Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1700/17.1T9VIS-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HELENA BOLIEIRO
Descritores: MEDIDA TUTELAR EDUCATIVA INSTITUCIONAL
MEDIDA NÃO INSTITUCIONAL DE ACOMPANHAMENTO
MEDIDA EXCESSIVA
Data do Acordão: 05/22/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU (J FAMÍLIA E MENORES– J1)
Texto Integral: S
Meio Processual: TUTELAR EDUCATIVO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 1.º, 2.º, 7.º E 16 DA LEI TUTELAR EDUCATIVA
Sumário: I – A prática, por menor com idade compreendida entre os 12 e 16 anos de idade, de facto qualificado pela lei penal como crime, dá lugar à aplicação de medida tutelar educativa, sempre que no momento da prolação da decisão se revele ser necessária a intervenção estadual destinada à sua educação para o direito, tendo em vista a inserção, de forma digna e responsável, na vida em comunidade.

II – Através da prática dos referidos factos qualificados pela lei penal como crime, particularmente o de furto qualificado, cujo grau de ilicitude encontra tradução na pena (elevada) que lhe é abstractamente aplicável, aliada ao seu percurso desviante anterior, caracterizado por uma outra conduta que também enquadrável no crime de furto qualificado, e ao apurado contexto pessoal e sociofamiliar em que ressalta a incapacidade dos progenitores em impor regras e limites ao filho, promovendo alterações do seu comportamento, o que tem fomentado a repetição de condutas anti-sociais, sem que, por outro lado, aquele revele abertura à intervenção da escola e do sistema de protecção, tendo em vista a concretização de mudança ao nível comportamental, torna-se manifesto que o menor revela necessidade de educação para o direito que demanda a aplicação de um medida tutelar educativa, necessidade a que o mesmo não levantou qualquer objecção no recurso que interpôs.

III – Ao nível do critério de escolha da medida a aplicar, a lei estabelece que o tribunal dá preferência, de entre as que se mostrem adequadas e suficientes, à medida que represente menor intervenção na autonomia de decisão e de condução de vida do menor e que seja susceptível de obter a sua maior adesão e a adesão de seus pais, representante legal ou pessoa que tenha a sua guarda de facto, sendo a escolha orientada pelo interesse do menor.

IV – Neste contexto, deverá ser dada preferência à aplicação de medidas não institucionais.

V – O quadro considerado pelo tribunal a quo, resultante dos factos provados, em conjugação com os elementos fornecidos pela avaliação técnica efectuada pela DGRSP, vertidos no relatório social junto aos autos e levados também ao elenco de matéria apurada, é claramente revelador de que a medida institucional de internamento em regime aberto é a única que assegura com adequação e suficiência as finalidades de educação do menor para o direito inerentes à intervenção tutelar educativa.

VI – O percurso desviante do menor que, em 02-03-2019, completou 16 anos de idade, aliado às apuradas características da sua personalidade e ao modo de vida desestruturado que vem adoptando, sem regras nem limites e em que sobressai a ineficácia da resposta familiar, das estruturas de protecção e da intervenção tutelar educativa não institucional, exige que se adopte uma solução que proporcione uma efectiva oportunidade de mudança destinada a inverter uma trajectória de vida traduzida na indesejada prática de condutas que, nesta fase, o farão já incorrer em responsabilidade criminal.

VII – Solução que, no caso, só se alcançará através do afastamento temporário do meio que claramente se revela obstativo à realização de uma intervenção educativa minimamente adequada e eficaz, impondo, pois, as necessidades de educação para o direito a aplicação de uma medida institucional.

Decisão Texto Integral:







Acordam, em conferência, na 4.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório 
1. No processo tutelar educativo que, sob o n.º 1700/17.1T9VIS-B, corre termos Juízo de Família e Menores de Viseu – Juiz 1 – do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, após a realização da audiência, o tribunal colectivo misto proferiu acórdão em que decidiu aplicar ao menor a medida de internamento em centro educativo em regime aberto, pelo período de 9 (nove) meses.
2. Inconformado com a decisão, dela recorreu o menor … que, no termo da respectiva motivação, apresentou as seguintes conclusões:
“I- No âmbito dos presentes autos foi aplicada ao jovem … a medida tutelar de internamento em centro educativo, em regime aberto, pelo período de nove meses, pela prática de factos que, à luz da lei penal, consubstanciam um crime de furto qualificado previsto e punido pelos artigos 203º, nº1, 204º, nº1, alínea a) e 2, alínea e) e f) do Código Penal, com referência ao artigo. 202º, alínea a) e d), ambos do Código Penal e um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3º, nº1 e 2 da Lei nº2/98, de 3/01, por referência aos artigos 121º e 122º do Código da Estrada.
II- Não obstante a enorme deferência que nos merece o Tribunal a quo, entendemos que a referida medida se revela desproporcional, excessiva e demasiado penalizadora no caso sub judice, pois que
III- O jovem confessou os factos e entende a censurabilidade dos mesmos, sendo certo que não podemos olvidar que o jovem padece de limitações de ordem cognitiva/mental, tanto ao nível das competências verbais como de realização; no mais, cumpriu medida tutelar anterior, encontrando-se em execução uma outra; além disso, sempre que compareceu às aulas mostrou-se simpático e afável, sendo no relacionamento com os adultos respeitoso, educado e cooperante, o que nos leva a crer que que o jovem não é tão avesso ao dever-ser jurídico como se refere no douto acórdão proferido e que sabe comportar-se em sociedade.
IV- Por outro lado, a personalidade do menor, que se apresenta tímido e com um grande medo de rejeição e ansiedade de separação, com grande necessidade de atenção e afeto, aliado ao facto de ser de etnia cigana, vivendo segundo as tradições tão singulares daquele grupo étnico, leva-nos a concluir que o internamento em centro educativo agravará, ainda mais, a sua fragilidade emocional, desenraizando-o, e em nada contribuirá para a sua reeducação e reinserção, antes pelo contrário, poderá originar um sentimento de revolta, incompreensão e desânimo, podendo vir a revelar-se contraproducente e deseducativa.
V- Pelo que face a estas necessidades/características entendemos, salvo o devido respeito, que deve ser aplicada ao jovem uma medida não institucional, mais concretamente, a medida de acompanhamento educativo prevista no artigo 16º da Lei Tutelar Educativa, pois permitirá incutir no jovem o respeito pelos valores ético-jurídicos fundamentais da comunidade, reeducando-o e preparando-o para a sua reintegração na sociedade.
VI- Com efeito, entendemos que tais competências lhe devem ser atribuídas, preferencialmente, no seu meio, mantendo-o ocupado, fazendo-o sentir-se útil, impondo-lhe a frequência na escola da sua área de residência, com aproveitamento; a proibição de frequentar certos locais e acompanhar determinadas pessoas; frequentar eventuais acções de formação, fazendo, inclusivamente, voluntariado numa instituição do concelho ou do distrito, convivendo com os seus pares mas também com os restantes membros da comunidade, estabelecendo laços e conexões, só deste modo se alcançando os fins subjacentes à Lei Tutelar Educativa.
Nestes termos e nos melhores de direito deve o presente recurso merecer provimento em toda a sua extensão e, em consequência, ser o douto acórdão revogado, aplicando-se ao menor a medida tutelar educativa não institucional de acompanhamento educativo prevista no artigo 16º da LTE ao invés da medida de internamento em centro educativo, em regime aberto, aplicada.
Assim decidindo, farão Vs. Exas. Justiça”.

3. Admitido o recurso, o Ministério Público veio responder, pugnando pelo seu não provimento e formulando as seguintes conclusões:
“1- O jovem praticou em 05-07-2016 factos susceptíveis de integrarem a prática de um crime de furto qualificado p. e p. pelos art. 203º, nº 1, 204º, nº 2, al e) com referência ao art. 202º, al d) do CP, pelos quais lhe foi aplicada medida tutelar de realização de 50h de prestação de trabalho a favor da comunidade, a qual já foi declarada extinta por decisão proferida em 26-10-2018 e já transitada em julgado no processo apenso nº 1700/17.1t9vis.
2- No âmbito destes autos praticou o furto qualificado no dia 26/11/2017.
3- No âmbito do Inquérito Tutelar Educativo nº 453/18.0T9vis, por decisão de 26-6-2018 foi determinada a suspensão do mesmo pelo período de 8 meses, mediante cumprimento do plano de conduta apresentado, designadamente 50h de prestação de trabalho a favor da comunidade, por factos recondutíveis ao crime de furto simples e praticados no dia 3/2/2018.
4- No âmbito destes autos praticou crime de condução ilegal no dia 25/5/2018.
5- Por decisão proferida em 16-03-2018 nos autos apensos de promoção e protecção nº 1700/17.1t9vis-A, o jovem … ficou sujeito à medida de promoção e protecção de apoio junto dos pais prevista nos art. 35º, al a) e 39º da LPCJP pelo prazo de um ano, com revisão trimestral e com acompanhamento da Segurança Social, encontrando-se a mesma em fase de revisão.
6- Os comportamentos descritos e dados como assente são geradores de alarme social e espelham bem a conduta desviante por que o menor ingressou, dos seus estilos de vida, das suas personalidades, até porque ao mesmo já havia sido aplicada anteriormente medida tutelar por factos de 5/7/2016, que, apesar de cumprida, não serviu de correcção, já que o menor em 3/2/2018 e 25/5/2018 volta a cometer crimes, sendo que este último (o da condução ilegal no âmbito deste PTE) já em plena execução de medida de promoção e protecção, o que demonstra bem que o menor continuou a adoptar comportamentos disruptivos e a não investir na sua formação pessoal e profissional.
7- …. não sabe ler nem escrever, apenas aprendeu a "desenhar" o nome.
Apesar de ter iniciado a frequência escolar em idade própria, esteve matriculado vários anos no 1º ano, tendo transitado no ano lectivo 2014/2015 para o 2º ano de escolaridade, no qual ainda se encontra retido.
O jovem relaciona-se primordialmente com elementos da sua família, nuclear e alargada, e, em situação de abandono escolar, não apresenta rotinas estruturadas no seu quotidiano.
Privilegia o convívio com pares e adultos conotados com práticas criminais e com consumos de estupefacientes.
… revela capacidades de compreensão do motivo da intervenção judicial, embora se revele pouco envolvido no aprofundamento da sua conduta.
Muito centrado em transferir as responsabilidades para terceiros, o jovem revelou dificuldades ao nível da descentração e do pensamento consequencial, bem como sentimentos de culpa inadequados.
O jovem não revela abertura à intervenção das estruturas sociais que o poderiam ajudar na mudança comportamental, nomeadamente escola e o sistema de protecção.
O jovem … tende a adoptar atitudes de desafio perante a imposição de normas e regras.
O jovem apresenta limitações de ordem cognitiva/intelectual mais acentuadas ao nível da compreensão verbal, conceptualização, raciocínio lógico e abstracto e planificação, tendo em conta a antecipação das consequências, mas tal não compromete a sua capacidade de funcionamento básico em contextos de menor exigência nem a capacidade para perceber a censurabilidade dos factos acima descritos.
O jovem apresenta um perfil de funcionamento tendencialmente submisso, passivo e vulnerável à influência dos outros e do meio envolvente.
8- Quer os factos em análise quer os anteriormente cometidos, em que foram violados diferentes bens jurídicos revelam o alheamento do jovem em relação a tais bens.
9- Neste momento, seria totalmente ineficaz uma medida tutelar a executar no ambiente habitual de vida do jovem, até porque, conforme resulta do relatório pericial, é muito influenciável, logo seria facilmente conduzido pelas práticas do meio social em que se insere.
10- Existe, desta forma, um perigo notório e concreto de que o jovem, na continuidade do meio natural em que se insere, pratique novos delitos criminais de gravidade, acrescendo o facto de que o jovem actualmente já penalmente imputável.
11- Não descurámos o facto do menor, desde o início do inquérito tutelar educativo até à fase de julgamento, ter assumido os factos, o que não deixou de abonar em seu favor, daí o prazo da medida ter sido de apenas 9 meses, ou seja, pouco acima do limite mínimo.
12- Por fim, a medida de internamento em regime aberto visa proporcionar ao menor, por via do afastamento temporário do seu meio habitual e da utilização de programas e métodos pedagógicos, a interiorização de valores conformes ao direito e a aquisição de recursos que lhe permitam, no futuro, conduzir a sua vida de modo social e juridicamente responsável, sem, contudo, deixar de ter contacto com o exterior.
13- Nestes termos deverá manter-se o acórdão proferido”.

4. Admitido o recurso e subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que alude o artigo 416.° do Código de Processo Penal (doravante CPP), ex vi artigo 128.º, n.º 1 da LTE[1], emitiu parecer no sentido de que lhe deve ser negado provimento, acompanhando para tanto a resposta do Ministério Público na 1.ª instância.
5. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do CPP, ex vi artigo 128.º, n.º 1 da LTE, não foi apresentada qualquer resposta.
6. Foi efectuado exame preliminar, após o que, colhidos os vistos, foram os autos à conferência.
Cumpre agora decidir.
                                                            *
II – Fundamentação 
1. Dispõe o artigo 412.º, n.º 1 do CPP, ex vi artigo 128.º, n.º 1 da LTE, que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.
Constitui entendimento constante e pacífico que o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar[2], sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso[3].
Atentas as conclusões apresentadas, que traduzem de forma condensada as razões de divergência da recorrente com a decisão impugnada, são as seguintes as questões a decidir:
·  A excessiva medida tutelar educativa aplicada ao recorrente – internamento em centro educativo em regime aberto – e a sua substituição por medida não institucional.
                                                          *
2. O acórdão recorrido.
2.1. No acórdão proferido pelo tribunal colectivo misto foram dados como provados os seguintes factos (transcrição):
“No dia 26/11/2017, o jovem …, de comum acordo e em concretização de um plano previamente traçado com os jovens … ("…"), … ("…"), … e …, de 13 anos de idade, decidiram entrar no estabelecimento de bar e restauração denominado "…", sito no Instituto (...) , nesta cidade, a fim de dali retirarem dinheiro e bens, nomeadamente bens com valor comercial e/ou comestíveis, fazendo-os seus.
Assim, naquele dia, pelas 02h05, o jovem …, na companhia dos jovens …, … "…", … e …, em comunhão de esforços e vontades, mediante plano a que todos aderiram, destruíram a fechadura da porta das traseiras do estabelecimento "…", supra citado, e acederam ao seu interior.
De seguida, aqueles arrombaram a porta que separa a zona de armazém do espaço da sala de atendimento ao público e dali retiraram uma máquina de armazenamento e contagem de dinheiro (Caixa Automática de pagamentos), marca "Cash Dr02", que se encontrava no balcão de atendimento e que aqueles levaram e fizeram sua.
A máquina em causa tinha o valor de €5 500.00 (cinco mil e quinhentos euros) e no seu interior encontrava-se a quantia em dinheiro de cerca de €2 500.00 (dois mil e quinhentos euros).
O jovem … e os restantes jovens …, … "…", … e …arrombaram a máquina e dali retiraram o citado valor monetário de que se apropriaram.
O jovem … e os restantes jovens …, … "…", … e … deixaram no local uma caderneta pertença de …, um carregador de telemóvel de cor branco e um saco de tabaco de marca "Spingfield".
Naquelas circunstâncias, o jovem … entrou no "…" empunhando uma arma de fogo, arma que manteve na sua posse, continuando a empunhá-la enquanto percorreu o interior das instalações, arma essa cujas características concretas não se logrou apurar mas que aparentava ser uma arma transformada em pistola 6.35.
Todos os jovens tinham conhecimento de que se faziam acompanhar de uma arma de fogo que iria ser utilizada na prática do furto, reforçando a segurança de todos.
O jovem … e os restantes jovens, … "…", … e … sabiam que o jovem …levava consigo uma arma que ia utilizar na execução do citado plano de entrada e apropriação de dinheiro e bens do "…", pela forma descrita e com o qual se conformaram.
O jovem … e os restantes jovens …, … "…", … e … deslocaram-se para o local e dali saíram, fazendo-se transportar num veículo marca e modelo "Citroen ZX", de cor encarnada e de matrícula …, conduzido pelo jovem … que não era titular de carta de condução que o habilitasse a conduzir.
A máquina supra referida e a respectiva gaveta foram apreendidas na Estrada Florestal situada na União de Freguesias de Repeses e S. Salvador, encontrando-se esta danificada, nomeadamente na sequência do arrombamento.
O jovem …, e os restantes jovens …, … "…", … e … agiram da forma acima descrita de forma livre, voluntária e consciente, em comunhão de esforços e vontades mediante plano por todos delineado e a que todos aderiram, com o propósito concretizado de se apropriarem de dinheiro e bens de valor que encontrassem, como sucedeu, mediante arrombamento do estabelecimento comercial em que penetraram, utilizando para o efeito arma de fogo, apesar de saberem que não estavam autorizados nem podiam entrar no estabelecimento comercial da forma descrita, que os bens e dinheiro não lhe pertenciam, que actuavam contra a vontade do legítimo proprietário, causando-lhe prejuízo, obtendo um benefício patrimonial de valor elevado a que não tinham direito.
Sabiam que não podiam ter na sua posse a arma de fogo, porém utilizaram-na consciente e deliberadamente com vista a reforçar a segurança de todos, utilizando-a pelo menos como meio intimidatório caso fosse necessário face à abordagem de terceiros.
Por seu turno, no dia 25/5/2018, pelas 23h e 50m, junto à rotunda da Igreja (Av. João XXIII), a GNR ao deparar-se com uma carrinha, matrícula …, marca Ford, modelo Transit, cor branca com a lâmpada do farol frontal fundia, tentou abordar o condutor.
De imediato, o condutor colocou-se em fuga em direcção à Quinta do peso, (...) , vindo a ser interceptado já no meio do Bairro da Quinta …, sendo que tal viatura estava a ser conduzida pelo jovem ….
Representou e quis o jovem … conduzir o veículo na via pública no referido circunstancialismo, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida criminalmente, já que não era titular da necessária carta de condução e que não podia conduzir veículos a motor na via pública sem estar habilitado para o efeito.
              … é um jovem de etnia cigana que integra o seu agregado familiar de origem, composto pelos pais de 38 e 37 anos e pelo seu irmão mais novo de três anos e meio.
Tem ainda um irmão mais velho, o qual, por vezes, se autonomiza do agregado dos pais.
Este núcleo familiar vive segundo as tradições e costumes do seu grupo étnico e reside num bairro onde os moradores são maioritariamente de etnia cigana, com problemáticas sociais associadas, nomeadamente criminalidade e tráfico de estupefacientes.
A dinâmica familiar caracteriza-se por um clima de grande coesão e de espírito de entreajuda.
Não obstante os pais se revelarem preocupados pelo acompanhamento do processo de desenvolvimento dos filhos, as práticas parentais desenvolvidas afiguram-se inconsistentes, permissivas pelo que o jovem … gere o seu quotidiano como bem entende.
Os progenitores não conseguem impor regras e limites ao jovem …, nem têm conseguido, de forma eficaz, promover alterações de comportamento, o que tem fomentado a repetição de comportamentos anti-sociais.
Paralelamente o pai, irmão mais velho e elementos da família alargada, com os quais o jovem convive, têm vários confrontos com a justiça, tendo o pai, no passado recente, cumprido pena de prisão.
A figura materna tem problemas de saúde mental, o que a limita ao nível do desempenho adequado das suas responsabilidades educativas.
Perante o estilo de vida que o jovem tem vindo a adoptar, os progenitores adoptam uma postura desculpabilizante e de vitimização.
Nenhum dos progenitores exerce actividade profissional regular, referindo dedicarem-se à venda nas feiras e recolha de sucata.
Actualmente são beneficiários do Rendimento Social de Inserção, no valor de cerca de 380 (trezentos e oitenta) euros.
No ano lectivo de 2017/2018, o jovem … esteve matriculado no 2 º ano, na Escola Básica de (...) , do Agrupamento de Escolas de (...) , tendo ficado retido por faltas, sendo o total de faltas acumuladas ao longo do ano em número de 169 (cento e sessenta e nove).
Não foi renovada a matrícula do jovem … para o ano lectivo 2018/2019.
… não sabe ler nem escrever, apenas aprendeu a "desenhar" o nome.
Apesar de ter iniciado a frequência escolar em idade própria, esteve matriculado vários anos no 1º ano, tendo transitado no ano lectivo 2014/2015 para o 2º ano de escolaridade, no qual ainda se encontra retido.
O jovem relaciona-se primordialmente com elementos da sua família, nuclear e alargada, e, em situação de abandono escolar, não apresenta rotinas estruturadas no seu quotidiano.
Privilegia o convívio com pares e adultos conotados com práticas criminais e com consumos de estupefacientes.
… revela capacidades de compreensão do motivo da intervenção judicial, embora se revele pouco envolvido no aprofundamento da sua conduta.
Muito centrado em transferir as responsabilidades para terceiros, o jovem revelou dificuldades ao nível da descentração e do pensamento consequencial, bem como sentimentos de culpa inadequados.
O jovem não revela abertura à intervenção das estruturas sociais que o poderiam ajudar na mudança comportamental, nomeadamente escola e o sistema de protecção.
O jovem … tende a adoptar atitudes de desafio perante a imposição de normas e regras.
O jovem apresenta limitações de ordem cognitiva/intelectual mais acentuadas ao nível da compreensão verbal, conceptualização, raciocínio lógico e abstracto e planificação, tendo em conta a antecipação das consequências, mas tal não compromete a sua capacidade de funcionamento básico em contextos de menor exigência nem a capacidade para perceber a censurabilidade dos factos acima descritos.
O jovem apresenta um perfil de funcionamento tendencialmente submisso, passivo e vulnerável à influência dos outros e do meio envolvente.
O jovem  praticou em 05-07-2016 factos susceptíveis de integrarem a prática de um crime de furto qualificado p. e p. pelos art. 203º, nº 1, 204º, nº 2, al e) com referência ao art. 202º, al d) do CP, pelos quais lhe foi aplicada medida tutelar de realização de 50h de prestação de trabalho a favor da comunidade, a qual já foi declarada extinta por decisão proferida em 26-10-2018 e já transitada em julgado no processo apenso nº 1700/17.1t9vis.
No âmbito do Inquérito Tutelar Educativo nº 453/18.0T9vis, por decisão de 26-6-2018 foi determinada a suspensão do mesmo pelo período de 8 meses, mediante cumprimento do plano de conduta apresentado, designadamente 50h de prestação de trabalho a favor da comunidade, por factos recondutíveis ao crime de furto simples e praticados no dia 3/2/2018.
Por decisão proferida em 16-03-2018 nos autos apensos de promoção e protecção nº 1700/17.1t9vis-A, o jovem … ficou sujeito à medida de promoção e protecção de apoio junto dos pais prevista nos art. 35º, al a) e 39º da LPCJP pelo prazo de um ano, com revisão trimestral e com acompanhamento da Segurança Social, encontrando-se a mesma em fase de revisão”.

2.2. Por sua vez, o tribunal a quo considerou não provado que o jovem tenha sido coagido ou ameaçado a praticar os factos ocorridos no dia 26/11/2017”.
                                                               *
3. Apreciando.
A prática, por menor com idade compreendida entre os 12 e 16 anos de idade, de facto qualificado pela lei penal como crime, dá lugar à aplicação de medida tutelar educativa, sempre que no momento da prolação da decisão se revele ser necessária a intervenção estadual destinada à sua educação para o direito, tendo em vista a inserção, de forma digna e responsável, na vida em comunidade, ou seja, não voltando a delinquir, cometendo novos factos tipificados na lei penal como crime (cf. artigos 1.º, 2.º, n.º 1 e 7.º, todos da LTE).
Com efeito, conforme se assinala na Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 266/VII, que veio dar origem ao diploma que aprovou a LTE, “sendo finalidade da intervenção tutelar a educação do menor para o direito e não a retribuição pelo crime, não poderá aplicar-se medida tutelar sem que se conclua, em concreto, pela necessidade de corrigir a personalidade do menor no plano do dever-ser jurídico manifestada na prática do facto”, para além de que “a intervenção tutelar educativa só deve ocorrer quando a necessidade de correcção da personalidade subsistir no momento da aplicação da medida”. 
No caso dos autos, não se questiona a conclusão de que as apuradas condutas do recorrente constituem factos qualificados pela lei penal como crime – furto qualificado, previsto no artigo 203.º, n.º 1 e 204.º, n.os 1, alínea a), e 2, alíneas e) e f), com referência ao artigo 202.º, alíneas a) e d), todos do Código Penal, e condução sem habilitação legal, previsto no artigo 3.º, n.os 1 e 2 da Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, com referência aos artigos 121.º e 122.º do Código da Estrada – segundo um enquadramento que se revela correctamente efectuado no acórdão recorrido.
Por outro lado, o tribunal a quo considerou verificada a necessidade de aplicação de uma medida tutelar, o que fundamentou do seguinte modo:
“No caso vertente, justifica-se a aplicação de medida tutelar ao jovem porquanto este praticou factos qualificados pela lei penal como crimes, tendo sido cometidos quando o menor tinha idade superior a 12 anos e inferior a 16 anos.
Ressalta da factualidade apurada, para além da prática desses factos, que o jovem revela graves dificuldades de integração na sociedade manifestadas na prática dos factos e numa conduta social desviante, evidenciando a falta de um projecto de vida futuro que seja comunitariamente aceitável de acordo com os padrões éticos vigentes, situação a que não é alheia a falta de educação e de imposição de regras no seio familiar.
Evidencia-se dos factos a necessidade de aplicação de uma medida tutelar, face ao comportamento delitual desenvolvido e à falta de educação no seio da família, tornando-se necessário educar o jovem de forma a levá-lo a interiorizar regras, normas e valores para viabilizar a sua inserção na comunidade de forma digna e responsável.
Destarte, o comportamento desenvolvido pelo jovem e revelado na prática dos factos apurados, que são atentatórios de diversificados bens jurídicos tutelados pela lei penal, demonstra uma profunda indiferença contra tais bens que são essenciais para assegurar o sã convívio e pacífica coexistência das pessoas inseridas na comunidade.
Este desrespeito por regras básicas da convivência social legitima a intervenção do Estado uma vez que este tem o direito/dever de intervir correctivamente uma vez que este jovem, ao actuar da forma descrito, mostrou-se hostil ao dever-ser jurídico básico tutelado em sede penal.
Não pode olvidar-se que alguns dos factos qualificados como crime pela lei penal são puníveis, para maiores de 16 anos, com penas superiores a 5 anos.
Na verdade, o crime de furto qualificado imputado ao jovem é punível com pena de prisão de dois a oito anos.
Já o crime de condução sem habilitação legal por ele praticado é punível com prisão até dois anos ou multa até 240 dias”.

Ora, através da prática dos referidos factos qualificados pela lei penal como crime, particularmente o de furto qualificado, cujo grau de ilicitude encontra tradução na pena (elevada) que lhe é abstractamente aplicável, aliada ao seu percurso desviante anterior, caracterizado por uma outra conduta que também enquadrável no crime de furto qualificado, e ao apurado contexto pessoal e sociofamiliar em que ressalta a incapacidade dos progenitores em impor regras e limites ao filho, promovendo alterações do seu comportamento, o que tem fomentado a repetição de condutas anti-sociais, sem que, por outro lado, aquele revele abertura à intervenção da escola e do sistema de protecção, tendo em vista a concretização de mudança ao nível comportamental, torna-se manifesto que o menor … revela necessidade de educação para o direito que demanda a aplicação de um medida tutelar educativa, necessidade a que o mesmo não levantou qualquer objecção no recurso que interpôs.
Insurge-se, no entanto, contra o aplicado internamento em centro educativo, ainda que em regime aberto, em relação ao qual sustenta que se trata de uma medida desproporcional, excessiva e demasiado penalizadora para o caso sub judice, sendo que o acompanhamento educativo se revela suficiente e adequado e deve, por isso, ser a opção a tomar na concreta situação dos autos.
Pois bem.
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Tal como se assinala no acórdão recorrido, ao nível do critério de escolha da medida a aplicar, a lei estabelece que o tribunal dá preferência, de entre as que se mostrem adequadas e suficientes, à medida que represente menor intervenção na autonomia de decisão e de condução de vida do menor e que seja susceptível de obter a sua maior adesão e a adesão de seus pais, representante legal ou pessoa que tenha a sua guarda de facto, sendo a escolha orientada pelo interesse do menor (artigo 6.º da LTE).
Neste contexto, deverá ser dada preferência à aplicação de medidas não institucionais, uma vez que as medidas institucionais representam maior intervenção na autonomia de decisão e de condução de vida do menor e, por isso, ficam reservadas para os casos em que aquelas se mostram inadequadas e insuficientes às finalidades da intervenção tutelar educativa que, como vimos, se destinam a dar resposta à necessidade de educação do menor para o direito, manifestada na prática do facto e que subsista no momento da decisão. Isto tendo sempre presente que a medida deve ser proporcionada à gravidade do facto e à necessidade de educação do menor para o direito (artigo 7.º da LTE e artigo 18.º, n.º 2 da CRP).
Para fundamentar a aplicação da medida de internamento do menor em centro educativo, em regime aberto, o tribunal a quo invocou as seguintes razões:
Face à idade do jovem (que passou a ser imputável e penalmente responsável a 2-03-2019), à falta de uma educação eficaz no seio do seu agregado familiar, revelando os factos a incapacidade dos pais para inverterem o percurso de vida deste seu filho, tudo leva a concluir que seria totalmente ineficaz uma medida tutelar a executar no ambiente habitual de vida do jovem, até porque é influenciável pelas práticas do meio social em que se insere, com as características descritas na factualidade apurada.
De facto, o jovem não acata regras nem interiorizou a necessidade de viver de acordo com padrões éticos que viabilizem a vida em sociedade, apesar da intervenção já verificada ao abrigo da lei tutelar educativa.
Assim, afigura-se que a única forma de permitir o investimento conducente à interiorização, pelo jovem, dos valores e comportamentos adequados ao ordenamento jurídico, redunda na aplicação de uma medida de internamento, como resulta do relatório de fls. 177 e seg. com a rectificação introduzida a fls. 193, por se tratar da medida que in casu é a mais adequada à interiorização dos valores e comportamentos comunitariamente aceitáveis, sendo a única medida com potencialidades para proporcionar ao jovem os recursos necessários à vida em sociedade”.

Ora, o quadro assim considerado pelo tribunal a quo, resultante dos factos provados, em conjugação com os elementos fornecidos pela avaliação técnica efectuada pela DGRSP, vertidos no relatório social junto aos autos e levados também ao elenco de matéria apurada, é claramente revelador de que a medida institucional de internamento em regime aberto é a única que assegura com adequação e suficiência as finalidades de educação do menor para o direito inerentes à intervenção tutelar educativa.
A conduta desviante que o menor … praticou, em 26-11-2017, enquadrável no crime de furto qualificado previsto no artigo 203.º, n.º 1 e 204.º, n.os 1, alínea a), e 2, alíneas e) e f), com referência ao artigo 202.º, alíneas a) e d), todos do Código Penal, caracterizou-se pela actuação conjunta com outros jovens, mediante arrobamento de estabelecimento comercial em que penetraram, para se apropriarem de dinheiro e bens de valor que aí encontrassem, no que vieram a fazer sua a quantia em dinheiro de cerca de 2 500,00 euros, fazendo-se ainda acompanhar de uma arma de fogo, destinada a ser utilizada na prática daquele furto com vista a reforçar a segurança de todos e, pelo menos, como meio intimidatório, caso a abordagem de terceiros o tornasse necessário.
A conduta assim levada a cabo apresenta contornos de assinalável gravidade, em termos do desvalor que patenteia, face à concretizada ofensa a bens jurídicos fundamentais, mostrando o menor … com o seu cometimento uma premente necessidade de interiorização dos valores essenciais da vida em sociedade, tutelado pelas normas criminais, por forma a desenvolver à competências pessoais e sociais adequadas a essa interiorização e à adopção de um comportamento pautado pela obediência devida a tais valores jurídicos fundamentais.
Isto tanto mais que, em momento anterior – 05-07-2016 –, o menor já havia cometido outros factos susceptíveis de integrarem a prática de um crime de furto qualificado, previsto nos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, alínea e), com referência ao artigo 202.º, alínea d), todos do Código Penal.
Por tais factos de 2016, foi-lhe aplicada a medida de tutelar de realização de 50 horas de tarefas a favor da comunidade, que foi declarada extinta por decisão proferida em 26-10-2018.
Ora, não obstante tal medida, o menor … voltou a praticar, em 25-05-2018, novos factos qualificados na lei penal como crime, desta feita de condução sem habilitação legal, nos termos previstos no artigo 3.º, n.os 1 e 2 da Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, com referência aos artigos 121.º e 122.º do Código da Estrada.
É certo que esta conduta mais recente atentou contra bens jurídicos bem diversos dos infringidos pelos actos delituosos anteriores.
Contudo, não deixa de representar um sinal claro de que a referida intervenção não institucional de que o menor havia beneficiado não logrou alcançar o êxito desejado de uma actuação futura que globalmente se revelasse conforme com o dever-ser jurídico básico, tutelado pelas normas criminais.
Dito isto, resulta ainda da matéria apurada que:
O menor … encontra-se em situação de abandono escolar e não apresenta rotinas estruturadas no seu quotidiano, privilegiando o convívio com partes e adultos conotados com práticas criminais e com consumos de estupefacientes.
Revela capacidades de compreensão do motivo da intervenção judicial, embora se mostre pouco envolvido no aprofundamento da sua conduta. Muito centrado em transferir as responsabilidades para terceiros, revelou dificuldades ao nível da descentração e do pensamento consequencial, bem como sentimentos de culpa inadequados.
Por outro lado, apresenta limitações de ordem cognitiva/intelectual mais acentuadas ao nível da compreensão verbal, conceptualização, raciocínio lógico e abstracto e planificação, tendo em conta a antecipação das consequências, mas tal não compromete a sua capacidade de funcionamento básico em contextos de menor exigência nem a capacidade para perceber a censurabilidade dos factos dos autos.
Apresenta ainda um perfil de funcionamento tendencialmente submisso, passivo e vulnerável à influência dos outros e do meio envolvente, para além de que tende a adoptar atitudes de desafio perante a imposição de normas e regras.
Acresce que não mostra abertura à intervenção das estruturas sociais que o poderiam ajudar na mudança comportamental, nomeadamente a escola e o sistema de protecção (recorde-se que, por decisão proferida em 16-03-2018, no processo de promoção e protecção apenso, foi aplicada a medida de apoio junto dos pais, pelo prazo de um ano e com acompanhamento da Segurança Social, encontrando-se a mesma em fase de revisão), para além de que tende a adoptar atitudes de desafio perante a imposição de normas e regras e apresenta um perfil de funcionamento tendencialmente submisso, passivo e vulnerável à influência dos outros e do meio envolvente.
Relaciona-se primordialmente com elementos da sua família, nuclear e alargada, sendo que a dinâmica familiar se caracteriza por um clima de grande coesão e de espírito de entreajuda.
Sucede que, não obstante os pais se revelem preocupados pelo acompanhamento do processo de desenvolvimento dos filhos, as práticas parentais desenvolvidas afiguram-se inconsistentes e permissivas, pelo que o menor … gere o seu quotidiano como bem entende.
Os progenitores não conseguem impor regras e limites ao menor, nem têm conseguido, de forma eficaz, promover alterações de comportamento, o que tem fomentado a repetição de comportamentos anti-sociais.
Paralelamente, o pai, irmão mais velho e elementos da família alargada, com os quais o … convive, têm vários confrontos com a justiça, tendo o pai, no passado recente, cumprido pena de prisão.
A figura materna tem problemas de saúde mental, o que a limita ao nível do desempenho adequado das suas responsabilidades educativas.
Perante o estilo de vida que o menor … tem vindo a adoptar, os progenitores adoptam uma postura desculpabilizante e de vitimização.
Pois bem.
O percurso desviante do menor … que, em 02-03-2019, completou 16 anos de idade, aliado às apuradas características da sua personalidade e ao modo de vida desestruturado que vem adoptando, sem regras nem limites e em que sobressai a ineficácia da resposta familiar, das estruturas de protecção e da intervenção tutelar educativa não institucional, exige que se adopte uma solução que proporcione uma efectiva oportunidade de mudança destinada a inverter uma trajectória de vida traduzida na indesejada prática de condutas que, nesta fase, o farão já incorrer em responsabilidade criminal. Solução que, no caso, só se alcançará através do afastamento temporário do meio que claramente se revela obstativo à realização de uma intervenção educativa minimamente adequada e eficaz, impondo, pois, as necessidades de … de educação para o direito a aplicação de uma medida institucional.
De notar que, pese embora o contexto familiar em que o menor se insere se caracterize por um clima de grande coesão e espírito de entreajuda, certo é que, face a tudo o mais que se apurou, nos termos acima descritos, tal é insuficiente para suportar um prognóstico minimamente favorável ao êxito de uma medida não institucional, mormente a de acompanhamento educativo.
É que, como certeiramente se assinala no acórdão recorrido, a falta de uma educação eficaz no seio do seu agregado familiar, revelando os factos a incapacidade dos pais para inverterem o percurso de vida deste seu filho, agora já penalmente imputável, leva a concluir que seria totalmente ineficaz uma medida tutelar a executar no seu ambiente habitual de vida, até porque é influenciável pelas práticas do meio social em que se insere, com as características descritas na factualidade apurada.
Qualquer medida não institucional, incluindo a de acompanhamento educativo, invocada no recurso, é, assim, inadequada e insuficiente para dar satisfação mínima às necessidades de educação para o direito que o menor … revelou com a prática dos factos dos autos e que no presente momento ainda subsistem.
Em suma, só por via do afastamento temporário do seu meio habitual e da utilização, no contexto institucional, de programas e métodos pedagógicos, se logrará proporcionar ao menor os meios educativos adequados à interiorização de valores conformes ao direito e à aquisição de recursos que lhe permitam, no futuro, conduzir a sua vida de modo social e juridicamente responsável, tal como preconiza o artigo 17.º, n.º 1 da LTE, ao definir as características essenciais da medida de internamento em centro educativo.
Neste contexto, o tribunal a quo optou justificadamente pelo regime aberto do internamento a aplicar a …, sendo que, dentro dos regimes em que a medida institucional pode ser executada, se trata da resposta menos limitativa da autonomia do menor, que se reflecte, sobretudo, no modo de funcionamento do estabelecimento e no seu grau de abertura ao exterior.
Concretizando, o artigo 167.º da LTE dispõe que, nos centros educativos de regime aberto, os menores residem e são educados no estabelecimento, mas frequentam no exterior, preferencialmente, as actividades escolares, educativas ou de formação, laborais, desportivas e de tempos livres previstas no seu projecto educativo pessoal (n.º 1). Os menores podem ser autorizados a sair sem acompanhamento e a passar períodos de férias ou de fim-de-semana com os pais, representante legal, pessoa que tenha a sua guarda de facto ou outras pessoas idóneas (n.º 2). No desenvolvimento da actividade educativa, os centros educativos de regime aberto devem incentivar a colaboração do meio social envolvente, abrindo ao mesmo, tanto quanto possível, as suas próprias estruturas (n.º 3).
Por sua vez, no que à duração da medida diz respeito, o fixado período de 9 (nove) meses mostra-se conforme com os critérios estipulados no artigo 7.º da LTE, cujo n.º 1 dispõe que a medida tutelar deve ser proporcionada à gravidade do facto e à necessidade de educação do menor para o direito manifestada na prática do facto e subsistente no momento da decisão, e o seu n.º 2 estabelece que a duração da medida de internamento em centro educativo não pode, em caso algum, exceder o limite máximo da pena de prisão prevista para o crime correspondente ao facto.
Ademais, situa-se dentro dos limites previstos no artigo 18.º, n.º 1 da LTE, precisando-se, todavia, que a versão da norma citada no acórdão recorrido não corresponde à que já à data dos factos praticados pelo menor se encontrava em vigor. Assim, segundo a redacção introduzida pela Lei n.º 4/2015, de 15 de Janeiro, no aludido artigo 18.º, n.º 1, a medida de internamento em regime aberto e semiaberto tem a duração mínima de seis meses e a máxima de dois anos.
Seja como for, a duração de nove meses fixada pelo tribunal a quo, próxima daquele limite mínimo, revela-se adequada à realização das finalidades que subjazem à aplicação da medida e de modo algum excede o tempo que se reputa necessário à execução do projecto educativo pessoal[4] a ela inerente.
Isto sem prejuízo, claro está, da revisão a que a medida está sujeita, de acordo com a lei, e dos efeitos modificativos ou até extintivos que daí possam resultar, face à evolução que as necessidades educativas do menor venham a revelar antes do termo da fixada duração de nove meses (cf. artigos 136.º, 137.º e 139.º da LTE).
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Em síntese conclusiva, considerando o acima exposto, não merece censura o acórdão recorrido, ao aplicar a medida de internamento do menor … em centro educativo, em regime aberto, pelo período de 9 (nove) meses.
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III – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Criminal deste Tribunal da Relação em negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmam o acórdão recorrido.
Sem custas – artigo 4.º, n.º 1, alínea i), do Regulamento das Custas Processuais.
                                
Coimbra, 22 de Maio de 2019
(Acórdão elaborado e integralmente revisto pela primeira signatária e assinado electronicamente por ambos os signatários – artigo 94.º, n.os 2 e 3 do CPP)
                                     
Helena Bolieiro (relatora)
                                     
Brízida Martins (adjunto)


                          


[1] Lei Tutelar Educativa, aprovada em anexo à Lei n.º 166/99, de 14 de Setembro, alterada pela Lei n.º 4/2015, de 15 de Janeiro, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 9/2015, de 3 de Março.
[2] Cf. Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Portuguesa, 2015, pág.335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., Rei dos Livros, 2011, pág.113; entre muitos, os Acórdãos do STJ de 25-06-1998, in BMJ 478, pág.242; de 03-02-1999, in BMJ 484, pág.271; de 28-04-1999, CJ/STJ, Ano VII, Tomo II, pág.193.
[3] Cf. Acórdão do STJ de Fixação de Jurisprudência n.º 7/95, de 19-10-1995, publicado no Diário da República, Série I-A, de 28-12-1995.
[4] Quanto ao projecto educativo pessoal, base da execução da medida de internamento em centro educativo, cf. os artigos 164.º e 171.º, n.º 3, alínea b), ambos da LTE.