Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
211/15.4GBSCD-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BRIZIDA MARTINS
Descritores: APOIO JUDICIÁRIO REQUERIDO APÓS A SENTENÇA
Data do Acordão: 04/24/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU (J C CRIMINAL)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART. 20.º DA CRP; ART. 44.º DA LEI N.º 34/2004, DE 29 DE JULHO, ALTERADA E REPUBLICADA PELA LEI N.º 47/2007, DE 28 DE AGOSTO
Sumário:
I – O instituto do apoio judiciário visa obstar a que, por insuficiência económica, seja denegada justiça aos cidadãos que pretendem fazer valer os seus direitos nos tribunais, decorrendo, assim, a sua criação do imperativo constitucional plasmado no art.º 20.º, n.º 1, da CRP.
II – O entendimento que se sufraga é o de que, em processo penal, o apoio judiciário pode ser requerido até ao termo do prazo de recurso da decisão em primeira instância e, se deferido, abrange as custas de todo o processo e não apenas as devidas após o requerimento.
III – A lei é clara no sentido de o apoio judiciário poder ser solicitado até ao trânsito em julgado da decisão final, não contendo qualquer excepção para o caso de o pedido surgir em momento ulterior ao da publicação da sentença, mas em momento anterior ao do trânsito.
IV – Se a causa em que os direitos do arguido se discutem ainda se encontra pendente no momento em que aquele formulou o pedido, é evidente que o efeito da concessão do apoio judiciário se deve repercutir em todo o processo.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 4.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra.
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I. Relatório.
1.1. No âmbito dos autos supra mencionados, foi proferido, com data de 20 de Novembro de 2017, despacho judicial cujo teor é como segue:
«Na sequência das razões aduzidas pelo Ministério Público, as quais se dão aqui por reproduzidas, sem necessidade de mais considerações, entendemos também que o benefício do apoio judiciário concedido à requerente no momento em que o foi apenas poderia valer para o futuro, ou, dito de outro modo, para efeitos do recurso, no sentido de a dispensar do pagamento das custas devidas por este.
Porém, não tendo a mesma interposto recurso do acórdão final, não valerá tal benefício para efeitos de a desonerar do pagamento das custas já contadas ou liquidadas ou em fase de liquidação, razão pela qual se indefere o requerido.
Notifique-se.»
As razões a que se aludia conforme parte inicial de tal despacho eram as constantes assim da promoção do Ministério Público:
«Fls. 492: Na senda do defendido por Salvador da Costa in «O Apoio Judiciário», 6.ª edição, pág. 241 entendemos que o art.º 44, nº1, parte final da Lei do Apoio Judiciário deve ser interpretado restritivamente no sentido de que o apoio judiciário requerido depois da prolação da sentença (como o foi no caso, já que o acórdão foi depositada em 7/7/2017 - fls. 429 - e o AJ apenas foi requerido em 1/9/2017 - fls. 443 e 468) apenas pode abranger a fase de recurso. Ou seja, o AJ concedido à arguida AA apenas teria a virtualidade de a dispensar do pagamento das custas devidas em fase de recurso – se tivesse interposto recurso do acórdão, o que não fez. Dito de outro modo, o AJ pode ser requerido até ao termo do prazo de recurso da decisão em 1.ª instância, mas apenas opera para o futuro, não tendo a virtualidade de dispensar o requerente do pagamento de custas já contadas ou liquidadas ou em curso iminente de contagem ou liquidação, como aconteceu no caso.
Pelo exposto, entende o MP que a arguida AA não está dispensada do pagamento das custas, pelo que, p. se proceda á sua liquidação.»
1.2. Inconformada com o decidido, a arguida AA, entretanto já melhor identificada, interpôs recurso pedindo que no respectivo provimento seja revogado o despacho proferido pelo Tribunal a quo, substituindo-se por outro que lhe reconheça o direito a que seja observado relativamente a todo o processo o Apoio Judiciário que lhe foi concedido pela Segurança Social nas modalidades em que o foi, desonerando-a do pagamento da totalidade das custas em que se mostra condenada, tudo isto fundada nas seguintes conclusões (demasiado repetitivas, e não “em resumo”, como decorre do plasmado pelo art.º 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, mas que, por estritas razões de economia e celeridade processual se aceitarão, sem mais) extraídas da motivação apresentada (transcrição):
1.ª No processo comum (Tribunal Colectivo) n.º 211/15.4GBSCD, do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, Juízo Central Criminal de Viseu, Juiz 1 foi proferido despacho através do qual se indeferiu o requerimento de Apoio Judiciário apresentado pela arguida AA por se entender que o benefício do apoio judiciário concedido à requerente no momento em que o foi apenas poderia valer para o futuro, pelo que, não tendo a mesma interposto recurso do acórdão final, não valeria tal benefício para efeitos de a desonerar do pagamento das custas já contadas ou liquidadas ou em fase de liquidação.
2.ª A recorrente limita o seu recurso à questão de saber se o benefício do apoio judiciário concedido à arguida, requerido após a prolação da decisão de 1.ª instância, mas antes do trânsito em julgado da mesma, apenas poderá valer para o futuro, não a desonerando do pagamento das custas já contadas ou em fase de liquidação, ou se, diversamente, abrange as custas de todo o processo, circunscrevendo, portanto, a sua discordância relativamente à decisão recorrida à matéria de direito.
3.ª O despacho recorrido apresenta o seguinte teor “Na sequência das razões aduzidas pelo Ministério Público, as quais se dão aqui por reproduzidas, sem necessidade de mais considerações, entendemos também que o benefício do apoio judiciário concedido à requerente no momento em que o foi apenas poderia valer para o futuro, ou, dito de outro modo, para efeitos do recurso, no sentido de a dispensar do pagamento das custas devidas por este. Porém, não tendo a mesma interposto recurso do acórdão final, não valerá tal benefício para efeitos de a desonerar do pagamento das custas já contadas ou liquidadas ou em fase de liquidação, razão pela qual se indefere o requerido.”
4.ª A promoção para a qual remete o despacho recorrido tem o seguinte teor: “Na senda do defendido por Salvador da Costa in «O Apoio Judiciário», 6.ª edição, pág. 241 entendemos que o art.º 44.º, n.º 1, parte final da Lei do Apoio Judiciário deve ser interpretado restritivamente no sentido de que o apoio judiciário requerido depois da prolação da sentença (como o foi no caso, já que o acórdão foi depositada em 7/7/2017 - fls. 429 - e o AJ apenas foi requerido em 1/9/2017 - fls.443 e 468) apenas pode abranger a fase de recurso. Ou seja, o AJ concedido à arguida AA apenas teria a virtualidade de a dispensar do pagamento das custas devidas em fase de recurso – se tivesse interposto recurso do acórdão, o que não fez. Dito de outro modo, o AJ pode ser requerido até ao termo do prazo de recurso da decisão em 1.ª instância, mas apenas opera para o futuro, não tendo a virtualidade de dispensar o requerente do pagamento de custas já contadas ou liquidadas ou em curso iminente de contagem ou liquidação, como aconteceu no caso. Pelo exposto, entende o MP que a arguida AA não está dispensada do pagamento das custas, pelo que, p. se proceda à sua liquidação.”
5.ª Do promovido não foi a arguida notificada para se pronunciar.
6.ª No dia em que foi constituída arguida foi notificada nos termos e para os efeitos do artigo 39.º da Lei n.º 34/2004, de 29/07, tendo-lhe sido comunicado que, provisoriamente, tinha direito a apoio judiciário.
7.ª Por acórdão de 6 de julho de 2017 foi a ora recorrente condenada, como co-autora de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo art.º 204.º, n.º 2, al. e), do C. Penal na pena de 15 (quinze) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, acompanhada de regime de prova, bem como no pagamento de taxa de justiça que se fixou em 4 UC, e nos demais encargos.
8.ª A 01/09/2017, a arguida apresentou, junto dos serviços da Segurança Social, requerimento de Proteção jurídica nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e pagamento da compensação de defensor oficioso e no mesmo dia juntou aos autos o comprovativo de haver apresentado requerimento de Proteção Jurídico nos moldes descritos.
9.ª Não tendo a arguida interposto recurso da decisão condenatória proferida em 1.ª instância, nem tendo sido interposto recurso pelo MP, em 22/09/2017, a decisão proferida transitou quanto a ela.
10.ª O aludido requerimento de Proteção Jurídica foi deferido por despacho datado de 17/10/2017 nas modalidades requeridas, tendo essa mesma decisão sido comunicada ao processo a que se destinava pelo próprio Instituto de Segurança Social, IP (Centro Distrital de Viseu), por ofício datado de 18/10/2017.
11.ª Entende a recorrente que, ao considerar que o apoio judiciário que lhe foi concedido pelos serviços da segurança social, no momento em que o foi apenas poderia valer para o futuro, não valendo tal benefício para efeitos de a desonerar do pagamento das custas já contadas ou liquidadas ou em fase de liquidação, o Tribunal a quo fez uma incorrecta interpretação do legalmente estabelecido, resultando violados os artigos 44.º, n.º 1, 20.º, 27.º e 28.º da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho e 20.º, n.º 1 da C.R.P.
12.ª A recorrente não pode deixar de discordar da interpretação dada ao art.º 44.º, n.º 1 da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho.
13.ª Segue a decisão recorrida uma interpretação restritiva do artigo 44.º, n.º 1 da Lei n.º 34/2004, de 29.07, na redacção da Lei n.º 47/2007, de 28.08, por forma a que o apoio judiciário concedido, não tendo a requerente interposto recurso da sentença, nenhuma repercussão tenha na sua responsabilidade tributária nos autos.
14.ª A melhor interpretação dada ao art.º 44°, n.º 1, que consagra um regime de excepção para o processo penal é no sentido de que a concessão de apoio judiciário requerido após a prolação da sentença e no decurso do prazo de recurso da decisão em primeira instância, como sucedeu in casu, abrange as custas em que o mesmo foi condenado na sentença.
15.ª O regime jurídico do acesso ao direito e aos tribunais está previsto no art.º 20.º, da CRP em cujo n.º 1 se dispõe: “a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos”.
16.ª O legislador ordinário através da Lei n.º 34/2004, de 29/7 veio regular o regime de acesso ao direito e aos tribunais.
17.ª O sistema de acesso ao direito e aos tribunais destina-se a assegurar que a ninguém seja dificultado ou impedido, em razão da sua condição social ou cultural, ou por insuficiência de meios económicos, o conhecimento, o exercício ou a defesa dos seus direitos.
18.ª O artigo 44.º do mesmo diploma legal prevê que, “Em tudo o que não esteja especialmente regulado no presente capítulo relativamente à concessão de protecção jurídica ao arguido em processo penal aplicam-se, com as necessárias adaptações, as disposições do capítulo anterior, com excepção do disposto nos nºs 2 e 3 do artigo 18.º, devendo o apoio judiciário ser requerido até ao termo do prazo de recurso da decisão em primeira instância».
19.ª Decorre desta norma que, no processo penal (que tem particularidades próprias), o requerimento a solicitar apoio judiciário pode ser apresentado até ao termo do prazo do recurso da decisão em 1.ª instância.
20.ª Actualmente, ao contrário do que acontecia anteriormente, a lei fixa o momento até ao qual tem de ser requerido o apoio judiciário: na generalidade dos processos, até à primeira intervenção; no processo penal, até ao trânsito em julgado da sentença.
21.ª A lei é muito clara nesse aspeto, não havendo qualquer restrição no caso de este ser formulado após a sentença, não devendo o aplicador da lei distinguir onde o legislador nenhuma razão viu para diferenciar.
22.ª Interpretação diversa ignora o elemento histórico, sistemático e teleológico, e viola de forma flagrante e intolerável a letra da lei.
23.ª Fixando a lei um prazo final para a formulação do pedido do apoio judiciário, formulado o pedido antes do termo do prazo de recurso da decisão proferida em 1.ª instância, o efeito da concessão desse pedido deve repercutir-se no processo.
24.ª Uma das razões que se deverá ter em conta é o facto de a apreciação do apoio judiciário ser, no regime legal vigente, de natureza administrativa, tendo o legislador entendido por bem que os requerimentos de concessão de apoio judiciário fossem apresentados, instruídos, apreciados e decididos pela Segurança Social, não podendo o tribunal judicial imiscuir-se numa decisão que a lei expressamente reserva à Administração Pública, a ser tomada nos trâmites do procedimento administrativo respetivo, com regulação própria e adequada à sua natureza.
25.ª Porque actualmente, o apoio judiciário é sempre decidido pelos serviços da segurança social (art.º 20.º), a Lei 34/04 de 29-7 estabeleceu um regime diferente para o processo penal sob pena de existirem situações em que simplesmente seria negada a possibilidade de apoio judiciário por o arguido estar impedido de se dirigir àqueles serviços antes da primeira intervenção no processo, como, por exemplo, quando fosse detido em flagrante delito e apresentado nessa situação para primeiro interrogatório ou para julgamento em processo sumário.
26.ª Não tendo havido impugnação da decisão sobre o pedido de apoio judiciário, nem recurso dela nos termos dos artigos 27.º e 28.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, a decisão consolidou-se, impondo-se dentro e fora do processo.
27.ª Tendo o apoio sido requerido junto dos serviços da Segurança Social, tendo sido comprovado tal requerimento junto do Tribunal a quo antes do trânsito da sentença proferida nos autos, e, tendo o mesmo sido deferido, não pode o tribunal vedar o acesso a esse benefício só porque tem um diferente entendimento sobre as circunstâncias em que aquele podia ser requerido.
28.ª No presente caso a arguida requereu a concessão do referido apoio judiciário, em 1 de setembro de 2017, isto é, antes da sentença ter transitado em julgado (o que se verificou a 21 de setembro de 2017).
29.ª A interpretação perfilhada pelo despacho recorrido, nas suas consequências, representa até, de forma indireta, uma clara violação do princípio da separação de poderes.
30.ª A arguida formulou tal pedido na pendência do processo, sendo evidente que o efeito da concessão desse pedido se deve repercutir no processo.
31.ª Seria enorme o espanto do cidadão/arguido perante a justiça, caso o mesmo Tribunal onde realizou a simulação do cálculo de rendimentos para efeitos de concessão provisória de proteção jurídica lhe viesse agora comunicar que tal diligência não tem qualquer efeito útil e que a subsequente decisão definitiva da Segurança Social que lhe concede o apoio de nada vale.
32.ª A interpretação no sentido de que a concessão do benefício de apoio judiciário só se justifica nos casos em que o arguido necessite de despender determinadas quantias para defender os seus direitos, no presente caso para a eventual interposição de recurso, esbarra frontalmente com o artigo 15.°, al. c), do R.C.P.
33.ª Á luz do R.C.P. os arguidos estão sempre dispensados do pagamento prévio de taxa de justiça, logo, de acordo com esta interpretação, nunca se verifica em processo penal a necessidade de conceder aos arguidos o benefício do apoio judiciário.
34.ª O entendimento sufragado pela jurisprudência maioritária vai no sentido de que sendo deferido o apoio judiciário requerido antes do trânsito em julgado da decisão condenatória da primeira instância da qual não tenha sido interposto recurso abrange as custas de todo o processo e não apenas as devidas após o requerimento.
35.ª É a posição de vários acórdãos, como o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 24 de abril de 2012, processo n.º 121/11.4GDAND-A.C1, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 18 de abril de 2012, processo n.º 324/11.1GBOBR-A.C1, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 23 de maio de 2012, processo n.º 108/11.7GTAVR-A.C1, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28 de março de 2012, processo n.º 409/11.4GBAND-A.C1, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 23 de novembro de 2010, processo n.º 43/10.6GDAND-A.C1, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 9 de abril de 2008, processo n.º 134/06.8GASRE-A.C1, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 6 de julho de 2011, processo n.º 106/10.8GTVRL.P1, Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 10 de março de 2011, processo n.º 39/09.0PABRG.AG1, Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 16 de março de 2009, processo n.º 205/07.3GAPTL-A.G1 (todos disponíveis em www.dgsi.pt).
36.ª A interpretação restritiva acarretaria um enorme desperdício para o país, delapidando gratuitamente os recursos do Estado nos casos em que os arguidos fossem absolvidos por nada haver a pagar.
37.ª Salvo o devido respeito, esta interpretação da norma é inconstitucional, por violação do princípio nemo tenetur se ipsum accusare que constitui uma das garantias de defesa do arguido e desdobra-se no direito ao silêncio e no direito de não oferecer meios de prova.
38.ª O requerimento de proteção jurídica implica a disponibilização de variada informação não contida no catálogo do art.º 342.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, nomeadamente informação que pode servir para apurar a identidade de pessoas que coabitam com o arguido ou que dele dependem economicamente (informação que pode, por exemplo, ser relevante para a produção de prova tendente à verificação da parte final do art.º 152.º, n.º 1, al. d) ou para endurecer penas em condições em que a dependência económica das vítimas torne mais censurável a prática do crime) e informação relativa às condições económicas do arguido (a qual pode, por exemplo, influir na determinação do quantitativo diário na pena de multa).
39.ª Ao apresentar o seu requerimento de proteção jurídica para poder ter a possibilidade de se defender no processo, o arguido de poucas posses está potencialmente a produzir prova que poderá ser utilizada contra si, ficando em posição de ter de optar entre potencialmente contribuir para a própria incriminação ou ficar em situação económica desastrosa por não ter meios suficientes para pagar as despesas judiciais.
40.ª E é também violado o princípio constitucional da igualdade, uma vez que o arguido em situação económica favorável não é colocado perante este dilema.
41.ª Se o princípio da igualdade e o princípio do acesso ao direito estão tutelados de forma expressa pelos artigos 13.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa, respetivamente, já quanto ao princípio nemo tenetur é pacífico o entendimento entre a doutrina e a jurisprudência que se trata de um princípio constitucional não escrito, podendo-se referir, a título de exemplo, os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 695/95, 542/97, 304/2004, 181/2005, 461/2011, 340/2013 e 418/2013, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt.
42.ª Apesar de tal unanimidade sobre esse carácter constitucional, não tem havido, no entanto, concordância absoluta quanto às normas constitucionais de onde emana este princípio. Uma das posições, a qual encontrou acolhimento pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 695/95, defende que, de forma imediata, o direito à não auto-incriminação encontra o seu fundamento jurídico-constitucional nas garantias processuais de defesa do arguido, nomeadamente, no princípio da presunção de inocência, inerentes e existentes num processo penal de estrutura acusatória, que se destinam a assegurar ao arguido um processo equitativo. E que, de forma mediata, o princípio é reflexo do direito fundamental da dignidade humana e da liberdade de ação.
43.ª Deve ser declarado inconstitucional o art.º 44.º, n.º 1 da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho (Lei do Acesso ao Direito e aos Tribunais) na interpretação segundo a qual o benefício do apoio judiciário concedido ao requerente em momento posterior à decisão em primeira instância e anterior ao termo do prazo de recurso da decisão em primeira instância, apenas pode valer para o futuro ou para efeitos do recurso, no sentido de dispensar o requerente do pagamento das custas devidas por este, por violação dos artigos 13.º, n.º 2 e 20.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa e por violação do princípio constitucional nemo tenetur se ipsum accusare, o qual emana, entre outros, dos artigo 32.º, n.ºs 1, 2, 5, 8 e 10 e também dos artigos 1.º, 20.º, n.º 4, 25.º, n.º 1 e 26.º, n.ºs 1 e 2, todos da Constituição da República Portuguesa, e artigo 6.º, n.º 2 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, aplicável no ordenamento nacional por via do art.º 8.º da Constituição e assumindo força constitucional de direito fundamental por via do art.º 16.º, n.º 1 da Lei Fundamental.
1.3. O recurso foi admitido por despacho datado de 06/12/2017 (fls. 539 dos autos principais, fls. 54 deste apenso).
1.4. Notificado ao efeito, o Ministério Público respondeu ao recurso (fls. 57/67) sustentando o improvimento respectivo, e isto fundado na seguinte síntese de fundamentos:
1.ª Como por todos reconhecido e previsto no art.º 1.º, n.º 1 da Lei 34/2004 de 29/7, em consonância com o prescrito no artigo 20.º da CRP, de que é concretização, o apoio judiciário destina-se a assegurar que a ninguém seja dificultado ou impedido, em razão da sua condição social ou cultural, ou por insuficiência de meios económicos, o conhecimento, o exercício ou a defesa dos seus direitos.
2.ª Já não relevará, assim, para efeitos de, após o julgamento da causa e a condenação em custas, se obter a dispensa do pagamento dos encargos judiciais a que a participação no processo deu causa.
3.ª Tal entendimento, apesar de actualmente minoritário na jurisprudência é, salvo o devido respeito, o único que se compatibiliza com o prescrito no art.º 9.º do Código Civil e a génese e finalidade do instituto do apoio judiciário.
4.ª Alega a recorrente (tal como a jurisprudência em que se fundamenta) que, à luz do R.C.P. os arguidos estão sempre dispensados do pagamento prévio de taxa de justiça, não tendo que despender previamente qualquer quantia para defender e exercer os seus direitos, pelo que, seguindo a interpretação do Tribunal recorrido, nunca se verificaria, em processo penal, a necessidade de conceder aos arguidos o benefício do apoio judiciário.
5.ª Acontece que, na defesa dos direitos não está apenas em causa o pagamento prévio, mas também o pagamento a final pelo exercício do direito, pretendendo-se possibilitar ao arguido a sua não retracção, relativamente ao exercício de determinadas defesas, em virtude das custas que tenha de vir a pagar pelo seu exercício, caindo, assim, por terra o referido argumento formal.
6.ª Nem se diga também que, com a interpretação restritiva que se sufraga na douta decisão recorrida, fica negada a possibilidade de ser requerido o apoio judiciário no caso dos arguidos detidos para julgamento em processo sumário, aos quais pode não ser concedido tempo para requererem o apoio judiciário antes do julgamento e da sentença, sendo certo que essa é uma situação especial (que não é a dos autos!) e que pode bem demandar tratamento especial e, de todo o modo, nada impede que o arguido faça constar em acta no início da audiência de julgamento a sua vontade de requerer apoio judiciário junto da autoridade administrativa.
7.ª Já relativamente á situação dos arguidos detidos para 1.º interrogatório judicial que também se invoca, não se percebe em que é que a interpretação restritiva que se advoga, os possa impedir de pedir apoio judiciário, sendo certo que sempre o poderão fazer até que venha a ser proferida decisão final, seguramente a ocorrer muito tempo depois da sujeição a 1.º interrogatório judicial.
8.ª Nem se diga também que não tem o Tribunal competência material para decidir sobre tal matéria, porquanto o que está em causa não é qualquer decisão de concessão/indeferimento ou revogação do apoio judiciário, da competência material da autoridade administrativa, o que está em causa é pura e simplesmente a aplicação da decisão que concedeu o apoio judiciário nos autos, cabendo ao julgador fazer tal aplicação.
9.ª Ao afirmar que o apoio judiciário concedido á requerente não tem a virtualidade de a dispensar do pagamento das custas em que já foi anteriormente condenada, valendo apenas para o futuro, o Juiz não está a revogar o apoio judiciário concedido á requerente, mas, apenas, a proceder á aplicação da decisão no processo.
10.ª Aliás, a decisão de apoio judiciário, não servindo para dispensar de pagamento de custas em que já se foi condenado, não deixa de ter relevância no processo, podendo ser determinante para a liquidação (em maior ou menor montante) dos honorários devidos pela arguida nos termos do artigo 4 a 9 do artigo 39 da Lei Apoio Judiciário, não fazendo pois, sentido, o afirmado na conclusão 31 da motivação do recurso.
11.ª A recorrente esgrime ainda com argumentos de inconstitucionalidade da norma na interpretação restritiva seguida pelo Tribunal recorrido, com o fundamento de que, segundo tal interpretação, os arguidos se vêm obrigados a disponibilizar ao Tribunal informação não contida no catálogo do artigo 342 n.º 1 do CPP, isto é, toda aquela informação que têm de apresentar á autoridade administrativa quando requerem o apoio judiciário. Acontece que, essa informação já os arguidos tiveram de disponibilizar desde há muito directamente á secretaria do tribunal conforme previsto no artigo 39 n.º 3 da Lei Apoio judiciário e com obrigação de o fazerem com verdade, sob pena de virem a sujeitar-se ao pagamento do quíntuplo do valor estabelecido no n.º 2 do artigo 36.º da Lei do Apoio Judiciário.
12.ª É, pois, seguro que os arguidos não têm que fornecer á autoridade administrativa para a concessão do apoio judiciário, qualquer informação que não tivessem que ter já fornecido ao Tribunal, mas ainda que assim não fosse, o certo é que quando formulam o pedido de apoio judiciário fornecem tal informação á autoridade administrativa e não ao Tribunal, para além do que se trata de informação que este facilmente pode obter junto das entidades competentes.
13.ª Ou seja, o entendimento do Tribunal recorrido, segundo o qual o apoio judiciário deve ser requerido antes da leitura de sentença para dispensar o arguido, caso seja condenado, do pagamento das custas, não é susceptível de ferir qualquer princípio constitucional, nomeadamente os invocados pela recorrente.
14.ª Aliás, como se escreve no Ac. TC n.º 215/2012, de 25 de Maio 2012 publicado no DIÁRIO DA REPÚBLICA - 2.ª SÉRIE, N.º 102, de 25.05.2012, pág. 18907, embora a propósito de questão diversa, mas tendo, nessa parte aqui integral cabimento: «no que respeita à questão da oportunidade do pedido de apoio judiciário, o Tribunal Constitucional tem vindo a considerar, em jurisprudência uniforme, que o apoio judiciário tem sobretudo em vista evitar que qualquer pessoa, por insuficiência de meios económicos, veja impedido, condicionado ou dificultado o recurso aos tribunais para defesa dos seus direitos ou interesses legítimos, não podendo, contudo, ser visto como meio destinado a obter, após o julgamento da causa e a condenação em custas, a dispensa do pagamento dos encargos judiciais a que a participação no processo deu causa.»
15.ª Alega ainda a recorrente que, em termos práticos, a interpretação restritiva do artigo 44 da Lei do apoio judiciário subscrita pelo Tribunal recorrido, «acarretaria enorme desperdício para o país, delapidando gratuitamente os recursos do estado nos casos em que os arguidos fossem absolvidos por nada haver a pagar» (conclusão 36). Ora, parece-nos fora de dúvida razoável que maior delapidação resultará da concessão de apoio judiciário a quem o pretende apenas para não pagar aquilo que deve, sendo, ademais, certo que ninguém é executado a não ser que tenha bens ou rendimentos suficientes para pagamento da divida (artigo 35 n.º do RCP).
1.5. Observadas as formalidades devidas, foram os autos remetidos para este Tribunal da Relação, onde, aquando do momento previsto pelo art.º 416.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer (fls. 75/79) conducente ao provimento do recurso.
1.6. No âmbito do subsequente art.º 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, não foi apresentada qualquer resposta.
1.7. Porque nenhum fundamento obstava ao prosseguimento do recurso, ordenou-se a recolha dos vistos devidos, o que sucedeu, e sua submissão a conferência.
Dos trabalhos desta emerge a presente apreciação e decisão.
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II. Fundamentação.
2.1. Delimitação do objecto do recurso.
De harmonia com o disposto no n.º 1, do art.º 412.º, do Código de Processo Penal, e conforme jurisprudência pacífica e constante (designadamente, do S.T.J. – Acórdão de 13/5/1998, B.M.J. 477/263, Acórdão de 25/6/1998, B.M.J. 478/242, Acórdão de 3/2/1999, B.M.J. 477/271), o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelos recorrentes da motivação apresentada, só sendo lícito ao tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por obstativas da apreciação do seu mérito, como são os vícios da sentença previstos no art.º 410.º, n.º 2, do mesmo diploma, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (Acórdão do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R. I – A Série, de 28/12/1995).
São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões, da respectiva motivação, que o tribunal ad quem tem de apreciar – art.ºs 403.º, n.º 1 e 412.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Penal. A propósito, e no mesmo sentido, ensina Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, Vol. III, 2.ª edição, 2000, fls. 335, «Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões».
Do exposto decorre, então, que a única questão colocada pela recorrente à apreciação deste tribunal, consiste em apuramos se, em processo penal, o apoio judiciário requerido antes do trânsito em julgado da sentença da 1.ª instância abrange todas as custas do processo.
2.2. Perfunctoriamente à análise, importa reter os factos que subjazem ao dissídio instalado: no âmbito dos autos principais (processo comum colectivo n.º 211/15.4 GBSCD que correm termos pelo Juízo Central Criminal da comarca de Viseu – Juiz 1), foi proferido acórdão, no dia 6 de Julho de 2017, condenando a arguida, ora recorrente, pela prática, em co-autoria com outros demais agentes, de um crime de furto qualificado, na pena de 15 meses de prisão, suspensa contudo na sua execução, por igual período de tempo, com sujeição a regime de prova.
Em 4 de Setembro seguinte, a mesma arguida fez juntar a tais autos documento comprovativo de ter requerido perante os serviços da Segurança Social, com data de 1 de Setembro, ainda e também de 2017, apoio judiciário, que lhe veio a ser concedido na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, v.g., compensação do defensor oficioso.
Dada a ausência de interposição de recurso, quer pela arguida, quanto pelo Ministério Público, o acórdão dos autos principais transitou em jugado, relativamente à ora recorrente, no dia 22 de Setembro de 2017.
Junto tal expediente, seguiram-se a promoção e despacho aludidos supra em I., 1.1..
Pese embora o esforço argumentativo aduzido na resposta apresentada pelo Ministério Público junto da 1.ª instância no sentido de manter o teor do decidido pelo despacho sob censura, não vemos razões para dissidir do que maioritariamente se vem decidindo, mormente ao nível das decisões proferidas, no que concerne, na 2.ª instância, tudo como exuberantemente já vem mencionado nas peças e intervenções do recurso; daí que nos apropriemos no expendido numa delas, concretamente a exarada pelo Exmo. Desembargador Alberto Mira, no âmbito do recurso n.º 121/11.4 GDAND-A.C1, acessível no sítio www.dgsi.pt/jtrc.
Escreveu e citaremos, pois que com pertinácia e sem desenvolvimentos que entendamos aditar:
O instituto do apoio judiciário visa obstar a que, por insuficiência económica, seja denegada justiça aos cidadãos que pretendem fazer valer os seus direitos nos tribunais, decorrendo, assim, a sua criação do imperativo constitucional plasmado no art.º 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.
Estabelece esta norma, em consonância com a disposição do art.º 8.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, que “a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos”, e que “a justiça não pode ser denegada por insuficiência de meios económicos”.
A estatuição da norma em destaque está intimamente ligada a um dos princípios estruturantes do Estado de Direito Democrático e do sistema constitucional global, o da igualdade, consagrado no art.º 13.º da CRP, segundo o qual as situações iguais devem ser tratadas de igual modo, e as diferentes, de acordo com a concreta diferença que evidenciam.
«O princípio não impede que, tendo em conta a liberdade de conformação do legislador, se possam (devam) estabelecer diferenciações de tratamento, “razoável, racional e objectivamente justificadas por valores constitucionalmente relevantes” (…).
Posto é que haja fundamento material suficiente que neutralize o arbítrio e afaste a discriminação infundada (o que importa é que não se discrimine para discriminar, diz-nos J. C. Vieira de Andrade, os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, Coimbra, 1987, p. 299)» In Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 351/2005, de 05-07-2005, proferido no processo n.º 372/2005, publicado no DR - II série, de 20-10-2005.
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A modelação do princípio programático da citada norma (ar.º 20.º da CRP) pela lei ordinária foi feita, inter alia, pela Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, que, entretanto, foi alterada e republicada com a Lei n.º 47/2007, de 28 de Agosto, a qual estabelece um sistema de protecção jurídica que envolve, para além da consulta jurídica, o apoio judiciário (art.º 6.º, n.º 1), o qual compreende, entre o mais, a dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e do pagamento da compensação devida ao defensor oficioso nomeado ao arguido (art.º 16.º, n.º 1).
No que ora importa ter em conta, decorre do regime de acesso ao direito e aos tribunais que «o apoio judiciário deve ser requerido antes da primeira intervenção processual, salvo se a situação de insuficiência económica for superveniente, caso em que deve ser requerido antes da primeira intervenção processual que ocorra após o conhecimento da situação de insuficiência económica» (n.º 2 do art.º 18.º).
Dada a inserção sistemática desta norma, por regra, o pedido de apoio judiciário deve ser formulado nos precisos termos aí previstos.
Todavia, em relação ao processo penal, vigoram regras especiais, previstas no capítulo IV do diploma, donde sobressai, para o vertente caso, o art.º 44.º, n.º 1, com a seguinte previsão: «Em tudo o que não esteja especialmente regulado no presente capítulo relativamente à concessão de protecção jurídica ao arguido em processo penal aplicam-se, com as necessárias adaptações, as disposições do capítulo anterior, com excepção do disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 18.º, devendo o apoio judiciário ser requerido até ao termo do prazo de recurso da decisão em primeira instância.» (o sublinhado pertence-nos).
Não tem sido consensual a interpretação jurídica das duas normas que se vêm de citar e, em consequência, a posição da nossa jurisprudência sobre a eficácia da decisão da Segurança Social que defere o apoio judiciário, quando este é requerido após a prolação da sentença de condenação também em custas, mas antes do trânsito em julgado da referida decisão.
Segundo a posição mais restritiva, em processo penal, o pedido de apoio judiciário pode ser requerido até ao termo do prazo de recurso da decisão em primeira instância. Contudo, se tal pedido for requerido depois de proferida a sentença, mas antes do seu trânsito, só é legalmente admissível se for interposto recurso da mesma Cfr. Acórdão da Relação do Porto de 08-07-2009, processo 1452/08.6PTPRT-A.P1, in www.dgsi.pt..
De acordo com outra corrente, a concessão do apoio judiciário ao arguido tem plena eficácia apenas desde a altura em que o mesmo formulou a respectiva pretensão.
Com maior desenvolvimento, advogam os defensores desta tese que é permitida ao arguido a formulação do pedido de apoio judiciário até ao termo do prazo de recurso da decisão proferida pelo tribunal de 1.ª instância. Contudo, o pedido apenas terá efeitos para o futuro e não retroactivos, ou seja, o apoio judiciário concedido apenas será eficaz desde a altura em que o arguido formulou o respectivo pedido, não abrangendo, por conseguinte, as custas fixadas na sentença se o pedido foi deduzido entre a data em que esta foi proferida e o terminus do prazo do recurso Cfr. Acórdãos da Relação do Porto de 21-09-2011 e de 07-12-2011, proferidos, respectivamente, nos processos n.ºs 404/10.0PAESP.P1 e 1079/08.2TAVNF.P1, ambos publicados no sítio www.dgsi.pt..
Para outros, em maior número, actualmente, em processo penal, o apoio judiciário pode ser requerido até ao termo do prazo de recurso da decisão em primeira instância e, se deferido, abrange as custas de todo o processo e não apenas as devidas após o requerimento Cfr., v. g., Acórdãos da Relação do Porto de 06-07-2001 e de 28-09-2011 (processos n.ºs 106/10.8GTVRL.P1 e 87/09.0PEPRT-A.P1, respectivamente); da Relação de Coimbra de 09-04-2008 e 23-11-2010 (processos n.ºs 134/06.8GASRE-A.C1 e 43/10.6GDAND-A.C1, respectivamente) e da Relação de Guimarães de 10-03-2011 e 16-03-2009 (processos n.ºs 39/09.0PABRG.AG1 e 205/07.3GAPTL-A.C1, respectivamente), todos publicados in www.dgsi.pt..
É esta a nossa posição.
Seguindo, com as necessárias adaptações, o que ficou escrito no Ac. desta Relação de Coimbra de 09-04-2008, no caso em análise o arguido requereu a concessão do apoio judiciário após a prolação da sentença condenatória de 1.ª instância mas antes de ela ter transitado em julgado.
Assim, tal requerimento foi apresentado em consonância com a previsão do art.º 44.º, n.º 1.
E a lei é manifestamente clara no sentido de o apoio judiciário poder ser solicitado até ao trânsito em julgado da decisão final, não contendo qualquer excepção para o caso de o pedido surgir em momento ulterior ao da publicação da sentença, mas em momento anterior ao do trânsito.
Ora, se a causa em que os direitos do arguido se discutem ainda se encontra pendente no momento em que aquele formulou o pedido, é para nós evidente que o efeito da concessão do apoio judiciário se deve repercutir em todo o processo.
Por outro lado, estando a decorrer, na altura da formulação do pedido, o prazo para a interposição do recurso da sentença condenatória, é incorrecta a ilação de que a prática de um acto conducente ao efeito (solicitar o apoio judiciário a fim de que face à eventual ausência de meios o pudesse interpor passando a litigar com o benefício de apoio judiciário) tivesse como efeito precludir ao arguido a possibilidade de até ao último momento ajuizar da interposição do recurso ou, ao invés, da conformação com o decidido.
Por um lado, como bem lembra o aresto que vimos acompanhando, o recurso era também permitido ao Ministério Público.
Acresce ainda que, como acaba por conceder o Ministério Público na 1.ª instância, situações existem em que se afigura assaz difícil diligenciar no sentido da obtenção imediata do apoio judiciário, o que numa jurisdição como a processual penal apenas pode ter uma interpretação conducente à sua mais ampla consideração, o que, em situações como a dos autos, apenas se obtém, indo de encontro ao sufragado pela recorrente.
Em síntese conclusiva: em processo penal, o pedido de apoio judiciário pode ser requerido até ao termo do prazo de recurso da decisão proferida em 1.ª instância. Se deferido, o apoio judiciário requerido antes do trânsito em julgado da sentença condenatória da qual não foi interposto recurso abrange as custas de todo o processo e não apenas as devidas após a apresentação do requerimento.
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III. Dispositivo.
Posto o que precede, acordam os Juízes neste Tribunal da Relação de Coimbra em conceder provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida com os efeitos na parte final do item que antecede.
Sem tributação.
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Coimbra, 24 de Abril de 2018
José Brízida Martins (relator)
(Orlando Gonçalves (adjunto)