Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
986/12.2TBCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANABELA LUNA DE CARVALHO
Descritores: CONTRATO DE CONCESSÃO COMERCIAL
CESSAÇÃO DO CONTRATO
INDEMNIZAÇÃO DE CLIENTELA
RESOLUÇÃO
Data do Acordão: 04/14/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - INST. CENTRAL - SECÇÃO CÍVEL - J3
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ART.405 CC, DL Nº178/86 DE 3/7, DL 118/93 DE 13/4
Sumário: 1. Ao contrato de concessão comercial, porque se trata dum contrato inominado, não tipificado na lei, não dispondo, por isso, de regulamentação específica, há que aplicar, além das cláusulas acordadas entre as partes (artº 405º do CC), as regras gerais dos contratos, também, as normas dos contratos nominados, sempre que a analogia das situações o justifique, designadamente o de agência, sobretudo em matéria de cessação do contrato.

2. Tem plena justificação neste cenário contratual, o instituto da indemnização de clientela, o qual é um instituto de natureza compensatória e não propriamente ressarcitória.

3. O direito à indemnização de clientela supõe a verificação dos requisitos constitutivos, cumulativamente previstos nas alíneas a), b) e c) do nº1 do art. 33ºdo DL 178/86, implicando a demonstração, face à matéria de facto apurada – e a cargo do agente ou concessionário demandante – de que, num juízo de prognose, o principal beneficiou consideravelmente, após cessação do contrato, da atividade de angariação ou incremento de clientela, por aquele desenvolvida, tendo o agente ou concessionário deixado de receber qualquer retribuição por contratos celebrados a partir da cessação do contrato, com os anteriores clientes.

4. A lei não considera necessário que a aquisição ou incremento de clientela tenha de ser exclusivamente imputada à atividade do agente/concessionário, não prejudicando essa efetiva aquisição ou ampliação do leque de clientes, a circunstância de, para tal, ter concorrido no passado, outro concessionário.

5.A invocação pela concedente de que “tinha novos produtos a comercializar e a Autora se recusou a responsabilizar-se pelos objetivos de vendas a que era obrigada”, embora pretenda ter cariz resolutivo, não constitui fundamento sério de resolução, pois que, a concessionária, nunca esteve contratualmente vinculada a objetivos de vendas, estando na sua inteira disponibilidade aceitar ou não, vincular-se aos mesmos, para futuro, não podendo ser penalizada pela recusa.

6. Ao provar-se que não houve incumprimento culposo da concessionária, mostra-se ilícita a resolução contratual operada pela concedente.

7. Daí que a concessionária tenha direito a ser indemnizada pelos danos sofridos na sequência de uma resolução contratual não motivada e, por isso, ilícita.

8. Esta indemnização a ser fixada nos moldes gerais nos termos do art. 32 do DL 178/86, não se confunde nem se concilia com a indemnização por falta de pré-aviso prevista no art. 29 do mesmo DL para situações de denúncia, em que o denunciante quis fazer cessar o contrato, mas não pré-avisou a outra contraparte a tempo.

9.Nesta previsão normativa do art.29 os danos indemnizáveis estão apenas correlacionados com a ilicitude do pré-aviso, não com a resolução ilícita porque infundamentada.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

                                                                        I

"B (…), LDA", com sede na Rua (....), em Coimbra, intentou a presente ação declarativa de condenação com processo ordinário contra "F (…), LDA", com sede na Rua (....), em Lisboa, pedindo que:

a) Se declare a existência e vigência atual do contrato de concessão comercial outorgado entre A. e R. no dia 01 de Junho de 1995, nos termos e condições expostos na p.i..

b) Se declare como ilícita a modificação do contrato de concessão comercial efetuada unilateralmente pela R., com as devidas consequências legais.

c) Se condene a R. a reconhecer as condições contratuais vigentes outorgadas com a A., nomeadamente, a atribuição da área territorial exclusiva correspondente à zona Norte e Centro de Portugal continental, no âmbito do contrato de concessão comercial.

d) Se condene a R. a pagar à A. a quantia de 82.856,70 € (oitenta e dois mil, oitocentos e cinquenta e seis euros e setenta cêntimos), a título indemnizatório por danos patrimoniais correspondentes a lucros cessantes, acrescida da quantia correspondente aos lucros cessantes, calculados segundo o mesmo critério, que se forem vencendo na pendência da ação, até efetiva reposição da legalidade contratual.

e) Se condene a R. a pagar à A. a quantia de 10.000,00 € (dez mil euros), a título indemnizatório por danos não patrimoniais.

f) Se condene a R. na quantia diária de 100,00 € (cem euros), a título de sanção pecuniária compulsória, até efetiva reposição da legalidade contratual.

Subsidiariamente,

Assim não se entendendo, requer, que o pedido subsidiário cumulativo seja julgado procedente por provado e:

a) Seja a R. condenada a pagar à A. a quantia de 17.809,37€ (dezassete mil, oitocentos e nove euros e trinta e sete cêntimos), a título indemnizatório por danos patrimoniais advindos da falta de pré-aviso na cessação do contrato.

b) Seja a R. condenada a pagar à A. a quantia de 132.570,86 € (cento e trinta e dois mil, quinhentos e setenta euros e oitenta e seis cêntimos), a título indemnizatório por danos patrimoniais correspondentes aos lucros cessantes, pela cessação do contrato de concessão comercial.

c) Seja a R. condenada a pagar à A. a quantia de 66.285,43 € (sessenta e seis mil,  duzentos e oitenta e cinco euros e quarenta e três cêntimos) a título de compensação pela denominada "indemnização de clientela".

d) Seja a R. condenada a pagar à A. a quantia de 10.000,00 € (dez mil euros), a título de danos não patrimoniais.

e) Todos os preditos montantes, acrescidos dos juros de mora, calculados à taxa legal supletiva prevista no artigo 102º do Cód. Comercial, desde a data da citação, até efetivo e integral pagamento, acrescido, ainda, de 5% desde o trânsito em julgado da sentença que assim vier a decidir, nos termos do n.º 4 do artigo 829º-A do CC.

Para tanto alega, em síntese, que:

- Entre A. e R. foi celebrada uma relação contratual, cujos termos reduziram a escrito num documento particular, por ambos firmado, que teve o seu termo inicial a 01/06/1995 e segundo o qual, a R. se obrigava a vender à A., e esta, integrando-se na rede de distribuição do comércio da R., sujeitando-se às suas diretrizes de organização empresarial, política promocional e comercial e assistência pós venda aos clientes, se obrigava a comprar àquela determinada quota de bens, com vista a revendê-los, com autonomia, no âmbito da sua atividade económica, em determinada zona exclusiva que logo se fixou no Norte e Centro de Portugal continental.

- No dia 02/05/1996, A. e R. lograram efetuar por escrito um aditamento ao contrato, que denominaram de "Contrato de Agência", alargando o seu âmbito à gama de produtos que giravam com a marca "Biologic" e "Beng Ginseng".

- No dia 01/06/2011, a A. recebeu uma carta enviada pela R. comunicando que as condições contratuais que mantinha com a A., como sua distribuidora exclusiva para as zonas Norte e Centro de Portugal continental, ficavam sem qualquer efeito, despromovendo-a à categoria de comum armazenista, passando as vendas naquelas zonas a ser feitas diretamente pela R. através de funcionários seus.

- Estando a A. completamente privada da capacidade de ganho emergente da modificação ilícita do contrato de concessão comercial desde Junho/2011 até à presente data, o seu prejuízo, em sede de dano contratual positivo ascende à quantia de 82.856,70€, correspondente a 15 meses de perda de faturação.

- A A. viu-se, desesperadamente, privada da mais importante fonte de faturação no  âmbito da sua atividade económica, vendo uma carteira de clientela fidelizada ao longo de 16 anos, ser açambarcada pela gula da R.

- A A. deixou de poder vender, de um momento para o outro, os produtos da R., que distribuía de forma exclusiva nas zonas Norte e Centro do país, com isso perdendo, necessariamente, prestígio e a boa reputação comercial granjeada ao longo de 16 anos, clientela e quota de mercado, capacidade de aviamento, solidez financeira, e capacidade de apelar a capitais, tudo consubstanciando, os tais danos patrimoniais indiretos.

- Subsidiariamente, concedendo que a resolução ilícita, porque desmotivada, não obstará à extinção do contrato, mas, fará incorrer o declarante faltoso, na indemnização pela cessação imediata do contrato de concessão comercial, atendendo à antiguidade do contrato (mais de 16 anos), a indemnização pela sua cessação repentina, inesperada e injustificada, é justo e razoável que se fixe assim na quantia mínima de 17.809,37 €.

- A título de lucros cessantes, pela cessação do contrato operada pela R., e atendendo à

antiguidade contratual e aos rendimentos legitimamente expectados que deixará de auferir, tem a A. direito a ser ressarcida no valor de 132.570,86 €. (66.285,43 € x 2).

- Estão preenchidos os pressupostos do disposto no artigo 33º do D.L. n.º 178/86, de 03-07, havendo dessa forma lugar à denominada Indemnização de Clientela, calculada nos parâmetros balizados no artigo 34º do predito normativo legal, perfazendo a quantia de 66.285,43 €, nos termos do quadro de faturação referido no artigo 7º da p.i.

- Ad cautelam invoca, subsidiariamente, o instituto do enriquecimento sem causa (Cfr. artigo 473º e ss. do CC), que faz ingressar na esfera jurídica da A. o direito à perceção de tal indemnização de clientela.

- Ainda subsidiariamente, caso não se considere que a comunicação da R. datada de 31/05/2011 operou uma modificação contratual, continuando vigente a relação obrigacional,

mas antes, que aquela cessou o vínculo contratual, então, terá também a A. direito a perceber uma indemnização a título de danos não patrimoniais, pela precisa motivação, mutatis mutandis, expendida nos artigos 71º a 77º da p.i. e que por mera economia processual, aqui se dá como reproduzida, peticionando a este título a quantia ressarcitória de 10.000,00 €.

Citada a Ré impugnou, no essencial, a factualidade vertida pela Autora na petição inicial, alegando que:

- Desde 1995, que a A. e a R. mantêm relações comerciais, tendo celebrado, nesse período, contratos de compra e venda de produtos farmacêuticos, que a R. comercializa em Portugal, tendo sido no âmbito dessas relações comerciais, que a A. comprometeu-se a divulgar e vender os produtos da Ré em zonas previamente estipuladas.

- Os produtos da Ré já eram fornecidos pela R. aos seus clientes, com os quais a R. já anteriormente mantinha relações comerciais, diretamente ou através de outros armazenistas.

- A A. não cumpriu as obrigações que sobre si impendiam, no âmbito dos contratos de compra e venda celebrados com a R.. A A. beneficiou de bonificações/descontos na aquisição dos produtos vendidos pela R., tendo deixado de promover vendas nas zonas que lhe foram atribuídas. Após a cessação da relação comercial entre a A. e a R., a R. constatou que muitas farmácias situadas na zona atribuída à A., não eram contactados pelos vendedores da A. há vários anos, pensando, por essa razão, que a R. teria deixado de exercer atividade.

- A conduta da A. causou assim graves danos à imagem comercial da R., e o trabalho de implantação no mercado das marcas comercializadas pela R. foi, por esta, exclusivamente realizado. De forma a retomar o volume de vendas normal dos referidos produtos, a Ré terá de despender avultadas quantias, que nesta data não foi ainda possível apurar.

- Da mesma forma, o facto de a A. ter deixado de contactar com as farmácias localizadas nas zonas que lhe foram atribuídas, causou à R. avultados prejuízos económicos, decorrentes da consequente quebra das vendas e cujo quantitativo também não é possível ainda apurar.

Conclui pela improcedência da ação e termina formulando um pedido reconvencional no qual pede a condenação da Autora a pagar uma indemnização, cuja liquidação se relega para execução de sentença, mas de valor nunca inferior a €20.000,00 (vinte mil euros), acrescido de juros de mora vencidos e vincendos, até integral pagamento.

Replicando a Autora conclui pela improcedência do pedido reconvencional, por absoluta falta de fundamento, devendo, ainda, a R./Reconvinte ser condenada como litigante de má-fé em multa, bem como, no pagamento de uma indemnização à A., correspondente ao reembolso das despesas suportadas por esta, incluindo os Honorários do seu Mandatário, a apurar, ulteriormente.

Admitido o pedido reconvencional, teve lugar audiência preliminar e foi proferido despacho saneador, elencados os factos assentes e organizada a base instrutória.

Foi realizada a audiência de julgamento, após o que, foi proferida sentença que julgou

a ação parcialmente procedente por provada e a reconvenção totalmente improcedente por não provada e, em conformidade:

A) Condenou a R. a pagar à A. a quantia de 17.809,37 € (dezassete mil, oitocentos e nove euros e trinta e sete cêntimos), a título indemnizatório por danos patrimoniais advindos da falta de pré-aviso na cessação do contrato.

C) Condenou a R. a pagar à A. a quantia de 132.570,86 € (cento e trinta e dois mil, quinhentos e setenta euros e oitenta e seis cêntimos), a título indemnizatório por danos patrimoniais correspondentes aos lucros cessantes, pela cessação do contrato de concessão comercial.

C) Condenou a R. a pagar à A. a quantia de 20.000,00 € (vinte mil euros) a título de compensação pela denominada "indemnização de clientela".

D) Todos os preditos montantes, acrescidos dos juros de mora, calculados à taxa legal, desde a data da citação, até efetivo e integral pagamento, acrescido, ainda, de 5% desde o trânsito em julgado da sentença, nos termos do n.º 4 do artigo 829º-A do CC.

E) Absolveu-se a Ré do mais peticionado.

F) Absolveu-se a Autora da totalidade do pedido reconvencional.

Inconformada com tal decisão veio a Ré recorrer concluindo do seguinte modo as suas alegações de recurso:

(…)

Não foram apresentadas contra-alegações.

                                                            II

São os seguintes os factos julgados provados pelo tribunal a quo:

No despacho de condensação deram-se como assentes os seguintes factos [admitidos por se encontrarem documentados e por acordo das partes uma vez que não foram impugnados]:

A) Em 01/06/1995 teve início uma relação comercial entre a Ré e a Autora, segundo a qual a Ré vendia à Autora, e esta comprava àquela determinados bens do seu comércio, com vista a revendê-los, com autonomia, no âmbito da sua atividade económica.

B) No dia 02/05/1996, Autora e Ré lograram efetuar por escrito um aditamento ao contrato, que denominaram de "Contrato de Agência", alargando o seu âmbito à gama de produtos que giravam com a marca "BIOLOGIC" e "BENG GINSENG", nos termos constantes do documento nº 1 junto com a PI, cujo teor aqui damos por integralmente reproduzido.

C) As transações comerciais entre Autora e Ré, incluindo as respetivas vendas de tais produtos adquiridos à Ré e margem de lucro obtido pela Autora, no período temporal correspondente aos últimos 10 (dez) anos traduziram-se nos seguintes valores:

Ano - Compras - Vendas - Lucro obtido

2002 - 178.634,70€ - 225.918,24€ - 47.283,54€

2003 - 181.358,44€ - 226.453,61€ - 45.095,17€

2004 - 177.420,99 € - 218.516,45 € - 41.095,46 €

2005 - 170.142,62 € - 219.568,74 € - 49.426,12 €

2006 - 194.226,59 € - 243.428,19 € - 49.201,60 €

2007 - 231.699,43€ - 295.414,58€ - 63.715,15€

2008 - 249.075,63 € - 322.987,66 € - 73.912,03 €

2009 - 235.640,10 € - 309.000,97 € - 73.360,87 €

2010 - 200.695,70 € - 271.933,19 € - 71.237,49 €

2011(apenas até Junho) - 80.250,39 € - 113.718,07 € - 33.467,68 €

(Vide mapas integrados anuais, com discriminação por referência de produto, que servem de suporte aos valores supra explanados, juntos com a PI, como documentos nºs 2 a 11).

D) No âmbito das relações comerciais estabelecidas entre ambas, a Autora comprometeu-se a divulgar e a vender os produtos da Ré na zona Centro e Norte de Portugal continental.

E) Para isso, a Autora beneficiava de descontos face aos preços praticados pela Ré aos demais distribuidores.

F) A Autora promovia a venda dos produtos da Ré nas zonas Norte e Centro de Portugal Continental.

G) Em 01.06.2011, a Autora recebeu da Ré uma carta cujo teor corresponde ao do documento nº 12 junto com a PI, e que aqui se dá por integralmente reproduzido (relevando para o que interessa o seguinte texto:

 “Após a reunião de ontem (…) a nossa decisão é a seguinte: Até ao próximo dia 6 de Junho, 2ª feira, os pedidos que nos fizerem manterão as condições praticadas até à data, para que não haja falhas nas vendas feitas por vós até ao final da corrente semana.

Após esta data, as vendas no norte e centro do país, serão feitas por vendedores da Farga.

Assim sendo, na eventualidade de futuras encomendas vossas, envio a tabela das condições para armazenistas.

Tomamos a decisão de contratarmos novos vendedores para trabalharem as zonas do norte e centro do país diretamente, porque, na reunião que tivemos em Abril e vos demos conhecimento de que teríamos novos produtos a comercializar, o senhor (…) recusou responsabilizar-se pelos objetivos de vendas a que somos obrigados. Por outro lado a descida significativa do volume de vendas que têm feito dos nossos produtos.

No caso de, a partir da próxima semana terem em stock material nosso, e o quiserem devolver, faremos uma nota de crédito a descontar nas Vossas faturas”.

H) Em resposta a essa carta, a Autora remeteu à Ré um fax cujo teor corresponde ao do documento junto aos autos com a PI sob o nº 19, que aqui se dá por integralmente reproduzido. (de teor irrelevante).

I) A este fax respondeu a Ré nos termos constantes do documento junto com a PI sob o nº 20, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. (de teor irrelevante).

J) No âmbito da relação comercial que estabeleceu com a Ré, a Autora nunca esteve vinculada a cumprir quaisquer objetivos de vendas estabelecido por aquela.

L) No âmbito da relação comercial que manteve com a Ré, a Autora, no período compreendido entre 2002 e 2009, apresentou valores de compras àquela sempre crescentes.

M) No ano de 2009 para 2010 o decréscimo de vendas da Ré à Autora foi da ordem dos 14.82 %.

N) Na publicidade distribuída pela Ré e junta por cópia de fls. 76 a 87 dos autos, a Autora é ali apresentada como sendo sua "agente" para distribuição dos seus produtos no Norte e Centro do País.

O) A Ré é uma sociedade comercial que tem por objeto a atividade de representação, distribuição, importação, exportação e armazenista de especialidades farmacêuticas, produtos dietéticos e alimentares, acessórios de farmácia e perfumarias. (Doc. 1 junto com a contestação cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

P) Desde 01.06.1995 e pelo menos até 31.05.2011, a Autora e a Ré mantiveram relações comerciais que se traduziram, pelo menos, na compra daquela a esta de produtos do seu comércio com vista à sua revenda na zona Norte e Centro de Portugal continental.

Q) A Autora não estava sujeita perante a Ré a qualquer objetivo de vendas.

R) A Ré fornecia à Autora produtos farmacêuticos, produtos dietéticos e alimentares e acessórios de farmácia.

S) Os contratos eram celebrados verbalmente.

T) No âmbito da relação comercial que a Autora mantinha com a Ré foi celebrado, em 01.06.1995 um contrato comercial nos referidos termos.

U) No âmbito desse contrato, a Ré obrigou-se a vender à Autora produtos do seu comércio por um preço inferior ao praticado para outros armazenistas.

V) Em 02.05.1996, a Autora e a Ré, acordaram (por escrito) que a Ré adquiria dois novos produtos.

X) A Autora e a Ré denominaram este acordo como "contrato de agência".

Z) O artigo 1.1, do acordo celebrado, estabelece quanto ao produto "Biologic" que "a área de agência para estes produtos é a que corresponde ao território Continental do País"

AA) Não foi acordada qualquer zona de comercialização exclusiva para o produto "Biologic".

BB) A Autora comercializaria o produto "Beng Ginseng" apenas para ter condições especiais de preço, em zonas geográficas previamente determinadas.

CC) A Ré sempre teve sede em Lisboa.

DD) As quantidades de produtos, adquiridos pela Autora à Ré, variaram de ano para ano e houve anos em que, a Autora não comprou à Ré nenhum produto de determinadas marcas, como sucedeu com o "UROSYSTEM SACO INCONT. C/ FIXADOR", no ano de 2009.

EE) A Autora deixou de promover as vendas de alguns produtos da Ré na zona Centro e Norte de Portugal Continental.

FF) No âmbito da relação comercial que vigorou entre ambas, a Ré não se obrigou a fornecer à Autora os meios necessários ao exercício por esta da sua atividade.

GG) A Ré nunca comunicou à Autora que iria deixar de lhe vender os seus produtos.

HH) Em 31 de Maio de 2011, a Ré remeteu uma carta à Autora a informá-la que iria praticar os mesmos preços que praticava para os outros armazenistas.

II) Assim, a Autora ficou nas mesmas condições dos outros armazenistas que vendem os produtos da Ré, nas mesmas zonas geográficas que a Autora.

JJ) A Autora comercializou, no ano de 2010, cerca de 76 produtos vendidos pela Ré.

Da discussão da causa foram ainda considerados provados os seguintes factos:

1º Entre a Autora e a Ré foi celebrada uma relação contratual, cujos termos reduziram a escrito no documento particular, por ambos firmado, cuja cópia consta de fls. 228 e 229 e se dá aqui por integralmente reproduzido, que teve o seu termo inicial a 01/06/1995.

2º No âmbito dessa relação comercial, a Ré vendia à Autora e esta, integrando-se na rede de distribuição do comércio da ora R., comprava àquela determinados bens do seu comércio, com vista a revendê-los, com autonomia, no âmbito da sua atividade económica em determinada zona exclusiva que logo se fixou no Norte e Centro de Portugal continental.

3º Assim, a Autora era distribuidora exclusiva para as Zonas Norte e Centro de Portugal continental dos produtos da Ré.

4º Mediante o predito contrato, a Ré visava assegurar o controlo da distribuição dos seus produtos pela Autora, como revendedora, sem suportar o risco da respetiva comercialização, enquanto a Autora gozava de uma posição, concorrencialmente, privilegiada na venda desses produtos na zona geográfica exclusiva que lhe tinha sido atribuída.

5º Aquela relação comercial deveu-se a que a Ré desejava escoar e distribuir os seus produtos, beneficiando do Know-How e estrutura organizativa empresarial da Autora, nomeadamente, a sua capacidade de aviamento, recursos humanos, e rede de clientela na zona geográfica da área territorial da sua Sede, integrando-a na sua rede exclusiva de distribuição.

6º A Autora dedica-se, desde 1988, à atividade económica de armazenista e comércio por grosso de produtos farmacêuticos.

7º A Ré sempre teve Sede em Lisboa.

10º Durante mais de 16 anos de relação comercial entre as partes a Autora sempre procedeu ao pagamento atempado dos produtos adquiridos à Ré.

11º O documento que consubstanciava o duplicado original do contrato de concessão comercial outorgado com a Ré em 01/06/1995 extraviou-se.

12º Em 16 anos de relação contratual outorgada com a Autora, a Ré nunca colocou um único funcionário, agente ou distribuidor a vender produtos seus nas zonas Norte e Centro de Portugal continental, para além da própria Autora, como sua distribuidora exclusiva.

13º Em 16 anos de relação contratual entre as partes, foi a Autora, através dos seus próprios funcionários, quem prospetou, angariou, promoveu, incrementou e sedimentou a vasta carteira de clientes nas zonas Norte e Centro de Portugal continental, que consomem os produtos da Ré.

14º O decrescimento do volume de compras efetuadas pela Autora à Ré a partir do ano de 2009 teve também a ver com os reflexos da crise económica global que afeta outros ramos de negócio.

15º Com a alteração dos termos e condições da relação comercial existente entre a Autora e a Ré em conformidade com o teor do documento junto com a PI sob o nº 12, ficou a Autora impossibilitada de continuar a exercer a atividade de distribuidora dos produtos daquela, por não poder competir em termos de preços praticados no mercado, com a Ré a quem adquire esses produtos para revenda.

16º Não fosse a posição assumida pela Ré na carta junta aos autos com a PI como documento nº 12, e a relação comercial existente entre aquela e a Autora manter-se-ia para o futuro nos mesmos termos em que tinha vigorado nos 16 anos anteriores.

17º Tendo a Autora a expectativa de que assim fosse e de que continuaria a receber os lucros inerentes à atividade de revenda que vinha desenvolvendo.

18º Com a carta remetida à Autora em 31.05.2011, junta com a PI como documento n. 12, a Ré pretendeu alterar os termos e condições que regulavam as relações de ambas nos últimos 16 anos, quer em termos de preços de venda dos seus produtos para revenda pela Autora, quer desvinculando-se a própria Ré de uma cláusula de exclusividade territorial que estava adstrita à Autora desde 1995.

19º E por isso, a Autora iria continuar a auferir lucros provenientes da revenda dos produtos da Ré.

21º Nos últimos cinco anos em que a Autora revendeu produtos da Ré aquela obteve um lucro médio anual de 66.285,43 Euros, o que perfaz um lucro mensal médio de 5.523,78 Euros, a uma média diária de 184,12 Euros.

22º A Ré passou a fornecer diretamente à mesma clientela que a Autora havia angariado nos últimos 16 anos.

26º Durante o período de tempo que mediou entre 01.06.1995 e 31.05.2011, a Autora estabeleceu contactos, difundiu os produtos comercializados pela Ré e obteve as condições necessárias para que esta potenciasse a sua faturação e capacidade de aviamento.

27º Esses contratos possibilitaram à Ré implantar-se de forma segura, consolidada e sobretudo, crescente, no mercado sedeado nas zonas Norte e Centro de Portugal continental.

28º Em consequência desta atividade desenvolvida pela Autora, a Ré viu o seu volume de negócios evoluir nas zonas Norte e Centro de Portugal continental pelo menos até ao ano de 2001.

30º A carteira de clientes da Ré ainda perdura.

31º O acordo celebrado entre a Autora e Ré em 01.06.1995 veio na sequência da relação comercial anterior.

32ºAtravés deste acordo, a Autora obrigou-se a vender exclusivamente os produtos da Ré na zona Norte e Centro de Portugal.

33º A Autora não estava sujeita a qualquer direção comercial da Ré.

34º Nem estava obrigada a comprar à Ré qualquer quantidade mínima dos seus produtos para os revender.

35º A Ré sempre desenvolveu a sua atividade comercial de venda de produtos farmacêuticos em todo o território nacional, inclusive nas regiões autónomas.

36º Quando em 1995 a Autora e a Ré iniciaram as relações comerciais, a Ré já se encontrava implantada no mercado nacional, escoando e distribuindo os seus produtos em todo o território nacional.

37º Antes da celebração do contrato com a Autora, a Ré já comercializava os seus produtos nas zonas Norte e Centro do país, diretamente ou através de outros armazenistas.

38º A implantação, no mercado, das marcas comercializadas pela Ré, era anterior ao estabelecimento de relações comerciais com a Autora.

39º A Autora beneficiou de todo o trabalho comercial já anteriormente realizado pela Ré, junto das farmácias.

51º O representante da Ré realizou reuniões com o gerente da Autora, desde o início de Abril de 2011, o que aconteceu, pelo menos, por 3 vezes, entre Abril e Junho de 2011.

53º A carta remetida, pela Ré em 31.05.2011 foi enviada na sequência dessas reuniões.

59º Após a cessação das relações comerciais entre a Autora e a Ré, aquela devolveu a esta todos os produtos que havia adquirido e que ainda tinha em armazém.

68º A distribuição e angariação de clientela nas zonas Norte e Centro de Portugal continental era feita exclusivamente pela Autora desde o ano de 1995, e antes dela, e por mais de 20 anos, por uma empresa denominada "A(…), Lda", (cujo nome surgia nas publicidades e panfletos emitidos pela R. - Vide Doc. 16 junto com a p.i.) com sede em Coimbra.

69º Nunca tendo a R. colocado um único vendedor seu a trilhar comercialmente o seu negócio nesta zona geográfica.

70º A Autora surgiu no caminho comercial da Ré pela mão daquela empresa "A(…), Lda", que pelo ótimo relacionamento entre as respetivas gerências, transmitiu à Autora a clientela e as representações comerciais tituladas pela Ré, passando a integrar a rede de distribuição desta pois, o gerente e sócio maioritário da "A(…), Lda", pela sua idade avançada, retirou-se do mercado.

74º Na atividade comercial da Autora nenhuma empresa, percorre todas as farmácias existentes no país, pois há muitas que optam por não adquirir os produtos aos comerciais que os visitam, mas sim, em central de compras, como cooperativas e armazenistas de grosso.

75º A Autora fornecia precisamente e de igual modo os preditos armazenistas de grosso e cooperativas, que por sua vez, abasteciam por retalho as respetivas farmácias.

76º E por isso não visitava as farmácias que se abasteciam desta forma.

80º As partes acordaram em 1/6/1995, através do documento denominado de contrato de agência, a possibilidade de livre rescisão, a operar com período mínimo de 60 dias.

81º Apenas o que já consta da alínea G) e da resposta dada ao quesito 18º.

O Tribunal a quo considerou não provados os seguintes factos:

2º … sujeitando-se às suas diretrizes de organização empresarial, política promocional e comercial e assistência pós venda aos clientes…

5º … implantar-se no mercado nacional para…

7º Até 01.06.1995, a Ré não exsudava qualquer penetração comercial relevante nas zonas Norte e Centro do país.

8º Deveu-se à Autora todo o trabalho de fundo quanto à implantação no mercado das marcas comercializadas pela Ré, potenciando e incrementando, de forma cabal, a quota de mercado desta, durante 16 anos consecutivos de execução contratual.

9º Durante mais de 16 anos de relação comercial entre as partes, em que a Autora atuou como distribuidora dos produtos da Ré, houve um incrementando, ano após ano a clientela, a quota de mercado e a própria capacidade de aviamento da Ré.

10º … sempre cumpriu com os objetivos de vendas …

11º Aquando da mudança da sede social da Autora…

13º … e que lhe aumentou, ano após ano, a capacidade de aviamento e respetivos lucros.

15º … esta ultima forçou a Autora à inatividade em termos comerciais …

20º Cerca de metade da faturação anual da Autora provinha da revenda dos produtos da Ré nas condições em que essa revenda decorreu desde 01.06.1995.

23º Porque deixou de ter condições, em termos de preços concorrenciais com a Ré, de revender os produtos desta, de forma exclusiva, na zona Norte e Centro do país, a Autora perdeu prestígio e uma boa reputação comercial, clientela e quota de mercado, que havia adquirido nos últimos 16 anos.

24º Nos dois anos que medeiam entre 31.05.2011 e 31.05.2013 a Autora obteria um lucro médio de 132.570,86 Euros com a revenda dos produtos que comprava à Ré, caso se mantivessem as condições de compra a esta que vigoraram nos últimos 16 anos.

25º Em consequência da posição da Ré assumida na carta de 31.05.2011, a Autora deixou de ter condições para auferir um lucro médio de 132,570,86 Euros no período compreendido entre 31.05.2011 e 31.05.2013, com a revenda dos produtos daquela.

29º Em consequência da atividade comercial da Autora desde 01.06.1995 até 31.05.2011, a carteira de clientes da Ré aumentou de ano para ano.

30º … e perdurará.

31º … porque a Ré pretendia reduzir os preços dos produtos vendidos aos armazenistas, para que estes não fossem comprar os mesmos às empresas concorrentes.

40º Era o sócio-gerente da Ré, (…) efetuava a distribuição dos produtos por todo o território continental.

41º O sócio-gerente (…) (atualmente com 93 anos) só deixou de realizar a comercialização direta dos produtos pelo centro e norte do país em virtude da sua idade avançada e por motivo de doença.

42º [inexistente].

43º Em Setembro de 1994, o sócio-gerente (…), deixou de poder realizar viagens longas pelo país, semanalmente.

44º Assim, todo o trabalho de implantação no mercado das marcas comercializadas pela Ré, foi efetuado pela própria Ré.

45º Depois de 1995 a Autora continuou a fornecer os produtos da Ré aos clientes com os quais a Ré já anteriormente mantinha relações comerciais, diretamente ou através de outros armazenistas.

46º A Autora foi repetidamente interpelada pela Ré por causa de situações de incumprimento dos acordos estabelecidos.

47º A Autora vendia produtos da Ré na Zona Sul do país, contrariando o que estava acordado.

48º A Autora deixou de promover vendas de produtos da Ré na zona Centro e Norte de Portugal continental.

49º Não foi atribuída à Autora qualquer zona exclusiva onde ela poderia efetuar as vendas dos produtos comprados à Ré.

50º A Ré propôs à Autora estabelecer objetivos de venda, relativos a determinados produtos, mas a Autora recusou.

52º [inexistente].

54º A Ré pretendia obter o acordo da Autora, para estabelecer zonas exclusivas de vendas e objetivos mínimos de vendas.

55º Contudo, a Autora recusou a proposta, porque não queria vincular-se a objetivos de vendas mínimas.

56º A Autora recusou comercializar os novos produtos cuja representação comercial a Ré adquirira.

57º A Ré comunicou à Autora, nas reuniões realizadas, que iria fornecer os produtos aos preços praticados para os demais armazenistas.

58º O representante da Autora disse ao representante da Ré que nessas condições deixariam de ter relações comerciais.

60º A Autora deixou de promover a venda na zona Centro e Norte do país de produtos para cuja aquisição a Ré lhe proporcionou descontos.

61º Após a cessação da relação comercial entre a Autora e a Ré, a Ré tomou conhecimento que muitas farmácias, situadas nas zonas Norte e Sul, não eram contactados pelos vendedores da Autora há vários anos.

62º Esses farmacêuticos chegaram a pensar que a Ré teria deixado de exercer a atividade.

63º O que causou danos à imagem comercial da Ré e à implantação no mercado das marcas por ela comercializadas.

64º A Ré terá de despender dinheiro para retomar o volume de vendas normal dos referidos produtos em consequência do vertido em 61º a 63º.

65º O facto vertido em 61º causou à Ré quebra das vendas dos seus produtos com os consequentes prejuízos em termos de lucros.

66º [inexistente].

67º A Ré não tinha sequer estrutura para assumir o encargo da distribuição direta dos seus produtos a nível nacional, focando-se apenas na zona de Lisboa.

71º Alguns produtos houve da Ré, que não tinham qualquer saída comercial, fosse por não terem quota de mercado por falta de qualidade e deficiente publicidade, fosse primacialmente por se apresentaram no mercado com um preço disparatado, que era facilmente esmagado pela concorrência.

72º Por isso a Autora deixou de os adquirir e promover a sua venda

73º Era o que sucedida com o produto ("UROSYSTEM SACO INCONT. C/ FIXADOR”) que apresentava um preço exorbitante, tendo a concorrência produtos similares a quase metade do preço.

77º [inexistente].

78º Só determinados produtos, previamente acordados, tinham bonificações e descontos.

79º A Autora adquiriu vários produtos à Ré sem redução de preço.

                                                                        III

Na consideração de que o objeto dos recursos se delimita pelas conclusões das alegações (art. 635 nº 3 do CPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. 608 in fine), são as seguintes as questões a decidir:

- Nulidade da sentença por falta de fundamentação e contradição entre os fundamentos e a decisão.

- Da impugnação da matéria de facto.

- Do regime legal aplicável, das consequências da cessação do contrato e do desajuste dos montantes indemnizatórios fixados.

I – Nulidade da sentença por falta de fundamentação e contradição entre os fundamentos e a decisão

Defende a Ré/apelante que a sentença recorrida é nula, nos termos do artigo 615º, nº1, al. b) e c) do CPC, porquanto:

a)- a sentença recorrida não tem qualquer fundamentação, no que respeita à razão pela qual decidiu aplicar, por analogia, a um contrato de concessão, que foi celebrado por escrito, com um prazo de pré-aviso de rescisão, que ali foi qualificada como “livre”, as normas previstas do D.L. 178/86, relativas ao contrato de agência.

b)- da mesma forma, decidiu atribuir uma indemnização por violação do pré-aviso e outra de clientela, nos termos do art.º 28 e 30 do DL 178/86, que não estavam previstas no contrato atípico celebrado pelas partes, sem expressar nessa aplicação analógica, o que quer que seja que o justifique.

c)- quanto à indemnização de clientela, também não se entende porque foi aplicado um Regulamento Comunitário que regula a atividade de comércio no sector automóvel, a um contrato que respeita a produtos farmacêuticos. E não se compreende porque concluiu o tribunal que o prazo ali estabelecido, para apuramento do valor dessa indemnização, de 2 anos (de lucros…), é justo e razoável.

d)- por outro lado, estando provado que «EE) A Autora deixou de promover as vendas de alguns produtos da Ré na zona Centro e Norte de Portugal Continental», conclui-se, que «a R. não logrou motivar a sua declaração de resolução contratual, violando grosseiramente o dever de fundamentação que sobre si impendia, conforme previsto no artigo 432º do CC e artigo 31º do D.L. n.º 178/86, de 03-07»: caso evidente de contradição entre fundamentos e de, contradição entre os fundamentos e a decisão, nos termos preditos no art.º 615º, nº1, al. c), do CPC.

e) - há ainda contradição entre os factos: 13º- « 13º- Em 16 anos de relação contratual entre as partes, foi a Autora, através dos seus próprios funcionários, quem prospetou, angariou, promoveu, incrementou e sedimentou a vasta carteira de clientes nas zonas Norte e Centro de Portugal continental, que consomem os produtos da Ré.» / e o que decorre do ponto 26º (no mesmo sentido) / e ainda 27º «27º Esses contratos possibilitaram à Ré implantar-se de forma segura, consolidada e sobretudo, crescente, no mercado (…)», e 28º «28º Em consequência desta atividade desenvolvida pela Autora, a Ré viu o seu volume de negócios evoluir nas zonas Norte e Centro de Portugal continental pelo menos até ao ano de 2001.» e os factos: «36º Quando em 1995 a Autora e a Ré iniciaram as relações comerciais, a Ré já se encontrava implantada no mercado nacional, escoando e distribuindo os seus produtos em todo o território nacional.»! E que, além do que decorre do ponto 37º (no mesmo sentido), «38º A implantação, no mercado, das marcas comercializadas pela Ré, era anterior ao estabelecimento de relações comerciais com a Autora.»

-Para depois, e logo a seguir, a sentença dar também como provado que «39º A Autora beneficiou de todo o trabalho comercial já anteriormente realizado pela Ré, junto das farmácias.»

Pronunciando-se sobre as nulidades que são imputadas à sentença, proferiu o Mmº Juiz a quo despacho de indeferimento.

Reapreciando, em sede de recurso, temos como acertada a posição do Mmº Juiz a quo no seu despacho de indeferimento no respeitante à existência de fundamentação bastante para aplicação ao caso das normas relativas ao contrato de agência e, bem assim, para fixação dos montantes indemnizatórios de acordo com tal regime normativo: - assim, quanto à natureza jurídica do contrato celebrado entre as partes, tal fundamentação mostra-se exposta a fls. 22-26; quanto à aplicação do regime do contrato de agência, veja-se fls. 29-30 e, quanto à indemnização de clientela, leia-se fls. 31-34.

Por outro lado, a referência aos regulamentos comunitários que consta da sentença, não passa disso mesmo, ou seja, não foram os mesmos aplicados mas sim referidos como prevendo o mesmo tipo de danos, à semelhança do configurado pela Autora.

Não foi, pois, tal regime aplicado pelo tribunal no que respeita à indemnização por lucros cessantes, cfr. fls. 35 - 4 últimos parágrafos - e 36 da sentença.

Assim, não se atende à arguida nulidade com tal fundamento.

Relativamente à “contradição” enunciada em d), a mesma relaciona uma realidade fática com uma decisão que só “aparentemente” parece contraditória, como veremos, em fase mais adiantada deste recurso. Assim, em sede de julgamento de mérito desenvolveremos a questão e tomaremos posição sobre se, o facto provado: «A Autora deixou de promover as vendas de alguns produtos da Ré na zona Centro e Norte de Portugal Continental», constituiu causa determinante da cessão do contrato pela Ré.

Na verdade se lidos isoladamente alguns dos factos elencados na “factualidade provada”, sem dificuldade, encontraremos factos que aparentemente “se chocam”. Alguns deles foram destacados pela apelante e serão reapreciados em sede de impugnação de facto porque objeto de impugnação. Mas outros não. Veja-se, por exemplo, o facto 3, em que se diz que a A. era distribuidora exclusiva, sendo que, depois, o facto AA), referindo-se ao produto “Biologic” refere que a A. não tinha qualquer zona de comercialização exclusiva para o mesmo !!!.

A leitura dos factos terá de ser integrada, ou seja, eles não se excluem entre si, apenas se complementam por vezes relativizando o seu teor. Por exemplo, quando o tribunal a quo dá como provado que a A. teve um papel prospetor, angariador, promotor, incrementador dos produtos da Ré no mercado, não o faz, com um sentido absoluto, porque não exclui que, no início da relação comercial, a Autora tenha recebido da Acefarma, anterior “concessionária” da Ré, a respetiva carteira de clientes, sendo assim de afirmar que, numa fase inicial aquele papel foi mais reduzido.

Ora, ambas as realidades não são antagónicas. A A. pode ter desenvolvido a carteira de clientes, aumentando-a em número, consolidando-a dentro do espaço geográfico a que estava confinada e foi isso que resultou provado.

Posto isto, reafirmamos que, só aparentemente parece haver alguma contradição entre os apontados factos referenciados pela apelante, o que uma leitura integrada e complementar, dos mesmos, afasta.

Assim, improcede tal questão do recurso.

II - Da impugnação da matéria de facto

(…)

Mantêm-se, assim, integralmente a matéria de facto.

III – Do regime legal aplicável, das consequências da cessação do contrato e do desajuste dos montantes indemnizatórios fixados.

Entendeu a sentença recorrida aplicar ao caso o D.L. 178/86 de 3/7 que regula o regime jurídico do contrato de agência.

Pretende a Ré/apelante que nenhuma indemnização é devida à Autora, sendo desajustada a aplicação ao caso do regime jurídico do contrato de agência, porquanto:

- A Autora quando contratou com a Ré jamais “contou” com uma qualquer indemnização por fazer o seu trabalho, ou seja, por divulgar os produtos da Ré, além de que nunca esteve vinculada a cumprir quaisquer objetivos de vendas.

- Não há similitude de situações, nem tão pouco sequer qualquer lacuna que importe colmatar através da aplicação analógica das regras relativas, quer ao pré-aviso, quer à indemnização de clientela, nos termos previstos do D.L. 178/86 de 3/7.

Vejamos.

A apelante não questiona, a classificação do contrato dada na sentença como sendo um contrato genericamente designado de “contrato de distribuição comercial” e, mais particularmente, designado de “concessão comercial”.

Carateriza-se o mesmo, como bem se diz na sentença, como “um acordo pelo qual uma das partes (o concedente) se obriga a vender os produtos por si produzidos ou distribuídos à contraparte (o concessionário), a qual se obriga a comprá-los e a (re)vendê-los a terceiros, por sua conta e de modo estável”.

Está também em causa uma atividade exercida pela Autora em regime de exclusividade, nas zonas norte e centro de Portugal continental, desde 1995 até meados de 2011, tendo ficado provado que, em 16 anos de relação contratual entre as partes, a Autora, sucedendo nessa atividade à (…)Lda, através dos seus funcionários, prospetou, angariou, promoveu, incrementou e sedimentou a vasta carteira de clientes nas zonas mencionadas, que consomem os produtos da Ré.

Trata-se, pois, de um contrato de concessão comercial, o qual é um contrato inominado porque não previsto na lei.

Entende a apelante que, a aplicação ao mesmo das normas que regulam o regime jurídico do contrato de agência, ou seja, o DL nº178/86 de 03-07 com as alterações introduzidas pelo DL nº118/93 de 13-04 e, em particular das normas que regulam a cessação do contrato de agência, revela-se uma solução injusta e desequilibrada, tendo em conta que a Autora, quando se vinculou contratualmente à Ré, nunca, jamais e em tempo algum “contou” com uma qualquer indemnização por fazer o seu trabalho, ou seja, por divulgar os produtos da Ré, vendê-los e com isso, obter o seu próprio lucro, ao que acresce que, a Autora nunca esteve vinculada a cumprir quaisquer objetivos de vendas. E, assim sendo, não haverá similitude de situações, nem tão pouco sequer qualquer lacuna que importe colmatar através da aplicação analógica das regras relativas, quer ao pré-aviso, quer à indemnização de clientela, nos termos previstos do D.L. 178/86 de 03-07.

Mas não tem razão.

Desde logo, as partes, ao denominarem este acordo como “contrato de agência” (facto provado), projetaram aplicar-lhe as regras do regime jurídico ora em discussão.

E, porque se trata dum contrato inominado, não tipificado na lei, não dispondo, por isso, de regulamentação específica, há que lhe aplicar, além das cláusulas acordadas entre as partes (artº405º do CC), as regras gerais dos contratos, também, as normas dos contratos nominados, sempre que a analogia das situações o justifique, designadamente o de agência,  sobretudo em matéria de cessação do contrato.[1]

Tem plena justificação neste cenário contratual, o instituto da indemnização de clientela, por não constituir uma verdadeira indemnização, na medida em que não tem como pressuposto a existência de danos, cuja reparação é o escopo precípuo do instituto indemnizatório em geral e, por ser um instituto de natureza compensatória e não propriamente ressarcitória.

Lê-se no ponto 5 do preâmbulo do DL 178/86 que: «No capítulo IV, relativo à cessação do contrato, merece particular realce a indemnização de clientela. Trata-se, na sua essência, de uma indemnização destinada a compensar o agente dos proveitos de que, após a cessação do contrato, poderá continuar a usufruir a outra parte, como decorrência da atividade desenvolvida por aquele. Verificadas as condições de que depende, a indemnização de clientela é devida, seja qual for a forma de cessação do contrato»

Nas palavras de Menezes Leitão[2], «a indemnização de clientela funda-se na ideia de não ser justo o principal conservar, após o fim do contrato, os benefícios da atividade desenvolvida pelo agente, tendo este deixado de auferir a correspondente remuneração, o que justifica a atribuição de uma prestação suplementar».

E, num outro trabalho[3], abordando a controvérsia que possa haver sobre esta questão conclui que “a situação do concessionário no momento da denúncia do contrato é tão merecedora de atribuição da indemnização de clientela como a do agente, desde que se verifique o pressuposto da obrigação de transmissão do círculo de clientes ao concedente e este adquira benefícios dessa transmissão”.

Assim, considerando o fundamento que subjaz a tal “compensação”, a posição largamente maioritária da doutrina e da jurisprudência portuguesa, tem sido no sentido de proceder a uma extensão analógica da indemnização de clientela aos concessionários e subconcessionários.

Não faz, por isso, sentido, invocar a ausência de estipulação contratual dessa indemnização, nem mesmo a ausência de vinculação do concessionário a objetivos de venda, para obstar à aplicação de tal instituto, bastando que se verifiquem os requisitos constitutivos do direito, previstos no art. 33º do citado diploma, para justificar a sua aplicação ao contrato de concessão comercial.

Vejamos, então, se se justifica a sua aplicação no caso concreto, por verificados tais requisitos.

Estabelece o art. 33 do DL 178/86 de 03-07 (atualizado pelo DL 118/93 de 13-04) que:

«Indemnização de clientela

1. Sem prejuízo de qualquer outra indemnização a que haja lugar, nos termos das disposições anteriores, o agente tem direito, após a cessação do contrato, a uma indemnização de clientela, desde que sejam preenchidos, cumulativamente, os seguintes requisitos:

a) O agente tenha angariado novos clientes para a outra parte ou aumentado substancialmente o volume de negócios com a clientela já existente;

b) A outra parte venha a beneficiar consideravelmente, após a cessação do contrato, da atividade desenvolvida pelo agente;

c) O agente deixe de receber qualquer retribuição por contratos negociados ou concluídos, após a cessação do contrato, com os clientes referidos na alínea a).

(…)

3. Não é devida indemnização de clientela se o contrato tiver cessado por razões imputáveis ao agente ou se este, por acordo com a outra parte, houver cedido a terceiro a sua posição contratual».

O direito à indemnização de clientela supõe, assim, a verificação dos requisitos constitutivos, cumulativamente previstos nas alíneas a), b) e c) do nº1 do art. 33ºdo DL 178/86, implicando a demonstração, face à matéria de facto apurada – e a cargo do agente ou concessionário demandante – de que, num juízo de prognose, o principal beneficiou consideravelmente, após cessação do contrato, da atividade de angariação ou incremento de clientela, por aquele desenvolvida, tendo o agente ou concessionário deixado de receber qualquer retribuição por contratos celebrados a partir da cessação do contrato, com os anteriores clientes.

Está provado que:

- As transações comerciais entre Autora e Ré, incluindo as respetivas vendas de tais produtos adquiridos à Ré e margem de lucro obtido pela Autora, no período temporal correspondente aos últimos 10 (dez) anos traduziram-se nos seguintes valores:

Ano - Compras - Vendas - Lucro obtido

2002 - 178.634,70€ - 225.918,24€ - 47.283,54€

2003 - 181.358,44€ - 226.453,61€ - 45.095,17€

2004 - 177.420,99 € - 218.516,45 € - 41.095,46 €

2005 - 170.142,62 € - 219.568,74 € - 49.426,12 €

2006 - 194.226,59 € - 243.428,19 € - 49.201,60 €

2007 - 231.699,43€ - 295.414,58€ - 63.715,15€

2008 - 249.075,63 € - 322.987,66 € - 73.912,03 €

2009 - 235.640,10 € - 309.000,97 € - 73.360,87 €

2010 - 200.695,70 € - 271.933,19 € - 71.237,49 €

2011(apenas até Junho) - 80.250,39 € - 113.718,07 € - 33.467,68 €

- Durante o período de tempo que mediou entre 01.06.1995 e 31.05.2011, a Autora estabeleceu contactos, difundiu os produtos comercializados pela Ré e obteve as condições necessárias para que esta potenciasse a sua faturação e capacidade de aviamento.

- Em 16 anos de relação contratual entre as partes, foi a Autora que, sucedendo à Acefarma nessa posição, através dos seus próprios funcionários, prospetou, angariou, promoveu, incrementou e sedimentou a vasta carteira de clientes nas zonas Norte e Centro de Portugal continental.

- Esses contratos possibilitaram à Ré implantar-se de forma segura, consolidada e sobretudo, crescente, no mercado sedeado nas zonas Norte e Centro de Portugal continental.

- Em consequência desta atividade desenvolvida pela Autora, a Ré viu o seu volume de negócios evoluir nas zonas Norte e Centro de Portugal continental pelo menos até ao ano de 2001.

- A carteira de clientes da Ré ainda perdura.

-Com a alteração dos termos e condições da relação comercial existente entre a Autora e a Ré, ficou a Autora impossibilitada de continuar a exercer a atividade de distribuidora dos produtos daquela, por não poder competir em termos de preços praticados no mercado, com a Ré a quem adquire esses produtos para revenda.

- Não fosse a posição assumida pela Ré na carta junta aos autos com a PI como documento nº 12, e a relação comercial existente entre aquela e a Autora manter-se-ia para o futuro nos mesmos termos em que tinha vigorado nos 16 anos anteriores.

- Nos últimos cinco anos em que a Autora revendeu produtos da Ré aquela obteve um lucro médio anual de 66.285,43 Euros, o que perfaz um lucro mensal médio de 5.523,78 Euros, a uma média diária de 184,12 Euros.

- A Ré passou a fornecer diretamente à mesma clientela que a Autora havia angariado nos últimos 16 anos.

- A distribuição e angariação de clientela nas zonas Norte e Centro de Portugal continental era feita exclusivamente pela Autora desde o ano de 1995, e antes dela, e por mais de 20 anos, por uma empresa denominada "A(…) Lda".

- Nunca tendo a R. colocado um único vendedor seu a trilhar comercialmente o seu negócio nesta zona geográfica.

Cremos, tal como o entendeu o tribunal recorrido, que tais factos são bastantes para considerar demonstrados os requisitos previstos no citado art. 33 do DL 178/8.

Inegável é que o concessionário (autora) angariou novos clientes para a Ré, ainda que, não o tenha feito de raiz, pois que a Autora/concessionária em 1995 herdou igualmente a carteira de clientes da A(…), Lda.

Na verdade, a participação desta empresa, no passado, com a sua carteira de clientes, não retira o mérito e o resultado da efetiva e relevante atividade empresarial desenvolvida pela Autora, evidenciado pelo valor das vendas efetuadas pela Ré à Autora no decurso dos anos por que vigorou a sua relação comercial.

A lei não considera necessário que a aquisição ou incremento de clientela tenha de ser exclusivamente imputada à atividade do agente/concessionário, não prejudicando essa efetiva aquisição ou ampliação do leque de clientes a circunstância de, para tal, ter concorrido no passado, outro concessionário.

Entendeu a sentença que “não se tendo provado, em termos concretos, a expressão do incremento de clientela resultante da atuação da Autora durante o tempo por que perdurou o contrato (seria pertinente a prova dos valores auferidos antes da concessão, para que em confronto com os resultados no fim dela, se pudesse ou não, concluir pelo “beneficio considerável” que agora aproveitaria ao concedente), e apenas se tendo provado que a Ré passou a fornecer diretamente a mesma clientela que a Autora havia angariado nos últimos 16 anos (não existindo também aqui a dimensão dos benefícios que auferirá), o certo é que a Ré, aproveitará a clientela conseguida pela Autora, e esta, tendo investido na sua organização e estrutura empresarial com vista ao cumprimento do contrato de duração indeterminada, vê subitamente frustrado o retorno desse investimento”.

Aprovamos tal entendimento. Justificado se mostra a atribuição à Autora duma indemnização de clientela porque observados estão, no caso, todos os requisitos cumulativos previstos no art. 33 do DL 178/86 de 03-07.

Pretende ainda a apelante que, ainda que tal regime fosse de aplicar, a sentença não esclarece porque não atendeu na fixação da indemnização por perda de clientela à média ponderada do lucro líquido obtido nos últimos 5 anos, nos termos do cit. DL, mas sim, ao lucro líquido obtido nos últimos 2 anos.

Estabelece o art. 34 do DL 178/86 o seguinte:

«Cálculo da indemnização de clientela

A indemnização de clientela é fixada em termos equitativos, mas não pode exceder um valor equivalente a uma indemnização anual, calculada a partir da média anual das remunerações recebidas pelo agente durante os últimos cinco anos; tendo o contrato durado menos tempo, atender-se-á à média do período em que esteve em vigor».

Entendeu a 1ª instância fixar como justa e equitativa, neste quadro factual, a indemnização de clientela no valor de € 20.000. [A Autora havia pedido o montante de € 66.285,43].

Ora, se nos últimos cinco anos em que a Autora revendeu produtos da Ré aquela obteve um lucro médio anual de € 66.285,43, sendo este o teto limitativo de tal indemnização, tal montante de € 20.000, poderá pecar, não por excesso, mas por insuficiência.

A propósito da indemnização de clientela avançou a apelante o argumento de que, a Ré nunca se recusou a vender produtos à Autora mas, tal argumentação não justifica grande desenvolvimento. A sentença apreciou muito bem tal questão dando enfoque ao teor da declaração negocial contida na carta de em 31.05.2011, que contém inequivocamente uma denúncia contratual. Além de que, a partir da mesma a Autora poderia continuar a comprar produtos à Ré, já não com as condições anteriormente estabelecidas, mas sim, com as condições normais de mercado, em pé de igualdade com qualquer cliente final. Daí que tal argumento não tenha qualquer peso ou expressão nos montantes indemnizatórios a fixar.

Mais alegou a Ré/apelante que, deveria ter-se atendido ao facto de a própria A. ter causado a si mesma um dano, devolvendo produtos que tinha em stock adquiridos com descontos ao abrigo do contrato, que devolveu, deixando de os vender, e por isso, deixando de realizar lucros, não tendo a Ré que ser responsável, por tal perda.

Na verdade a Ré não exigiu a devolução de tais produtos, comunicou apenas que os aceitaria se a Autora quisesse devolvê-los e a opção pela devolução, a final, coube à Autora. Mas, considerando que a Autora em tal momento tinha já um concorrente no mercado que outrora era seu em exclusividade,  pois que a Ré era agora a vendedora dos mesmos produtos, não se pode saber se a Autora conseguiria ter lucros com tal concorrência.

Não se sabendo se tal devolução implicou uma verdadeira perda de ganho não pode a mesma ser relevada em qualquer montante indemnizatório.

Defende ainda a apelante que, mesmo admitindo como aplicável o referido DL 178/86 de 3/7, nos termos do seu art. 30º ocorreu justa causa de resolução, pois que, tendo a Ré novos produtos para comercializar e com objetivos mínimos de venda, a Autora recusou-se a responsabilizar-se pelos objetivos de vendas a que era obrigada num espírito de solidariedade contratual, sendo já responsável por uma descida significativa do volume de vendas.

E, assim sendo, não é devida indemnização de clientela, nos termos do nº 3 do artigo 33º que a afasta quando «… o contrato tiver cessado por razões imputáveis ao agente …».

O que não procede, como veremos.

Nos termos do artº 30º do DL. 178/86, de 3/7, «O contrato de agência pode ser resolvido por qualquer das partes: a) Se a outra parte faltar ao cumprimento das suas obrigações, quando, pela sua gravidade ou reiteração, não seja exigível a subsistência do vínculo contratual; «b) Se ocorrerem circunstâncias que tornem impossível ou prejudiquem gravemente a realização do fim contratual, em termos de não ser exigível que o contrato se mantenha até expirar o prazo convencionado ou imposto em caso de denúncia».

Este artigo prevê duas situações que legitimam a resolução do contrato: o nº 1 do art. 30 corresponde ao incumprimento culposo, o nº 2 é uma variante da alteração da base negocial que o artº 437 do C. Civil regula.

Importa, assim perguntar, face à questão posta relativamente ao nº3 do artigo 33º do Decreto-lei 178/86 qual a causa em virtude da qual o contrato cessou.

A invocação pela Ré na carta de 31.05.2011 de que “tinha novos produtos a comercializar e a Autora se recusou a responsabilizar-se pelos objetivos de vendas a que era obrigada”, embora pretenda ter cariz resolutivo, não constitui fundamento sério de resolução, pois que, a Autora, nunca esteve contratualmente vinculada a objetivos de vendas, estando na sua inteira disponibilidade aceitar ou não, vincular-se aos mesmos, para futuro, não podendo ser penalizada pela recusa.

Invocou igualmente a Ré uma “descida significativa do volume de vendas”.

Fundamento que se adequa mal a uma relação contratual em que a concessionária não está vinculada a objetivos de vendas.

Mas ainda que se pudesse admitir que um comportamento desleixado pudesse ter relevância, se provocasse um dano significativo nos interesses da contraparte, importa atentar que, está provado que, no âmbito da relação comercial que manteve com a Ré, a Autora, no período compreendido entre 2002 e 2009, apresentou valores de compras àquela sempre crescentes. No ano de 2009 para 2010 o decréscimo de vendas da Ré à Autora foi da ordem dos 14.82 %. Mas, o decrescimento do volume de compras efetuadas pela Autora à Ré a partir do ano de 2009 teve também a ver com os reflexos da crise económica global que afeta outros ramos de negócio.

Ou seja, embora a partir de 2009 tenha ocorrido um decréscimo do volume de vendas da Ré à Autora (de cerca de 14,82%), não se demonstrou que tal descida fosse expressivamente imputável à Autora, tendo ocorrido nesse decréscimo, interferência da crise económica que afetou o País.

Não há aqui fundamento para resolver o contrato por justa causa, nem a carta de 31.05.2011 apresenta motivos que, em concreto, se possa enquadrar nas causas de resolução referidas no citado artigo 30º do Decreto-lei 178/86. Desse modo, não pode a indemnização por perda de clientela ser afastada com tal fundamento.

O caso dos autos enquadra-se, pois, numa evidente resolução contratual não motivada.

A Ré resolveu o contrato imputando à Autora um incumprimento culposo que, na sua ótica, justificava a declaração resolutiva; simplesmente provou-se que não houve incumprimento culposo da Autora, facto esse que veio tornar ilícita a resolução contratual operada pela Ré.

É certo que a Ré tinha à sua disposição um outro meio de extinguir o negócio: a denúncia com pré-aviso. Mas não foi esse o caminho por si escolhido: a Ré optou por um instituto jurídico diferente – a resolução - embora não tendo factos concretos que o legitimassem.

Aqui chegados cumpre-nos dizer. A sentença recorrida admitindo que ocorreu uma resolução ilícita, porque desmotivada, equiparou os seus efeitos a uma denúncia ilícita e, condenou a Ré nos termos do artº 29 do DL 178/86 por falta de pré-aviso.

Dispõe este artigo que : «1. Quem denunciar o contrato sem respeitar os prazos referidos no artigo anterior é obrigado a indemnizar o outro contraente pelos danos causados pela falta de pré-aviso. 2. O agente poderá exigir, em vez desta indemnização, uma quantia calculada com base na remuneração média mensal auferida no decurso do ano precedente, multiplicada pelo tempo em falta; se o contrato durar há menos de um ano, atender-se-á à remuneração média mensal auferida na vigência do contrato».

Mais condenou a Ré numa indemnização por perdas de lucros cessantes, nos termos do art. 32 nº 1, a qual, é certo, não se confunde com a indemnização por perda de clientela prevista no art. 33º.

Sucede que, nenhuma razão acolhe no sentido de equiparar a situação de resolução ilícita a uma denúncia sem pré-aviso. E, desse modo, injustificado se mostra atribuir à Autora a indemnização resultante da falta de pré-aviso prevista no art. 29º.

Veja-se.

Na denúncia, a existência de direito indemnizatório da contraparte está indexada ao não cumprimento dos requisitos do pré-aviso (art. 29º). Ou seja, na denúncia não se indemniza porque o denunciante quis fazer cessar o contrato, mas tão-só porque não pré-avisou a contraparte a tempo.

Daí que os danos indemnizáveis estejam correlacionados com a ilicitude do pré-aviso e não com a denúncia em si.

Na resolução, a fixação do direito indemnizatório faz-se de modo diverso.

Se o contraente resolve o contrato desmotivadamente, pois que, a outra parte não o incumpriu, tem esta direito à indemnização nos termos gerais pelos danos resultantes da não manutenção do contrato, ou seja, da resolução ilícita (art. 32º n. 1); se a resolução advém da alteração da base negocial, a indemnização computa-se segundo regras de equidade (art. 32 nº 2).

No caso vertente, a Ré resolveu o contrato sem motivo, praticando com isso um ilícito civil que atingiu a posição contratual da outra parte (a Autora).

Daí que a Autora tenha direito a ser indemnizada pelos danos sofridos na sequência de uma resolução contratual não motivada e, por isso, ilícita.

Esta indemnização terá que ser fixada nos moldes gerais nos termos do art. 32 do DL 178/86, não havendo lugar, para a duplicação de indemnizações: indemnização por falta de pré-aviso e indemnização por lucros cessantes estipulada na sentença, mas tão-só para esta. A acrescer à indemnização por perda de clientela, que, como vimos, tem natureza meramente compensatória.

Assim, afastada a indemnização por falta de pré-aviso (e que na sentença se fixara em 17.809,37€, equivalente à remuneração média mensal auferida no ano antecedente, multiplicada pelo tempo em falta, ou seja, 3 meses), importa questionar:

Quais os danos a ressarcir por resolução contratual ilícita ?

A Autora peticionou a este título a quantia de 132.570,86 a título de indemnização por lucros cessantes.

A sentença considerou adequado tal valor de acordo com o seguinte raciocínio: num cenário de resolução objetiva, a A. poderia sempre contar com a subsistência do vínculo contratual, pelo menos por 2 anos, desde a data de comunicação de intenção de cessação pelo concedente, percebendo, assim, os lucros e réditos da sua atividade comercial, tal como sempre fez, nos 16 anos de execução contratual. E elegendo a média dos últimos 5 anos de faturação e respetivas margens de lucro (adoção do critério hipotizado no artigo 34º do D.L. n.º 178/86, de 03-07), resulta o valor anual de 66.285,43 €.

Assim, a título de lucros cessantes, pela cessação do contrato operada pela R., e atendendo à antiguidade contratual e aos rendimentos legitimamente expectados que deixará de auferir, considerou ter a A. direito a ser ressarcida no valor de 132.570,86 € (66.285,43 € x 2).

Não nos merece qualquer censura tal ponderação.

Efetivamente, afigura-se previsível que, em condições normais, o contrato perdurasse por 2 anos. Assim sendo, mostra-se razoável atribuir à A. a título de lucros cessantes - o valor do lucro médio anual dos últimos cinco anos, duplicando tal valor.

Improcede, por consequência tal questão do recurso.

Em suma:

-Porque se trata dum contrato inominado, não tipificado na lei, não dispondo, por isso, de regulamentação específica, ao contrato de concessão comercial há que aplicar, além das cláusulas acordadas entre as partes (artº 405º do CC), as regras gerais dos contratos, também, as normas dos contratos nominados, sempre que a analogia das situações o justifique, designadamente o de agênciasobretudo em matéria de cessação do contrato.

- Tem plena justificação neste cenário contratual, o instituto da indemnização de clientela, o qual é um instituto de natureza compensatória e não propriamente ressarcitória.

- O direito à indemnização de clientela supõe a verificação dos requisitos constitutivos, cumulativamente previstos nas alíneas a), b) e c) do nº1 do art. 33ºdo DL 178/86, implicando a demonstração, face à matéria de facto apurada – e a cargo do agente ou concessionário demandante – de que, num juízo de prognose, o principal beneficiou consideravelmente, após cessação do contrato, da atividade de angariação ou incremento de clientela, por aquele desenvolvida, tendo o agente ou concessionário deixado de receber qualquer retribuição por contratos celebrados a partir da cessação do contrato, com os anteriores clientes.

- A lei não considera necessário que a aquisição ou incremento de clientela tenha de ser exclusivamente imputada à atividade do agente/concessionário, não prejudicando essa efetiva aquisição ou ampliação do leque de clientes, a circunstância de, para tal, ter concorrido no passado, outro concessionário.

- A invocação pela concedente de que “tinha novos produtos a comercializar e a Autora se recusou a responsabilizar-se pelos objetivos de vendas a que era obrigada”, embora pretenda ter cariz resolutivo, não constitui fundamento sério de resolução, pois que, a concessionária, nunca esteve contratualmente vinculada a objetivos de vendas, estando na sua inteira disponibilidade aceitar ou não, vincular-se aos mesmos, para futuro, não podendo ser penalizada pela recusa.

- Ao provar-se que não houve incumprimento culposo da concessionária, mostra-se ilícita a resolução contratual operada pela concedente.

- Daí que a concessionária tenha direito a ser indemnizada pelos danos sofridos na sequência de uma resolução contratual não motivada e, por isso, ilícita.

- Esta indemnização a ser fixada nos moldes gerais nos termos do art. 32 do DL 178/86, não se confunde nem se concilia com a indemnização por falta de pré-aviso prevista no art. 29 do mesmo DL para situações de denúncia, em que o denunciante quis fazer cessar o contrato, mas não pré-avisou a outra contraparte a tempo.

- Nesta previsão normativa do art.29 os danos indemnizáveis estão apenas correlacionados com a ilicitude do pré-aviso, não com a resolução ilícita porque infundamentada.

                                                                        IV

Termos em que, acorda-se em julgar parcialmente procedente a apelação, revogando-se a sentença recorrida apenas na parte em que fixou uma indemnização de 17.809,37€ como indemnização por falta de pré-aviso, montante que importa desconsiderar, mantendo-se quanto ao mais as indemnizações fixadas.

Custas por apelante e apelada na proporção do decaimento

 Anabela Luna de Carvalho( Relatora )

 João Moreira do Carmo

 José Fonte Ramos

1. Ao contrato de concessão comercial, porque se trata dum contrato inominado, não tipificado na lei, não dispondo, por isso, de regulamentação específica, há que aplicar, além das cláusulas acordadas entre as partes (artº 405º do CC), as regras gerais dos contratos, também, as normas dos contratos nominados, sempre que a analogia das situações o justifique, designadamente o de agência,  sobretudo em matéria de cessação do contrato.

2. Tem plena justificação neste cenário contratual, o instituto da indemnização de clientela, o qual é um instituto de natureza compensatória e não propriamente ressarcitória.

3. O direito à indemnização de clientela supõe a verificação dos requisitos constitutivos, cumulativamente previstos nas alíneas a), b) e c) do nº1 do art. 33ºdo DL 178/86, implicando a demonstração, face à matéria de facto apurada – e a cargo do agente ou concessionário demandante – de que, num juízo de prognose, o principal beneficiou consideravelmente, após cessação do contrato, da atividade de angariação ou incremento de clientela, por aquele desenvolvida, tendo o agente ou concessionário deixado de receber qualquer retribuição por contratos celebrados a partir da cessação do contrato, com os anteriores clientes.

4. A lei não considera necessário que a aquisição ou incremento de clientela tenha de ser exclusivamente imputada à atividade do agente/concessionário, não prejudicando essa efetiva aquisição ou ampliação do leque de clientes, a circunstância de, para tal, ter concorrido no passado, outro concessionário.

5.A invocação pela concedente de que “tinha novos produtos a comercializar e a Autora se recusou a responsabilizar-se pelos objetivos de vendas a que era obrigada”, embora pretenda ter cariz resolutivo, não constitui fundamento sério de resolução, pois que, a concessionária, nunca esteve contratualmente vinculada a objetivos de vendas, estando na sua inteira disponibilidade aceitar ou não, vincular-se aos mesmos, para futuro, não podendo ser penalizada pela recusa.

6. Ao provar-se que não houve incumprimento culposo da concessionária, mostra-se ilícita a resolução contratual operada pela concedente.

7. Daí que a concessionária tenha direito a ser indemnizada pelos danos sofridos na sequência de uma resolução contratual não motivada e, por isso, ilícita.

8. Esta indemnização a ser fixada nos moldes gerais nos termos do art. 32 do DL 178/86, não se confunde nem se concilia com a indemnização por falta de pré-aviso prevista no art. 29 do mesmo DL para situações de denúncia, em que o denunciante quis fazer cessar o contrato, mas não pré-avisou a outra contraparte a tempo.

9.Nesta previsão normativa do art.29 os danos indemnizáveis estão apenas correlacionados com a ilicitude do pré-aviso, não com a resolução ilícita porque infundamentada.


[1] Nesse sentido, como expressão duma jurisprudência alargada veja-se Ac. STJ de 18-06-2014, P.2709/08.1TVLSB.L1.S1, Relator: Oliveira Vasconcelos, in www.dgsi.pt.

[2] L.M. Menezes Leitão, “A Indemnização de Clientela”, Almedina, 2006, pg. 34.
[3] L.M. Menezes Leitão “A Indemnização de Clientela no Contrato de Agência”, 2006, a páginas 80 e seguintes.