Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
139/09.7PTLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BRÍZIDA MARTINS
Descritores: INIBIÇÃO DA FACULDADE DE CONDUZIR
MEDIDA DA PENA
Data do Acordão: 04/07/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: 292º, º1 69º, Nº1,AL.A) E 71, Nº1 E 2 º DO CP
Sumário: 1.A pena acessória concreta deve ser encontrada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior deverá ser oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico, tendo como limite inultrapassável a medida da culpa.
2 Não se verificando particulares razões de prevenção especial, é adequada a pena de 5 meses de proibição de conduzir veículos com motor aplicada ao agente que conduz com uma taxa de álcool no sangue de 1,72 g/l.
3. A lei penal não prevê qualquer pena substitutiva da pena de proibição de conduzir de veículos motorizados.
Decisão Texto Integral: I – Relatório.

1.1. O arguido M com os demais sinais nos autos, porquanto acusado pelo Ministério Público, foi submetido a julgamento pelo indiciado cometimento de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido através das disposições conjugadas dos artigos 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal.

Findo o contraditório, proferiu-se sentença decretando a condenação do visado arguido, ao demais por ora irrelevante, pela autoria do ilícito assacado, na pena principal de 75 dias de multa, à taxa diária de € 7,00, ou seja, na multa global de € 525,00, bem como, ainda, na pena acessória de cinco meses de inibição da faculdade de conduzir veículos motorizados.

1.2. Porque se não revia tão-somente no último segmento do assim sentenciado, interpôs o mesmo recurso, extraindo da respectiva motivação a formulação da seguinte síntese de conclusões:

1.2.1. O arguido é portador de carta de condução desde Fevereiro de 1975, sem quaisquer antecedentes criminais.

1.2.2. O arguido actuou com negligência no dia 22 de Agosto de 2009, pelas 21:59 horas.

1.2.3. O arguido circulava dentro da cidade no seu veículo pessoal, sem estar no exercício da sua actividade profissional e não foi interveniente de graves danos que justifiquem a pena aplicada.

1.2.4. O arguido, tendo em conta a sua profissão de motorista e a sua idade, necessita diariamente da carta de condução para trabalhar, onde retira os rendimentos económicos para o seu sustento doméstico.

1.2.5. O arguido ao estar inibido de conduzir está em risco em perder o seu emprego, o que não é fácil para si, tendo em conta a sua idade de 50 anos e a actual taxa de desemprego provocada pela crise económica.

1.2.6. A imposição ao recorrente de uma pena acessória de inibição de conduzir pelo período de três meses satisfará, de acordo com o estatuído pelo artigo 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, a prevenção de perigosidade do arguido e constituirá a censura adicional do seu acto.

1.2.7. Elevando a pena de multa para fazer incutir ao arguido o desvalor da sua conduta, sacrificando a sua vida doméstica em termos económicos.

1.2.8. Concedendo entendimento distinto, entende o recorrente dever aplicar-se-lhe uma pena especialmente atenuada, bem como uma caução de boa conduta, em substituição da pena acessória de inibição de conduzir.

1.2.9. Assim se satisfazendo a função preventiva da pena, uma vez que o recorrente vai sentir maior sacrifício na sua vida doméstica ao prestar a caução e assim vai pensar mais na censura do seu acto.

1.2.10. Decidindo pela forma em que o fez, a decisão recorrida questionou o disposto nos artigos 410.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Penal; 69.º, n.º 1, alínea a); 70.º e 294.º, n.º 1, todos do Código Penal.

Terminou pedindo se decida em conformidade com o expendido.

1.3. Notificado ao efeito, respondeu o Ministério Público, sustentando o improvimento da impugnação.

1.4. Remetidos os autos a esta instância, o Ex.mo Procurador-geral Adjunto emitiu parecer conducente a idêntico improvimento.

1.5. Cumpriu-se com o disciplinado pelo artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

1.6. No exame preliminar a que alude o n.º 6 do mesmo inciso, após se haver consignado que não se depara hipótese para que seja proferida decisão sumária; inexistirem provas a renovar e nada obstar ao conhecimento de meritis, determinou-se o prosseguimento do recurso, com recolha dos vistos legais, o que se acatou, bem como submissão à presente conferência.

Urge agora ponderar e decidir.


*

II – Fundamentação de facto.

2.1. A decisão recorrida considerou como provada a factualidade seguinte:

1. No dia 22 de … de 2009, pelas 21:59 horas, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros, com a matrícula RB---- na Rua de Tomar, … freguesia e comarca de Leiria, com uma taxa de álcool no sangue de 1,72 g/l.

2. O arguido agiu de forma voluntária, livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

3. O arguido é motorista de pesados, auferindo mensalmente cerca de € 600,00 mensais.

4. O arguido vive com uma companheira que aufere mensalmente cerca de € 250,00 de reforma.

5. O arguido paga de renda mensal € 200,00.

6. O arguido ajuda os filhos mensalmente com cerca de € 100,00.

7. O arguido não se encontrava a trabalhar.

8. Não são conhecidos antecedentes criminais ao arguido.

2.2. Por seu turno, relativamente a factos não provados, consignou:

Inexistem factos não provados com relevância para a decisão da causa.

2.3. Por fim, a motivação probatória constante da mesma decisão prescreve:

Em relação à matéria de facto provada, o Tribunal formou a sua convicção quanto aos pontos 1 e 2 nas declarações do arguido, dando-se cumprimento ao disposto no art.º 344.º n.º 2 a), do Código de Processo Penal, quanto aos pontos 3, 4, 5, 6 e 7 nas declarações do arguido que se mostraram credíveis atenta a seriedade e a isenção com que depôs, e quanto à ausência de antecedentes criminais no teor do CRC junto aos autos a fls. 7.


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III – Fundamentação de Direito.

3.1. Como corolário do carácter disponível do direito ao recurso, é admissível a sua limitação “a uma parte da decisão quando a parte recorrida puder ser separada da parte não recorrida, por forma a tornar possível uma apreciação e uma decisão autónomas” – artigo 403.º, n.º 1, do Código de Processo Penal –.

Situação legal exemplificativamente prevista mormente a constante deste mesmo artigo, mas seu n.º 2, alínea f)[1].

Por outro lado, sabe-se, o âmbito do recurso é definido, conforme subsequente artigo 412.º, n.º 1, através das conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação.

Tudo sem que se olvide do dever de conhecimento oficioso de determinadas questões, como sejam dos vícios plasmados nas diversas alíneas dessa lei adjectiva, ou das nulidades como tal taxadas no seu n.º 3 – Ac. do STJ n.º 7/95, em interpretação obrigatória –.

In casu, não emergindo da decisão recorrida e dos autos quaisquer uns destes vícios (embora nas disposições legais mencionadas como pretensamente infringidas o recorrente englobe o artigo 410.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Penal, certo é que em ponto algum da motivação se vislumbra uma sua arguição, o que redunda em falta de objecto de recurso no que concerne[2]) ou nulidades, consideramos assentes os factos supra descritos, e, por outro lado, vistas as conclusões ofertadas, decorre serem duas as questões decidendas:

- Deve reduzir-se a medida da pena acessória cominada ao recorrente; ou,

- Em sua substituição, deve facultar-se-lhe a prestação de caução de boa conduta.

3.2. Uma breve resenha histórica sobre o aparecimento e evolução, no sistema sancionatório português, da pena acessória de inibição de condução, bem como uma menção, ainda que esparsa, a alguma jurisprudência desta Relação quando chamada a pronunciar-se sobre a questão controvertida, dilucidarão a compreender a sua finalidade, o critério da sua determinação e a decisão concreta reclamada.

3.2.1. O Professor Figueiredo Dias[3], defendia em 1993, a necessidade de se passar a dispor de uma verdadeira pena acessória de proibição de condução de conduzir veículos motorizados, a qual deveria ter, como pressuposto formal, a condenação do agente numa pena principal por crime cometido no exercício da condução e, enquanto pressuposto material, a circunstância de, no caso concreto, o exercício da condução se revelar especialmente censurável.

Escrevia aquele Professor: “As razões político-criminais que justificam a urgência de uma regulamentação deste tipo são (infelizmente) por demais óbvias entre nós para que precisem de ser especialmente encarecidas.”

E acrescentava que à proibição de condução se devia pedir um efeito geral de intimação, dentro do limite da culpa e ainda “que contribua, em medida significativa, para a emenda cívica do condutor imprudente ou leviano.”

Ainda seguindo o pensamento de Figueiredo Dias, reportado a 1993, de jure condendo, “ (…) parece indiscutível (…) continuar a existir espaço (…) para sanções acessórias ou adjuvantes da função da pena principal, que reforcem e diversifiquem o conteúdo sancionatório da condenação. O que importa então é que tais sanções se assumam como verdadeiras penas indissociavelmente ligadas ao facto praticado e à culpa do agente, dotadas de uma moldura penal especifica e permitindo a tarefa judicial de determinação da sua medida concreta em cada caso (…).”

Consagrando este entendimento político-criminal, o Código Penal de 1995, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, veio estabelecer, no seu artigo 69.º, n.º 1, alínea a), que “é condenado na proibição de conduzir veículos motorizados por um período fixado entre 1 mês e 1 ano quem for punido por crime cometido no exercício daquela condução com grave violação das regras do trânsito rodoviário.”

Assim se consagrava uma verdadeira pena acessória, aplicável àquelas situações de condução em que as regras do trânsito rodoviário foram, em concreto, gravemente violadas, dispondo o julgador de um campo de manobra para aplicar ou não a referida pena e adequar a medida concreta da mesma em face das necessidades de punição, dentro dos limites da culpa.

No período de vigência de tal diploma, a jurisprudência divergiu sobre a aplicação da proibição de condução ao agente do crime de condução em estado de embriaguez, tendo vindo a fixar-se jurisprudência no sentido de que “o agente do crime de condução em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º do Código Penal, deve ser sancionado, a título da pena acessória, com a proibição de conduzir prevista no seu artigo 69.º, n.º 1, alínea a)” – Assento n.º 5/99 do STJ, publicado no Diário da República, I.ª Série, de 20 de Julho de 1999 –.

Porém, o legislador, a fim de afastar, de todo, tal divergência jurisprudencial, veio expressamente consagrar, pela alteração ao artigo 69.º do Código Penal, introduzida através da Lei n.º 77/2001, de 13 de Julho de 2001, que: “1. É condenado na proibição de conduzir veículos com motor, quem for punido: a) por crime previsto nos artigos 291.º ou 292.º.”

Tal alteração legislativa veio consagrar, de modo definitivo, uma ideia já então presente na jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores: a de que, no crime de condução em estado de embriaguez, se revela, sempre, uma especial censurabilidade, cuja razão político-criminal é demasiado óbvia para precisar de ser explicitada.

Mas a alteração legislativa não se limitou a introduzir uma automática pena acessória de proibição de condução para o agente do crime de condução em estado de embriaguez, tendo agravado, de modo significativo, a pena abstracta da mencionada sanção acessória, alterando-a, no seu limite mínimo, de 1 mês para 3 meses e, no seu limite máximo de 1 ano para 3 anos.

E tal agravação da moldura abstracta não resulta apenas do entendimento jurisprudencial que sustentava que, por força de uma ideia de unidade do sistema, o limite mínimo da sanção acessória, atendendo ao limite mínimo previsto para a contra-ordenação de condução sob a influência do álcool, deveria ser de 2 meses.

Resulta de uma clara opção político-criminal que reconhece que as finalidades da punição, atenta a reconhecida pouca eficácia da pena de multa, se obtêm, neste tipo de crime rodoviário, essencialmente, através da aplicação da sanção acessória de proibição de condução.

As alterações introduzidas recentemente ao Código Penal por intermédio da Lei n.º 59/2007, de 29 de Agosto, em nada inovaram, contudo, neste âmbito, mantendo, pois, perfeita validade as considerações expendidas, nomeadamente a clara operação legislativa para endurecer o quantum desta medida.

3.2.2. Para a respectiva determinação concreta, à míngua de regras específicas, deverá atender-se à culpa do agente e às exigências de prevenção, atendendo a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele nos termos do disposto no encimado artigo 71.º, n.ºs 1 e 2, pelo que a determinação da pena acessória concreta nada tem de específico em relação ao processo de determinação da pena concreta principal.

Assim sendo, deve a pena acessória concreta ser encontrada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior deverá ser oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico, tendo como limite inultrapassável a medida da culpa.

3.2.3. Malogradamente, porque apenas patenteia a sua frequente verificação, situações similares á dos autos mostram-se muitas vezes submetidas à apreciação dos Tribunais Superiores.

Enquanto Adjunto, o ora Relator subscreveu o Acórdão exarado no recurso n.º 208/08.0 GBMGR.C1, que nos dá nota das penas encontradas como ajustadas e proporcionadas.

Mantêm-se pertinentes as considerações aí explicitadas, que reproduzimos, bem como ainda os arestos indicados. Assim:

Já no regime legal ora vigente, no recurso n.º 6035/2003 prolatado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, com taxa de 1,54 g/l, aplicou-se ao agente a sanção de 5 meses de inibição;

Concretamente nesta Relação de Coimbra, decidiu-se, v.g.:

No recurso n.º 1611/04, taxa de 1,67g/l, sanção de inibição por 6 meses (confirmação);

No recurso n.º 2420/04, taxa de 1,54g/l, sanção de inibição por 4,5 meses (confirmação);
No recurso n.º 2486/04, taxa de 2,73g/l, sanção de inibição por 5 meses (rejeitado, sendo apenas recorrente o arguido);

No recurso n.º 3457/04, taxa de 1,81g/l, sanção de inibição por 5 meses e 15 dias (confirmação);
No recurso n.º 3108/05, taxa de 1,84g/l, sanção de inibição por 6 meses;

No recurso n.º 2617/05, taxa de 2,76g/l, sanção de inibição por 8 meses (na 1.ª instância havia sido condenado em 4 meses e 15 dias);

No recurso n.º 1992/05, taxa de 1,44g/l, sanção de inibição por 6 meses (na 1.ª instância havia sido condenado em 7 meses);

No recurso n.º 1619/05, taxa de 3,03g/l, sanção de inibição por 11 meses (confirmada, apenas tendo recorrido o arguido);

No recurso n.º 28/07.0 GTGRD.C1, taxa de 2,02g/l, sanção de inibição por 4 meses e 15 dias (confirmada, sendo o arguido recorrente);

No recurso nº 221/07.5 GAACB.C1, taxa de 2,56g/l, sanção de inibição por 7 meses (recorreu o Ministério Público, quando o arguido havia sido condenado em 1.ª Instância na pena de 4 meses);

No recurso n.º 481/06.9 GTAVR.C1, taxa de 1,97 g/l, sanção de 6 meses (recorreu o Ministério Público, quando o arguido havia sido condenado em 1.ª Instância na pena de 3 meses).

3.2.4. Balizados pela moldura abstracta aplicável de 3 meses a 3 anos de proibição de conduzir; atentando-se nas, por todos reconhecidas, prementes exigências em sede de prevenção geral, a determinarem que a pena constitua dissuasor necessário para prevenir as infracções, se não forem sentidas como tal, também pela comunidade em geral; considerando-se o grau de ilicitude do facto (dolo directo); a sua gravidade (T.A.S de 1,72 g/l); a inexistência de particulares razões de prevenção especial embora, conceda-se, o recorrente não deva sentir a pena enquanto correspondendo a uma “absolvição encapotada” que não surte, por isso, o efeito intimidatório pretendido e como meio de acautelar uma certa uniformidade de critérios nas sucessivas decisões jurisprudenciais de que se vai tomando conhecimento, temos como ajustada à culpa do agente e às exigências de prevenção que, no caso, se fazem sentir, a pena cominada na 1.ª instância (que, aliás, se algum reparo suscita, como anotou o Ex.mo PGA, será no sentido de pouco gravosa).

Na verdade, as razões adiantadas pelo recorrente em nada mitigam a operação aí feita, a propósito.

3.3. Segunda pretensão apresentada a de substituição da pena acessória por uma caução de boa conduta.

Mostra-se ela de refutar, in limine.

Com efeito, carece a mesma de cobertura legal, tal como, exemplificativamente, se escreveu no Acórdão da Relação de Guimarães, datado de 15.04.08, indicado pelo recorrido em 1.ª instância[4], e cujo sumário passamos a citar:

«I – Após algumas hesitações iniciais, é hoje largamente maioritário na doutrina e jurisprudência nacionais o entendimento segundo o qual, ao contrário do que sucede no âmbito das contra-ordenações estradais (artigo 142.º do Código da Estrada), não é permitida em caso algum a suspensão da execução da pena acessória de proibição de conduzir prevista pelo artigo 69.º do Código Penal, com ou sem caução.

II – Na jurisprudência dos tribunais superiores podem citar-se, para além dos proferidos nas diversas Relações, o Ac. do S.T.J de 26-2-1997, Col. de Jur., Acs do STJ, ano I, Torno 1, pág.235 e BMJ n0464, pág.200; na doutrina, merecem destaque Germano Marques da Silva, Crimes Rodoviários, Lisboa, 1.ª ed., pág. 28, António Casebre e Latas, A pena acessória da proibição de conduzir, in Sub Júdice, vol. 17, Jan/Março de 2001, pág. 79-81, Pedro Soares de Albergaria e Pedro Mendes Lima, in Sub Júdice, vol. 17, Jan/Março de 2001, págs., 68-69; é também este o entendimento prevalecente nesta Relação, cfr. Acs de 10-1-2005, proc. n.º 1943/04, rel. Miguez Garcia, in www.dgsi.pt.de17-5-2004.CoIXXIX.tom03.pág.291.de17-3-2003. proc. n.º 0123/03­P, rel. Maria Augusta, de 16-2-2004, rel. Nazaré Saraiva e de 13-11-2006, proc. n.º 01626, e de 15-10-2007, proc. n.º 1596/07, os dois últimos por nós relatados.

III – São fundamentalmente três as razões adiantadas para o efeito:

a) O Código Penal apenas prevê a suspensão da execução da pena de prisão não superior a três anos (artigo 50.º) e da medida de segurança de internamento (arts. 98.º e seguintes) ou, dito de outro modo, a lei penal não prevê qualquer pena substitutiva da pena de proibição de conduzir.

b) Neste domínio não é, de resto, permitido o recurso à analogia por obediência ao princípio da legalidade (“nulla poena sine lege”) e atenta a reserva de competência legislativa da Assembleia da República em matéria de penas (artigo 165.º, alínea c) da Constituição da República), sendo certo que a suspensão da execução de uma pena não deve ser encarada como mera modalidade de cumprimento ou modificação de pena na sua execução mas como uma verdadeira pena de substituição (cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, Lisboa, 1993, págs. 337 e seguintes e Germano Marques da Silva, Direito Penal, Lisboa/S. Paulo, 1999, vol. III, pág. 88 e 205-206) em tudo sujeita ao princípio da tipicidade das penas e reserva de lei formal.

c) A função da pena acessória de proibição de conduzir, para além de prevenir a perigosidade do agente e constituir censura adicional do facto (Figueiredo Dias, Código Penal - Actas e projecto da Comissão Revisora, 1993, pág. 75), é também a de obter um efeito de prevenção geral de intimidação (Figueiredo Dias, Direito penal, cit., pág. 165).

IV – Por essa razão, verificados que sejam os respectivos pressupostos, deve ser executada, mostrando-se a eventual suspensão dela, incongruente com aqueles seus fins, como, em conclusão, assinala Germano Marques da Silva: “verificados os seus pressupostos e aplicada a pena acessória, esta tem de ser executada. Assim, ainda que a pena principal seja substituída ou suspensa na sua execução, o mesmo não pode suceder relativamente à pena acessória de proibição de conduzir” (Crimes Rodoviários, cit., pág. 28).

V – Não se mostra legalmente possível o peticionado cumprimento da pena acessória “para além do período das 9 às 12,30h das 14 às 18,30”, pois que em matéria de execução das penas (principais ou acessórias) rege o princípio da execução contínua das mesmas (cfr. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 15.ª ed., Coimbra, 2005, pág. 947; Lopes Rocha, Execução das penas e medidas de segurança privativas da liberdade, CEJ, Jornadas de Direito Processual Penal, Coimbra 1988, pág. 483-484, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol III, 2.ª ed., 2000, pág. 401).

VI – Salvo nos casos especialmente previstos na lei (v.g. prisão por dias livres, regime de semidetenção), a pena determinada na sentença, cuja execução deva prolongar­-se no tempo, quer seja principal ou acessória, deve ser cumprida continuadamente, “de modo seguido para assegurar a eficácia da sanção e da sua exemplaridade, que seriam afectadas se o condenado devesse expiar à pena fraccionadamente” (Germano Marques da Silva).

VII – Para a proibição de conduzir não existe qualquer excepção ao regime previsto na lei, a excepcionar o cumprimento em dias e/ou horas seguidos, pois, pelo contrário, da conjugação dos artigos 69.º, n.º 3 do Código Penal e 500.º, n.º 4 do Código de Processo Penal, resulta a ideia da continuidade do tempo de proibição, sem qualquer hiato temporal, uma vez que “a licença de condução fica retida na secretaria do tribunal pelo período de tempo que «dura a proibição», apenas sendo devolvida decorrido esse prazo.

VIII – A contagem do tempo de proibição de conduzir fixado na sentença, uma vez iniciado corre ininterruptamente até ao seu termo (à semelhança do que ocorre com a inibição de conduzir prevista no artigo 139.º do Código da Estrada, onde se impõem o seu cumprimento em dias seguidos), não permitindo a lei o seu cumprimento em períodos intermitentes, nomeadamente em fins de semana, ou em períodos de férias do condenado ou em período a determinar pelo tribunal tendo em conta a conveniências do condenado.

IX – O cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir para além do horário de trabalho, caso fosse deferida violaria o princípio da legalidade.

X – É este o sentido da nossa jurisprudência, nomeadamente dos Acs. desta Rel. de Guimarães de 22-11-2004, proc. n.º 1577/04, rel. Francisco Marcolino, 10-5-2004, proc. n.º 681/04, rel. Anselmo Lopes, de 10-3-2003, proc. n.º 1674/02, rel. Miguez Garcia».

Razão sucinta, pois, para que igualmente improceda este fundamento do recurso.


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IV – Decisão.

Perante todo o exposto, nega-se provimento ao recurso interposto, confirmando-se, em consequência, a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça devida em 3 UCs (artigos 513.º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Penal; 8.º, n.º 5, do Regulamento das Custas Judiciais, aprovado através do Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, e sua Tabela Anexa III).

Notifique.


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Coimbra, 7 de Abril de 2010



[1] “Para efeito do número anterior, é autónoma, nomeadamente, a parte da decisão que se referir:

f) Dentro da questão da determinação da sanção, a cada uma das penas ou medidas de segurança.”
[2] De acordo com as disposições conjugadas dos artigos 412.º, n.º 1 (A motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso…) e 417.º, n.º 4 (O aperfeiçoamento previsto no número anterior não permite modificar o âmbito do recurso que tiver sido fixado na motivação), ambos do Código de Processo Penal.
[3] In As Consequências Jurídicas do Crime, pág., 165.
[4] Bem como pelo Ex.mo PGA, já nesta instância: Acs. desta Rel. de Coimbra, datados de 17/01/01 e de 29/11/00 in, respectivamente CJ, I, 50 e V,50, e, da Rel. do Porto, proferido a 28/01/04, in CJ, I, 206.