Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
362/06.6TBANS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO CARVALHO MARTINS
Descritores: DIREITO DE RETENÇÃO
PROPRIEDADE HORIZONTAL
ABUSO DE DIREITO
VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM
Data do Acordão: 09/12/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - LEIRIA - JUÍZO COMÉRCIO - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.334, 759 CC
Sumário: 1.- O direito de retenção destina-se, como claramente se depreende do art. 759º Código Civil (retenção de coisas imóveis), não a proporcionar o gozo ou fruição da coisa ao titular desse direito, mas a permitir-lhe apenas a execução da coisa retida e o pagamento sobre o valor dela com preferência sobre os demais credores.

2.- Pode ser exercido direito de retenção sobre um andar de um imóvel ainda não constituído em propriedade horizontal.

3.- Reconhecido ao detentor o direito de retenção sobre a fracção que detém, expressamente também lhe reconhece a lei (art. 759º, n.º 1, do CC) a faculdade de executar a coisa retida, nos termos em que o pode fazer o credor hipotecário.

4.- O princípio da proibição do «venire contrafactum proprium», manifestação da figura do abuso do direito, pressupõe a existência de uma situação objectiva de confiança, de um investimento na confiança e irreversibilidade desse investimento e de boa fé da parte que confiou.

Decisão Texto Integral:






Acordam, em Conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - A Causa:

Tendo sido notificada do despacho datado de 28-03-2017, diz O (…), LDA., sociedade por quotas, já melhor identificada nos presentes autos, com o número único de matrícula e de identificação de pessoa colectiva 503.167.240, não se conformando com o mesmo, veio dessa parte decisória interpor recurso de apelação, em separado, alegando e concluindo que:

(…)

*

C (...) , SA, recorrida nos Autos à margem identificados, em que é recorrente O (…), Lda, veio, após notificação adrede e tempestiva, apresentar as suas Contra-Alegações, por sua vez concluindo que:

(…)

*

II. Os Fundamentos:

Colhidos os Vistos legais, cumpre decidir:

São ocorrências materiais, com interesse para a decisão da causa as que decorrem da relação material controvertida e de que os articulados dão conta, designada e precipuamente, que:

Para além do que se deixou consignado no relatório supra, importa tomar em consideração, como matéria de facto relevante, documentalmente comprovada, a seguinte:

1°) - Na decisão de reformulação da sentença de reclamação de créditos no respectivo apenso a fim de graduar os créditos, entretanto, reconhecidos nas acções de verificação ulterior de créditos, foi decidido, na parte que diz respeito à credora O (…) o seguinte:

"2° - os créditos garantidos por direito de retenção, não quanto à totalidade do prédio ou do seu valor de venda, mas apenas quanto ao produto da venda correspondente a cada uma das fracções prometidas comprar respectivamente pelos seguintes credores:

a) A (…). M (…) e J (…)

b)      H (…);

c)      J (…)

d)      O (…) e F (…)

e)      P (…);

f)       T (…);

g)      F (…)

h)      A (…)

i)       A (…) e I (…)

j)       A (…) e I (…);

k) O (…), Lda";

2°) - O imóvel denominado (...) , inscrito na matriz com o art° 1942 e descrito na Ia C. R. Predial de (...) sob o número mil cento e setenta e sete A foi objecto de contrato de compra e venda em 24/07/2012, e a compradora M (…) Unipessoal, Lda M (…) Unipessoal, Lda, que pagou pelo mesmo € 900.000,00 nos termos do documento junto, do Lote 84 já tem constituído o prédio em regime de propriedade horizontal, o que aconteceu em 21/11/2011, por Escritura Pública lavrada no Cartório Notarial de (...) , Viseu. 

3°) - Encontra-se junto a fls.97 tabela que reflecte "Valor atribuído a cada fracção do lote 84, no total de Valores (euros) 900.000 e que fez parte da documentação de venda do  mesmo, do seguinte teor:

Fracção - Rlc D Loja-Valores (euros): 33.200; Fracção - Rlc E Loja-Valores (euros): 50.000; Fracção - Rlc F Loja-Valores (euros): 43.400; Fracção - l.E T3-Valores (euros): 35.600; Fracção - l.D (DF) T2-Valores (euros): 38.400; Fracção - l.F-T2Valores (euros): 27.200; Fracção - 1.DP (D) T2-Valores (euros): 32.000; Fracção - 2.DP (D) T2-Valores (euros): 32.000; Fracção - 2.D (DF) T2-Valores (euros): 43.200; Fracção - 2.E T3-Valores (euros): 48.400; Fracção - 2.F T2-Valores (euros): 37.000; Fracção - 3.D (DF) T2-Valores (euros): 38.400; Fracção - 3.E-T3-Valores (euros): 58.400; Fracção - 3.F T2-Valores (euros): 37.000; Fracção - 3.DP (D) T2-Valores (euros): 26.500; Fracção - 4.D T2-Valores (euros): 43.200; Fracção - 4.E T3-Valores (euros): 48.300; Fracção - 4.F T2-Valores (euros): 37.000; Fracção - 4.DP (D) T2-Valores (euros): 36.000; Fracção - 5.D (DF) T2-Valores (euros): 37.100; Fracção - 5-E T3-valores (euros): 44.700; Fracção - 5-F-T2-Valores (euros): 37.000; Fracção - 5 DP (D)- T2-Valores (euros): 36.000;

4°) - A primeira tentativa de venda dos imóveis apreendidos ocorreu em meados de 2008 em venda judicial por propostas em carta fechada (portanto, uma venda pública, do conhecimento dos Requerentes, salvo desatenção dos mesmos), sendo que os valores de venda aí anunciados variavam entre os 139.000,00€, para o lote 83 e os 2.716.600,00€, para o lote 84.

5°) - O resultado de tal diligência foi ausência de qualquer proposta de compra.

6°) - É aberta, em meados de 2010, nova venda do ativo, agora, por negociação particular, intercalada por uma proposta de terceiros de aquisição da totalidade dos imóveis apreendidos, que não se veio a concretizar por, subsequente, desinteresse do proponente.

7°) - Nesta nova modalidade de venda, reduziram-se os valores de venda anunciados, variando entre 125.000,00€, para o lote 83 e 2.000.000,00€ para o lote 84.

8°) - Em meados de 2011 é apresentada uma proposta de compra, para o lote 91 de 380.000,00€, sendo que o valor de venda anunciado para esse lote era de 720.000,00€, tendo tal proposta sido indeferida.

9°) - Encontram-se juntos a fls.699 a 700 os emails remetidos aos membros da Comissão de Credores a 25.06.2012 para se manifestarem sobre a proposta de compra dos lotes 83,84 e 109 apresentada pela firma M (…) Lda, no valor de €1.300.00,00.

10°) - O Administrador Judicial por requerimento de 28.12.2012 apresentado nos presentes autos, junta comprovativo de os Senhores Dr's.(…) terem sido informados por carta registada com A/R de 10.07.2012 da intenção de venda do Lote 84 por €900.000,00, anexando a tabela exarada em 3°), tendo sido convidados a presentar melhor propostas, não tendo sido efectuada, nem foi impugnado o valor global e fraccionado, tendo tal sido questionado apenas por requerimento datado de 23 de Julho de 2012.

11º) - Por despacho proferido a 01/03/2013 foi mantida a venda realizada por não verificada a arguida nulidade, tendo tal despacho já transitado emjulgado.

12°) - Por decisão proferida a 15-07-2015 foi determinado, ao abrigo do disposto no art° 178°, nºs 1 e 2, o pagamento aos credores com direito de retenção de 95% (noventa e cinco por cento) do montante constante do projecto de mapa de rateio, ficando, por ora, por distribuir dado o carácter litigioso do montante a pagar à credora reclamante C (...) , S.A., tendo em conta que os créditos garantidos por direito de retenção, o são, não quanto à totalidade do prédio ou do seu valor de venda, mas apenas quanto ao produto da venda correspondente a cada uma das fracções prometidas comprar pelos respectivos credores, decisão essa confirmada por Douto Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Coimbra.

13°) - No que tange às frações destinadas a comércio, temos frações com áreas de afetação principal que variam entre os 95 m2 e os 113m2.

14°) - O citado lote 84 integra frações habitacionais com áreas que variam entre os 100 m2 e os 147m2.

15°) - No acto de transmissão da fracção sobre a qual o credor A (...) tinha direito de retenção- no caso a B, correspondente ao rés-do-chão frente para comércio o preço declarado para a transmissão foi de €65.000,00, tendo sido avaliada em €130.000,00 na avaliação de Junho de 2011 da C (...) .

16°) - O VPT atribuído pelaAT foi de €102.150,00.

17°) - No negócio em que o comprador necessitou de mútuo para a sua aquisição à M.

O. O (…), Unipessoal Lda., o preço declarado na escritura foi próximo ao valor patrimonial tributário da fracção, ou seja, formalização por €77.500,00, com VPT de €77.850,00.

18°) - Encontra-se junta cópia de relatório de avaliação efectuado pela credora C (...) , S.A. de 2011-06-07 a fls.773 a 778, onde se inclui uma avaliação das fracções através do método do custo (T, C e K) aparecendo, entre outros, o valor devoluto de €1.770.000, e que se considera integralmente reproduzida.

18°) - Foram juntos documentos de troca de correspondência entre credores e o anterior Administrador Judicial, Dr. (…), cópias de contratos de compra e venda relativamente às fracções já pelo comprador do Lote 84, juntas a fls.882 a 908.

19°) - Foi junto relatório de avaliação do Lote 84 e respectivas fracções efectuado pela credora C (...) , S.A. a 08-06-2011 a fls.918 a 928 e 930 a 937, em que atribui valor actual em €1.926.011 e presumível valor de transacção em €2.410.000, e que se consideram integralmente reproduzidas.

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- Do despacho em causa consta, designadamente, que:

«(…) Partindo do facto de já se encontrarem decididas não só a questão da manutenção da venda realizada por não verificada a arguida nulidade e a questão se o direito de retenção abrangia o valor sobre o imóvel na sua totalidade ou apenas sobre cada fracção a que dizia respeito, cumpre apreciar a questão do valor da venda no que concerne à sua distribuição por cada uma as fracções.

Ora, estamos perante uma questão que se baseia essencialmente na diferença de valores existente entre avaliações feitas pela C (...) no ano de 2011 e o valor pelo qual foi efectivamente vendido o lote em questão, na circunstância, o lote 84, sendo que temos de partir da decisão de reclamação de créditos no sentido que os garantidos por direito de retenção, o são, não quanto à totalidade do prédio ou do seu valor de venda, mas apenas quanto ao produto da venda correspondente a cada uma das fracções prometidas comprar respectivamente pelos seguintes credores (…)»;

 - Sendo que:

«I- No apenso "L" (verificação ulterior de créditos) foi proferida decisão da qual consta:

 

"condeno a massa insolvente de C (…), Ld', os credores e a devedora nos pedidos formulados pela A.,condenando os RR. a reconhecerem que a A tem em seu poder a fracção autónoma correspondente ao quinto andar esquerdo e sótão do prédio que se encontra construído com licença ou alvará de obras de construção n° 1.383/2002 ... lote 84 ... inscrito na matriz predial urbana sob o art.º 1492° da freguesia do A (...) ... descrito na CRP de Viseu sob o n° 1177 ...

Mais declaro reconhecido e verificado o crédito de €242.306,96 o qual é garantido por direito de retenção sobre o imóvel supra identificado";

2-Consta da Petição Inicial do citado apenso "L", que a ali Autora, e aqui Recorrente, peticionou:

"a)... reconhecer que a A tem em seu poder a fracção autónoma correspondente ao quinto andar esquerdo e sótão do prédio que se encontra construído com a licença ou alvará de obras de construção n° 1.383/2002 ... lote 84 ... inscrito na matriz predial urbana sob o art.º 1492° da freguesia do A (...) ... descrito na Conservatória do Registo Predial de Viseu sob a ficha 1.177...

b )Declarar-se o direito de retenção da A de A ser paga preferencialmente pela venda da fracção supra identiticada em a) ... serem ambos condenadas a reconhecê-lo fruto do direito de retenção que a A. tem do direito de retenção sobre a fracção supra identificada que lhe foi entregue pelo incumprimento ... ";

3-Por despacho datado de 01.03.2013 (refª 730092), proferido no apenso "L", foi decidido:

"Por requerimento cuja cópia antecede, veio a credora O (…)Lda invocar, além do mais do mais já decidido no Apenso da liquidação do activo, que na sentença proferida nos presentes autos, uma vez que uma fracção autónoma não é uma coisa ou um imóvel, se decidiu que o direito de retenção exististia sobre o imóvel, rectius, que é garantido por direito de retenção sobre o imóvel supra indicado e não sobre qualquer andar ou fracção.

De facto, não fazia sentido, e entendendo-se ser possível o direito de retenção sobre fracção mesmo que o edifício ainda não esteja submetido ao regime de propriedade horizontal, reconhecer-se que a A. tem em seu poder a fração autónoma correspondente ao quinto andar esquerdo e sótão, e depois atribuir-lhe o direito de retenção sobre o lote na totalidade.

Em face do que vem de ser dito, ao contrário do invocado pela credora O (…). Lda. quando na parte decisória da sentença em apreciação, se declara que o crédito reconbecido à autora "é garantido por direito de retenção sobre o imóvel supra indicado ", esse imóvel é a fracção correspondente ao quinto andar esquerdo e sótão … ,  que integra o citado lote 84, sobre a qual goza e lhe foi reconhecido o direito de retenção, dado que, tendo havido tradição da fracção de prédio referido, "o promitente-comprador goza do direito da sua retenção, mesmo que o edifício ainda não esteja submetido ao regime de propriedade horizontal" como foi o caso, aquando da prolação da sentença (sic, sublinhado nosso);

4-A decisão proferida no anterior ponto 3- transitou em julgado.

5-Por decisão proferida no presente apenso "P"  foi decidido:

" c) - Em relação ao bem imóvel que constitui a verba 4 do Auto de apreensão de bens imóveis - II - Viseu 1ª”: constante a fls. 1081 a 1083:

2° - os créditos garantidos por direito de retenção, não quanto à totalidade do prédio ou do seu valor de venda, mas apenas quanto ao produto da venda correspondente a cada uma das fracções prometidas comprar respectivamente pelos seguintes credores:

k) O (…), Lda".»

*

Nos termos do art. 635° do NCPC, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas alegações do recorrente, sem prejuízo do disposto  no  art. 608°, do mesmo Código.

*

As questões suscitadas, na sua própria matriz constitutiva e redactorial, consistem em apreciar se:

I.

 3.ª - A retenção da A. por ter em sua posse uma parte do prédio que viria a ser a fracção autónoma após o prédio ser constituído no regime da propriedade horizontal só poderia operar sobre a realidade existente - o prédio.

A matéria de facto que, aqui, exactamente, no processo/recte, recurso agora em causa - de resto, nesta latitude processual, não impugnada -, encontra-se sedimentada.

Assim acontecendo, vale por convocar apreciação já expendida sobre a matéria que, neste momento, se controverte, por sua vez, no Processo (Apenso), com o nº 362/06TBANS.U (Recurso em Separado (CIRE), foi proferido Acórdão, deste mesmo Tribunal da Relação de Coimbra, subscrito por este mesmo Colectivo de Senhores Juízes Desembargadores, onde se fez consignar, sobre específica questão atinente - ora tornada recorrente -, que:

«(…) na parte expositiva da referida sentença em nenhuma latitude da sua geografia, ressuma provado que

«a Autora, aqui Recorrente, tenha eu seu poder a totalidade do citado lote 84. É sempre feita menção, e dado como provado, que a Autora apenas tem em seu poder a fração correspondente ao quinto andar esquerdo. Assim, não fazia sentido reconhecer-se que a ali Autora tem em seu poder a fração autónoma correspondente ao quinto andar esquerdo e sótão, e depois atribuir-lhe o direito de retenção sobre o lote na totalidade».

Por sua vez,

“quando na parte decisória da mencionada sentença se refere que o crédito da ali Autora, aqui Recorrente, "é garantido por direito de retenção sobre o imóvel supra identificado", a mesma remete para o imóvel referenciado na parágrafo anterior que é precisamente "a fracção autónoma correspondente ao quinto andar esquerdo e sótão do prédio que se encontra construído com licença ou alvará de obras de construção n° 1.383/2002 ... lote 84 ... inscrito na matriz predial urbana sob o artº 1492º da freguesia do A (...) ... descrito na CRP de Viseu sob o n° 1177 ... ".

Acresce não se poder arredar que

«tendo havido tradição de fracção de prédio urbano, o respetivo promitente-comprador goza de direito de retenção sobre a respetiva fração, mesmo que o edifício ainda não esteja submetido ao regime de propriedade horizontal,  de que esse direito (direito de retenção) apenas incide sobre a "coisa" retida, ou seja, apenas sobre a fração possuída e não sobre a totalidade do prédio que a integra».

Decorrência, de resto, da “detenção ou possibilidade de exercício”, sobre a fracção, de poderes de facto. Elemento adjuvante da emergência do corpus da traditio, necessário à verificação da mesma. Relevando-se do Ac. da RP de 15.1.09 (processo 0836494), que … a “tradição” não se esgota nem equivale, sequer, à entrega das chaves (Cf. Ac. RC., Proc. nº21/10.5TBSPS.C.C1).

Nesta conformidade, pois, para que exista posse é necessário que, para além do mero poder de facto sobre a coisa, haja por parte do agente a intenção de exercer como titular um direito real sobre a coisa. A simples expressão «posse real, efectiva» traduz uma conclusão, para a obtenção da qual se torna necessária a existência de determinada premissa, que o tribunal não pode suprir oficiosamente, uma vez que o julgador se encontra vinculado aos factos e não aos conceitos de direito articulados pelas partes. Da titularidade do direito de propriedade não decorre qualquer presunção de posse, outro sim se verificando a circunstância inversa, ou seja, de que a posse confere ao respectivo possuidor a presunção da titularidade do direito àquela correspondente (Ac. RP, 4-5-1995: BMJ, 447º-572).

Depois, porque o direito de retenção - assente nos postulados fácticos consagrados - pressupõe, além da licitude da retenção da coisa e da reciprocidade dos créditos, uma conexão substancial entre a coisa retida e o crédito do autor da retenção (Ac. STJ, 23.9.2004:CJ/STJ, 2004, 3º, 27). Na dimensão sempre presente de que o direito de retenção não constitui apenas uma garantia com os poderes dimanados dos arts. 754º, 756º, 758.° e 759.° do CC; vai mais além, é uma causa legítima de incumprimento de obrigação de responsabilidade, à semelhança da «exceptio non adimpleti contractus ou «non rite adimpleti contractus», contemplada no art. 426.° do CC; na vigência do Cód. Civil de 1966, o direito de retenção é tido como uma causa de licitude (Ac.STJ, 7-10-1982: BMJ, 320.°-407, e RLJ, 119.°-179, com anotação de Antunes Varela).

Assim, já que a sentença preferida em processo judicial constitui um verdadeiro acto jurídico, a que se aplicam as regras regulamentadoras dos negócios jurídicos. A interpretação da sentença - enquadrável na esfera de competência do STJ – exige, pois, em qualquer circunstância, que se tome em consideração a fundamentação e a parte dispositiva, factores básicos da sua estrutura (Ac. STJ, de 28.1.1997: CoI. Jur./STJ 1997, 5.º-83). Com efeito, a interpretação de uma sentença (ou acórdão), como acto jurídico que é, deve obedecer, por força do disposto no art. 295.° do CC, aos critérios de interpretação dos negócios jurídicos. Significa isto que a sentença deve ser interpretada, de acordo com o que dispõe o n.º 1 do art. 236.° do mesmo código, com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do seu contexto. A correcta interpretação da parte decisória duma sentença exige a análise dos seus antecedentes lógicos, que a tornam possível e a pressupõem, dada a sua íntima interdependência. Exige, assim, que se tome em consideração a fundamentação e a parte dispositiva, factores básicos da sua estrutura (circunstancialmente, em perfeita adequação à prova produzida, por isso sem nenhuma profanação de sentido ou alcance). Embora o objecto da interpretação seja a própria sentença, nessa tarefa há que ter em conta outras circunstâncias, mesmo que posteriores, que funcionam como meios auxiliares de interpretação, na medida em que daí se possa retirar uma conclusão sobre o sentido que se lhe quis emprestar (Ac. STJ, de 5.12.2002, Rev. n.º 3349/02-2.ª. Sumários. 12/2002). No caso, pelas razões invocadas, por adequação, sem outra alternativa de correspondência».

O que determina - sem necessidade de outro tipo de apreciação, além da já convocada e exposta -, responder negativamente à questão em I.

II.

5.ª - O Administrador de Insolvência vendeu um prédio e não um prédio constituído em propriedade horizontal. Do produto da venda do prédio tem de ser retirada, em primeiro lugar, a verba que está destinada por sentença transitada em julgado aos credores retentores.

O que, anteriormente, se deixou expresso revela-se válido e, por isso, intocável, na dimensão sentenciada, em função da graduação de créditos estabelecida e da valoração almejada; não com o alcance ora pretendido. Pois que - como não deixa de se se fazer destacar em termos de elemento pressuponente de abordagem, em decisório -, o que se configura como continuum. Tal, pois, assinalado e a assinalar:

«partindo do facto de já se encontrarem decididas, não só a questão da manutenção da venda realizada, por não verificada a arguida nulidade, e a questão se o direito de retenção abrangia o valor sobre o imóvel na sua totalidade ou apenas sobre cada fracção a que dizia respeito (…)».

Daí que remanesça, «(…) cumprir apreciar a questão do valor da venda, no que concerne à sua distribuição por cada uma as fracções», como, igualmente, sai clangorado e cumprido, em termos decisórios empreendidos; a cuja aferição de legalidade se procederá, sequencialmente.

Assim se configurando, por outro esquisso não poder atingir, a resposta à questão em II.

 6.ª - Ao propor o rateio como o fez - e que não explicou qual o critério de valorizar mais um apartamento ou fracção autónoma de tipo T3 no 3.º andar do que um quase igual no 5.º andar, com a diferença que o do 5.º andar é duplex e portanto valerá substancialmente mais do que o do terceiro - mais não faz do que abrir a porta ao credor hipotecário de receber proporcionalmente mais do que o credor retentor. Concatenando os dois regimes jurídicos, o do direito de retenção e o da hipoteca, podermos afirmar que a prevalência dum sobre o outro, do direito de retenção sobre a hipoteca estabelecido no artigo 759.º do Cód. Civil, artigo esse que foi violado na decisão recorrida, pois, aí se estatui que o direito de retenção prevalece sobre a hipoteca, ainda que a hipoteca tenha sido registada anteriormente.

7.ª - Com tal preceito o legislador quis que, em caso de confronto ou conflito de direitos – do direito de retenção e da hipoteca - o primeiro fosse mais forte que o segundo. Os credores retentores estão em igualdade de circunstâncias entre si e sabendo que o crédito de todos eles prevalece sobre a hipoteca, então, nesse caso, deverá o produto da venda do imóvel que corresponde a 75% do valor dos créditos dos retentores reconhecidos e judicialmente declarados, pela via do que cada credor retentor teria nesse caso o direito a receber 75% do valor do crédito reclamado ou se retiradas as despesas do Administrador de Insolvência 63%. E quem aparece em segundo lugar com um direito menos forte não pode passar à frente de quem tem um direito mais forte, devendo os retentores receberem em primeiro lugar o produto pelo qual foi alienado o imóvel.

Em tal sequência, pois, assinale-se que o direito de retenção destina-se, como claramente se depreende do art. 759º Código Civil (retenção de coisas imóveis), não a proporcionar o gozo ou fruição da coisa ao titular desse direito, mas a permitir-lhe apenas a execução da coisa retida e o pagamento sobre o valor dela com preferência sobre os demais credores. (Antunes Varela, RLJ, 119.°-204/205).

Do mesmo modo, tal como já se antecipou, pode ser exercido direito de retenção sobre um andar de um imóvel ainda não constituído em propriedade horizontal (Ac. RE, 19-1-1996: CJ, 1996, 1º-272). Ou seja, para que exista aquilo a que a lei chama «fracção autónoma» não é necessário que o prédio de que faça parte esteja constituído em propriedade horizontal. Reconhecido ao detentor o direito de retenção sobre a fracção que detém, expressamente também lhe reconhece a lei (art. 759º, n.º 1, do CC) a faculdade de executar a coisa retida, nos termos em que o pode fazer o credor hipotecário (Ac. STJ, 8-10-1992: BMJ, 420º-495). Todavia - como no caso -, sem ultrapassar a expressão jurídica e fáctica dimensionada nos Autos que, assim, sai chancelada.

Continuando a vincular que a sentença que reconheça um direito de retenção sobre uma fracção autónoma não é juridicamente indiferente - face à preferência concedida pelo direito de retenção - ao titular de uma hipoteca sobre tal fracção autónoma. Assim, perante tal "prejuízo jurídico" (decorrente de o credor hipotecário ver colocar-se-Ihe à frente um outro crédito com prioridade de pagamento), não faz a sentença, que reconheça tal direito de retenção, caso julgado em relação a todos aqueles, juridicamente interessados, que não hajam tido intervenção no processo em que tal sentença foi proferida (Ac. RC, 2-4-2004: CJ, 2004, 2.°-8).

Isto dito, não pode deixar de se considerar de adequação e razoabilidade, o se haver apreciado em decisório que:

«(…) retirar duma venda voluntária critérios para a fixação de valores de mercado para fracções que foram vendidas em venda judicial e com as dificuldades já enunciadas nos autos, não corresponde a critério razoável ou minimamente aceitável. 

Igualmente não se considera critério válido de que o Tribunal dispõe para aferir do seu valor é saber por que preço foram as mesmas revendidas por este adquirente ou mesmo o VP, desde logo, porque, conforme se referiu não se sabe o estado em que cada uma das fracções estariam à data da venda, se para melhor ou para pior quanto, e que obras foram levadas a cabo pelo comprador e o que acrescentaram a cada uma das fracções para efeitos de se fazer uma comparação de valores.

Acresce que, conforme já referido, o constante da tabela exarada no ponto 3°) da factualidade foi o valor apresentado ao comprador-valor total do imóvel e de cada uma das fracções, que acabou por aceitar, e que, diga-se, apesar de notificados, com excepção da notificação aludida no despacho proferido nos autos e referido no ponto 11°) dos factos supra exarados, não foi em tempo oportuno, antes da venda e do inicio das obras levadas a cabo pelo comprador, requerido a alteração dos valores e eventual avaliação-art° 164°, do CIRE-, sendo certo que é da responsabilidade do Administrador Judicial a fixação do respectivo valor, que, se se entender não ter efectuado uma avaliação quando deveria, será da responsabilidade do mesmo, dado que nada foi requerido ao tribunal.

Também é certo que se entende que os Requerentes tinham a legitima expectativa de rentabilização máxima da massa insolvente a fim de também verem satisfeitos no máximo possível os créditos que lhes foram reconhecidos, contudo, a liquidação do activo da insolvência se veio a concretizar, no meio duma crise económica e financeira grave, com especial incidência no sector do imobiliário, conforme demonstra o número de anos em que o Lote 84 esteve para venda, seno que o processo de insolvência foi instaurado já no ano de 2006.

Ou seja, são conhecidas as várias diligências públicas de liquidação do activo que a massa insolvente desenvolveu ao longo de vários anos.

Efectivamente, a primeira tentativa de venda dos imóveis apreendidos ocorreu em meados de 2008 em venda judicial por propostas em carta fechada (uma venda pública, do conhecimento dos Requerentes), sendo que os valores de venda aí anunciados variavam entre os 139.000,00€, para o lote 83 e os 2.716.600,00€, para o lote 84.

O resultado de tal diligência foi ausência de qualquer proposta de compra. 

De referir, apenas, que o valor de venda aí indicado, para o lote 84 é inclusive superior ao valor da avaliação, recentemente, junta pela C (...) , aos autos.

Entretanto, é aberta, em meados de 2010, nova venda do activo, agora, por negociação particular, intercalada por uma proposta de terceiros de aquisição da totalidade dos imóveis apreendidos, que não se veio a concretizar por, subsequente, desinteresse do proponente.

Nesta nova modalidade de venda, reduziram-se, ligeiramente, os valores de venda anunciados, variando entre 125.000,00€, para o lote 83 e 2.000.000,00€ para o lote 84.

Em meados de 2011 é apresentada uma proposta de compra, para o lote 91 de 380.000,00€, sendo que o valor de venda anunciado para esse lote era de 720.000,00€, pelo que tal proposta veio a ser indeferida.

Sendo que ao fim de quase seis anos de promoção de vendas, e ao que chegou ao conhecimento dos autos, as melhores propostas de compra obtidas, foram as que se vieram a concretizar, não tendo sido apresentadas pelos credores qualquer proposta alternativa para o Lote 84.

Assim, entendendo-se não ser viável determinar a realização de outras diligências, designadamente de avaliação, e não o tendo sido em tempo oportuno, mantêm-se os valores tomados em consideração para efeito de rateio parcial e que são os constantes da tabela exarada no ponto 3°) da factualidade exarada supra e que fizeram parte do procedimento de venda e valor da mesma».

Como quer que seja em conjuntura já, em absoluto ultrapassada.

«Por esta forma se revelando, em respaldo de conformidade, a explícita narrativa sustentada, como expressão de contraditório, assumida nos Autos:

Como consta da prova documental junta aos autos foram efectuadas ao longo de 6 anos várias diligências para a venda do lote 84.

Contudo, a única proposta que se veio a concretizar foi a da venda € 900.000,00.

E, como também consta na tabela de fls. 97 o proponente (e não a C (...) ou o Sr. Administrador) veio discriminar o valor a atribuir a cada uma das fracções que compõem o edifício construído no lote 84, o que, aliás teria que ser sempre feito tendo em conta sentença de graduação de créditos já transitada em julgado.

Acontece que, como nenhum desses valores veio a ser atempadamente impugnado ou objecto de qualquer reclamação, os mesmos consolidaram-se.

Além disso, e como é sabido, nos termos dos artigo 55 e 158 e segs. do CIRE, cabe exclusivamente ao Administrador Judicial proceder à venda dos bens, cabendo ao Juiz ao M. Juiz a fiscalização da sua ac                                                         tividade - artigo 58 do mesmo diploma legal.

E foi no uso desse poder de fiscalização que Juiz "a Quo " proferiu o aludido despacho.01.03.2013, já transitado em julgado (ponto 11º do despacho recorrido) que manteve a validade do processo de venda do qual fazia parte a tabela discriminativa do valor atribuído a cada um das frações.

Concluímos, assim, que a decisão do M. Juiz "a quo" encontra-se devidamente documentada nos autos e derivou da análise conjugada da prova existente e produzida nos autos, pelo que a sua decisão não é arbitrária, discricionária ou caprichosa.

Ao apreciar livremente a prova produzida, o Tribunal! " a quo " formou livremente a sua convicção, efectuou também uma analise critica de todas as provas, e deu-lhes, fundamentadamente, o valor que entendeu dar-lhes.

Nenhum outro meio de prova concreto oferecido pela recorrente permite em apontar em sentido contrário (…)».

Em tais termos, pois que, incontornavelmente, a decisão colhe a sua justeza na conformidade integral como sistema jurídico que a propicia. A complexidade dos elementos que, nela depondo, a informam, torna-a possível, apenas, através do funcionamento da Ciência Jurídica que, assim se afirma como prudencial. E à Ciência do Direito compete ainda assegurar o controlo das decisões, numa operação fundamental para alargar o consenso e, daí, a sua eficácia. Nenhuma norma jurídica resolve, por si, problemas concretos ainda quando, no caso considerado, ela possa surgir como o argumento decisivo no modelo de decisão. A lei não se confunde com o Direito. Uma dogmática jurídica, radicada na cultura que a suporte e na segurança das convicções científicas dos juristas que a sirvam, coloca, entre a fonte e a solução do caso concreto, um percurso que nenhuma lei pode dispensar e que o legislador não pode corromper. Reside aqui, o harmonizar das soluções desavindas ou disfuncionais dentro do espaço jurídico, complementando as mensagens apenas esboçadas pelo legislador e limando, no concreto, as saídas injustas, inconvenientes ou paradoxais existentes numa individualizada praxis judicial, que haverá de atender à singularidade de qualquer caso (Cf. Menezes Cordeiro, Estudos de Direito Civil, 1, 1987, págs. 236 e s.).

Sendo, por isso, negativa a resposta às questões em II.

III.

 12.ª - Não é assim, primeiro paga-se aos credores retentores e só depois ao credor hipotecário. E como o prédio não estava ainda constituído no regime de propriedade horizontal, quando foi vendido, o produto da sua venda tem de se destinar a pagar o credor que a lei manda pagar em primeiro lugar: o credor retentor.

A questão repetida, resposta persistente…, por, na circunstância, inderrogável: pode ser exercido direito de retenção sobre um andar de um imóvel ainda não constituído em propriedade horizontal! (Ac. RE, 19-1-1996: CJ, 1996, 1º-272) (Cf. supra).

IV.

 11.ª - Ora, sendo o factum proprium um facto voluntário, ao qual se aplicam as disposições respeitantes às declarações de vontade, deve entender-se que um factum proprium, que foi praticado num contexto em que apesar de entendermos que não existe direito, a existir direito ele é exercido de forma clamorosamente ofensiva do princípio da boa fé pelos bons costumes e pelo fim social ou económico desse direito, porquanto o que está subjacente a este entendimento é que para diminuir a receita dos credores retentores se atribui um valor a fracções de um prédio não constituído no regime da propriedade horizontal superior ao dos retentores o que tem por consequência a diminuição do valor de quem a lei manda receber em primeiro lugar: o credor retentor.

O princípio da proibição do «venire contrafactum proprium», manifestação da figura do abuso do direito, pressupõe a existência de uma situação objectiva de confiança, de um investimento na confiança e irreversibilidade desse investimento e de boa fé da parte que confiou (Cf. Ac. STJ, 25-5-1999: CJ/STJ, 1999,2.º-116). Dissecadas as questões em causa, nos termos expressos, nada indicia ou revela (no que, assim, se pretende projectado na conclusão ora formulada) constituir abuso do direito, na modalidade do «venire contrafactum proprium».

Para tanto se considera que o exercício de um direito deve situar-se dentro dos limites impostos pelas regras da boa fé, dos bons costumes e da conformidade ao fim social ou económico para que a lei conferiu esse direito (art. 334.º do Cód. Civil). O abuso de direito, pressupondo logicamente a existência de um direito subjectivo ou de um poder legal, cujo titular se excede no seu exercício, consiste justamente na utilização do poder contido na estrutura do direito para a prossecução de um interesse que exorbita do fim próprio do direito ou do contexto em que deve ser exercido. Para se determinarem os limites impostos pela boa fé e pelos bons costumes há que atender, de modo especial, às concepções ético-jurídicas dominantes da colectividade; a consideração do fim económico ou social do direito apela, de preferência, para juízos de valor positivamente consagrados na própria lei. Agir de boa fé é actuar com diligência, zelo e lealdade face aos interesses da contraparte; é ter uma conduta honesta e conscienciosa, numa linha de correcção e probidade, visando não prejudicar os legítimos interesses da outra parte; é proceder de modo a não procurar nem alcançar resultados opostos aos que uma consciência razoável poderia tolerar. Quando o abuso de direito se consubstancia no excesso dos limites da boa fé, tal excesso tem de ser manifesto, claro, patente e indiscutível, não sendo necessário que tenha havido consciência de se excederem tais limites, porque o Código Civil vigente consagrou a concepção objectivista do abuso de direito (Ac. STJ, 9-10-1997: BMJ, 470."-546). Daí que, in casu, se não verifique

Daí, também ser negativa a resposta à questão em IV.

*

Podendo, assim, concluir-se, sumariando nos termos do art. 663º, nº7 NCPC), que:

1.

O direito de retenção destina-se, como claramente se depreende do art. 759º Código Civil (retenção de coisas imóveis), não a proporcionar o gozo ou fruição da coisa ao titular desse direito, mas a permitir-lhe apenas a execução da coisa retida e o pagamento sobre o valor dela com preferência sobre os demais credores.

2.

Do mesmo modo, pode ser exercido direito de retenção sobre um andar de um imóvel ainda não constituído em propriedade horizontal. Ou seja, para que exista aquilo a que a lei chama «fracção autónoma» não é necessário que o prédio de que faça parte esteja constituído em propriedade horizontal.

3.

Reconhecido ao detentor o direito de retenção sobre a fracção que detém, expressamente também lhe reconhece a lei (art. 759º, n.º 1, do CC) a faculdade de executar a coisa retida, nos termos em que o pode fazer o credor hipotecário. Todavia - como no caso -, sem ultrapassar a expressão jurídica e fáctica dimensionada nos Autos que, assim, sai chancelada.

4.

Foi no uso do poder de fiscalização que o Senhor Juiz no Tribunal "a quo " proferiu o aludido despacho.01.03.2013, já transitado em julgado (ponto 11º do despacho recorrido), que manteve a validade do processo de venda, do qual fazia parte a tabela discriminativa do valor atribuído a cada um das fracções.

5.

O princípio da proibição do «venire contrafactum proprium», manifestação da figura do abuso do direito, pressupõe a existência de uma situação objectiva de confiança, de um investimento na confiança e irreversibilidade desse investimento e de boa fé da parte que confiou. Dissecadas as questões em causa, nos termos expressos, nada indicia ou revela (no que, assim, se pretende projectado na conclusão ora formulada) constituir abuso do direito, na modalidade do «venire contrafactum proprium». Para tanto se considera que o exercício de um direito deve situar-se dentro dos limites impostos pelas regras da boa fé, dos bons costumes e da conformidade ao fim social ou económico para que a lei conferiu esse direito (art. 334.º do Cód. Civil). O que não foi, no que tange, e circunstancialmente, ultrapassado.

6.

 Uma dogmática jurídica, radicada na cultura que a suporte e na segurança das convicções científicas dos juristas que a sirvam, coloca, entre a fonte e a solução do caso concreto, um percurso que nenhuma lei pode dispensar e que o legislador não pode corromper. Reside aqui, o harmonizar das soluções desavindas ou disfuncionais dentro do espaço jurídico, complementando as mensagens apenas esboçadas pelo legislador e limando, no concreto, as saídas injustas, inconvenientes ou paradoxais existentes numa individualizada praxis judicial, que haverá de atender à singularidade de qualquer caso.

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III. A Decisão:

Pelas razões expostas, nega-se provimento ao recurso interposto, confirmando a decisão recorrida.

Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC.

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António Carvalho Martins ( Relator)

Carlos Moreira

Moreira do Carmo