Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
22/11.6TBFIG-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISABEL SILVA
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
EXEQUIBILIDADE
Data do Acordão: 09/08/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA – COIMBRA – SEC. DE EXECUÇÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 45º, 46º E 802º DO CPC.
Sumário: I – São realidades jurídicas diversas a existência de título executivo e as condições de exequibilidade desse título.

II - Constando do título executivo (contrato que faz parte integrante de escritura pública) a constituição de obrigações por parte do executado, a sua exequibilidade está ainda dependente da demonstração dos fundamentos e eficácia da resolução contratual.

III - Estando o pagamento dependente de interpelação do credor, a dívida só se vence e só é exigível com essa interpelação.

IV - No regime do CPC, na redação dada pelo Decreto-Lei nº 38/2003, de 08.03, essa interpelação poderia ser efetuada através da citação no processo executivo, mas desde que o exequente tenha pedido que na citação se fizesse essa advertência (art. 804º nº 2).

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

I - HISTÓRICO DO PROCESSO

                1.            C..., Ld.ª (de futuro, apenas Exequente e/ou Recorrente) instaurou execução contra M..., e marido, J... (de futuro, apenas Executados e ou Oponentes).

                Estes deduziram oposição à execução, invocando a inexigibilidade da dívida, que não se encontrava ainda vencida, e pediram a condenação da Exequente como litigante de má-fé.

                A Exequente contestou, impugnando a versão dos factos trazida pelos Executados.

Realizada audiência de discussão e julgamento, veio a ser proferida sentença que, julgando procedente a oposição, determinou a extinção da instância executiva.

2.            Inconformada com tal decisão, dela vem apelar a Exequente, formulando as seguintes conclusões:

...

3.            Os Executados contra-alegaram, pugnando pela improcedência do recurso.

Dispensados os vistos (art. 657º nº 4 do CPC), cumpre decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO

4.            OS FACTOS

Em 1ª instância fixaram-se os seguintes factos [[1]]

...

                5.            O MÉRITO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas questões suscitadas nas conclusões dos recorrentes, e apenas destas, sem prejuízo de a lei impor ou permitir o conhecimento oficioso de outras: art. 608º nº 2, ex vi do art. 663º nº 2, do Código de Processo Civil (de futuro, apenas CPC).

QUESTÃO A RESOLVER: se o documento junto à petição executiva constitui um título executivo.

                A resposta a tal questão implica a abordagem da diferenciação entre título executivo e condições de exequibilidade do título, passando-se depois à análise do documento em concreto, que fundamenta a execução.

5.1.         O TÍTULO EXECUTIVO

É pelo título executivo que se determinam o fim e os limites da ação executiva: art. 45º nº 1 do anterior CPC. [[2]]

«O título executivo habilita a determinar o fim da acção executiva, porque é por ele que se verifica qual foi a obrigação contraída pelo executado e é essa obrigação que define o fim da execução.

(…)

Finalmente, o título fixa os limites da acção executiva. É pelo título que se conhece, com precisão, o conteúdo da obrigação do devedor (…).». [[3]]

Da enumeração do art. 46º do CPC, vemos que o título executivo há-de ser sempre um documento escrito, o qual é o suporte material da obrigação, ou, nas palavras de Lebre de Freitas, «(…) o documento escrito é um objecto representativo duma declaração (…).». [[4]]

Subsumindo a factualidade atrás descrita ao Direito, entendeu o M.mº Juiz que o título dado à execução não assume a natureza de título executivo, com o que, no rigor da terminologia jurídica, não pode concordar-se.

Isto porque, a (in)existência de título executivo é realidade diversa da força executiva desse título.

No caso, existe título executivo, que é a escritura pública e o contrato anexo que ficou a fazer parte integrante dela [cf. facto provado sob a alínea b), donde decorre que, para além da constituição de hipoteca, entenderam as partes deixar consignado o contrato que lhe estava subjacente: “nos termos acordados no contrato entre si assinado em seis de Maio último, que fica a fazer parte integrante desta escritura”].

5.2.         AS CONDIÇÕES DE EXEQUIBILIDADE

Atenta a necessidade e suficiência do título, a obrigação exequenda tem de dele constar, claramente descriminada e individualizada, vencida e quantificada, ou quantificável.

A isto se chama as condições de exequibilidade; ou, no dizer da lei, como regra geral, a obrigação tem de ser certa, exigível e líquida: art. 802º do CPC.

Essa necessidade e rigor de certeza da obrigação são perfeitamente percetíveis: «O título executivo justifica o uso da acção executiva, que é como quem diz o uso da força, precisamente porque dá ao órgão executivo a garantia e a segurança de que o exequente tem razão.

O título executivo por excelência é a sentença de condenação transitada em julgado. (…)

Se o título é de carácter negocial (escritura pública, letra, livrança, cheque, escrito particular), a segurança não é a mesma, porque atrás do título não está um longo processo declarativo, com todas as suas garantias e cautelas (…). [[5]]

5.3.         A EXEQUIBILIDADE DO CONTRATO EM CAUSA

Já vimos que o título executivo aqui em causa é de caráter negocial e que é uma escritura pública. [[6]]

Nela procedeu-se em primeira linha à constituição duma hipoteca que, como é sabido, constitui uma garantia —— art. 686º do Código Civil (de futuro, apenas CC) ——, e não, pelo menos de forma direta, a constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação.

Porém, nessa mesma escritura, os ora Oponentes mais fizeram consignar que a hipoteca era constituída “para garantia da quantia de cinquenta mil contos, de que se confessam devedores nos termos acordados no contrato entre si assinado em seis de Maio último, que fica a fazer parte integrante desta escritura, sendo a quantia em dívida exigível também apenas nas condições previstas no mesmo contrato”.

Ou seja, efetivamente eles condessaram-se devedores à ora Recorrente “da quantia de cinquenta mil contos”.

Porém, esse reconhecimento da obrigação de pagar 50 mil contos não foi um simples reconhecimento de dívida, sem mais, já que, logo de seguida, se refere que essa confissão de dívida é feita “nos termos acordados no contrato entre si assinado em seis de Maio último, que fica a fazer parte integrante desta escritura, sendo a quantia em dívida exigível também apenas nas condições previstas no mesmo contrato. (sublinhado nosso)

Portanto, daqui decorre que a escritura pública de confissão de dívida remete as condições da sua exequibilidade para o contrato [[7]] que lhe ficou anexo.

Vejamos então (i) se no contrato existe o reconhecimento ou constituição de obrigações e, na afirmativa, (ii) se elas, à data da instauração da execução, eram já certas, exigíveis e líquidas.

Expurgadas as condições de elaboração de tal contrato, designadamente no que toca à SNII, decorre então de tal contrato o seguinte:

a) - Os Oponentes reconheceram ter recebido da ora Recorrente “diversas quantias em dinheiro, a título de empréstimo, por intermédio da SNII. (cláusula 2ª)
Ø Efetivamente, existe aqui o reconhecimento duma dívida; porém, a mesma não é ainda líquida (“diversas quantias”). E, podendo a liquidação ser efetuada na própria execução, o certo é que não foi promovida a liquidação nos termos do art. 805º nº 1 do CPC.

b) - Os Oponentes obrigaram-se a dar à Recorrente para “pagamento dos débitos que tem para com ela e da obtenção do acordo” efetuado com a SNII, “20% da área de construção” que lhes fosse concedida “em permuta com os indicados prédios, desde que lhe seja atribuída até 20% da construção aprovada pela Câmara; acima destes 20%”, os Oponentes dariam à Recorrente “50% da área de construção”. (cláusula 3ª)
Ø Também esta obrigação necessitaria ainda de concretização pois nada se sabe quanto à área de construção concedida aos Oponentes.

c) - Depois, acordou-se que o pagamento dessas quantias, poderia ser efetuado “mediante 20% do valor pelo qual forem vendidos os imóveis, desde que tal valor não exceda os 500.000.000$00. A partir dos 500.000.000$00 a 2.ª contraente tem direito a 50% do valor da venda”. (cláusula 5ª)
Ø Aqui, estabelece-se uma possibilidade de escolha (na completa disponibilidade e iniciativa dos Oponentes? Ou por acordo com a Recorrente?), a importar uma obrigação alternativa. Portanto, haveria que se ter promovido previamente o cumprimento do art. 803º do CPC. Para além disso, desconhece-se qual o preço de venda dos imóveis.

d) - Continuando, na cláusula 9ª, já os Oponentes “se confessam devedores” à Recorrente “da quantia de 50.000.000$00 (cinquenta mil contos)”. Aqui, sim, temos o reconhecimento duma obrigação certa e líquida.
Ø Porém, o texto da cláusula inicia-se com a alocução “para o efeito”, o que remete para a cláusula anterior, ou seja, a interpretação possível de que a confissão de dívida dos 50 mil contos se reportavam ao valor fixado para a garantia constituída na cláusula 8ª. De qualquer forma, também ainda não seria exigível pois logo de seguida se fez consignar no contrato que a Recorrente só poderia exigir esses 50 mil contos no caso de incumprimento, por sua parte, deste contrato. Teríamos então de prosseguir para apurar se se mostravam verificados os requisitos da resolução, por incumprimento do contrato. [[8]]

e) - De relevante então, para esse efeito, a cláusula 11ª, que traduz o cerne do litígio: “Se, até ao ano de 2010, não tiver sido efetuada a construção nos referidos prédios, ou a venda dos mesmos, a 2.ª contraente poderá exigir a quantia referida na cláusula 9.ª deste contrato”.
Ø São esses 50 mil contos (€ 249.398,94) que a ora Recorrente acionou na execução, alegando que os Oponente, em 2010, não tinham sequer dado início à construção dos prédios, factos esses considerados provados.

Como interpretar então esta cláusula 11ª?

                Porque inserida num contrato celebrado num circunstancialismo específico, esta cláusula não pode ser vista “desgarrada” do restante clausulado, como se traduzisse um puro e simples reconhecimento duma dívida.

Ela tem de ser vista em conjugação com as demais, de acordo com a economia do contrato.

No contexto do contrato, a ora Recorrente tinha emprestado várias quantias aos Oponentes, por intermédio da SNII.

Por outro lado, os Oponentes estavam em litígio judicial com a SNII e pediam na respetiva ação a resolução dum determinado contrato de compra e venda; já a SNII pedia a restituição de 100 mil contos.

Por sua vez, a Recorrente tinha já a seu favor o decretamento dum arresto sobre dois prédios dos Oponentes e sobre o direito à posição contratual da SNII no dito contrato de compra e venda.

O litígio entre os Oponentes e a SNII iria terminar por transação, confessando a SNII a resolução do contrato e declarando não ter recebido os 100 mil contos.

Tudo conjugado, as obrigações assumidas pelos Oponentes tinham uma dupla causa: o pagamento dos débitos que tinham para com a Recorrente e uma compensação (cf. cláusula 5ª) pelas diligências a efetuar pela Recorrente junto da SNII para a obtenção da transação e pela desistência do arresto por parte da Recorrente.

Os Oponentes obrigaram-se a dar-lhe:
· em primeira linha, 20% da área de construção que iria ser feita nos prédios arrestados (por simplicidade de raciocínio e porque para o caso é indiferente, não se fará alusão aos adicionais 50% da área de construção nem às demais particularidades).
· ou então, 20% ou 50% do valor pelo qual fossem vendidos os imóveis, consoante esse valor fosse inferior ou superior a 500 mil contos.

Assim delimitadas as obrigações, passaram então as partes a estabelecer garantias do respetivo cumprimento, no caso a hipoteca.

Sucede que, tratando-se da constituição duma garantia/hipoteca, os contraentes não podiam deixar de atribuir um valor certo ao crédito garantido ou, pelo menos, determinável.

Ora, face à indefinição dos valores a pagar pelos Oponentes (“diversas quantias em dinheiro”, “a compensação”, as “percentagens” da área de construção e/ou do valor de venda dos imóveis), a interpretação mais plausível face ao texto (refere-se nas cláusulas 8ª e 9ª, “para o efeito”) é que os 50 mil contos se reportavam ao valor da garantia e não ao valor do crédito da Recorrente.

E esses 50 mil contos seriam exigíveis numa de duas circunstâncias, ainda que conexionadas:
· No caso de incumprimento por parte dos Oponentes das obrigações estipuladas no contrato (efetuar a transação com a SNII e proceder à construção de edifícios nos dois prédios, dando depois à Recorrente a percentagem acordada da área de construção ou do valor de venda dos imóveis, cláusulas 1ª, 3ª, 5ª e 9ª).
· No caso de a construção a efetuar nos prédios, ou a respetiva venda, não se mostrar concluída até ao ano de 2010 (cláusula 9ª e 11ª).

Quanto à 1ª hipótese (incumprimento do contrato), como já atrás se deixou referido, haveria que primeiramente se tivesse efetuado a competente resolução do contrato o que, como vimos, não foi feito ou, pelo menos, não está demonstrada.

É certo que está provado que os Oponentes não iniciaram sequer a construção dos edifícios, o que constituía uma das obrigações assumidas no contrato.

Porém, de acordo com as normas gerais sobre a responsabilidade contratual, a eficácia ou validade da resolução do contrato não se basta com a verificação do incumprimento de uma ou mais das obrigações; antes se torna ainda necessário (i) a entrada em mora, (ii) a interpelação admonitória (no caso de obrigações sem prazo fixo), (iii) que da mora resulte perda de interesse para o credor e (iv) que o incumprimento seja imputável ao devedor a título de culpa. [[9]]

«II - A resolução do contrato não equivale, por si só, a que se considere existir inquestionado, incumprimento, muito menos, que com a resolução, o devedor "reconheça" a existência do direito do credor, ao ponto deste passar, desde logo, a dispor de título executivo - o contrato.». [[10]]

No mesmo sentido, Abrantes Geraldes —— «Com efeito, implicando a resolução contratual a antecipação da obrigação de restituição, a verificação do respectivo condicionalismo não emerge do próprio documento, exigindo a invocação e a prova de outros factos que terão de ser submetidos à discussão contraditória a realizar em sede de acção declarativa. Pelas mesmas razões ligadas à indefinição dos pressupostos, será insuficiente o documento para exigir, por exemplo, o pagamento coercivo de uma indemnização decorrente do incumprimento do contrato, ainda que estabelecida em cláusula penal.» [[11]], bem como Lebre de Freitas —— «Não é tão pouco exequível o título que formalize um contrato em cujo incumprimento se funde um direito de indemnização, ainda que as partes tenham nele estabelecido uma cláusula penal.». [[12]]

Não resulta do contrato que tenha sido fixado qualquer prazo perentório para que os Oponentes procedessem à construção dos edifícios.

Na verdade, o que de mais aproximado se verifica é apenas a previsão “até ao ano de 2010” constante da cláusula 11ª.

Mas, como melhor se verá de seguida, esta cláusula 11ª não traduz uma obrigação para os Oponentes, pelo que a data aí consignada não pode ser considerada como o estabelecimento do dito prazo limite para que se efetuasse a construção.

Em termos de interpretação da vontade das partes, consideramos ser possível concluir que a obrigação de pagar os 50 mil contos não é correlativa, substitutiva ou causal da obrigação de construção, pois muito dificilmente se encontraria equivalência entre esses 50 mil contos e o valor dos 20% de área de construção (ou do valor pelo qual viessem a ser vendidos os imóveis) que os Oponentes se encontravam obrigados a ceder à Recorrente (repare-se, ainda, que quanto aos valores em débito, se diz no “considerando” que o arresto que a Recorrente tinha a seu favor se destinava a acautelar um crédito de 45 mil contos e juros).

Concluindo, não se mostrando ainda comprovados todos os pressupostos necessários à resolução do contrato, os 50 mil contos não eram ainda exigíveis à data da instauração da execução.

Quanto à segunda hipótese (não conclusão da construção até 2010), atento o teor literal desta cláusula 11ª —— “a 2.ª contraente poderá exigir a quantia referida” —— não se consigna aqui uma obrigação, em sentido técnico-jurídico, para os Oponentes, pois não lhes impõe um dever de efetuar uma determinada prestação (no caso, o pagamento de 50 mil contos). [[13]]

O que na cláusula 11ª se prevê ou estipula é a concessão de um direito potestativo [[14]] na esfera jurídica da ora Recorrente.

Nessa perspetiva, tratando-se do exercício de um direito potestativo, sempre haveria que se ter por alegado e demonstrado o respetivo exercício/a interpelação, o que não ocorre no caso.

Na verdade, «(…), para o exercício do direito potestativo é preciso o preenchimento, ao mesmo tempo, dos seguintes pressupostos:

a) A verificação do condicionalismo justificativo (previsto na lei ou no respectivo negócio jurídico) que faz nascer o direito e legitima o seu exercício;

b) A validade da declaração mediante a qual se exerce o direito potestativo existente;

c) A observação das cautelas especiais quanto ao exercício de direitos potestativos e, ainda, como é evidente, das regras relativas ao abuso de direito.». [[15]]

Daqui decorre que, pese embora demonstrada a circunstância objetiva __ a construção não se mostra sequer iniciada __, a Recorrente teria de ter demonstrado que exercitou o seu direito potestativo previsto na cláusula 11ª, mediante a competente interpelação para o pagamento dos 50 mil contos.

Só com o exercício do direito potestativo, a efetuar mediante interpelação para o pagamento, é que os 50 mil contos se tornavam exigíveis pois só então se operaria o vencimento.

Na redação do CPC conferida pelo Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12.12, o então art. 804º nº 3 prevenia expressamente a possibilidade de que a interpelação fosse substituída pela citação, operando-se então o vencimento da obrigação com a citação no processo executivo: “quando a inexigibilidade derive apenas da falta de interpelação (…), a obrigação considera-se vencida com a citação do executado”.

Tal hipótese desapareceu na redação introduzida ao artigo pelo Decreto-Lei nº 38/2003, de 08.03.

Comentando essa eliminação, refere Carlos Lopes do Rego [[16]]: «É evidente que, no essencial, tal regime se mantém, por força do estipulado no artigo 805º, nº 1, do Código Civil, que confere plena relevância à interpelação judicial – a qual, como é óbvio, se poderá naturalmente consubstanciar na citação para o processo executivo.

Importa, porém, realçar um aspecto relevante, decorrente da nova estrutura do processo executivo, no que respeita ao diferimento possível do contraditório do executado, nos casos previstos, nomeadamente, nos artigos 812º-A, nº 1, alíneas c) e d) e 812º-B: não sendo obviamente legítimo lançar mão de diligências tipicamente executivas (realização da penhora) sem que o crédito exequendo esteja vencido, é evidente que —— nos casos em que ocorre diferimento do contraditório do executado para momento posterior à efetivação da penhora —— terá o credor de proceder à interpelação extra-judicial do devedor, antes de iniciada a instância executiva.».

E tal não se mostra efetuado.

Portanto, também por aqui se conclui não estarem verificados os requisitos de exigibilidade da quantia exequenda.

                6.            SUMARIANDO (art. 663º nº 7 do CPC)
a) São realidades jurídicas diversas a existência de título executivo e as condições de exequibilidade desse título.
b) Constando do título executivo (contrato que faz parte integrante de escritura pública) a constituição de obrigações por parte do executado, a sua exequibilidade está ainda dependente da demonstração dos fundamentos e eficácia da resolução contratual.
c) Estando o pagamento dependente de interpelação do credor, a dívida só se vence e só é exigível com essa interpelação.
d) No regime do CPC, na redação dada pelo Decreto-Lei nº 38/2003, de 08.03, essa interpelação poderia ser efetuada através da citação no processo executivo, mas desde que o exequente tenha pedido que na citação se fizesse essa advertência (art. 804º nº 2).

                III.           DECISÃO

7.            Pelo que fica exposto, acorda-se nesta secção cível da Relação de Coimbra em julgar não provido o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.

Custas a cargo da Recorrente.

                                                                                              Coimbra, 08.09.2015

Relatora, Isabel Silva

1º Adjunto, Alexandre Reis

2º Adjunto, Jaime Carlos Ferreira

***

[[1]] E que, por não impugnados e por não se verificar qualquer uma das circunstâncias referidas no art. 662º do CPC, aqui cumpre manter.
[[2]] Tratando-se de questão atinente à natureza do título executivo, e tendo em conta a data da instauração da execução, a resposta a dar à questão decidenda terá de ser efetuada em função da redação dos preceitos do Código de Processo Civil anterior à redação que lhe foi dada pela Lei nº 41/2013, de 26.06, em conformidade com o art. 6º nº 3 dessa Lei.
[[3]] Alberto dos Reis, “Processo de Execução”, vol. 1º, 3ª edição, Coimbra Editora, 1985, pág. 69.
[[4]] Lebre de Freitas, “A Acção Executiva, depois da reforma”, 4ª edição, Coimbra Editora, pág. 66/67.
[[5]] Alberto dos Reis, obra citada, pág. 68/69.

[[6]] Documento autêntico, na medida em que foi documento exarado por notário: art. 363º nº 2 do CC.

[[7]] Documento autenticado, uma vez que, tendo sido elaborado pelas próprias partes, foi posteriormente, na escritura, por elas confirmado perante o notário: art. 363º nº 3 do CC e 35º nº 3 do Código de Notariado.

[[8]] A resolução do contrato, sendo convencional, efetua-se mediante declaração à outra parte: arts. 432º n.º 1 e 436º n.º 1 CC. A resolução consubstancia uma declaração de vontade (direito potestativo): mediante ela, uma das partes comunica à outra que pretende cessar a relação contratual que as unia. Nada foi alegado sobre tal questão.

[[9]] Cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.05.2005 (processo nº 05B958), disponível em www.dgsi.pt/, sítio a ter em conta nos demais arestos que vierem a ser citados sem outra menção de origem.

[[10]] Acórdão da Relação do Porto, de 31.01.2005 (processo nº 0457308).
[[11]] In “Títulos Executivos”, artigo publicado na Themis, Revista da Faculdade de Direito da UNL, ano IV, nº 7, 2003, Almedina, pág. 46.
[[12]] In “A acção Executiva, depois da reforma”, 4ª edição, 2004, Coimbra Editora, pág. 36.
[[13]] Prescreve o art. 397º do CC que “Obrigação é o vínculo jurídico por virtude do qual uma pessoa fica adstrita para com outra à realização de uma prestação”, sendo esse o sentido da constituição ou reconhecimento de obrigações a que se alude no art. 46º nº 1 al. a) do CPC.
[[14]] «Os direitos potestativos são poderes jurídicos de, por um acto livre de vontade, só de per si ou integrado por uma decisão judicial, produzir efeitos jurídicos que inelutavelmente se impõem à contraparte.» __ Mota Pinto, “Teoria Geral do Direito Civil”, Coimbra Editora, 1976, pág. 140.

[[15]] Heinrich Ewald Hörster, “A Parte Geral do Código Civil Português”, Almedina, 2ª reimpressão, 2003, pág. 246/247.
[[16]] No artigo “Requisitos da Obrigação Exequenda”, publicado na Themis, Revista da Faculdade de Direito da UNL, ano IV, nº 7, 2003, Almedina, pág. 70/71.