Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
210/04.1TAILH-A.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISABEL VALONGO
Descritores: ABUSO CONFIANÇA FISCAL
PRESCRIÇÃO DA DÍVIDA TRIBUTÁRIA
Data do Acordão: 10/13/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE ÍLHAVO – 1º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS ART. 105°,B) N.° 4 DO R.G.I.T., 48º LEI GERAL TRIBUTÁRIA
Sumário: A declaração de prescrição das dívidas exequendas tem como efeito que o pagamento das mesmas não possa ser exigido pela Administração Fiscal em processo penal .
Decisão Texto Integral: 1 - No processo supra identificado foi proferido despacho – fls 1750 – condenando o arguido na multa de 2 UCS, ao abrigo do disposto no art. 116º do C.P.P., por não ter comparecido nem justificado a sua ausência ao debate instrutório designado para o dia 1.02.2010, apesar de devidamente notificado.
2 - Foi também proferido o despacho fls. 1767 no qual se decidiu pelo indeferimento por extemporaneidade do requerimento justificação da falta.
3 - Ainda no mesmo processo foi proferido despacho no qual se decidiu pelo indeferimento do requerimento do arguido, que requeria se declarasse extinto o procedimento criminal.
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Inconformado com as três referidas decisões, o arguido, apresentou os respectivos recursos para esta Relação, pugnando pela revogação das decisões recorridas.
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Na sua motivação, apresenta as seguintes conclusões, que delimitam o objecto dos 1º e 2º recursos:
- CONCLUSÕES:

1 - Tendo faltado à audiência de debate instrutório marcada para dia 01-02-1010, pelas 10.30 horas, ao recorrente foi aplicada multa de 2 UCs, nos termos do douto despacho recorrido que nessa mesma data foi proferido, o que lhe foi notificado por via postal simples (art.° 113°-3 do CPP), através da notificação com a referência n.° 6692292, também datada de 01-02-2010.
II- Em 04-02-2010, o recorrente enviou ajuízo, por telecópia (e por correio registado em 09-02-2010), requerimento no qual referiu as razões que haviam impedido a sua comparência ao debate instrutório e informou ter em 29-01-2010 deixado indicações a uma «funcionária administrativa da Empresa de P…, SA» (empresa da qual também é administrador) «para comunicar o seu impedimento» ao Juízo de Instrução Criminal de Aveiro, tendo apresentado dois documentos para prova do aí alegado.
III- Através de douto despacho recorrido de 12-02-2010, foi proferido pelo Mm.º Juiz a quo o seguinte douto despacho: «Indefere-se, por extemporânea, a justificação de falta apresentada. DN.»
Ora,
IV- A ausência do recorrente à audiência de debate instrutório ficou a dever-se a uma causa de justificação razoável.
V- Com efeito, sendo o recorrente administrador de uma sociedade armadora de quatro navios de pesca longínqua que operam nos pesqueiros do Atlântico Norte, a sua comparência à reunião marcada pelo Exm.° Senhor Director-Geral das Pescas e Aquicultura para as 11.00 horas de 01-02-2010 (a qual tinha por objecto a «discussão da proposta de despacho de licenciamento e repartição de quotas portuguesas, por navio, nos pesqueiros do Atlântico Norte, em 2010», sendo pois nela que se iria definir a capacidade de capturas e, consequentemente, de obtenção de receitas de cada navio), era de vital importância para a empresa sua representada, e a sua falta a essa reunião poderia traduzir-se em sérios prejuízos para essa empresa.
VI- No aludido requerimento de 4-02-2010, o recorrente referiu também ter instruído, com a antecedência possível (em 29-01-2010) uma funcionária administrativa de uma sociedade de que também é administrador para comunicar o seu impedimento ao Juízo de Instrução Criminal de Aveiro, mais tendo alegado só se ter apercebido que esse comunicação não tinha sido feita, por esquecimento de tal funcionária, quando foi notificado de ter sido condenado no pagamento da multa.
VII - Terminou o recorrente aquele requerimento requerendo lhe fosse justificada a falta, atendendo, quer ao respectivo motivo justificativo dessa falta de comparência; quer ao facto de a não comunicação ajuízo daquele impedimento não ter ocorrido por culpa sua.
VIII- Tendo em consideração o prazo fixado no art.0 117°-3 do CPP, uma vez que a audiência de debate instrutório estava marcada para o dia 01-02-2010 e que o requerimento de justificação de falta do recorrente foi por este apresentado em juízo em 04-02-2010, o prazo previsto naquele art.0 117°-3 do CPP foi respeitado, pelo que não se verifica a extemporaneidade apontada no douto despacho recorrido de 12-02-2010.
IX- Todavia, caso o Mm.0 Juiz do Tribunal a quo pretendesse, com aquele seu douto despacho de 12-02-2010, significar que o requerimento de justificação de falta era extemporâneo pelo facto de o recorrente não ter previamente comunicado a juízo o seu impedimento nos termos previstos na norma do art.0 117°-2 do CPP (que preceitua que «a impossibilidade de comparecimento deve ser comunicada com cinco dias de antecedência, se for previsível, e no dia e hora designados para a prática do acto, se for imprevisível»), então ao referido despacho não terá tido em consideração o que pelo recorrente foi referido como causa dessa falta de comunicação.
X- Sucede que a falta de comunicação da ausência do recorrente não lhe é imputável, porquanto, nos termos mencionados no requerimento ajuizado em 04-02-2010, ele havia diligenciado no sentido de essa comunicação prevista no art.° 117°-2 ser tempestivamente efectuada.
XI- Ademais, da ausência do recorrente ao debate instrutório, que se realizou sem a presença do recorrente, não resultou qualquer prejuízo para o andamento dos autos, nem o recorrente pretendeu atrasar a marcha do processo - aliás, se o tivesse pretendido, o recorrente poderia ter usado a faculdade de requerer o adiamento da diligência ao abrigo do disposto no art.º 300°-l do CPP, o que não fez.
XII- Não podendo os despachos recorridos ser consideradas decisões de mero expediente, na medida em que se traduzem na aplicação (e manutenção) de uma sanção pecuniária ao recorrente, nos mesmos foi violado o dever de fundamentação previsto no art. 97°-5 do CPP.
XIII- Assim, não só o recorrente se encontrava efectivamente impedido de comparecer, por motivo mais do que razoável, à audiência de debate instrutório; como a omissão da comunicação dessa sua falta não lhe é imputável; da sua falta não resultou qualquer prejuízo para o andamento dos autos; e o requerimento de justificação da falta foi apresentado antes de ter decorrido o respectivo prazo, pelo que, salvo o devido respeito, o tribunal a quo não deveria ter condenado o recorrente naquela multa.

Nestes termos, nos melhores de direito, e com o sempre douto suprimento de V. Ex.as, deverá ser dado provimento ao presente recurso e, consequentemente, deverão ser revogadas as decisões recorridas, com os efeitos legais, com o que se fará a habitual
JUSTIÇA!”
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E apresenta as seguintes conclusões, que delimitam o objecto do 3º recurso:
“ (…)
I- No plano jurídico, as contribuições para a Segurança Social são verdadeiros impostos, e, enquanto tal, encontram-se abrangidas pelo princípio da legalidade tributária, sob a forma de reserva de lei formal.
II- Uma das formas de extinção das contribuições para a Segurança Social é a prescrição.
III-A prescrição das contribuições para a Segurança Social determina a sua inexigibilidade absoluta, na medida em que, verificada a prescrição, extingue-se a obrigação.
IV - Importa, pois, distinguir esse caso de inexigibilidade absoluta, que decorre da extinção da própria obrigação, dos casos de inexigibilidade relativa, em que a obrigação é inexigível em determinado momento, mas pode vir a sê-lo em momento posterior, enquanto a obrigação não se extinguir.
V - Ora, extinguindo-se, por prescrição, a obrigação de pagamento das contribuições para a Segurança Social, daí decorre a inexigibilidade absoluta dessas contribuições.
VI - Assim, contrariamente ao que foi decidido no despacho recorrido, a prescrição das dívidas tributárias mencionadas na douta AP não tem como único efeito que o pagamento das mesmas não possa ser exigido pela Administração Tributária aos arguidos, mas antes importa a extinção dessas dívidas tributárias, daí decorrendo a inexigibilidade absoluta das mesmas e, em consequência, a ilegalidade da sua cobrança ou de quaisquer diligências nesse sentido.
VII - Embora a estrutura da obrigação fiscal e da obrigação civil sejam semelhantes, os respectivos regimes jurídicos são diversos.
VIII - Tendo em consideração o seu regime específico, a prescrição de uma obrigação fiscal (que, como se alegou, é uma das formas de extinção dessa obrigação) não converte a obrigação jurídica em obrigação natural, ao contrário do que acontece no direito civil.
IX - Sendo a prescrição das dívidas tributárias uma garantia dos contribuintes em matéria de impostos, ela está sujeita ao princípio da legalidade tributária da reserva de lei formal da Assembleia da República (cfr. arts. 103°-2 e 165o-l/i da CRP).
X- Do facto de a prescrição da obrigação tributária se encontrar sujeita à aludida reserva de lei da Assembleia da República, bem como do facto de a norma do art. 11o-4 da LGT expressamente prever que «as lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República não são susceptíveis de integração analógica», resulta a proibição da aplicação analógica das normas reguladoras da prescrição.
XI - Não é assim designadamente aplicável à prescrição das obrigações tributárias a norma do art. 304°-2 do Código Civil, que dispõe não poder ser «repetida a prestação realizada espontaneamente em cumprimento de uma obrigação prescrita, ainda quando feita com ignorância da prescrição»,
XII- Com efeito, contrariamente ao que sucede no caso das obrigações civis, em que a prescrição extintiva faz extinguir a obrigação, mas subsiste após a verificação dessa prescrição uma obrigação natural para o devedor (cfr. art. 304°-2 do CC), no caso da prescrição de obrigações tributárias não pode subsistir essa obrigação natural, sob pena de violação do princípio da legalidade enquanto reserva de lei formal da AR, bem como da proibição de integração analógica das normas tributárias abrangidas por essa reserva de lei (cfr. art. 11°-4 da LGT).
XIII - Assim, para que a obrigação tributária, depois de prescrita, pudesse converter-se em obrigação natural, teria de ser a própria lei (no sentido de lei da AR ou de decreto-lei por ela autorizado, cfr. art. 165o-l/i da CRP) a estatuí-lo, o que não se verifica, sendo certo que não são aplicáveis por analogia as normas que regulam a prescrição de obrigações civis (designadamente a do art. 304°-2 do CC), ex vi da proibição do recurso à integração analógica constante da norma do art. 11°-4 da LGT.
XIV - Sendo os tributos receitas coactivas, não podem os mesmos ser convertidos em obrigações naturais pelo aplicador do direito, sob pena de perderem essa natureza de tributos e até de meio legalmente previsto de financiamento do Estado, com violação do princípio da legalidade enquanto reserva de lei formal da AR.
XV - Para além de, do ponto de vista do sujeito passivo, não ser legalmente possível o cumprimento da obrigação tributária depois de a mesma se encontrar extinta por prescrição, também do ponto de vista do sujeito activo se verifica a impossibilidade de legalmente receber essa dívida.
XVI - - Actuando a Administração no âmbito de poderes vinculados pelo princípio da legalidade (art. 266°-2 da CRP), de onde decorre que os actos da Administração são inválidos se e na medida em que forem contra a lei {primado ou preeminência da lei), e que todo o acto da Administração deve ter na lei o seu pressuposto e fundamento {reserva de lei), está-lhe vedado praticar quaisquer actos de cobrança de receitas que deixaram de estar orçamentadas, após a sua extinção por prescrição.
XVII - A tese de que Administração Tributária pode receber tributos após ter sido declarada a prescrição dos mesmos, desconsidera a referida proibição de recurso à analogia em matéria de prescrição da obrigação tributária (cfr. art. 11°-4 da LGT), que consubstancia uma das garantias do contribuinte (cfr. art. 103°-2 da CRP) e, enquanto tal, sujeita à reserva de lei formal da AR (cfr. art. 165°-l/i da CRP), e não permite explicar como é que a Administração Tributária, que actua no âmbito de poderes vinculados, poderia receber receitas que deixaram de estar orçadas e relativamente às quais os cofres públicos não se encontram abertos.
XVIII - Consubstanciando a prescrição um limite ao poder de cobrar um imposto em dívida, e sendo a mesma de conhecimento oficioso (ao contrário do que acontece no direito civil), uma vez que a Administração Tributária actua no âmbito de poderes estritamente vinculados pelo princípio da legalidade, nunca esta poderia receber quaisquer receitas relativamente às quais tivesse sido declarada extinta, v.g. por prescrição, a respectiva obrigação, porquanto essa cobrança não estaria a ser feita nos termos da lei (cfr. art. 103°-3 da CRP).
XIX- Isto posto, verifica-se que o despacho recorrido incorreu em erro quando, depois de ter confundido o regime da prescrição da obrigação civil com o regime de prescrição da obrigação fiscal, concluiu que os arguidos ainda podem efectuar o pagamento das obrigações fiscais referidas na douta AP, mesmo após ter sido declarada pela própria Administração Tributária a sua «extinção por prescrição», conforme o documentado nos autos, a fls. 1547 a 1550.
XX - Assim sendo, a cobrança de dívidas tributárias prescritas, ainda que ao abrigo de uma decisão judicial como a recorrida, que ordenasse a notificação para esse pagamento como condição de extinção da responsabilidade criminal, sempre se reconduziria à cobrança de um imposto que não estaria a ser feita nos termos da lei, e contra a qual os arguidos sempre poderiam, legítima e fundadamente, exercer o seu direito constitucional de resistência, ao abrigo do disposto no art. 103°-3 da CRP.
XXI- Assim, nem mesmo a coberto de uma decisão judicial que ordenou que a Segurança Social procedesse à notificação dos arguidos «nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do art. 105°, n.° 4 do R.G.I.T.» poderia essa notificação ser legalmente efectuada, tanto mais que essa determinação do despacho recorrido viola o princípio da separação de poderes (consagrado nos arts. 2o e 111 °-1 da CRP), bem como o dever que incumbe aos Tribunais de, na administração da justiça, assegurarem os «direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos» (cfr. art. 202°-2 da CRP).
XXII - Por sua vez, se a notificação determinada no despacho recorrido viesse a ser efectuada pela Segurança Social, a mesma estaria enferma de ilegalidade por violação das normas dos arts. 2o, 103°-2-3 e 11 Io-1 da CRP; do art. 11°-4 da LGT; do art. 175° do CPPT e do art. 105°-4/b do RGIT, e, por essa razão, o Recorrente não deixaria de intentar acção, junto do Tribunal Administrativo e Fiscal competente, com vista à declaração de nulidade desse mesmo acto ou à sua anulação.
XXIII- Pelas razões supra referidas, o despacho que determinou que a Segurança Social procedesse à notificação dos arguidos «nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do art. 105°, n.°4 do R.G.I.T.» é ilegal por violação do disposto nas normas dos arts. 2o, 103°-2-3 e 11 Io-1 da CRP; do art. 11°-4 da LGT; do art. 175° do CPPT e do art. 105°-4/b do RGIT.
XXIV -- Não sendo legalmente possível a cobrança das importâncias referidas na douta AP, em virtude de a obrigação de pagamento das mesmas se ter extinto por prescrição, deverá concluir-se pela impossibilidade legal de efectivação da notificação prevista no art. 105°-4/b do RGIT, e, consequentemente, deverá ser proferida decisão que, declarando a impossibilidade legal de verificação da condição objectiva de punibilidade prevista na referida norma, determine a extinção do presente procedimento criminal, com os efeitos legais.
XXV - A interpretação e aplicação que no despacho recorrido se fez da norma do art. 105°-4/b do RGIT (no sentido de que, apesar de a obrigação tributária se encontrar extinta por prescrição, os arguidos, para poderem beneficiar da não punibilidade prevista nessa norma, teriam de pagar, no prazo de trinta dias após notificação para o efeito, a prestação comunicada à Administração Tributária através da correspondente declaração, acrescida dos juros respectivos e do valor da coima aplicável), é inconstitucional, por violação do disposto nos arts. 2o, 103°-2-4, 111°-1, 202o-1-2 e 219°-1 da CRP.
XXVI - Termos nos quais se suscita a inconstitucionalidade da norma do art. 105°-4/b do RGIT, quando, como sucedeu na decisão recorrida, seja interpretada e aplicada no sentido de que, apesar de a Administração Tributária ter comunicado ao Tribunal a extinção por prescrição das obrigações tributárias cuja falta de pagamento foi alegada na douta AP, os arguidos, para poderem beneficiar da não punibilidade prevista nessa norma, teriam de pagar, no prazo de trinta dias após notificação para o efeito, a prestação comunicada à Administração Tributária através da correspondente declaração, acrescida dos juros respectivos e do valor da coima aplicável, porquanto a 19 mesma viola o disposto nas normas dos arts. 2o, 103°-2-4, 111°-1, 202o-1-2 e 219°-1 da CRP.

Nestes termos, nos melhores de direito, e com o sempre douto suprimento de V. Ex., deverá ser dado provimento ao presente recurso e, consequentemente, deverá ser revogada a decisão recorrida e ordenada a sua substituição por outra que determine a extinção do presente procedimento criminal, com os efeitos legais, com o que se fará a habitual

JUSTIÇA!”
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Na resposta apresentada o Mº Pº, conclui:
Quanto aos primeiros recursos:
Afigura-se-nos que o arguido/recorrente não tem razão.
De facto, os despachos sob recurso não nos merecem qualquer censura por terem observado os normativos legais constantes dos art. 116º (falta injustificada de comparecimento) e 117- (justificação da falta de comparecimento).

Dispõe o artigo 116º do C.P.P. (Falta injustificada de comparecimento)
"1. Em caso de falta injustificada de comparecimento de pessoa regularmente convocada ou notificada, no dia, hora e local designados, o juiz condena o faltoso ao pagamento de uma soma entre 2UC e 10 UC."
Dispõe o artigo 117º (Justificação da falta de comparecimento)
"1. Considera-se justificada a falta motivada por facto não imputável ao faltoso que o impeça de comparecer no acto processual para que foi convocado ou notificado,
2. A impossibilidade de comparecimento deve ser comunicada com cinco dias de antecedência, se for previsível, e no dia e hora designados para a prática do acto, se for imprevisível. Da comunicação consta, sob pena de não justificação da falta, a indicação do respectivo motivo, do local onde o faltoso pode ser encontrado e da duração previsível do impedimento.
3. Os elementos de prova da impossibilidade de comparecimento devem ser apresentados com a comunicação referida no número anterior, salvo tratando-se de impedimento imprevisível comunicado no próprio dia e hora, caso em que, por motivo justificado, podem ser apresentados até ao 3º dia útil seguinte. Não podem ser indicadas mais de três testemunhas.
Da análise dos autos resulta, nomeadamente de fls. 1740, 1741, 1748-1750, que o arguido faltou à audiência do debate instrutório do dia 1.02.2010, para a qual se encontrava regularmente notificado e não justificou a sua ausência quer com comunicação antecipada quer no próprio acto, por si ou por intermédio de outrem.
Em face de falta injustificada do arguido que se encontrava regularmente convocado, o M.mº Juiz condenou-o em multa, como não podia deixar de o fazer.
Refira-se que a falta de pessoa regularmente convocada é justificada se ela for motivada por facto "não imputável" ao faltoso.
Isto é, a falta é injustificada se ela se dever à culpa do faltoso, mesmo que tenha incumbido terceira pessoa (funcionária administrativa da Empresa de P…, SA, da qual é administrador) de efectuar a comunicação e esta se ter esquecido, conforme alegado pelo arguido.
Tal situação não pode servir como causa justificativa perante o Tribunal, sendo antes uma circunstância das relações internas laborais entre entidade patronal e trabalhador.
Por isso, a falta do arguido não pode deixar de ser considerada injustificada porque o mesmo não comunicou atempadamente a impossibilidade de comparecimento, sendo que, como resulta do alegado pelo arguido, o motivo era previsível e portanto a comunicação e os elementos de prova da justificação deveriam ter sido efectuados até cinco dias antes do acto processual. O que não sucedeu antes nem no início do debate instrutório, nomeadamente, por intermédio do seu defensor constituído.

4. Assim, sendo o requerimento de apresentação de justificação extemporâneo, não tinha o M.mº Juiz que se pronunciar quanto à causa justificativa da ausência do arguido ao debate instrutório.”

Conclui que deve ser negado provimento ao recurso e, consequentemente mantidos nos seus precisos termos os despachos sob recurso em que o arguido foi condenado em multa por falta injustificada e que julgou extemporâneo e requerimento de apresentação de causa justificativa.
Todavia, decidindo,
VOSSAS EXCELÊNCIAS FARÃO, COMO SEMPRE, JUSTIÇA.”



Quanto ao 3º recurso:



“Na verdade não cremos que a prescrição seja uma forma de extinção da obrigação fiscal, mas antes, como considerou o Juiz a quo, uma forma de extinção da exigibilidade coerciva da prestação tributária.



A aplicação, às obrigações tributárias, do regime da prescrição previsto para as obrigações civis não implica a violação do princípio da legalidade invocado pelo recorrente.



O art.0 11°, n.°4, da LGT, ao prescrever que "as lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República não são susceptíveis de integração analógica", consagrando, assim, o princípio da legalidade, não afasta a aplicação subsidiária ou supletiva, das normas de direito civil às relações jurídicas tributárias.
O que aquele imperativo legal visa impedir é a criação de obrigações tributárias por via de recurso à analogia, sem o competente suporte legal.
Assim, apesar do recorrente citar diversos autores e obras doutrinais sobre a prescrição e a extinção das obrigações tributárias, certo é que não faz qualquer alusão, porque não encontra, à existência de uma norma de natureza tributária que fixe o efeito da prescrição das obrigações daquela natureza.
No entanto, mesmo perante a inexistência de uma norma que fixe o efeito da prescrição das obrigações tributárias, não se nos afigura que estejamos perante uma lacuna, uma vez que às relações fiscais se aplicam subsidiariamente as normas gerais de direito civil relativas ao cumprimento das obrigações e, necessariamente, à extinção das mesmas.
Assim, concordamos inteiramente com a posição assumida pelo Meritíssimo Juiz a quo, ou seja, que a declaração de prescrição das dívidas exequendas tem como único efeito que o pagamento das mesmas não possa ser exigido pela Administração Tributária.
Face ao exposto, o despacho recorrido nenhum reparo nos merece.

Termos em que:

Deve ser julgada improcedente a motivação do recorrente e, em consequência, ser negado provimento ao recurso apresentado, mantendo-se o despacho recorrido nos seus precisos termos, com o que será feita,

JUSTIÇA!”
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Nesta Relação, o Ex.mº P.G.A. entende, em parecer concordante com a resposta do Mº na 1ª Instância, que os recursos não merecem provimento.
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Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do CPP.
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Foram colhidos os vistos e realizada a conferência.
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Transcrição dos despachos recorridos:

1 - Despacho de fls 1750

“Uma vez que o arguido J… se encontra devidamente notificado (cfr. fls. 1748), não compareceu nem justificou a sua ausência, vai o mesmo condenado em multa que fixo em 2 (duas) UCs - art.° 116.°, do C. P. Penal.-
Notifique.”

2 - Despacho de fls 1767

“Fls. 1764 - Indefere-se, por extemporânea, a justificação de falta apresentada. DN.”


3 - DESPACHO – que indeferiu o pedido de declaração de extinção do presente procedimento criminal:
“Requerimento de fls. 1538 a 1540:
O arguido J… vem requerer a declaração de extinção do presente procedimento criminal uma vez que as dívidas da arguida "TP…, Lda" à Segurança Social já se encontram prescritas e não é já possível dar cumprimento à condição objectiva de punibilidade prevista no art. 105°, n.°4, al. b) do RGIT.
Cremos porém, não assistir razão ao requerente porquanto a eficácia da declaração de prescrição das dívidas exequendas tem como único efeito que o pagamento das mesmas não possa ser exigido pela Administração Fiscal aos aqui arguidos.
Tratando-se da responsabilidade criminal da sociedade arguida e do arguido e estando nós no âmbito de um processo criminal, as regras relativas à prescrição do mesmo estão bem definidas na Lei, sendo que, neste caso concreto, é aplicável o disposto no art. 15° do RJIFNA - D.L. n.° 20-A/90, de 15/1, na redacção que lhe foi atribuída pelo D.L. n.° 394/93, de 24/11- definindo-se ali que o prazo prescricional aplicável é de cinco anos.
E, por força do art. 4o do RJIFNA e 8o do Código Penal são aplicáveis as causas de suspensão ou de interrupção da prescrição previstas nos arts. 120° e 121° do Código Penal1.
Por outro lado, os arguidos estão acusados pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal em relação à Segurança Social, na forma continuada, pelo que o prazo de prescrição só corre desde o dia da prática do último acto -Julho de 2000 -, nos termos do art. 119°, n.° 2 al. b) do Código Penal.
Assim, a prescrição sofreu:
- uma primeira interrupção em 27.06.2005, por força da constituição como arguido de J… - art. 121°, n.° 1 al. a) do C. Penal e
- uma segunda interrupção a 02.04.2007, por força da notificação da acusação ao arguido J… - art. 121°, n.° 1 al. b) do C. Penal.
- Assim, sendo certo que depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição, nos termos do art. 121°, n.° 2 do Código Penal, o presente procedimento criminal não se encontra extinto por prescrição.
- Resolvida esta primeira questão, vejamos a pertinência da argumentação do arguido em toda a sua extensão.
- Não temos dúvidas que a redacção do art. 105°, n.° 4 do RGIT que decorre da Lei n° 53-A/2006, de 29/12 - Orçamento de Estado para 2007, representa um regime claramente mais favorável para o(s) arguido(s) nos termos do art. 2o, n.° 4 do Código Penal, pelo que deve ser conferida, in casu, a possibilidade de o(s) mesmo(s) proceder(em) ainda no prazo de 30 dias ao pagamento do valor em dívida.
De facto, a notificação do(s) arguido(s), nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do art. 105°, n.° 4 do R.G.I.T., não se encontra ainda efectuada nos autos. Porém, o facto de a dívida à Segurança Social se encontrar prescrita não obsta a que tal notificação seja feita pois que é uma oportunidade dada aos arguidos de se eximirem da sua responsabilidade criminal. Isto é, se a Segurança Social não pode exigir o pagamento porque as dívidas se encontram prescritas tal não implica que os arguidos, instados para o efeito, não possam voluntariamente pagar tal valor para se eximirem de responsabilidade criminal derivada daquele incumprimento.
Como afirma o Exmo. Conselheiro Simas Santos, no Ac. STJ de 20.12.2007, in www.dqsi.pt, «A favorabilia reside aqui em que deve ser proporcionada ao agente a possibilidade de preencher - pois pode depender apenas de facto seu - a nova condição que, uma vez satisfeita, pode determinar o afastamento da punibilidade, por desnecessidade de aplicação de uma pena: a regularização da situação fiscal com a entrega da prestação no prazo determinado após a notificação que lhe seja feita.»
Conforme vem sendo considerado jurisprudencialmente, nestes casos derivados da entrada em vigor na nova redacção do art. 105°, n.° 4 do RGIT, e em virtude da lei nova prever uma possibilidade de afastar a punição, deverá proceder-se a essa notificação - Acórdão de Fixação de Jurisprudência emitido pelo S.T.J. em 09.04.2008 (disponível em www.dqsi.pt).
Pelo exposto, indefere-se a requerida declaração de extinção do presente procedimento criminal e determina-se que a Segurança Social proceda, em dez dias, à notificação do(s) arguido(s), nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do art. 105°, n.° 4 do R.G.I.T., dando oportuno conhecimento aos autos do resultado da mesma.
Notifique.
1 A este propósito, ver Ac. STJ de 13.12.2006, inwww.dgsi.pt
*
Aveiro, 29.09.2008”
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Cumpre decidir:

1º e 2º recursos
O recorrente faltou à audiência do debate instrutório designada para o dia 1.02.2010, para a qual se encontrava regularmente notificado e não justificou a sua ausência quer com comunicação antecipada quer no próprio acto, por si ou por intermédio de outrem.
Afirma que instruiu uma funcionária administrativa de uma sociedade de que é administrador, com a antecedência possível - em 29-01-2010 - para que fizesse a comunicação da sua impossibilidade de comparecimento.
Estabelece o art.º 116º do Código de Processo Penal:
"1. Em caso de falta injustificada de comparecimento de pessoa regularmente convocada ou notificada, no dia, hora e local designados, o juiz condena o faltoso ao pagamento de uma soma entre duas e dez Ucs.
2. Sem prejuízo do disposto no número anterior, o juiz pode ordenar, oficiosamente, ou a requerimento, a detenção de quem tiver faltado injustificadamente pelo tempo indispensável à realização da diligência e, bem assim, condenar o faltoso ao pagamento das despesas ocasionadas pela sua não comparência, nomeadamente das relacionadas com notificações, expediente e deslocação de pessoas. Tratando-se do arguido, pode ainda ser-lhe aplicada medida de prisão preventiva, se esta for legalmente admissível.
(...)"
A aplicação do disposto deste artº 116º, nºs 1 e 2 do CPP, pressupõe pois o preenchimento dos seguintes requisitos:
- convocatória ou notificação para comparecimento, com indicação do dia, hora e local em que o acto processual se vai realizar, e do teor da diligência;
- convocatória ou notificação ordenada por quem tem competência para tal;
- comparência obrigatória;
- que o notificado falte ao acto e não haja justificação da falta no prazo legal ou que o pedido de justificação careça de fundamento legal.
O único requisito em discussão no caso presente é o da justificação da falta no prazo legal.
Atentemos então no que estipula o artº 117º:
"1. Considera-se justificada a falta motivada por facto não imputável ao faltoso que o impeça de comparecer no acto processual para que foi convocado ou notificado.
2. A impossibilidade de comparecimento deve ser comunicada com cinco dias de antecedência, se for previsível, e no dia e hora designados para a prática do acto, se for imprevisível. Da comunicação consta, sob pena de não justificação da falta, a indicação do respectivo motivo, do local onde o faltoso pode ser encontrado e da duração previsível do impedimento.
3. Os elementos de prova da impossibilidade de comparecimento devem ser apresentados com a comunicação referida no número anterior, salvo tratando-se de impedimento imprevisível comunicado no próprio dia e hora, caso em que, por motivo justificado, podem ser apresentados até ao terceiro dia útil seguinte. Não podem ser indicadas mais de três testemunhas.
(...)"
Em resumo, nos termos deste preceito legal, a falta a diligência para a qual o cidadão se encontre regularmente notificado têm que ser justificadas:
- tratando-se de motivo previsível - com 5 dias de antecedência em relação ao acto;
- tratando-se de motivo imprevisível - no dia e hora designados para a prática do acto.
Quer a falta seja previsível quer seja imprevisível, exige ainda aquele normativo que da comunicação conste, sob pena de não ser justificada:
1 - A indicação do respectivo motivo.
2 - O local onde o faltoso pode ser encontrado.
3 - A duração previsível do impedimento.
Ora, segundo alega o recorrente tinha uma “… reunião marcada pelo Exm.° Senhor Director-Geral das Pescas e Aquicultura para as 11.00 horas de 01-02-2010 (a qual tinha por objecto a «discussão da proposta de despacho de licenciamento e repartição de quotas portuguesas, por navio, nos pesqueiros do Atlântico Norte, em 2010», sendo pois nela que se iria definir a capacidade de capturas e, consequentemente, de obtenção de receitas de cada navio), era de vital importância para a empresa sua representada, e a sua falta a essa reunião poderia traduzir-se em sérios prejuízos para essa empresa.”
Embora não afirme peremptoriamente que compareceu e esteve presente na dita reunião – desconhecendo-se se podia ter sido representado por outrem – é possível deduzir do seu discurso que esteve efectivamente presente na aludida reunião. Porém, não apresenta prova de tal facto. Limita-se a afirmar que foi marcada a tal reunião, a elevada importância para a empresa e que a sua falta a essa reunião poderia acarretar sérios prejuízos.
De todo o modo, aceitando como verídicos os fundamentos invocados, o certo é que a dita reunião foi convocada por comunicação da Associação dos Armadores das Pescas Industriais (ADAPI) datada de 28-01-2010, ou seja, com antecedência incompatível com os referidos cinco dias, sendo que o recorrente instruiu a funcionária administrativa em 29-01-2010, que coincidiu com uma sexta-feira.
Assim, não tem culpa o recorrente, por não ter observado os cinco dias de antecedência estipulados pelo legislador.
Mas tem culpa por não ter cumprido a obrigação de fiscalizar o cumprimento das suas ordens, como lhe competia, tanto mais que a instruiu na sexta-feira, bem sabendo que o debate instrutório estava designado para a segunda-feira imediata. Se tivesse actuado com a diligência que lhe era exigível, teria pelo menos efectuado a comunicação “no dia e hora designados para a prática do acto”.
Consequentemente, o facto de apenas ter conhecimento da condenação em multa quando foi notificado, não constitui justo impedimento do cumprimento do ónus de comunicar o impedimento (imprevisível) no próprio dia e hora.
O que distingue o justo impedimento dos restantes obstáculos à prática dos actos processuais nos prazos consignados, conforme se prescreve no nº 1 do art.º 146 do CPC, é a ausência de culpa do interveniente processual.
Como se adverte no Ac desta Relação, de 13 de Setembro de 2006 “Tratam-se de normas aceleradoras do andamento processual que têm unicamente por objectivo estabelecer algum rigor na justificação das faltas, sabido, como é que a falta às diligências judiciais perturba não só a planificação do trabalho judicial, como também causa prejuízos aos outros intervenientes processuais, que têm de se deslocar várias vezes ao tribunal em virtude dos sucessivos adiamentos.
Por isso, como refere Maia Gonçalves (Código de Processo Penal Anotado, pág. 299), “ devem os julgadores, em obediência aos comandos legais, ser exigentes quanto à justificação das faltas que, como é consabido, têm constituído um dos maiores entraves ao regular andamento dos processos”.
Concluindo: o arguido/recorrente não comunicou atempadamente a impossibilidade de comparecimento, o motivo era imprevisível por isso que a comunicação e os elementos de prova da justificação deveriam ter sido efectuados no próprio dia e hora.
De notar que apenas os elementos de prova da impossibilidade de comparecimento - tratando-se de impedimento imprevisível comunicado no próprio dia e hora – podem ser, por motivo justificado, apresentados até ao 3º dia útil seguinte.
Para além da extemporaneidade da justificação, cumpre lembrar que os deveres jurídicos em confronto — dever de comparecer ao debate instrutório para que tinha sido devidamente convocado e dever/necessidade de comparecer à reunião — não são equivalentes e este não se sobrepõe àquele. Aliás, não resulta da convocatória para a reunião que o arguido não pudesse fazer-se representar.
Concluindo: A falta do arguido é extemporânea e injustificada, a sanção em multa é neste caso obrigatória e os despachos recorridos estão minimamente fundamentados, sendo certo que a omissão da norma legal no despacho de fls 1767, constitui apenas uma irregularidade, nos termos do art 123º do CPP, que fica agora sanada.

Improcedem pois, os recursos dos despachos de fls 1750 e 1767.

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A 3 º questão a decidir respeita à implicação no processo penal por crime de abuso de confiança fiscal, da decisão proferida no tribunal tributário e que declarou prescrita a dívida tributária.
Facto adquirido como certo nos presentes autos é que à data da prolacção do despacho recorrido a notificação do(s) arguido(s), nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do art. 105°, n.° 4 do R.G.I.T., não se encontrava ainda efectuada nos autos. Certo também é que o tribunal tributário declarou a prescrição da dívida tributária.
O cumprimento, ou pagamento, constitui a forma normal de extinção da obrigação tributária, como de qualquer outra. O princípio fundamental em matéria de cumprimento é o da pontualidade, o que significa que o cumprimento há-de corresponder, em todos os aspectos ao montante à época, ao local e ao modo.
Quando o cumprimento não é realizado num certo período de tempo a relação jurídica tributária extingue-se igualmente, por prescrição.
“É este último fundamento (segurança / certeza jurídica) que justifica a aplicação deste instituto no âmbito tributário, apesar da irrenunciabilidade e da indisponibilidade dos créditos fiscais, não existindo qualquer tipo de presunção do desinteresse do credor. Sendo assim, verifica-se uma especificidade ao nível do regime da relação jurídico-tributária face ao regime das relações jurídico-obrigacionais em Direito Civil, uma vez que a indisponibilidade da relação jurídica de imposto, ditada pela prossecução dos fins públicos que decorre da Lei fiscal, não conduz necessariamente à imprescritibilidade dos créditos fiscais. Embora os princípios da legalidade e da indisponibilidade do tipo tributário vedem a possibilidade da Administração Tributária dispor livremente do crédito tributário, implicando a inaplicabilidade do instituto da prescrição em Direito Tributário, o legislador ordinário pode ainda assim prever situações em que se verifica a prescrição de dívidas tributárias. Ora a Lei Geral Tributária regula precisamente no seu artigo 48.º a prescrição enquanto facto extintivo da relação jurídico tributária:

Artigo 48.º
(Prescrição)

1 – As dívidas tributárias prescrevem, salvo o disposto em lei especial, no prazo de oito anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu.

2 – As causas de suspensão ou interrupção da prescrição aproveitam igualmente ao devedor principal e aos responsáveis solidários ou subsidiários.

3 – A interrupção da prescrição relativamente ao devedor principal não produz efeitos quanto ao responsável subsidiário se a citação deste, em processo de execução fiscal for efectuada após o 5º ano posterior ao da liquidação.” – Paulo Marques

in http://www.doutrina.net/p/Revista_de_Doutrina_Tributaria/rdt

Sendo certo que as decisões fiscais “…constituem caso julgado para o processo penal tributário apenas relativamente às questões nelas decididas e nos precisos termos em que o foram” - arts. 51º do RGIFNA e 48º do RGIT - no seguimento da tese expendida no acórdão desta Relação de 4-03-2009 proferido, nos autos do Recurso n.° 109/99.1IDAVR-A.C1 da 4a Secção, no caso concreto há implicações da decisão da prescrição da dívida fiscal no processo-crime.
Com efeito, resulta do disposto no art. 105º do RGIT (aplicável por ser lei mais favorável ao arguido), nomeadamente na al. b) do nº 4:
“Os factos descritos nos números anteriores só são puníveis se:
b) - A prestação comunicada à administração tributária através da correspondente declaração não for paga, acrescida de juros respectivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após a notificação para o efeito.
O Tribunal a quo ordenou esta notificação na parte final do despacho recorrido.
O Acórdão de Fixação de Jurisprudência de 9 de Abril de 2008, no processo n.º 4080/07-3, in www.dgsi.pt, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 6/2008, D.R. n.º 94, Série I de 2008-05-15, deliberou: «A exigência prevista na alínea b) do n.º 4 do art. 105.º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), na redacção introduzida pela Lei 53-A/2006, configura uma nova condição objectiva de punibilidade que, nos termos do art. 2.º, n.º 4, do Código Penal, é aplicável aos factos ocorridos antes da sua entrada em vigor; em consequência, e tendo sido cumprida a obrigação de declaração, deve o agente ser notificado nos termos e para os efeitos do referido normativo (alínea b) do n.º 4 do art. 105.º do RGIT)» (sublinhado nosso).
A referida alteração ao art. 105º nº 4 do RGIT configura uma condição – objectiva - de exclusão de punibilidade, por isso que o crime não será punido se o agente repuser [em 30 dias contados da notificação a fazer-lhe] a situação tributária acrescida dos respectivos juros «e do valor da coima aplicável». (sublinhado nosso)
O que se deve entender face à prescrição da dívida fiscal é que essa mesma dívida não pode ser exigida. Para este efeito é como se nunca tivesse existido.
Face ao disposto no nº 4 al. b) do art. 105 do RGIT, não se pode pretender que o arguido vá pagar (voluntariamente) uma dívida inexigível.” – cfr Ac Rel Coimbra nº 109/99.1IDAVR-A.C1 supra referido.
Não há como ultrapassar o obstáculo na forma de cálculo pela Administração Tributária dos juros de uma dívida inexigível, assim como o cálculo da coima aplicável (?!).
É manifesto que a prescrição da dívida fiscal configura uma condição objectiva de exclusão de punibilidade e o recorrente não pode ser punido criminalmente por dívida fiscal inexigível.
Verificando-se causa de exclusão da punibilidade, o procedimento criminal deve ser declarado extinto.
As condições objectivas de punibilidade são aqueles elementos situados fora da definição do crime, cuja presença constitui um pressuposto para que a acção antijurídica tenha consequências penais. Apesar de integrarem uma componente global do acontecer, e da situação em que a acção incide, não são, não obstante, parte desta acção (cf. Acs. do STJ de 7-02-2007, Proc. n.º 4086/06, e de 21-02-2007, Proc. n.º 4097/05). São elementos situados fora do tipo, cuja presença constitui um pressuposto da actuação das consequências penais de uma acção típica e antijurídica; sendo componentes globais da situação sobre que incide a acção, não são, porém, propriamente parte da acção (cf. Maurach – Zipf, Derecho Penal, Parte General, tomo I, pág. 372). As condições de punibilidade tomam, no rigor das coisas, um sentido de funcionalismo normativo, como elemento de ligação entre a dogmática do facto e a política criminal (Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, 2004, pág. 622). Não fazendo parte da acção, integram, todavia, o complexo facto-condições de que depende a aplicação de uma sanção penal (a punição), mas estão fora do perímetro de delimitação da infracção penal enquanto categoria autónoma de tipo de ilícito e de culpa.
A decisão aproveita a ambos os arguidos, apesar de apenas o arguido pessoa singular haver recorrido, nos termos do art. 402º,do CPP.
Decisão:
Assim, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal deste tribunal em negar provimento aos recursos interpostos dos despachos de fls 1750 e 1767, confirmando as respectivas decisões recorridas e em julgar procedente o recurso interposto pelo recorrente do despacho de 29.09.2008, que em consequência se revoga e se substitui, determinando-se a extinção do procedimento criminal contra os arguidos.
Sem custas.
Coimbra, 13-10-2010
(Processado pelo relator e revisto por ambos os subscritores)


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Isabel Valongo



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Paulo Guerra
Recurso nº 210/04.1TAILH