Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1779/20.9T8ANS-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO PIRES ROBALO
Descritores: DOAÇÃO
ONERAÇÃO COM ENCARGOS
CLÁUSULA MODAL
ALTERAÇÕES
SUA NÃO APLICAÇÃO A BENEFICIÁRIO QUE AS NÃO RATIFICOU EM ESCRITURA PÚBLICA
Data do Acordão: 11/23/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – JUÍZO DE EXECUÇÃO DE ANSIÃO – JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 940º, 945º E 963º DO C. CIVIL.
Sumário: I – Face ao disposto no art.º 945º do C. Civil verifica-se que a doação é um contrato ou negócio jurídico bilateral, que pressupõe duas vontades negociais, a “proposta de doação” e a “aceitação”, caducando a primeira se a segunda não ocorrer em vida do doador.

II - O art.º 963.º do C.C. dispõe que “as doações podem ser oneradas com encargos”. Significa isso que na doação, tal como noutros negócios jurídicos que constituem liberalidades (cfr. art.º 2244º do mesmo código), as partes podem apôr uma cláusula modal – ou modo, ou encargo – constituindo uma cláusula acessória típica dos negócios que envolvam liberalidades, em que o doador (ou disponente) impõe ao donatário (ou beneficiário da liberalidade) a obrigação de adoptar um certo comportamento no interesse do doador, de terceiro ou do próprio donatário.

III - A doação modal ou com cláusula modal caracteriza-se por ser aquela em que o donatário fica adstrito ao cumprimento de uma ou mais prestações. Enquanto nas outras espécies de doações o beneficiário se limita a receber, sendo o seu património gratuitamente enriquecido com a coisa ou o direito transmitido ou com o crédito nele constituído sobre a parte liberal, art.º 940.º do C.C., na doação modal ele fica vinculado ao cumprimento de um dever.

IV - Assim, o donatário fica obrigado a um determinado comportamento, que pode ser no interesse do doador, ou de terceiro, ou do próprio beneficiário.

V - Sendo a favor do doador ou de terceiro, este comportamento pode corresponder ao conteúdo de uma obrigação que fica a cargo do donatário, a qual, aliás, não tem necessariamente natureza patrimonial. Pode, porém, não haver uma verdadeira obrigação em sentido técnico, mas um simples dever jurídico, quando aquele que pode exigir o seu cumprimento não é titular de um correspondente direito de crédito, sobre a prestação.

VI - Não tendo resultado provado que o exequente/recorrido tenha aceite as alterações à doação e suas claúsulas inicialmente fixadas, não pode dizer-se que o mesmo ficou vinculado ás mesmas, razão pela qual a recorrente não pode afirmar que o pagamento das prestações apenas poderia ser exigido a partir do final do ano de 2030, ainda que acrescidas de juros anuais de 1,5%, sobre o valor que ainda não tenha sido pago.

Decisão Texto Integral:



Acordam na Secção Cível (3.ª Secção), do Tribunal da Relação de Coimbra

        Proc.º n.º 1779/20.9T8ANS-A.C1

           1. Relatório

1.1. –A..., melhor id. nos autos, deduziu embargos à execução que lhe move J..., melhor id. nos autos, sustentando, em síntese, que no dia da escritura de doação a doadora e donatários acordaram e escreveram que a demora de pagamento dos encargos deveria ser compensada de algum modo a favor do beneficiário até ao final do cumprimento; quando o exequente intentou a execução já sabia que a doadora iria alterar a forma de cumprimento dos encargos imposta aos donatários; o que veio a ser concretizado no dia 14 de janeiro de 2021; o exequente é apenas beneficiário dos encargos impostos, mas quem dispõe livremente na doação e nas alterações à doação é a doadora, pois a doação é um acto livre e unilateral; diante da alteração à forma de cumprimento do encargo a executada não é devedora de qualquer quantia ao exequente.

1.2. – Os embargos foram recebidos por despacho de 01 de fevereiro de 2021 e o exequente notificado para, querendo, contestar.

1.3. - O exequente contestou sustentando, em síntese, que com a formalização da doação e sua aceitação pelo beneficiário o direito a exigir o seu cumprimento constituiu-se na esfera jurídica do embargado, que passou a ser o titular do beneficio; a executada não cumpriu com as prestações acordadas, não obstante interpelada para o efeito; não celebrou, nem aceitou ou aceita a alteração do cumprimento daquela obrigação.

1.4. - Foi realizada audiência prévia cfr. consta de fls. 18 a 19 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida, onde foi atribuído o valor á ação de 1.353.542,19 euros.

No saneamento referiu-se ser o Tribunal o competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia, bem como do território, ser o processo o próprio e não enfermar de nulidade total que o invalide, serem as partes dotadas de personalidade e capacidade judiciárias e serem legítimas, sendo regular o respetivo patrocínio.

Por se entender que os autos continham todos os elementos para a decisão foi a mesma proferida, onde se decidiu julgar totalmente improcedentes, por não provados, os presentes embargos de executado e, em consequência, determinou-se o prosseguimento dos autos de execução, com custas a cargo da Embargante.

1.5. – Inconformada com tal decisão dela recorreu a executada/embargante, A..., terminando a sua motivação com as conclusões que se transcrevem:

...

1.6. – Feitas as notificações a que alude o art.º 221.º do C.P.C. respondeu o exequente/embargado, J..., terminando a sua motivação com as conclusões que se transcrevem:

...

1.7. – Foi proferido despacho a receber o recurso, do seguinte teor:

“A sentença é recorrível (artigo 629.o, n.o 1 do CPC).

O recorrente tem legitimidade (artigo 631.o, n.o 1 do CPC).

O recurso é tempestivo (artigo 638.o do CPC).

Assim, admito o recurso interposto, que é de apelação (artigo 644.o, n.o 1, al. a) do CPC), a subir nos próprios autos (artigo 645.o, n.o 1, al. a) do CPC) e com efeito devolutivo (artigo 647.o, n.o 1 do CPC).

Por legais e tempestivas admito as contra-alegações”.

1.8. – Com dispensa de vistos cumpre decidir.

2. Fundamentação

Dos documentos juntos aos autos e não impugnados resulta a seguinte factualidade:

a. No dia 27 de fevereiro de 2017, no Cartório Notarial a cargo do Licenciado ... com Cartório à Rua ..., compareceram como outorgantes M..., J..., J... e A... cfr. escritura de doação exarada a fls. 9 a fls. 13 do livro n.º L ...

b. Nesse acto, M..., mãe dos aqui Exequente e Executada, doou diversos bens à Executada e impôs-lhe o encargo de pagar ao Exequente a quantia de 1.375.000,00€, nos termos seguintes:

i. a quantia de 50.000,00€, no acto da escritura da qual o Exequente já deu quitação;

ii. a quantia de 75.000,00€ até 30/09/2017;

iii. a quantia de 1.250.000,00€ em prestações mensais, divisíveis em duodécimos, com início no mês de março de 2017 e até ao mês de dezembro de 2024, sendo que: no ano de 2017 o Exequente receberia 50.000,00€; no ano de 2018 o Exequente receberia 60.000,00€; no ano de 2019 o Exequente receberia 120.000,00€; no ano de 2020 o Exequente receberia 150.000,00€; no ano de 2021 o Exequente receberia 180.000,00€; no ano de 2022 o Exequente receberia 210.000,00€; no ano de 2023 o Exequente receberia 240.000,00€; no ano de 2024 o Exequente receberia 240.000,00€.

c. Nesse acto a Executada-donatária, aceitou a doação e respetivo encargo.

d. A Executada foi interpelada para o pagamento das quantias em dívida ao Exequente por cartas de 27 de março de 2018 e de 04 de setembro de 2018.

e. Através da carta registada com aviso de receção de 04 de setembro de 2018 o Exequente interpelou a Executada para o pagamento da quantia total vencida e em dívida estipulada na mencionada doação, cfr. carta junta aos autos a fls. 14 a 15 dos autos que aqui se considera integralmente reproduzida.

f. A execução deu entrada em juízo no dia 24 de novembro de 2020 e a Executada foi citada em 15 de dezembro de 2020.

g. No dia 14 de janeiro de 2021 no Cartório Notarial de ... compareceram como outorgantes M..., J..., J... e A... cfr. escritura de alteração de doação quanto à forma de cumprimento de encargo, exarada a fls. 37 e 38 do livro ... do Livro de Notas para Escrituras Diversas n.o ... daquele Cartório Notarial.

h. Naquele acto M... alterou a forma de cumprimento do encargo que impôs à Executada nos seguintes termos:

i. Mantém o encargo que impôs aos seus filhos J... e A... de pagarem ao irmão destes J... (NIF ...) cada um a quantia de €1.375.000,00, alterando, a forma de pagamento deste encargo, no que respeita à quantia em falta, permitindo, em consequência, aos aqui segundo e terceira outorgantes não cumprir os prazos prestacionais previstos na escritura mencionada, podendo pagar a(s) referida(s) quantia(s) em falta até à data limite do final do ano de 2030, sendo que, neste hipótese, cada um dos donatários, J... e A..., com referência a cada uma das datas mencionadas na escritura de doação supra identificada, passam a pagar juros anuais de 1,5% àquele seu irmão J..., sobre o valor que ainda não tenha sido pago, e tenha ultrapassado a(s) data(s) da(s) prestação(ões) referida(s) na doação acima identificada;

ii. Caso o pagamento do encargo, com referência a cada uma das datas previstas na mesma escritura, seja antecipado, o donatário que proceda a tal pagamento, fica com a    faculdade de reduzir a esse montante pago o valor de 1,5% ao ano, com referência ao período de antecipação do pagamento que faça, em relação às datas previstas para cada prestação na aludida escritura.

i. Os outorgantes José e Alexandra aceitaram esta alteração, nos termos e condições acima referidos.

j. O Exequente não interveio nesse acto.

                                              3. Motivação

3.1. É, em principio, pelo teor das conclusões do/a recorrente que se delimitam as questões a apreciar no âmbito do recurso (cfr. art.s 608º, n.º 2, 635º, n.º 4 e 639º, todos do C.P.C.).

Assim, a questão consiste em saber se a decisão deve ser revogada e substituída por outra que julgue procedente os embargos.

Para defender o seu ponto de vista a recorrente refere que a lei, nos termos dos art.ºs 406.º, n.º 1 e 457º, ambos do C.Civil, não exige a necessidade do terceiro beneficiário da escritura de doação, de modificação ou de extinção de um contrato de doação. Pelo que a falta de intervenção do beneficiário, no caso o exequente/recorrido, J..., na escritura de doação de 14/1/2021, que alterou os termos do pagamento da doação lavrada a 26/2/2017, não o desvincula dessa alteração.

Opinião oposta tem o recorrido que pugna pela improcedência do recurso, mantendo-se a sentença recorrida, na qual se refere:

“Conforme exposto e resulta da factualidade provada, no dia 14 de janeiro de 2021 no Cartório Notarial de ..., M... alterou a forma de cumprimento do encargo que impôs à Executada.

O Exequente não interveio nesse acto.

O modo instituído a favor de terceiros terá, estruturalmente, a configuração de um contrato a favor de terceiro (cfr. Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 2012, 7.a Edição, pág. 530).

O contrato a favor de terceiro vem definido no artigo 443.º como aquele por meio do qual uma das partes assume perante outra, que tenha na promessa um interesse digno de proteção legal, a obrigação de efetuar uma prestação a favor de terceiro, estranho ao negócio.

É o que acontece com esta doação com cláusula modal: M... fez uma doação à Executada, mas estabeleceu o encargo desta pagar determinada quantia em dinheiro ao Exequente.

O promissário é a doadora; o promitente a donatária Executada; e o Exequente é estranho ao contrato e mero beneficiário.

O Exequente-beneficiário adquiriu o direito de crédito, independentemente de qualquer aceitação.

Significa isto que as operações contratuais se encontram concluídas com o acordo entre o promitente e promissário.

A partir desse momento o terceiro beneficiário já adquiriu o direito à prestação (cfr. Seguindo, Armando Triunfante em Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Das obrigações em Geral, Universidade Católica, pág. 173 e ss.)

Mas a adesão apresenta efeitos limitados.

Relativamente ao promissário (doador) deixa de poder revogar a promessa; parece ficar precludida, do mesmo modo, qualquer alteração da promessa sem acordo do terceiro, porquanto a adesão estabiliza a existência e o conteúdo da promessa, não podendo ser alterada ou retirada sem o acordo do terceiro beneficiário (está, por esta via, afastada a possibilidade de modificações de prazo, etc). (cfr. Armando Triunfante, ob. cit., pág. 180).

Relativamente ao promitente (donatário), a comunicação da adesão do terceiro pode implicar, consoante os casos, a entrada em mora, se a prestação não for cumprida.

Como exposto e resulta da factualidade provada, a Executada não cumpriu com a obrigação de pagar ao Exequente as quantias acordadas.

Nem mesmo quanto interpelada, também para o pagamento da totalidade da quantia em divida, entretanto vencida pelo não pagamento das prestações (artigo 781.º).

O Exequente intentou ação executiva contra a Executada em 24 de novembro de 2020.

A factualidade exposta denuncia a adesão do Exequente, beneficiário da cláusula modal, ao seu conteúdo e, concomitantemente, a aquisição por parte do Exequente do direito de crédito correspondente.

Desta forma, M... não podia alterar a forma de cumprimento do encargo que impôs à Executada sem o acordo do Exequente porquanto a adesão à cláusula modal estabilizou a existência e o conteúdo do direito de crédito do Exequente”.

Vejamos se assiste razão á recorrente na vertente por si defendida.

Resulta dos autos que estamos perante duas escrituras públicas de doação, uma datada de 27/2/2017 e outra datada de 14/1/2021, que alterou a primeira. (cfr. factos a) e g)).

Nos termos do n.º1 do art.º 940º do Código Civil, “Doação é o contrato pelo qual uma pessoa, por espírito de liberalidade e à custa do seu património, dispõe gratuitamente de uma coisa ou de um direito, ou assume uma obrigação, em benefício do outro contraente”.

Face ao disposto no art.º 945º do mesmo diploma verifica-se que se trata de um contrato, ou negócio jurídico bilateral, que pressupõe duas vontades negociais, a “proposta de doação” e a “aceitação”, caducando a primeira se a segunda não ocorrer em vida do doador.

Definido como um contrato unilateral, porque apesar de ter subjacente duas declarações de vontade só gera obrigações para uma das partes. Diferente dos contratos bilaterais ou sinalagmáticos, que geram obrigações para ambas as partes, obrigações ligadas entre si por um nexo de causalidade ou correspetividade (cfr.  Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 1976, 268).

No entanto, o art.º 963.º do C.C. dispõe que “as doações podem ser oneradas com encargos”. Significa isso que na doação, tal como noutros negócios jurídicos que constituem liberalidades (cfr. art.º 2244º do mesmo código), as partes podem apôr uma cláusula modal – ou modo, ou encargo – constituindo uma cláusula acessória típica dos negócios que envolvam liberalidades, em que o doador (ou disponente) impõe ao donatário (ou beneficiário da liberalidade) a obrigação de adoptar um certo comportamento no interesse do doador, de terceiro ou do próprio donatário - cfr. Mota Pinto, na obra citada, pág 454.

A doação modal ou com cláusula modal caracteriza-se por ser aquela em que o donatário fica adstrito ao cumprimento de uma ou mais prestações. Enquanto nas outras espécies de doações o beneficiário se limita a receber, sendo o seu património gratuitamente enriquecido com a coisa ou o direito transmitido ou com o crédito nele constituído sobre a parte liberal, art.º 940.º do C.C., na doação modal ele fica vinculado ao cumprimento de um dever.

Mas com o limite que lhe é fixado pelo n.º 2 do art.º 963º.

A este respeito escreveram Pires de Lima e Antunes Varela in “Código Civil Anotado”, Vol.II, 3ª ed., pág. 290: “A doação modal é sempre uma doação, uma liberalidade, que não pode transformar-se num acto prejudicial para o donatário.”.

A obrigação ou o dever contraído pelo donatário não representa uma contraprestação e muito menos o correspetivo ou equivalente da atribuição patrimonial que lhe é feita – mas um simples ónus, restrição ou limitação dela, cfr. in Revista de Legislação e de Jurisprudência, 102º, págs. 38 e 39.

Só existe doação com encargos quando, apesar da realização do encargo, o donatário ainda recebe um benefício que represente um valor superior àquele que se obrigou a despender em consequência dos encargos (cfr. Menezes Leitão in “Direito das Obrigações”, vol. III, pág. 227).

Assim, o donatário fica obrigado a um determinado comportamento, que pode ser no interesse do doador, ou de terceiro, ou do próprio beneficiário.

Sendo a favor do doador ou de terceiro, este comportamento pode corresponder ao conteúdo de uma obrigação que fica a cargo do donatário, a qual, aliás, não tem necessariamente natureza patrimonial. Pode, porém, não haver uma verdadeira obrigação em sentido técnico, mas um simples dever jurídico, quando aquele que pode exigir o seu cumprimento não é titular de um correspondente direito de crédito, sobre a prestação (cfr. P. Lima e A. Varela, in obra citada, pág. 292.).
            Sendo que o Supremo Tribunal de Justiça, pelo Acórdão nº. 7/97, de 25/02/1997, uniformizou jurisprudência no sentido de a cláusula modal a que se refere o artigo 963.º do Código Civil abranger todos os casos em que é imposto ao donatário o dever de efetuar uma prestação, quer seja suportada pelas forças do bem doado, quer o seja pelos restantes bens do seu património” (in D.R., I Série-A, nº. 83, de 9/04/1997, págs. 1598 - 1602).
            Tendo presente ao supra exposto e como bem se refere na decisão recorrida estamos perante uma doação modal (cfr. facto b)), o que nem é posto em causa pela recorrente.

Aqui chegados cabe perguntar se a escritura de doação datada de 14/1/2021, onde o recorrente/ exequente/embargado não interveio (cfr. facto j) e onde intervieram como outorgantes o J... e a A..., que aceitaram a alteração (cfr. facto i), produz efeitos quanto a si.

Segundo a recorrente a falta de intervenção do beneficiário, no caso o exequente/recorrido, J..., na escritura de doação de 14/1/2021, que alterou os termos do pagamento da doação lavrada a 26/2/2017, não o desvincula dessa alteração, porquanto o art.º 406.º, n.º 1, do C.C. não exige essa intervenção.

O n.º 1 do art.º 406.º do C.Civil  preceitua: “O contrato deve ser pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei.”.

Do preceito resulta claro que os contratos apenas se podem modificar com o mútuo consentimento dos contraentes.

No caso em apreço resulta que o exequente/recorrido, no dia 14 de janeiro de 2021, após o vencimento de algumas prestações, compareceu no Cartório Notarial de ..., juntamente com M..., J... e A... (cfr. factos b) e g), não tendo intervindo nesse acto (cfr. facto j).

Não tendo o exequente intervindo no acto, apesar de ter comparecido no Cartório Notarial, não resulta que tenha aceite as alterações operadas na escritura de doação de 14/1/2021, pelo que as mesmas não se lhes podem opor, tanto mais que esta escritura foi outorgada depois da execução ter sido intentada (cfr. facto f).

Ora, não tendo resultado provado que o exequente/recorrido tenha aceite as referidas alterações, não pode dizer-se, como faz a recorrente, que o mesmo ficou vinculado ás mesmas, razão pela qual a recorrente não pode afirmar que o pagamento das prestações apenas poderia ser exigido a partir do final do ano de 2030, ainda que acrescidas de juros anuais de 1,5%, sobre o valor que ainda não tenha sido pago.

Assim, como bem se refere na sentença recorrida, a Executada não cumpriu com a obrigação de pagar ao Exequente as quantias acordadas, pois nem quando interpelada  para o pagamento da totalidade da quantia em divida, entretanto vencida,  pelo não pagamento das prestações (artigo 781.º), o fez (cfr. facto e)), pelo que o Exequente, beneficiário da cláusula modal, adquiriu a aquisição do direito de crédito correspondente, pois que, como já referimos, a doadora M... não podia alterar a forma de cumprimento do encargo que impôs à Executada sem o acordo/aceitação do Exequente, porquanto a adesão à cláusula modal estabilizou a existência e o conteúdo do direito de crédito do Exequente.

Face ao exposto não vemos assistir razão á recorrente e por consequência não há razão para censurar a sentença recorrida, pelo que se mantém.

                                                               4. Decisão

Face ao exposto acorda-se em negar provimento ao recurso mantendo a sentença recorrida.

Custas a cargo da recorrente.

Coimbra, 23/11/2021

Pires Robalo (relator)

Silvia Pires (adjunta)

Mário Silva (adjunto)