Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1482/08.8TBGRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE ARCANJO
Descritores: CONFISSÃO
ESTADO CIVIL
MATÉRIA DE FACTO
MÚTUO
RESTITUIÇÃO
CLÁUSULA CUM POTUERIT
NULIDADE DO CONTRATO
Data do Acordão: 10/26/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA GUARDA – 3ª JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 485º, AL. D), E 646º, Nº 4, CPC; 778º, 1142º E 1143º DO C. CIVIL.
Sumário: I - Numa acção de dívida, não contestada pelos réus (marido e mulher), é admissível a prova por confissão sobre o estado civil destes, prescindindo-se da prova documental (artºs 1º, nº 1, al. d), 4º e 211º do Código do Registo Civil), por não se tratar de questão central da acção, não se aplicando a excepção contida no artº 485º, al. d). CPC.

II – Para efeitos da sanção cominada no artº 646º, nº 4, do CPC, estamos perante o domínio da matéria de facto quando o apuramento de determinada realidade se efectua à margem da aplicação da lei, tratando-se apenas de averiguar factos cuja existência não depende da correcta interpretação a dar a qualquer norma jurídica, sendo que quando o mesmo termo é usado na linguagem jurídica e na linguagem comum, deve entender-se que foi empregue no sentido comum.

III – Provando-se que o réu pediu à autora que lhe pagasse diversas dívidas que se fossem vencendo até ele conseguir melhor condição financeira, por ser uma situação passageira, e que uma vez restabelecido o seu equilíbrio financeiro retomaria ele próprio o pagamento das prestações e efectuaria a devolução à autora de tudo quanto tivesse sido pago por ela, estamos perante um contrato de mútuo (artº 1142º CC), cuja obrigação de restituição ficou sujeita a uma cláusula “cum potuerit”- artº 778º CC.

IV – Porém, sendo o contrato de mútuo nulo, por vício de forma (artºs 1143º e 220º CC), a nulidade do contrato implica a irrelevância da dita cláusula nele aposta, cuja restituição opera agora por imperativo do artº 289º do CC.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra


I - RELATÓRIO

         1.1. - Os Autores – A... e esposa B... – instauraram ( 9/10/2008 ) na Comarca da Guarda acção declarativa, com forma de processo ordinário, contra os Réus – C... e D... .

         Alegaram, em resumo:

         Os Réus foram casados no regime de comunhão de adquiridos, tendo-se divorciado durante o ano de 2000.

         Em 2001, o Réu C..., dando conta à Autora, sua irmã, das dificuldades financeiras e impossibilidade de saldar as dívidas, contraídas por ambos os Réus na constância do matrimónio, pediu-lhe que ela pagasse as prestações de diversos contratos de crédito que se fossem vencendo, até conseguir melhor condição financeira, e que uma vez restabelecido o seu equilíbrio financeiro, retomaria ele próprio o pagamento e devolveria tudo quanto tivesse sido pago pela Autora.

         Os Autores anuíram, com a condição de serem reembolsados de todas as quantias pagas, pelo que desde 2001 a Outubro de 2007 pagaram o montante global de € 104.600,84, referente a obrigações assumidas e não cumpridas pelos Réus.

         Os Réus recusaram-se a devolver esta quantia, apesar de interpelados.

         Pediram a condenação dos Réus a pagarem aos Autores a quantia de € 104.600,84, acrescida de juros vincendos, à taxa legal, desde a citação.

         1.2. - Citados os Réus, não contestaram.

         1.3. - Por sentença ( fls. 67 e segs, ) decidiu-se julgar procedente a acção e condenar os Réus a pagar aos Autores a quantia de € 104.600,84, acrescida de juros desde a citação ( 18/11/2008 ) e até integral pagamento.

         1.4. – Inconformado, o Réu C... recorreu de apelação ( fls. 85 e segs. ) com as seguintes conclusões

[…]

         Os Autores não contra-alegaram.


II – FUNDAMENTAÇÃO

         2.1. – Delimitação do objecto do recurso:

         Considerando que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, impõe-se decidir as seguintes questões:

         1ª) - A prova do casamento e os efeitos da revelia;

         2ª) - Factos conclusivos;

         3ª) - Nulidade da sentença;

4ª) - Contrato de mútuo e cláusula “cum potuerit”;

5ª) - Nulidade do contrato de mútuo.

2.2. – Os factos provados ( descritos na sentença ):

[…]

2.3. – 1ª QUESTÃO

A primeira questão consiste em saber se a revelia é ou não operante em relação ao estado civil dos Réus, facto alegado no art. 1º da petição ( “Os Réus foram casados no regime de comunhão de adquiridos, tendo-se divorciado durante o ano de 2000”) - considerado provado na sentença ( cf. ponto 1), por confissão ( embora não tenha sido integralmente reproduzido), ou se deve considerar-se não escrito ( art.646 nº4 CPC), dada a excepção prevista no art.485 d) do CPC.

Antes de mais, convirá esclarecer que estamos perante uma acção declarativa, em que os Autores pedem a condenação solidária dos Réus, com base no incumprimento de um contrato de mútuo estabelecido entre a Autora e o Réu ( irmãos ) referente a vários quantitativos ( num total de € 104.600,84 ) que a Autora ( mutuante) emprestou ao Réu ( mutuário) para pagamento de dívidas da responsabilidade de ambos, a fim de salvaguardar o património do casal.

Os Autores reclamam o pagamento da quantia mutuada do Réu, por ser ele o mutuário ( com o qual a Autora contratou) e da Ré mulher, por os valores mutuados se destinaram a saldar as dívidas, contraídas na constância do casamento ( comunicabilidade da dívida).

         Quando o estado civil das pessoas não é a questão ou o tema a decidir na acção, discute-se se a revelia é inoperante, por funcionar a excepção do art.485 d) CPC, exigindo-se o documento escrito, como “prova necessária”, cuja sanção será a de considerar não escrita a factualidade, por aplicação directa do art.646 nº4 do CPC.

         Segundo determinado entendimento, seja qual for o tipo de acção, o estado civil (casamento) só pode considerar-se provado por documento ( certidão ou boletim) , nos termos dos arts.1 nº1 e 211 CRC, não operando a revelia, logo jamais pode provar-se por confissão ficta, argumentando-se com razões de segurança jurídica e com o facto de a lei não autonomizar, no âmbito das excepções ao efeito cominatório o caso de o documento escrito ser legalmente exigido para a prova de determinado facto e a situação se tratar de direitos indisponíveis, como nas acções de estado ( cf., por ex., Ac RL de 21/5/2005, de 31/10/2006, de 17/4/2007, de 28/2/2008, disponíveis em www dgsi.pt ).

         Noutra orientação, aliás, prevalecente, - e que aqui se acolhe - não sendo o estado civil das pessoas a questão central da acção, prescinde-se da prova documental, bastando a confissão, o que significa uma interpretação restritiva do art.485 d) CPC. Daqui resulta que, muito embora ao casamento só possa provar-se por um dos meios indicados nos termos dos arts.1º nº1 d), 4º e 211 do CRC, nos quais não se refere a confissão, a verdade é que o estado civil e parentesco podem aceitar-se por confissão sempre que os respectivos factos jurídicos não constituam objecto directo da acção, traduzindo-se em relações jurídicas prejudiciais ou condicionantes ( cf., por ex, Ac STJ de 7/7/1993, C.J. ano 93, II, pág.178, de 22/2/1994, C.J. ano II, tomo I, pág.120, de 6/5/1998, de 14/1/2003, 6/2/2003, 10/9/2009, 10/12/2009, 7/1/2010, Ac RP 13/4/2010, disponíveis em www dgsi.pt).

         Como os Réus foram citados regularmente e não contestaram, havia que considerar confessados os factos alegados na petição inicial sobre o estado civil, nomeadamente o casamento e regime de bens, por não se aplicar o art.485 d) CPC.

         2.4. - 2ª QUESTÃO

         O apelante pretende que se dê como não escritos ( art.646 nº4 CPC), por consubstanciarem questões de direito ou meros factos conclusivos, segmentos dos pontos 3, 11, 12 e 13.

Dispõe o art.646 nº4 do CPC – “ Têm-se por não escritas as respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito e bem assim as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes “.

Estabelecem-se aqui os limites de validade e atendibilidade das respostas à base instrutória, contendendo com as normas jurídicas do direito probatório e postula a polémica distinção entre “questão de facto” e “questão de direito”.

Num estudo publicado na C.J. ano 2003 ( STJ ), tomo III, pág.5 e segs., o Cons. ABEL FREIRE, sublinha que os juízos de facto podem nuns casos ser matéria de facto e noutros matéria de direito, discernindo sobre os critérios da distinção.

No mesmo sentido, ensina ANTUNES VARELA ( RLJ ano 122, pág. 220 ): “Há que distinguir nesses juízos de facto (juízos de valor sobre matéria de facto) entre aqueles cuja emissão ou formulação se há-de apoiar em simples critérios próprios do bom pai de família, do homo prudens, do homem comum e aqueles que, pelo contrário, na sua formulação apelam essencialmente para a sensibilidade ou intuição do jurista, para a formação especializada do julgador.” E continua - “Os primeiros estão fundamentalmente ligados à matéria de facto... Os segundos estão mais presos ao sentido da norma aplicável ou aos critérios de valorização da lei (…) - para concluir que - “Se, porém, algum dos juízos de valor sobre factos (ou seja, sobre matéria de facto) for indevidamente incluído no questionário, a resposta do colectivo a esses quesitos não deve ser tida por não escrita, por aplicação do disposto no nº 4 do art. 646 do CPC, visto não se tratar de verdadeiras questões de direito.”

A jurisprudência tem adoptado este critério, sustentando que se o apuramento de determinada realidade se efectua à margem da aplicação da lei, tratando-se apenas de averiguar factos cuja existência não depende da correcta interpretação a dar a qualquer norma jurídica, estaremos perante o domínio da matéria de facto ( cf, por ex. Acs. do STJ de 22/2/1995 e de 8/11/95, C.J. ano I, pág. 279 e II, pág. 294, respectivamente ). E quando o mesmo termo é usado na linguagem jurídica e na linguagem comum, deve entender-se que foi empregue no sentido comum ( cf., por ex., sobre o termo “ janela”, Ac dos STJ de 22/4/2004, “apropriação” Ac do STJ de 18/12/2002, ou o termo “ emprestar “, Ac do STJ de 20/11/03, www dgsi.pt ).

De resto, as respostas a quesitos conclusivos não se podem dar por não escritas, por não se tratar de uma questão de direito e há até quem entenda que só esta está abrangida pela sanção do art.646 nº4 do CPC ( cf. ANTUNES VARELA, loc.cit., pág.222, Ac do STJ de 13/5/2003, de 13/11/2007, www dgsi.pt/jstj ).

         Por isso, seguindo estes critérios, os segmentos impugnados pelo apelante ( como, por ex., “dívidas vencidas”, “obrigações assumidas e não cumprida pelos Réus”, “que o Réu avalizou”, “A Autora B... pagou diversas dívidas da responsabilidade dos Réus (…) “), no contexto em que foram alegados, para além de se tratarem de termos usados na linguagem comum, não são puros juízos de direito, sendo certo que nas alíneas dos ponto 11) estão concretizas as diversas dívidas.

         Conclui-se, assim, não se tratar de matéria de direito ou de facto conclusiva, a implicar a sanção cominada no art.646 nº4 do CPC.

         2.5. - 3ª QUESTÃO

         O apelante arguiu a nulidade da sentença ( art.668 nº1 c) CPC), dizendo que estando provado que “ os Réus devolveram aos autores as quantias pedidas”, tal implicaria logicamente a absolvição dos Réus.

         Acontece que o ponto 15 foi objecto de rectificação, por despacho de fls.115, passando a contar que “Os Réus não devolveram aos Autores as quantias pedidas”, logo inexiste qualquer contradição lógica, enquanto erro de construção da própria sentença.

2.6. - 4ª QUESTÃO

         O art.1142 do Código Civil define o mútuo “ como o contrato pelo qual uma das partes empresta a outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género ou qualidade”.

         Sobre a natureza jurídica, tem sido classificado como um contrato real quod constitutionem, que se completa pela entrega, e estruturalmente unilateral ( cf. ANTUNES VARELA, RLJ ano 124, pág.241 e segs. ).

         A propósito do art.1813 do Código Civil Italiano, fonte inspiradora do art.1142 do CC, M.FRAGALI ( Del Mutuo, art.1813, 22-b ) sustenta que não é suficiente demonstrar a entrega do dinheiro, sendo ainda necessário provar o compromisso do mutuário de restituir.

         Em princípio, a entrega do dinheiro, ou coisa fungível, não faz presumir a obrigação de restituição, pelo que terá que ser alegada e provada pelo autor, como facto constitutivo do seu direito ( art.342 nº1 do CC ). Porém, no caso concreto, provou-se mais do que a entrega, já que se sabe qual a concreta afectação ou destino do dinheiro, precisamente o empréstimo, a pedido do Réu, com vista à regularização das dívidas, e obrigação de restituição.

         Perante isto, pode então afirmar-se estar perfeitamente caracterizada a relação contratual do mútuo, estabelecida entre a Autora ( mutuante ) e o Réu ( mutuário)..

         No entanto, o Réu pediu à Autora, sua irmã, que pagasse diversos contratos de crédito que se fossem vencendo, até que conseguisse melhorar a sua condição financeira, alegando tratar-se de uma situação transitória e passageira, e que, uma vez estabelecido o desejado equilíbrio financeiro, retomariam eles próprios o pagamento das prestações e efectuariam a devolução de tudo quanto tivesse sido pago pela Autora.

Sendo elemento do mútuo a obrigação de restituição pelo mutuário, deve questionar-se, face à factualidade apurada, quando é que o Réu estava vinculado a fazê-lo.

         A sentença partiu do pressuposto de que não foi acordado qualquer prazo para o cumprimento, logo aplicar-se-ia o disposto no art.1148 nº1 do CC, pois tratando-se de mútuo gratuito a obrigação do mutuário vence-se trinta dias após a interpelação.

         Contudo, provando-se que a obrigação de restituição dependeria do equilíbrio financeiro do Réu, a obrigação de restituição ficou sujeita a uma cláusula “ cum potuerit” ( art.778 do CC ), estipulando-se que o Réu cumpriria quando estivesse reestabelecido o seu equilíbrio financeiro. Por isso, a exigibilidade dependeria da comprovação pelos Autores ( art.342 nº1 do CC) da verificação da respectiva condição económica e, sem ela, não há obrigação de restituir., pois em bom rigor, como elucida GALVÃO TELLES, “ a cláusula cum potuerit não envolve um prazo mas uma condição, visto a possibilidade de cumprimento ser um facto incerto “ ( Direito das Obrigações, 4ª ed., pág.179 ).

         Contudo, verifica-se que a validade do contrato de mútuo estava sujeito a documento escrito ( escritura pública), dada a quantia mutuada e o imposto no art.1143 CC. Caracterizado o contrato de mútuo, a sua validade, porque superior a € 20.000,00, pressupunha a celebração de escritura pública ( art.1143 do CC, redacção do DL nº344/98 de 6/11), o que não sucedeu, sendo formalmente nulo ( art.220 do CC ).

         Sendo a nulidade formal de conhecimento oficioso ( art.286 do CC ), a sua declaração implica a restituição do que foi prestado, por força do art.289 nº1 do CC e Assento do STJ nº4/95 de 28/2/95, DR I Série de 17/5/95, ao estabelecer a seguinte orientação:

 “ Quando o tribunal conhecer oficiosamente da nulidade de negócio jurídico invocado no pressuposto da sua validade e se na acção tiverem sido fixados os necessários factos materiais, deve a parte ser condenada na restituição do recebido, com fundamento no nº1 do art.289 do Código Civil “.
Nesta medida, impõe-se a restituição de tudo o que houver sido prestado, por força da norma positivada no art.289 do CC, e a nulidade do negócio implica necessariamente a irrelevância da cláusula “cum potuerit”” ( cf., neste sentido, por ex., Ac STJ de 30/10/2020, em www dgsi.pt ).
         A restituição da quantia mutuada, no caso da nulidade do mútuo, é devida com fundamento directo nesta e não com base no enriquecimento sem causa, dado o seu carácter subsidiário ( cf. P.LIMA /A.VARELA, Código Civil Anotado, vol.I, 3ªed., págs.263 e 264; Ac STJ de 10/12/85, BMJ 352, pág.317, Ac RC de 6/11/84, C.J. ano IX, tomo V, pág.56).
         Na medida em que a restituição emerge da nulidade do negócio jurídico, assiste aos Autores o direito aos juros legais, quer sejam considerados como frutos civis ou como indemnização moratória (cf., por ex., Ac RC de 10/2/87, C.J. ano XII, tomo I, pág.57). Com efeito, sendo os juros frutos civis e remetendo o art.289 nº3 para o art.1271 do Código Civil, a obrigação de restituir baseada na nulidade do negócio, além de operar retroactivamente, pode também abranger os frutos e, portanto, os juros, mas apenas desde a citação, momento a partir do qual o Réu ficou a conhecer do pedido do Autor, cessando, assim, a boa-fé ( art.481 a) CPC ).
         Noutra perspectiva, estando o Réu em mora, quanto à obrigação de restituição, a partir da citação, e tratando-se de uma obrigação pecuniária, a indemnização corresponde aos juros legais, por imperativo dos arts.805 e 806 do CC.

         Como o mútuo foi contraído apenas pelo Réu, já depois de divorciado, não há lugar à comunicabilidade à Ré da obrigação de restituição ( cf. art.1690 nº2 CC), agora com base na nulidade formal do contrato ( art.289 nº1 CC), mas tal não invalida que nas relações entre os Réus, designadamente em sede de partilha, se não discutam entre eles os eventuais “créditos de compensação”.

         Em resumo, procede parcialmente a apelação, confirmando-se a sentença, embora com diversa fundamentação, na parte em que condenou o Réu, mas absolve-se a Ré do pedido.

         2.7. - Síntese conclusiva:

1. - Numa acção de dívida, não contestada pelos réus ( marido e mulher ), é admissível a prova por confissão sobre o estado civil destes, prescindindo-se da prova documental ( art.1 nº1 d), 4, 211 do CRC), por não se tratar de questão central da acção, não se aplicando a excepção contida no art.485 d) CPC.

2. - Para efeitos da sanção cominada no art.646 nº4 do CPC, estamos perante o domínio da matéria de facto quando o apuramento de determinada realidade se efectua à margem da aplicação da lei, tratando-se apenas de averiguar factos cuja existência não depende da correcta interpretação a dar a qualquer norma jurídica, sendo que quando o mesmo termo é usado na linguagem jurídica e na linguagem comum, deve entender-se que foi empregue no sentido comum.

3. - Provando-se que o réu pediu à autora que lhe pagasse diversas dívidas que se fossem vencendo até ele conseguir melhor condição financeira, por ser uma situação passageira, e uma vez reestabelecido o seu equilíbrio financeiro retomaria ele próprio o pagamento das prestações e efectuaria a devolução à autora de tudo quanto tivesse sido pago por ela, estamos perante um contrato de mútuo ( art.1142 CC), cuja obrigação de restituição ficou sujeita a uma cláusula “cum potuerit” ( art.778 CC).

         4. – Porém, sendo o contrato de mútuo nulo, por vício de forma ( arts.1143 e 220 CC), a nulidade do contrato implica a irrelevância da cláusula “cum potuerit” nele aposta, cuja restituição opera agora por imperativo do art.289 do CC.


III – DECISÃO

         Pelo exposto, decidem:


1)

         Julgar nulo, por vício de forma, o contrato de mútuo estabelecido entre a Autora e o Réu.

2)

         Julgar parcialmente procedente a apelação e, revogando-se, em parte a sentença, absolver a Ré do pedido, confirmando-se o demais decidido, quanto à condenação do Réu a pagar aos Autores a quantia de € 104.600,84, acrescida de juros de mora, desde a citação (18/11/2008) e até integral pagamento.

3)

         Condenar Autores e Réu C... nas custas, em ambas as instâncias, na proporção de metade para cada.


JORGE ARCANJO (RELATOR)
ISAÍAS PÁDUA
TELES PEREIRA