Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
247/11.4GAACB-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO MIRA
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL
DECLARAÇÃO DE CONTUMÁCIA
MANDADOS DE DETENÇÃO
TEP
TRIBUNAL DA CONDENAÇÃO
Data do Acordão: 03/15/2017
Votação: DECISÃO SUMÁRIA
Tribunal Recurso: COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA
Decisão: ATRIBUIÇÃO DE COMPETÊNCIA
Legislação Nacional: ARTS. 17.º, 97.º, N.º 2, 138.º, N.º 4, ALS. T) E X), DO CÓDIGO DA EXECUÇÃO DAS PENAS E MEDIDAS PRIVATIVAS DA LIBERDADE (CEPMPL), E ART. 337.º, N.º 1, DO CPP.
Sumário: Pertence ao Tribunal de Execução das Penas a emissão dos mandados de detenção, previstos nos artigos 97.º, n.º 2, do CEPMPL, e 337.º, n.º 1, do CPP, efeito da declaração de contumácia quanto a condenado que dolosamente se tiver eximido à execução de pena de prisão ou de medida de internamento.
Decisão Texto Integral:


I. Relatório:

A Sr.ª Juíza do Juízo Local Criminal de Alcobaça - Comarca de Leiria -, suscitou, no âmbito do processo n.º 247/11.4GAACB, a resolução de conflito negativo de competência (material) existente entre a própria e o Sr.ª Juíza do Tribunal de Execução das Penas de Coimbra, porquanto ambas se atribuem reciprocamente competência, negando a própria, para a emissão de mandado de detenção decorrente da declaração de contumácia do condenado A...

O Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer, no sentido de a competência para o fim acima indicado pertencer ao segundo dos tribunais referidos.

Por sua vez, a Sr.ª Juíza do TEP  de Coimbra apresentou resposta, pugnando pela incompetência (material) daquele tribunal.


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II. Fundamentação:

1. Elementos relevantes:

A) Através de sentença condenatória já transitada em julgado, o arguido A... foi condenado na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, cuja suspensão na executoriedade veio a ser definitivamente revogada;

B) Por se verificar a situação prevista na alínea x) do n.º 4 da Lei n.º 115/2009, de 12-10, foi proferido, em 02-12-2016, no TEP de Coimbra, despacho que, ao abrigo das disposições legais previstas nos artigos 335.º, n.ºs 3 e 4, 336.º e 337.º, todos do CPP, concatenadas com as enunciadas no artigo 18.º da lei adjectiva penal, no artigo 97.º do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (doravante apenas designado CEPMPL) e ainda na norma indicada em primeiro lugar, declarou o condenado contumaz;

C) Naquele despacho, a final, ficou exarado:

«Ao tribunal da condenação, por ser o para tal competente, caberá extrair os legais efeitos da supra declaração de contumácia, designadamente, a emissão dos competentes mandados de detenção (arts. 337.º, n.º 1 do CPP, 17.º a) do CEP e 3.º do RGEP).»

E) Por seu turno, A Sr.ª Juíza do Juízo Local de Alcobaça deixou exarado, no despacho datado de 05-01-2017, em síntese, o seguinte (transcrição parcial):

«(…).

Entende (…) este tribunal que a competência para a concretização dos efeitos da contumácia, incluindo a emissão dos mandados de detenção, é do tribunal de execução das penas.

Preceitua o artigo 97.º, n.º 2, do CEPMPL que (…).

Por sua vez, prescreve o artigo 138.º, n.º 4, alíneas t) e x), do CEPMPL que compete ao tribunal de execução das penas (…).

Conjugando os preceitos legais descritos, entende-se que a emissão dos mandados de detenção a que se reporta o artigo 337.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, é da competência do tribunal de execução das penas na medida em que é também ele o competente para proferir a declaração de contumácia da qual devem ser extraídos os respectivos efeitos, constituindo a emissão dos mandados de detenção, a par dos demais efeitos, a materialização e cumprimento de tal decisão.

Aliás, o artigo 97.º, n.º 2 (…) reporta-se ao artigo 337.º do Código de Processo Penal, sem excluir da competência do tribunal de execução das penas a emissão dos mandados de detenção.

Note-se, ainda, que a decisão do Tribunal de Execução das Penas de Coimbra faz alusão ao artigo 337.º do Código de Processo Penal, apenas excluindo a competência para a emissão dos mandados de detenção prevista no n.º 1 quando os artigos 97.º, n.º 2 e 138.º, n .º 4, alínea x) do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade a não excluem.

Acresce que, no caso vertente, se aplica o disposto no artigo 17.º, alínea b), do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, uma vez que se trata da emissão de mandados de detenção em consequência da declaração de contumácia, e não a alínea a) do mesmo preceito legal.

(…).

Na esteira do Ac. citado, se o tribunal de execução das penas é competente para cumprir o disposto no artigo 335.º do Código de Processo Penal, por maioria de razão é também competente para a emissão dos mandados de detenção, por tal acto ser necessário e sequencial da declaração de contumácia, constituindo o cumprimento da própria decisão.

Considera-se, assim, que o tribunal competente para a emissão dos mandados de detenção é o tribunal de execução das penas, sendo incompetente para o efeito o tribunal da condenação.

Face ao exposto, declara-se, para todos os efeitos legais, a incompetência deste tribunal, como tribunal da condenação, para extrair os legais efeitos da declaração de contumácia proferida pelo tribunal de execução das penas, designadamente a emissão dos competentes mandados de detenção, nos termos do artigo 337.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, por se entender ser o tribunal de execução das penas o competente para o efeito, nos termos do artigo 337.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, e artigos 17.º, alínea b), 97.º, n.º 2, e 138.º, n.º 4, alíneas t) e x), do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade.

(…).»


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2. Apreciação:

O cerne do dissídio existente entre duas Juízes conflituantes consiste em determinar quem detém competência material para a emissão de mandados de detenção sobrevindos à contumácia declarada no âmbito de previsão da alínea x) do n.º 4 do artigo 138.º do CEPMPL: se o tribunal da condenação, ou, ao invés, o tribunal de execução das penas.
Dispõe aquele artigo (Lei  n.º 115/2009, de 12-10, na versão conferida pela Lei n.º 40/2010, de 03-09):
«1 - (…).
2 - Após o trânsito em julgado da sentença que determinou a aplicação de pena ou medida privativa da liberdade, compete ao tribunal de execução das penas acompanhar e fiscalizar a respectiva execução e decidir da sua modificação, substituição e extinção, sem prejuízo do disposto no artigo 371.º-A do Código de Processo Penal.
3 - (…).
4 - Sem prejuízo de outras disposições legais, compete aos tribunais de execução das penas, em razão da matéria:
(…);
t) Emitir mandados de detenção, de captura e de libertação;
x) Proferir a declaração de contumácia e decretar o arresto de bens, quanto a condenado que dolosamente se tiver eximido, total ou parcialmente, à execução de pena de prisão ou de medida de internamento;
(…)».
Por seu turno, prescrevem os artigos 97.º, n.º 2, e 17.º do mesmo diploma legal:
O primeiro:
«2 – Ao condenado que dolosamente se tiver eximido, total ou parcialmente, à execução de pena de prisão ou de medida de internamento é correspondentemente aplicável o disposto nos artigos 335.º, 336.º e 337.º do Código de Processo Penal, relativos à declaração de contumácia, com as modificações seguintes:
a) Os editais e anúncios contêm, em lugar da indicação do crime e das disposições legais que o punem, a indiciação da sentença condenatória e da pena ou medida da pena de segurança a executar;
b) O despacho de declaração de contumácia e o decretamento do arresto são da competência do tribunal de execução das penas.»
O segundo:
«O ingresso de recluso em estabelecimento prisional só pode ter lugar nos seguintes casos:
a) Mandado do tribunal que determine a execução da pena ou medida privativa da liberdade;
b) Mandado de detenção;
c) Captura, em caso de evasão ou ausência não autorizada;
d) (…);
e) Decisão da autoridade competente no âmbito da cooperação judiciária internacional em matéria penal;
f) Transferência;
g) Em trânsito entre estabelecimentos prisionais»

Com o advento da nova legislação reguladora da execução das penas e medidas privativas da liberdade (Lei n.º 115/2009, de 12-10), o legislador reconheceu em letra de lei uma competência concorrente do presidente do tribunal de primeira instância em que o processo tiver corrido termos e o TEP.
Assim, verificado o circunstancialismo enunciado no n.º 1 do artigo 335.º do CPP, em conformidade com  o disposto no n.º 3 do mesmo artigo, a declaração de contumácia é da competência do juiz presidente do tribunal de julgamento. Diversamente, com a revogação do artigo 476.º do CPP pela Lei 115/2009 e a consagração, no CEPMPL, dos citados artigos 97.º, n.º 2, e 138.º, n.º 4, al. x), quando o condenado se tiver eximido, dolosamente, total ou parcialmente, à execução da pena de prisão ou de medida de internamente, tal declaração cai na alçada de competência do TEP.

A análise integrada do amplexo de normas acima individualizadas, com particular destaque para a estatuição dos artigos 97.º, n.º 2, e 138.º, n.º 4, als. x), do CEPMPL, e também do artigo 337.º do CPP – para o qual o artigo 97.º, n.º 2, do CEPMPL remete - não permite, afigura-se-me, outro entendimento senão o de a competência para a prática do acto em causa, ou seja, a emissão de mandados de detenção, pertencer ao TEP.

Como decorre expressamente do n.º 1 do artigo 337.º do CPP, concatenado com os artigos 94.º, n.º 2 (corpo da norma) e 138.º, n.º 4, al. x), do CEPMPL, a passagem imediata de mandado de detenção relativamente a condenado em pena de prisão é um efeito necessário da declaração de contumácia.

Por imperativo de coerência sistemática e teleológica, os mandados de detenção, captura ou libertação inscritos na esfera de competência do TEP, expressamente previstos nos artigos 17.º, als. a), b) e c), 23.º e 138.º, n.º 4, al. t), do CEPMPL, são decorrência lógica e funcional dos actos cuja prática – cfr. artigo 138.º referido, n.ºs 1, 2, 3 e 4 - está legalmente atribuída àquele tribunal. Dito por outras palavras, compete ao TEP emitir mandados de detenção, captura ou libertação, quando os mesmos se destinem a cumprir/executar decisões que lhe caiba proferir e ordenar ainda a passagem de mandados de detenção quando, como na situação dos autos, estes confiram completude normativamente prevista a acto – declaração de contumácia – também contido no seu círculo de competência material.
Repristinando a expressão da Sr.ª Juíza do Juízo Local Criminal de Alcobaça, «(…) se o Tribunal de Execução das Penas é competente para cumprir o disposto no artigo 335.º do Código de Processo Penal, por maioria de razão é também competente para a emissão dos mandados de detenção, por tal acto ser necessário e sequencial da declaração de contumácia, constituindo o cumprimento da própria decisão».
 

Em síntese conclusiva, os elementos interpretativos, de ordem literal e sistemática, projectam a teleologia das normas consideradas no sentido de a prática de actos necessários à exequibilidade da decisão condenatória, onde se inclui a declaração de contumácia e, como efeito desta, a emissão de mandados de detenção contra o condenado, caberem ao TEP.


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III. Dispositivo:

Posto o que precede, decidindo o presente conflito negativo, atribuo ao Tribunal de Execução das Penas de Coimbra competência material para a emissão de mandado de detenção do condenado A... .

Sem tributação.

Cumpra-se o disposto no art. 36.º, n.º 3, do CPP.


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Coimbra, 15 de Março de 2017

(Documento elaborado e integralmente revisto pelo signatário, Presidente da 5ª Secção - Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra)

(Alberto Mira)