Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
73/12.3TBLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
ÂMBITO
ACIDENTE
Data do Acordão: 10/15/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 2.º JUÍZO CÍVEL DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 236.º, 238.º E 239.º, TODOS DO CÓDIGO CIVIL, 10.º E 11.º DO DL 446/85 (LEI DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS) E 426.º DO CÓDIGO COMERCIAL
Sumário: 1. Para determinar se o acidente de que o segurado foi vítima está ou não coberto pelo contrato de seguro que celebrou com a seguradora, importa interpretar as cláusulas previstas no contrato de seguro em causa, designadamente averiguar qual o risco tido em vista pelas partes ao assumirem as obrigações dele decorrentes.

2. Tendo as partes pretendido abranger apenas acidentes que o segurado sofresse nas obras de clientes, excluíram da previsão contrato de seguro acidentes por ele sofridos na sua própria casa.

Decisão Texto Integral:             Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra


            “A...Seguros, S.A.”, com sede na Avenida Fontes Pereira de Melo, n.º 6, em Lisboa, intentou a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo sumário contra B..., residente na (...), Arrabal.
Pede a sua condenação a pagar à autora a quantia de € 11.082,85 (onze mil e oitenta e dois euros e oitenta e cinco cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos bem como dos vincendos até integral pagamento.
Alega, em síntese, que no exercício da sua actividade celebrou com o réu um contrato de seguro do ramo de acidentes de trabalho na modalidade de prémio fixo/trabalhador independente, titulado pela apólice n.º 069/00026684, através do qual o réu transferiu para a autora a responsabilidade infortunística emergente de acidentes de trabalho.
No dia 14 de Abril de 2009, foi participado à autora um acidente de trabalho no qual foi sinistrado o réu, o qual, segundo a participação, se encontrava no exterior de uma moradia a preparar-se para montar uma calha no tecto da mesma.
Na sequência da participação, a autora procedeu ao pagamento das despesas resultantes do sinistro, ao mesmo tempo que solicitou a averiguação das circunstâncias em que o mesmo ocorreu.
Foi na sequência da averiguação que a autora tomou conhecimento que o acidente em causa ocorrera na casa do réu quando o mesmo iniciava trabalhos para instalação de uma caleira para uso próprio.
Nesta medida, no dia 19 de Maio de 2009, a autora remeteu ao réu uma carta declinando a sua responsabilidade pelo sinistro ocorrido.
A autora pagou despesas no valor que especifica e equivalentes ao peticionado e despendeu a quantia de € 240,00 com a averiguação do sinistro.
Posto que a autora não era responsável pela reparação do acidente, porquanto o mesmo não estava abrangido pelo seguro realizado, deve o réu reembolsá-la das despesas que efectuou.

Regularmente citado para contestar, fê-lo o réu no prazo legal, pugnando pela improcedência da acção, com a consequente e respectiva absolvição do pedido deduzido.
Alega, em síntese, depois de impugnar alguns dos factos alegados, que a actuação da autora consubstancia abuso de direito, porque ao proceder ao pagamento das despesas resultantes do sinistro a autora assumiu que o mesmo estava a coberto do seguro contratado, tendo espontaneamente informado o réu que as despesas e tratamentos a que este tivesse de se sujeitar eram da sua responsabilidade, de forma que foi devido à atitude da autora que o réu se viu excluído do regime do Serviço Nacional de Saúde, onde teria usufruído de tratamento e acompanhamento gratuitos.
O réu não tinha a noção de que o contrato de seguro não assegurava a cobertura do sinistro em causa, aliás nada disso lhe foi explicado quando contratou com a autora, que não o informou nem o esclareceu das cláusulas constantes das condições gerais e especiais do seguro.

Respondeu a autora, insurgindo-se contra a aplicação aos autos do conceito de abuso de direito, concluindo como na petição inicial.

Precedido de audiência preliminar, foi proferido despacho saneador tabelar e seleccionou-se a matéria de facto assente e a provar, de que não houve reclamações.
            Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, com recurso à gravação da prova nela produzida, finda a qual foi proferida decisão sobre a matéria de facto constante da base instrutória, com indicação da respectiva fundamentação, tal como consta de fl.s 125 a 133, sem que lhe tenha sido formulada qualquer reclamação.
Após o que foi proferida a sentença de fl.s 134 a 144, na qual se julgou a presente acção como improcedente, por não provada, com a consequente absolvição do réu do pedido, ficando as custas a cargo da autora.

            Inconformada com a mesma, interpôs recurso a autora, recurso, esse, admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo (cf. despacho de fl.s 165), finalizando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões:
            1. O apelado é um trabalhador independente, trabalhando por conta própria na actividade de construção civil/pedreiro, nas obras de clientes, em qualquer local do território nacional.
            2. Aquando do acidente dos autos, o apelado trabalhava na sua própria residência, a proceder à instalação de um caleira, para seu uso próprio.
            3. O apelado encontrava-se a trabalhar sozinho em casa, que é sua propriedade e que constitui a sua morada de família, sem qualquer pessoa a auxiliar.
            4. O apelado prestava um serviço para si próprio.
            5. Se o apelado fosse trabalhador por conta de outrem e sofresse o acidente dos autos, não estaria garantido pelo seguro.
            6. Igualmente, não prestando o trabalhador serviço para outrem, não se encontra garantido pelo contrato de seguro de trabalhadores independentes.
            7. Os trabalhadores independentes têm que reunir condições semelhantes aos trabalhadores por conta de outrem, para que o regime dos acidentes de trabalho se lhes aplique.
            8. Nomeadamente, que se encontrem a desempenhar uma actividade remunerada, bem como, que a mesma seja desempenhada em benefício de terceira pessoa.
            9. O apelado é um prestador de serviços, concretamente, de serviços, no âmbito da actividade contratada de pedreiro.
            10. É requisito primordial da prestação de serviços, que uma das partes se obrigue perante outra a proporcionar certo resultado do seu trabalho.
            11. O beneficiário do trabalho ou resultado do trabalhador independente, terá de ser pessoa distinta do próprio trabalhador ou prestador de serviço.
            12. No espírito da lei, o seguro obrigatório de trabalhadores independentes, visa garantir os acidentes de trabalho quando resultem de trabalhos prestados sem subordinação jurídica.
            13. O apelado ao prestar serviço para si mesmo, não cumpre com o requisito da existência de terceiro, por analogia à existência da entidade patronal, no tradicional acidente de trabalho por conta de outrem.
            14. Ao não exercer a referida actividade a favor de terceiros, o apelado não chega, consequentemente, a correr os riscos inerentes à actividade segura.
            15. O apelado é um prestador de serviço, na modalidade de empreitada, nos termos e para os efeitos do estatuído no art.º 1207.º do CC.
            16. Com efeito, é imperativo desempenhar uma actividade remunerada.
            17. O apelado, ao estar a instalar uma caleira na sua residência não estava a realizar uma obra a favor de terceira pessoa, mediante qualquer valor.
            18. O sinistro não ocorreu num local onde o apelado se encontrasse a prestar o seu serviço, mas sim, na sua residência, realizando uma actividade no âmbito da sua esfera particular.
            19. É clara a intenção do Tribunal a quo em transformar aquilo que se concretiza num acidente pessoal, num acidente de trabalho, por forma a enquadrar tal evento no âmbito da cobertura do contrato de seguro aqui em questão.
            20. O apelado encontrava-se a colocar uma caleira, na sua habitação e para seu uso próprio o que, configura um serviço ocasional e de curta duração.
            21. Não se consideram lucrativas as actividades cuja produção se destine exclusivamente ao consumo ou utilização do agregado familiar da entidade empregadora.
            22. A actividade efectuada pelo apelado, ocorrendo na sua residência, destina-se exclusivamente à utilização do próprio e do seu agregado familiar, não podendo configurar uma actividade lucrativa, ainda que, consubstanciada numa despesa que deixa de fazer.
            23. A instalação de uma caleira extravasa a actividade de pedreiro, pelo que, no caso concreto, não pode configurar uma actividade lucrativa.
            24. Constitui facto notório que a colocação de caleiras não é o trabalho de um pedreiro.
            25. Consta da proposta de seguro no local onde se executam os trabalhos, a menção: “nas obras dos clientes”.
            26. O ora apelado declarou, na mencionada proposta, que recebeu um exemplar das condições gerais e especiais do contrato em questão, delas tomando conhecimento, bem como, das exclusões previstas.
            27. A proposta de seguro é a base do contrato de seguro, onde o tomador expressa a sua vontade em celebrar o mencionado contrato e informa a seguradora do risco que pretende segurar.
            28. O tomador, ora apelado, indicou na proposta, como local do exercício da actividade as obras dos clientes, a qual foi aceite pelas partes, dando origem à emissão da respectiva apólice.
            29. O que se infere do clausulado contratado, lido e compreendido pelo apelado, é que o local a considerar, para efeitos de execução do trabalho deve ser nas obras dos clientes em qualquer local do território nacional.
            30. O exercício da actividade de pedreiro não ocorre a partir da residência do trabalhador independente, neste caso concreto, do apelado.
            31. O apelado, ao contratar o seguro aqui em questão, pretendia ver garantido os acidentes sofridos no âmbito da sua actividade, que, jamais, se pode pressupor que é e pode ser exercida a partir da sua residência.
            32. É este o pressuposto que está na base da celebração do contrato de seguro e que motivou o apelado a declarar na proposta de seguro como local do exercício da sua actividade, as obras dos clientes e como local do risco, em todo o território nacional.
            33. Não existe uma dissociação entre o mencionado na proposta e na apólice, antes, se complementam.
            34. Ao condenar-se a ora apelante foram violadas as normas constantes do artigo 3.º da Lei 100/97, o artigo 1.º, n.º 1 do DL n.º 159/99, de 11/5 e toda a sua introdução preambular, bem como, artigo 8.º, n.º 1, al. a), da Lei 100/97 e artigo 6.º do DL 155/99.
            Termina, pedindo a revogação da decisão recorrida, com a condenação do réu no pedido.

            Contra-alegando, o réu pugna pela manutenção da sentença recorrida, estribando-se nos fundamentos nesta expostos.

            Dispensados os vistos legais, há que decidir.  
            Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 684, n.º 3 e 690, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, a questão a decidir é a de saber se o acidente de que o réu foi vítima está ou não abrangido pelo contrato de seguro que celebrou com a autora.
           
            É a seguinte a matéria de facto dada por provada na decisão recorrida:
1. A autora exerce a indústria de seguros em vários ramos. – A)
2. No exercício da sua actividade, a autora celebrou com o réu um contrato de seguro do ramo de acidentes de trabalho, na modalidade de prémio fixo/trabalhador independente, titulado pela apólice n.º 069/00026684, pelo qual o réu transferiu para a autora a responsabilidade emergente de acidentes de trabalho. – B)
3. No dia 15 de Abril de 2009, o réu participou à autora a ocorrência de um acidente, no dia 14 de Abril de 2009, pelas 11h00m, no exterior de uma moradia, em (...), Arrabal, quando estava para montar uma calha no telhado. – C)
4. Foi sinistrado neste acidente o réu. – D)
5. O réu necessitou de montar um andaime, uma vez que se preparava para trabalhar em altura. – E)
6. Para se certificar de qual a altura a que o andaime tinha de ser instalado, o réu encostou na parede onde iria realizar os trabalhos um prumo lateral do andaime com escadas integradas. – F)
7. Tendo subido para o primeiro degrau das referidas escadas. – G)
8. Ficando a uma altura de cerca de 0,80 metros do solo. – H)
9. Quando estava no referido degrau, o réu desequilibrou-se e caiu para o solo. – I).
10. Por carta datada de 19 de Maio de 2009, a autora comunicou ao réu que declinava a responsabilidade pelo acidente referido em 3). – J)
11. O sinistro ocorreu na casa de residência do réu. – 1)
12. Quando o mesmo se encontrava a iniciar trabalhos de preparação para instalação de uma caleira para o seu uso próprio. – 2)
13. Em consequência da participação referida em 3), a autora suportou o pagamento das despesas hospitalares, clínicas, de tratamentos e medicamentosas do réu, tendo despendido as seguintes quantias: -
_ Imacentro, Clínica Imagiologia Médica Centro, Lda. - € 100,00;
_ Plorfis, Médicos Associados, Lda. - € 1.900,00;
_ Casa de Saúde de Coimbra - € 7.449,42;
_ Farmácia Rainha Santa - € 1,51;
_ VC, Serviços Médicos, Lda. - € 49,88;
_ HF, Cardiologia, Lda. - € 50,00;
_ Cruz Vermelha Portuguesa - € 1.202,84;
_ Bombeiros Voluntários de Leiria - € 89,20.
14. Com a averiguação do sinistro, a autora despendeu a quantia de € 240,00. – 4)
15. A actividade descrita sob os pontos 5) a 7) não tinha qualquer intuito lucrativo do réu. – 6)
16. O sinistro ocorreu quando o réu se preparava para montar uma calha de beirado para escoamento das águas pluviais. – 7)
17. Logo que recebeu a participação referida sob o ponto 3), face ao seu conteúdo, e antes de proceder à averiguação dos termos do sinistro, a autora informou o réu que as despesas e os tratamentos a que este tivesse de se sujeitar eram da sua responsabilidade. – 8)
18. Logo que recebeu a participação referida sob o ponto 3), face ao seu conteúdo, e antes de proceder à averiguação dos termos do sinistro, a autora informou o réu que os serviços privados de saúde com quem tinha protocolo o iriam tratar. – 9)
19. O réu concluiu apenas a 4ª classe de escolaridade. – 12)
Decorre, ainda, dos autos que (cfr. artigo 659º, n.º 3, do Código de Processo Civil):
20. O contrato de seguro referido sob o ponto 2) teve início em 19 de Julho de 2008, vigorando pelo prazo de um ano – cfr. apólice de fls. 92 p.p..
21. Da apólice de seguro de acidentes de trabalho referida sob o ponto 2) consta o seguinte, no local destinado à indicação do local do risco: “em qualquer local do território nacional” – cfr. doc. de fls. 92 p.p..
22. Da proposta de seguro subscrita pelo réu e pela autora consta o seguinte, no local destinado à indicação do local ou locais onde se executam os trabalhos: “nas obras dos clientes” – cfr. doc. de fls. 93 a 96 p.p..
23. Da apólice de seguro de acidentes de trabalho referida sob o ponto 2) consta o seguinte, no local destinado à indicação da natureza dos trabalhos seguros: “const civil/pedreiros” – cfr. doc. de fls. 92 p.p..
24. Da proposta de seguro subscrita pelo réu e pela autora constam os seguintes dizeres: “declaro que recebi um exemplar das Condições Gerais e Especiais do contrato de seguro, delas tendo tomado conhecimento previamente à subscrição da presente proposta, como condição da exacta compreensão do seu conteúdo, das garantias que confere e das exclusões que prevê” – cfr. proposta de seguro que faz fls. 93 a 96 p.p..
25. Tal declaração é seguida de dois parágrafos de texto e, depois, da data e assinatura do tomador do seguro, aqui réu – cfr. proposta de seguro que faz fls. 93 a 96 p.p..

Se o acidente de que o réu foi vítima está ou não abrangido pelo contrato de seguro que celebrou com a autora.
A seguradora, ora recorrente, defende que o acidente de que o réu foi vítima não se encontra abrangido pelo contrato de seguro que as partes celebraram, com base em duas ordens de razões:
- este contrato apenas abrange a actividade que o réu desenvolvesse por conta de outrem, nas obras dos clientes e o acidente ocorreu quando trabalhava para si próprio, na sua casa e;
- porque o apelado se encontrava a colocar uma caleira, na sua habitação e para seu uso, o que configura um serviço ocasional e de curta duração, o que, igualmente, exclui a aplicabilidade do contrato celebrado.
Ao invés, o recorrido, defende que o que importa para a aplicabilidade do seguro é a actividade que levava a cabo, independentemente de ser exercida por conta própria ou alheia, com ou sem remuneração.
Na sentença recorrida, foi a esta a solução acolhida.

Não se põe em dúvida que o acidente que o ora recorrido sofreu integra, do ponto de vista do direito laboral, um acidente de trabalho, bem como, do mesmo modo, não se colocam dúvidas de que, nos termos do disposto no artigo 1.º do DL 159/99, de 11/5, se estabelece a diferença entre o carácter obrigatório e facultativo da celebração de seguro de acidentes de trabalho consoante se trate de trate de trabalhadores cuja produção se destine ou não exclusivamente ao consumo ou utilização por si próprio e pelo seu agregado familiar.
Na sequência do que se entendeu na decisão recorrida e acolhendo-se o entendimento perfilhado no Acórdão desta Relação, de 10/02/2005, Processo n.º 3764/04, disponível in http://www.dgsi.pt, que o acidente sofrido pelo recorrido se encontra abrangido na previsão do contrato de seguro celebrado entre as partes.
Mas, salvo o devido respeito, previamente à questão da qualificação do acidente como de trabalho, o que importa é analisar as cláusulas previstas no contrato de seguro em causa, designadamente qual o risco tido em vista pelas partes ao assumirem as obrigações dele decorrentes.
É sabido que em matéria de interpretação e integração de contratos rege o disposto nos artigos 236.º, 238.º e 239.º, todos do Código Civil e 10.º e 11.º do DL 446/85 (Lei das Cláusulas Contratuais Gerais).
Estas, atento o carácter especial do contrato de seguro, em regra, resultante de clausulado pré-fixado pelas seguradoras.
Assim, em matéria de contrato de seguro, importa apurar o sentido normal da declaração, o que, como refere José Vasques, in Contrato de Seguro, Coimbra Editora, 1999, a pág. 351 “se fará pela busca do sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ela”, em conformidade com o disposto no artigo 236.º, n.º 1, do CC e desde que, atento o carácter formal do contrato de seguro, nos termos do artigo 238.º, n.º 1, do mesmo Código, a declaração tenha um mínimo de correspondência no texto do documento, ainda que imperfeitamente expresso.
Só sendo de apelar à interpretação mais favorável ao aderente prevista no artigo 11.º, n.º 2 da LCCG, no caso das cláusulas ambíguas, as quais, de acordo com o autor e ob. cit., a pág. 352, citando Rodrigues Bastos, são aquelas que, apesar de se lhes aplicarem as regras gerais de interpretação, continuam obscuras ou às quais podem ser fixados mais do que um sentido.
Idêntico entendimento expressa Moitinho de Almeida, Contrato de Seguro Estudos, Coimbra Editora, 2009, a pág.s 126 e seg.s, o qual, a pág. 140, refere que mesmo nos casos em que se imponha uma interpretação complementadora por força da existência de cláusulas insuficientes, ou falta de cláusulas necessárias, tal interpretação não pode conduzir a uma ampliação do objecto negocial, limite este que, no domínio dos seguros, deve ser entendido de modo particular, dada a relevância da amplitude do risco no âmbito deste contrato, ali acrescentando que tal interpretação é de excluir quando “implique a ampliação do núcleo da prestação da seguradora, na acepção da jurisprudência alemã segundo a qual esse núcleo se reporta aquelas cláusulas que estabelecem as condições e delimitam a prestação da seguradora, sem as quais o núcleo essencial do contrato careceria de precisão.”.
Rematando, a pág.s 151 e 152 que na interpretação do contrato de seguro se exige “bom senso e uma análise serena dos interesses em presença: dos tomadores de seguro consumidores, frequentemente logrados nas suas legítimas expectativas por cláusulas ambíguas, demasiado técnicas ou escondidas nas apólices; das seguradoras que lutam contra a fraude dos segurados e para as quais a definição do risco é essencial para uma boa gestão dos seus negócios.”.
Por outro lado, como refere Pedro Romano Martinez, in Contratos Comerciais, Principia, a pág. 83, no contrato de seguro, dado que este tem na sua génese uma proposta por ela mesmo redigida, deve entender-se que o real declaratário a que se alude no n.º 1 do artigo 236.º do CC é o tomador do seguro.
Por último, como resulta do teor do artigo 10.º da LCCG, importa, ainda, ao interpretar as cláusulas de um contrato de seguro, analisar o contexto de cada contrato singular em que se incluam.
Estes critérios têm vindo a ser seguidos, de forma unânime, no nosso STJ, podendo ver-se, por último, nesse sentido, o Acórdão de 05 de Julho de 2012, Processo 1028/09.0TVLSB.L1.S1, in http://www.dgsi.pt/jstj.

Como decorre do disposto no artigo 426.º do Código Comercial (aqui, ainda aplicável, mas, entretanto, revogado pelo artigo 6.º, n.º 2, al. a), do Decreto Lei 72/2008, de 16/4), o contrato de seguro deve ser reduzido a escrito na respectiva apólice, na qual, para além de outras coisas, se devem identificar os riscos contra que se faz o seguro.
Apólice esta que, por via de regra é precedida da proposta de seguro, a qual mais não é do que uma declaração de ciência e de vontade, cujo conteúdo se destina a determinar a completa e exacta representação do risco, e a indicação de todas as circunstâncias que possam influenciá-lo e a documentar a vontade de querer concluir o contrato de seguro – cf. Guerra da Mota, O Contrato de Seguro Terrestre, 1.º vol, pág.s 404 e seg.s, citado por Abílio Neto, Código Comercial e das Sociedades Anotados, 15.ª edição, nota 14, a pág. 277.
Como refere José Vasques, ob. cit., a pág.s 211 e 212, a declaração do risco é uma das obrigações fundamentais do tomador do seguro e constitui uma declaração unilateral do proponente, a qual é aceite pela seguradora e que se destina a avaliar o risco e a permitir o cálculo do prémio, acrescentando que “A declaração do risco não é uma declaração de vontade, mas sim uma declaração de ciência, cujo cumprimento permitirá ao segurador aceitar ou recusar essa declaração.”.
E porque a declaração do risco constitui uma obrigação prévia à celebração do contrato, não são admitidas, contrariamente ao direito comum, sugestões ou artifícios usuais, considerados legítimos segundo as concepções dominantes no comércio jurídico, bem assim a dissimulação do erro, quando nenhum dever de elucidar o declarante resulte da lei, cf. artigo 253.º, n.º 2, CC, uma vez que, no contrato de seguro, a seguradora baseia toda a sua prestação nas declarações do tomador do seguro, nas quais deve (precisa, acrescentamos nós) de ter toda a confiança.
Por outro lado, como ali é referido a fl.s 131 o risco pode ser espacialmente delimitado pelas partes, no sentido de que só em certas condições de espaço será vinculativo.

Traçado o quadro teórico em que nos devemos mover ao interpretar as cláusulas de um contrato de seguro e a importância que tem a definição dos riscos que se têm em vista ao celebrar um contrato de seguro, importa, agora, em face da factualidade dada como assente, aferir se o acidente de que o ora réu foi vítima está, ou não, coberto pelo contrato em causa.
Como resulta dos itens 11 e 12 dos factos provados, o réu estava em sua casa preparando-se para instalar uma caleira para o seu próprio uso, quando sofreu o acidente descrito nos itens 5 a 9, (embora, como resulta do item 3 e doc. de fl.s 11, ao participá-lo à seguradora, tenha omitido que o acidente ocorreu em sua casa, apenas referindo que o mesmo se deu quando “estava para montar uma calha no telhado no exterior de uma moradia”).
Constando da apólice como local do risco “qualquer local do território nacional”, cf. doc. de fl.s 92 e da respectiva proposta de seguro, a seguir à menção “local ou locais onde se executam os trabalhos” a expressão: “NAS OBRAS DOS CLIENTES”, como resulta de fl.s 93.
Aqui chegados, importa, pois, decidir qual o âmbito espacial do risco contratado pelas partes ao celebrarem o contrato de seguro em apreço.
E fazendo-o, somos de opinião que o risco coberto, atentos os critérios acima enumerados, é apenas a actividade levada a cabo pelo segurado nas casas dos clientes que o contratarem para o efeito.
Efectivamente, qualquer tomador de seguro, de mediana sagacidade e prudência, não pode entender aquela expressão como abrangendo, também, os trabalhos feitos na sua própria casa, dada a referência expressa e precisa às “(nas) obras dos clientes”.
Uma coisa é a referência aos locais das obras dos clientes e outra as realizadas na sua própria casa.
Pelo que, reitera-se, em tal expressão não cabem as obras feitas na casa de residência do segurado.
Como acima já referido, a definição dos riscos assumidos num contrato de seguro é um dos elementos mais importantes, se não o decisivo, no clausulado de um contrato de seguro e interpretar-se aquela expressão como incluindo, também, a casa do segurado, seria ampliar o núcleo da prestação da seguradora, seria alargar o risco previsto no contrato, o que, com o devido respeito, os comandos interpretativos acima enunciados não consentem.
Poder-se-á objectar que ao assim decidirmos se limita a relevância espacial do contrato de seguro em causa a todos os locais do território nacional, com excepção da casa do segurado.
Efectivamente, assim é!
Mas tal afigura-se-nos como o mero resultado da interpretação das cláusulas contratadas, de acordo com os ditames legais aplicáveis e sem esquecer que foi o próprio segurado que indicou e precisou qual o risco que queria ver coberto com a celebração do contrato de seguro em causa, nos termos expostos.
Por outro lado, também não nos podemos esquecer que se um qualquer cidadão deste país sofrer um acidente doméstico, igualmente não goza de qualquer protecção a não ser que beneficie de um específico seguro de acidentes pessoais que cubra esse concreto risco, pelo que, ao assim se decidir não se está a colocar o segurado numa posição desfavorável em relação aos demais.
As ora partes, ao celebrarem o contrato de seguro em causa, tiveram apenas em vista apenas a cobertura de acidentes que o segurado sofresse nas obras de clientes e por isso nele não cabe a previsão de acidentes por ele sofridos na sua própria casa, o que acarreta a procedência do presente recurso.

Nestes termos se decide:       
Julgar procedente o presente recurso de apelação, em função do que se revoga a sentença recorrida, condenando-se o réu B..., a pagar à autora “ A...Seguros, SA”, a quantia de 11.082,85 € (onze mil e oitenta e dois euros e oitenta e cinco cêntimos), a que acrescem juros de mora vencidos e vincendos, sempre sobre o capital em dívida, à taxa legal, até integral e efectivo pagamento.
Custas pelo apelado, em ambas as instâncias, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que lhe foi concedido.
            Coimbra, 15 de Outubro de 2013.
           
Arlindo Oliveira - Relator
Emídio Francisco Santos
Catarina Gonçalves