dela interpor recurso os AA., pedindo a sua revogação e reconhecimento do seu reclamado direito, com fixação de indemnização de acordo com a equidade, formulando para o efeito as seguintes conclusões:

(…)

A R. B... Companhia Portuguesa de Seguros, S.A. veio apresentar contra-alegações pedindo a improcedência do recurso e a manutenção da decisão recorrida, referindo, em síntese, que não é possível concluir pela existência de nexo de causalidade entre a alegada omissão do R. ao não ter interposto recurso e os danos reclamados; que mesmo a ter sido interposto o recurso o mesmo com alta probabilidade seria improcedente; que não é merecida a tutela do direito, nos termos do artº 496 nº 1 do C.Civil, por falta de relevância do facto danoso.

Também a A..., Ldª veio apresentar contra alegações pugnando para que não seja dado provimento ao recurso, concluindo, em resumo, que os AA. não fizeram prova dos danos patrimoniais que invocam; que da mera violação do direito não pode retirar-se a existência de dano; que não foi demonstrado o nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano; que a ter sido interposto o recurso sempre o mesmo seria improcedente; que os AA. não alegaram os danos não patrimoniais directamente resultantes da chance perdida.

II. Questões a decidir

Tendo em conta o objecto do recurso delimitado pelos Recorrentes nas suas conclusões- artº 635 nº 4 e 639 nº 1 a 3 do C.P.C.- salvo questões de conhecimento oficioso- artº 608 nº 2 in fine:

- da perda da chance resultante do facto do R. não ter interposto recurso de decisão desfavorável aos AA. constituir só por si um dano susceptível de ser indemnizado.

III. Fundamentação de facto

Não tendo sido impugnada a matéria de facto e não havendo qualquer alteração a fazer à mesma, tendo em conta o disposto no artº 663 nº 6 do C.P.C., remete-se para os termos da decisão da 1ª instância, que considerou provados os seguintes factos:

a) A chamada “ B...- Companhia Portuguesa de Seguros S.A.” celebrou contrato de seguro de responsabilidade civil profissional com o R. MF (…), titulado pela apólice n.º RC84036028, até ao limite do capital seguro de 50 000 euros por sinistro e por ano de seguro; a chamada “ A... Ltd. é seguradora das apólices dp/01018/10/b e dp/02416/10/b e cobre a responsabilidade decorrente dos erros e/ou omissões profissionais dos advogados com inscrição em vigor cujo limite se ficou em 50 000 euros e 100 000 euros respetivamente.

b) No dia 27 de novembro de 2002 foi instaurada ação executiva ordinária para pagamento de quantia certa, na qual é exequente “R (…) Lda.” e executados os aqui AA., a qual corre termos no 1º juízo cível do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria sob o n.º 1018/2002, tendo por título executivo uma letra de câmbio, cuja importância era de 47 662,15 euros, em que os AA. figuravam como avalistas e A (…) como sacador, e da qual consta a expressão “s/despesas”.

c) Na sequência da execução referida, os AA. deduziram embargos de executado (pr. 1018-A/2002), e através da procuração datada de 17 de maio de 2005 os AA. constituíram seu procurador Dr. MF (…), advogado com escritório na Marinha Grande “a quem, com os de substabelecer, confere os mais amplos poderes gerais forenses em direito permitidos, inclusive, desistir, transigir e receber custas de parte”, e a 18 de maio de 2005 foi nesses autos realizada audiência de julgamento, onde o R. MF (…) apresentou a referida procuração, e foi proferida sentença em 23 de junho de 2005, julgando os embargos improcedentes, devendo a execução prosseguir os seus termos, não tendo sido interposto qualquer recurso.

d) Consta na referida decisão que os aqui AA. alegaram que nada devem à embargada; limitaram-se a fazer um favor a um amigo e assim dando os seus avais, tendo a letra sido apresentada em branco; letra, objeto da presente ação entrou na posse da Embargada, assinada pelos Embargantes a pedido de (…), para que a Embargada restitui-se o cheque n.º 1420000074 do montante de 9 541,48 euros de modo a ser justificado, no banco, o que não aconteceu; a letra foi arrancada à violência contra os seus “portadores” e como se encontrava em branco, pois apenas continha as assinaturas dos Embargantes, foi ela preenchida inteiramente e na totalidade a belo prazer pela Embargada. Deu-se como provado na referida da decisão que exequente, ora embargada, deu à execução de que este é um apenso uma letra de câmbio, no montante de 47 662,15 euros, emitida a 14-10-2002, e com vencimento em 14-11-2002; a referida letra de câmbio, sacada pela embargada, o co-executado C... apôs a sua assinatura no local destinado ao aceite; os embargantes e co-executados apuseram as suas assinaturas no verso de tal título a seguir às expressões “dou o meu aval ao aceitante”; tal letra de câmbio não foi paga na data do seu vencimento nem posteriormente; a letra de câmbio a que se alude em a) foi entregue à embargada pelo seu aceitante, acompanhada de fotocópias dos B.I. e N.I.F. dos ora embargantes; tal letra foi assim entregue para pagamento de uma dívida do aludido aceitante perante a embargada; os embargantes apuseram as suas assinaturas na letra de câmbio como se alude em c), a pedido do co-executado (…) com o objetivo de a mesma ser entregue à embargada.

e) A 21 de março de 2006, os AA. dirigiram ao Presidente do Conselho de Deontologia de Coimbra da Ordem dos Advogados participação contra o R. o qual foi condenado disciplinarmente em “censura” .

f) No âmbito da ação executiva referida foi em 12 de setembro de 2008 efetuada penhora na residência dos executados, aqui AA.,

g) O R. Mário Francisco não subscreveu o requerimento inicial de embargos de executado deduzidos no âmbito da execução referida.

h) Na sequência da sentença proferida os aqui AA. comunicaram ao R. Dr. MF (…) a sua intenção de interpor recurso (3º)

i) O R. Dr. MF (…) comprometeu-se perante os AA. a interpor recurso da sentença, e ao longo do período que se seguiu à sentença, nos meses de julho a novembro de 2005 o R. por várias vezes informou os AA. que havia interposto recurso. (4º, 5º)

j) Devido ao prosseguimento da execução referida, os AA. foram obrigados a recorrer a ajuda de familiares que lhes emprestaram móveis necessários à economia doméstica e viram-se obrigados a fazer um acordo de pagamento com a exequente “R (…)” no valor de 150 euros mensais (6º, 7º)

k) Devido ao prosseguimento da execução os AA. sentem-se humilhados, angustiados e envergonhados perante familiares e amigos. (8º)

l) Alguns dias após ter sido proferida sentença, o R. entregou a pasta com toda a documentação do processo à Dra. (…). (10º)

IV. Razões de direito

- da perda da chance resultante do facto do R. não ter interposto recurso de decisão desfavorável aos AA. constituir só por si um dano susceptível de ser indemnizado.

Alegam os Recorrentes que o facto do tribunal de 1ª instância ter reconhecido a conduta ilícita e culposa do R. no cumprimento do contrato de mandato, que determinou a perda de oportunidade dos AA. verem a sua pretensão apreciada judicialmente constitui, apenas por si, um dano susceptível de ser indemnizado, não sendo nesta sede que se poderá avaliar se um recurso que nem sequer foi elaborado poderia ou não obter provimento.

Na situação que aqui se discute, é pacífico, tendo sido reconhecido na sentença recorrida e não constituindo objecto do recurso, que entre os AA. e o R. foi celebrado um contrato de mandato forense, na pendência dos autos de embargos de executado identificados que correram termos, integrando a previsão dos artº 1157º do C.Civil, 43º e 44º do C.P.C.

No exercício da sua profissão e em concreto no cumprimento do mandato forense, o advogado deve observar as normas de conduta que constam do seu Estatuto, aprovado pela Lei 15/2005 de 26 de Janeiro, nomeadamente ao nível deontológico, estabelecendo uma relação de confiança com o seu cliente e tem o dever de defender os interesses legítimos do mesmo, sem prejuízo das normas legais e deontológicas, conforme estabelece o artº 92 nº 1 e nº 2 do EOA.

O dever do mandatário traduz-se, como é genericamente reconhecido, numa obrigação de meios e não de fins ou resultados não tendo o mesmo a obrigação de ganhar a causa, mas apenas a de defender de forma cuidada os interesses do mandante, segundo as regras da arte e direcionado ao ganho do processo- vd. neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29/04/2010.

Entendeu a decisão recorrida que o R. não cumpriu o contrato de mandato celebrado com os AA. quando, no âmbito do processo em que exercia o patrocínio, não interpôs recurso da decisão que lhes foi desfavorável, recurso que, por um lado, estes pretendiam, sendo que, por outro lado, o próprio R. os informou de que tinha interposto recurso, quando não o fez, quebrando assim a relação de confiança com os mesmos.

Foi a assim constatada, pela decisão recorrida, a existência do facto ilícito e culposo, que constitui requisito da obrigação de indemnizar e que, no caso em presença, não é objecto de controvérsia.

Entendem os Recorrentes que tal é suficiente ou bastante para a procedência do pedido indemnizatório que formulam, defendendo que a perda da chance resultante da conduta omissiva do R. de não ter interposto recurso da decisão que lhes foi desfavorável, representa um dano que deve ter uma tradução económica, já que determina a impossibilidade de verem proceder o seu pedido.

Vejamos então o regime da obrigação de indemnizar pelo qual passa, a nosso ver, a decisão desta questão.

Os artºs 562 a 572 C.Civil estabelecem o regime da obrigação de indemnizar, seja qual for a fonte de onde ela proceda.

            Logo o art 562 C.Civil, dispõe que a indemnização tem o objectivo de reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação. Para o cálculo da indemnização importa assim recorrer, como regra, à teoria da diferença, conforme prevê o artº 566 nº 2 do C.Civil, avaliando, por um lado, a situação real do lesado depois da lesão e a situação hipotética em que o mesmo estaria sem o dano. Daqui decorre que a indemnização visa, em primeira linha, colocar o lesado na situação que teria caso o dano não tivesse existido

            Os danos indemnizáveis tanto podem ser patrimoniais como não patrimoniais, desde que estes se revistam de certa gravidade, a suficiente para merecerem a tutela do direito, nos termos do artº 496 nº 1 C.Civil. Relativamente a estes danos a indemnização é fixada com recurso a critérios de equidade, já que se trata mais de dar ao lesado uma compensação, uma vez que a reparação da situação anterior não é, na prática, possível, na medida em que o dano, sendo apenas moral, não é susceptível de equivalente monetário.    

No que se refere ao nexo de causalidade, o artº 563 do C.Civil vem consagrar a chamada teoria da causalidade adequada, ao dispôr que a obrigação de indemnizar só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão. Significa isto que, não só se torna necessário que uma determinada acção (ou omissão) tenha provocado o dano, como também um juízo de que, com toda a probabilidade o provocaria, no sentido de que a mesma, à luz das regras da experiência, é causa adequada do prejuízo. Tal como nos diz Antunes Varela, in. Das Obrigações em Geral, Vol. I, pág. 659: “…para que um dano seja reparável pelo autor do facto, é necessário que este tenha actuado como condição dele. Mas não basta esta relação de condicionalidade concreta. É preciso ainda que em tese geral, o facto seja uma causa adequada (hoc sensu) desse dano.”

Deste regime legal resultam como requisitos necessários para a constituição da obrigação de indemnizar, para além da existência de um facto ilícito e culposo, que se verifiquem não só danos susceptíveis de ser indemnizados, mas também um nexo de causalidade entre os factos e os danos cuja indemnização é pretendida.

No caso em presença, o facto que está na origem do dano é a omissão de interposição de recurso de uma decisão desfavorável e o dano que os AA. invocam é aquele que resulta dessa mesma decisão desfavorável, traduzido na improcedência da oposição à execução que deduziram, representado no valor da execução que contra eles é intentada.

Os AA/Recorrentes invocam genericamente danos decorrentes da realização da penhora na execução e do pagamento da quantia exequenda e parecem pretender imputar ao R. o prejuízo decorrente da improcedência dos embargos, responsabilizando-o pelas consequências patrimoniais que para si advieram da execução, “cobrando” ao R. uma obrigação de resultado que passaria por o mesmo garantir a procedência dos embargos e consequente extinção da execução.

Na situação em causa, não há dúvida que os AA. perderam a oportunidade de verem a sentença que indeferiu o seu pedido ser reapreciada em sede de recurso e consequentemente de verem proceder a sua pretensão. A questão que se põe é então a de saber se tal dano que consiste na perda de chance pode ser indemnizado sem mais, nos termos por eles pretendidos, nomeadamente tendo em conta o nexo de causalidade que constitui pressuposto da obrigação de indemnizar e a teoria da diferença que está na base do cálculo da indemnização.

À luz do nosso regime legal, tona-se difícil estabelecer um nexo de causalidade adequada entre tal prejuízo e a omissão de interposição do recurso, uma vez que tal seria partir do princípio que o recurso interposto teria inteira procedência. E, não tendo o recurso sido interposto, não pode concluir-se com segurança que, os AA. não teriam tido tais danos. Mas uma coisa também é certa, é que com a omissão do R. os AA. viram afastada a oportunidade de ver reapreciada a decisão que lhes foi desfavorável, frustrando-se qualquer expectativa que pudessem ter no ganho da causa.

É desta forma, numa tentativa de conciliar e superar tais dificuldades, que surge a tutela da “perda da chance” ou da “perda da oportunidade”, que se verifica, tal nos diz o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05/02/2013, in. www.dgsi.pt quando: “…uma situação omissiva faz perder a alguém a sorte ou a «chance» de alcançar uma vantagem ou de evitar um prejuízo.”

Com a perda da chance de vencer uma acção, não se consegue determinar com total segurança que não se teriam verificado os danos, se o facto ilícito não tivesse ocorrido, surgem problemas ao nível do nexo de causalidade entre o facto ilícito culposo e o dano. Esta dificuldade tem levado a que a nossa jurisprudência e também a doutrina, se venha dividindo quanto à questão de saber se a perda da chance de vencer uma acção constitui um dano autónomo, sendo certo que, nesse sentido, já se pronunciaram, entre outros, o citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05/02/2013.

No que se refere à doutrina, destaca-se Paulo Mota Pinto, in. Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, II, pág. 1103 que defende: “não parece que exista já hoje entre nós base jurídico-positiva para apoiar a indemnização da perda de chance.” Já Manuel Carneiro da Frada, in. Direito Civil. Responsabilidade Civil. O método do caso, pág. 100 diz-nos que, em face das dificuldades em estabelecer um nexo causal, um caminho será a de considerar a perda da oportunidade um dano em si.

Quanto a esta questão, seguimos de perto a posição defendida no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14/03/2013 in. www.dgsi.pt com a qual nos identificamos, em face da qual se constata que é difícil defender a existência do nexo de causalidade adequada, no caso entre a não interposição do recurso e o dano final da improcedência da oposição à execução apresentada traduzido na perda da causa, sendo, contudo, possível estabelecer esse nexo quanto ao dano da oportunidade de vencer, na medida em que a falta de interposição do recurso é causa adequada da perda de oportunidade autonomamente considerada.

Colocando-se então a questão de saber como calcular a correspondente indemnização, diz-nos o acórdão referido o seguinte:

“Entende-se, quanto a este ponto, que o dano da perda de oportunidade de ganhar uma acção não pode ser desligado de uma probabilidade consistente de a vencer: se, por negligência do advogado, não foi requerida prova para sustentar uma acção, ou uma excepção, claramente infundada, carece de justificação substancial a atribuição de uma indemnização ao seu constituinte, pela perda da oportunidade de obter uma decisão favorável… que manifestamente não seria viável, ainda que a prova tivesse sido oferecida. Solução diferente equivaleria a esquecer que a lei portuguesa atribui à obrigação de indemnizar uma função primordialmente ressarcitória, e só pontualmente punitiva.

Todavia, na generalidade dos casos, o que se apresentará é uma maior ou menor probabilidade de vencer ou de perder a causa. O dano traduzir-se-á, então, na perda de uma certa probabilidade de ganhar a acção, seja a parte autora, ou ré; e esta afirmação é independente da dificuldade de quantificação dessa probabilidade.

Não releva saber se tal perda deve ser qualificada como dano emergente ou lucro cessante, actual ou futuro: todos são indemnizáveis. Mas a verdade é que a teoria da diferença (nº 2 do artigo 566º do Código Civil) impõe a comparação da situação patrimonial do lesado que sofreu o dano com a que teria se o mesmo não tivesse ocorrido.

Conclui-se, que, para haver indemnização, a probabilidade de ganho há-de ser elevada, sob pena de incompatibilidade com o regime legal. Como se escreveu no acórdão de 10 de Março de 2011, atrás citado, a «perda de chance” só poderá ser valorada em termos de uma “possibilidade real” de êxito que se frustrou».

Nestes termos, a avaliação dos danos indemnizáveis tem de passar por uma prognose póstuma, ou seja, por uma avaliação ou por um juízo sobre as probabilidades de êxito do pedido formulado pelos AA. naqueles autos. Não se pretende um novo julgamento sobre as pretensões das partes naquele processo, o que nem seria possível nos mesmos termos num processo diferente, desde logo com diferentes intervenientes processuais, mas é necessária uma análise da posição da parte “prejudicada” para poder concluir-se, ou não, pela viabilidade razoável e séria da procedência da sua pretensão.

            Neste sentido, é sempre necessário que o A. invoque os factos necessários que, a provarem-se, possam levar o tribunal a concluir que, não fora a conduta do R., o A. teria obtido um resultado favorável na acção, sendo essa a medida do seu prejuízo imputável ao R. Ao A. compete assim alegar e provar que, não fora a actuação ou omissão negligente do R. obteria ganho de causa e um determinado benefício que assim, deixou de obter- vd. neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação Porto de 12/05/2009, in. www.dgsi.pt

Então, já se vê que, para haver lugar à obrigação de indemnizar, terá de haver uma probabilidade elevada de ganho da acção, pelo que, no que se refere ao caso concreto, importa apurar a probabilidade que os AA. tinham de ver proceder um recurso interposto da sentença que lhes foi desfavorável, ou dito de outra forma, a possibilidade real de êxito do recurso, que não chegou a ser interposto.

Com referência a esta questão, pronunciou-se a sentença recorrida, dizendo o seguinte: “Não é evidente ou sequer provável que a interposição de recurso fosse determinar a procedência dos embargos, atenta a factualidade acima descrita e da forma como os AA. posicionaram (alegaram) a acção (oposição por embargos). Nem tal foi alegado. Então problema coloca-se de saber se havia a probabilidade consistente de os AA. terem ganho da causa. Ora, atento o que os embargantes, aqui AA., alegam nos embargos, tal probabilidade não é consistente. De outro modo, não se pode estabelecer uma probabilidade séria, suficiente que mesmo com a interposição do recurso omitido os AA. veriam outra decisão.”

No presente recurso os Recorrentes não põem em causa a avaliação feita na sentença recorrida sobre esta questão, no sentido de que um eventual recurso da decisão não obteria provimento com toda a probabilidade, mantendo-se a improcedência dos embargos. Os Recorrentes limitam-se a dizer que tal avaliação é irrelevante face à natureza autónoma do dano sofrido, traduzido na perda da chance, bastando-se o seu direito indemnizatório com a existência de um facto ilícito e culposo por parte do seu mandatário de então.

Tal como nos diz Abrantes Geraldes, in. Recursos no Novo Código de Processo Civil, pág. 118: “As conclusões exercem ainda a importante função de delimitação do objecto do recurso, como clara e inequivocamente resulta do artº 635 nº 3.”

Este tribunal está limitado ao objecto do recurso fixado nas conclusões apresentadas pelos Recorrentes, nos termos do artº 639 nº 1 do C.P.C. e conforme dispõe o artº 608 nº 2 in fine estando assim inviabilizada a reapreciação desta questão, que se traduz na avaliação da probabilidade dos AA. obterem outra decisão, com a interposição do recurso, já que a mesma não é de conhecimento oficioso.

Em síntese, tendo sido considerado na decisão recorrida e não cabendo a este tribunal reapreciar, a inexistência de uma possibilidade real de êxito da acção, por os factos apurados não permitirem concluir que, não fora a omissão do R., os AA. teriam obtido ganho de causa e não teriam sofrido os prejuízos que vieram a sofrer com o prosseguimento da execução, antes aí se avaliando que os AA. com toda a probabilidade não conseguiriam obter ganho de causa, mesmo que tivesse sido interposto o recurso, por falta de elementos consistentes que o pudessem determinar, já se vê que não se verifica o nexo de causalidade capaz de imputar ao R. a responsabilidade pela verificação dos danos invocados, nos termos do artº 563 do C.P.C.

Em face do que fica exposto, conclui-se que não merece censura a decisão recorrida, na medida em que ao considerar que os AA. não teriam uma chance séria e suficiente de obter a procedência dos embargos, conclui pela falta da verificação dos requisitos necessários à constituição do seu alegado direito indemnizatório com fundamento da perda de chance ou de oportunidade.

V. Sumário:

1. O dever do mandatário traduz-se, como é genericamente reconhecido, numa obrigação de meios e não de fins ou resultados, não tendo o mesmo a obrigação de ganhar a causa, mas apenas a de defender de forma cuidada os interesses do mandante, segundo as regras da arte e direcionado ao ganho do processo.

2. Com a omissão do R., que não interpôs recurso de decisão desfavorável aos AA., fica afastada a possibilidade destes verem reapreciada a decisão, frustrando-se qualquer expectativa que pudessem ter no ganho da acção, no que se traduz a “perda da chance” ou a “perda da oportunidade” do ganho da causa.

3. O artº 563 do C.Civil vem consagrar a chamada teoria da causalidade adequada, ao dispôr que a obrigação de indemnizar só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.

4. A avaliação dos danos indemnizáveis tem de passar assim por um juízo de prognose póstuma, ou seja, por uma avaliação sobre as probabilidades de êxito da pretensão dos AA. naquele processo. Só há lugar à obrigação de indemnizar por perda da chance, se há uma probabilidade elevada de ganho da acção.

5. Decidindo a sentença recorrida, o que os Recorrentes não questionaram, que não haveria uma probabilidade séria e consistente na chance dos AA. conseguirem a procedência dos embargos, forçoso se torna concluir que a omissão do R. não foi causa adequada da sua perda da oportunidade em obter ganho de causa.

VI. Decisão:

Em face do exposto, julga-se improcedente o recurso interposto pelos AA., confirmando-se a sentença recorrida

Custas pelos Recorrentes.

Notifique.

*

                                               Coimbra, 27 de Maio de 2014

           

Maria Inês Moura (relatora)

Fernando Monteiro (1º adjunto)

Luís Cravo (2º adjunto)