Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
53/10.3TBAMM.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: LIQUIDAÇÃO
SENTENÇA
INCIDENTE
PEDIDO
Data do Acordão: 11/13/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU - LAMEGO - JL CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 358, 609, 704 CPC
Sumário: 1.- No incidente de liquidação de sentença, o pedido não pode exceder o pedido genérico deduzido na causa principal, nem conhecer de danos que não tenham sido previamente apurados na sentença.

2.-Tendo os autores fundado a sua pretensão indemnizatória no facto de a conduta das rés os ter impedido de plantarem olival e de cultivarem os terrenos identificados nos autos, e tendo sido com base nessa factualidade, dada como provada na sentença, que se proferiu uma condenação genérica, não podem no incidente de liquidação, liquidarem o pedido genérico com base em fundamentação de facto completamente diferente da aduzida na petição inicial, sob pena de assim sendo se estar a dar guarida a coisa diversa daquela que foi pedida na acção, condenar num pedido que não se comporta no pedido genérico liquidando.

Decisão Texto Integral:











            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

M (…) e L (…), intentaram o presente incidente de liquidação de execução de sentença proferida na acção popular que correu termos no Tribunal de Armamar, entre outros, contra MA (…) e MC (…), já todos identificados nos autos.

Alegam, para tanto, que as ora rés foram condenadas a indemnizá-los, pelos danos que lhes causaram com as respectivas condutas, em quantia a liquidar em execução de sentença.

Mais referem, que em 2009, com vista a ali formar um pomar de macieiras e/ou oliveiras, surribaram o prédio de que são proprietários, mas não conseguiram fazer a pretendida plantação, em virtude de os réus lhes terem impedido o acesso àquele prédio, o que obstou “à formação do pomar como a qualquer outro tipo de cultura (art.º 9.º do requerimento de liquidação).

Decorridos que são 7 anos desde que estão impedidos de aceder ao seu prédio, têm de proceder a nova surriba do mesmo e tendo por referência a aquisição de 250 macieiras “Gallant m. 7”, quantificam os danos sofridos, na quantia de 17.688,50 €.

Contestando, as requeridas, impugnam os factos em que os requerentes baseiam o cálculo indemnizatório que apresentam; designadamente, que têm a intenção de ali plantar o referido pomar de macieiras, o qual não se integra no objecto dos danos decorrentes da conduta das rés e impugnam os factos em que os requerentes quantificam a peticionada indemnização, designadamente, os relativos a custos e lucros obtidos.

Teve lugar a realização de audiência prévia, no decurso da qual se proferiu despacho saneador tabelar, se fixou o objecto do litígio e foram enunciados os temas da prova, sem reclamação.

Procedeu-se a peritagem.

Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, com recurso à gravação da prova nela produzida, finda a qual foi proferida a sentença de fl.s 574 a 583, na qual se fixou a matéria de facto considerada como provada e não provada e respectiva fundamentação e, a final, se decidiu o seguinte:

“Face ao exposto, julgo a liquidação parcialmente procedente e, em consequência, fixo em € 3.500,00 a indemnização devida pelas Rés/executadas MA (…) e MC (…) aos Autores L (…) e M (…).

Custas por autores e rés na proporção do respectivo decaimento (art. 527º, nºs 1 e 2 do C.P.C.).”.

Inconformadas com a mesma, interpuseram recurso, as rés, (…) recurso, esse, admitido como de apelação, com subida, imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (cf. despacho de fl.s 597), apresentando as seguintes conclusões:

1 – Dos factos provados em 18 e 19 da acção popular resulta que os autores procederam à surriba do prédio em causa e por força da conduta das rés ficaram os mesmos impedidos de proceder à plantação de olival e o cultivar.

2 – A liquidação da sentença, tendo por base o acervo factual dado como provado na acção popular, consiste então em apurar o montante concreto dos danos que resultaram para os autores em virtude da impossibilidade de procederem à plantação de olival e ao cultivo do prédio.

3 – Quanto aos danos resultantes da impossibilidade de cultivo do prédio, mormente das oliveiras já lá existentes, nenhum valor poderia ter sido atribuído aos autores pois nenhum valor reclamam e não há nos autos elementos que permitam ao julgador dirimir a questão mesmo segundo critérios de equidade – não se sabe quantas oliveiras ficaram sem cultivo, nem a sua idade, nem a sua capacidade de produção, elementos que seriam importantes para fixar o montante do dano emergente da sua falta de cultivo.

4 – Quanto ao dano resultante da impossibilidade de plantação de olival, verificando-se que os autores peticionam agora os danos emergentes da impossibilidade de plantação de um pomar de macieiras e não de um olival, nenhum valor poderia também ser-lhes atribuído e a liquidação teria de improceder.

5 – Não é permitido aos autores tomarem em sede de liquidação uma posição diferente ou mais favorável da já assumida e dada por provada na acção popular.

6 - Na acção popular ficou provado que os autores ficaram impedidos de proceder à plantação de olival pelo que o propósito da presente liquidação não poderia ser outro senão a determinação do montante do prejuízo decorrente da impossibilidade de os autores procederem à plantação de olival.

7 – Da mesma forma que não podiam alegar que pretendiam explorar petróleo também não podiam alegar que pretendiam plantar um pomar de macieiras.

9 – Ao admitir a liquidação dos danos resultantes da impossibilidade de plantação de um pomar de macieiras o Tribunal fez errada interpretação do disposto nos artigos 621.º do Código de Processo Civil, e violou o caso julgado, e disposto no artigo 609.º, n.º 2 do mesmo diploma legal segundo o qual a liquidação visa a fixação do objecto ou da quantidade e nada mais.

10 – O que desde logo impõe a revogação da sentença e a determinação da improcedência da liquidação.

11 – Ainda que por hipótese académica se pudessem liquidar os danos resultantes da impossibilidade de plantar um pomar de macieiras então os autores teriam de provar (por nesse caso não beneficiarem da protecção do caso julgado) que tinham efectivamente intenção de plantar um pomar de macieiras e que o tereno tinha objectivamente condições para nele serem plantas macieiras.

12 – O Tribunal recorrido errou ao firmar na motivação da sentença que atendeu ao relatório da peritagem quanto à aptidão do prédio para a plantação de macieiras pois não o poderia ter feito dado que tal documento nada refere a esse propósito.

13 – Nada constando dos factos provados acerca da aptidão do prédio para a plantação de macieiras não pode considerar-se que o mesmo é apto para esse fim.

14 – O tribunal recorrido errou ao dar como provado no ponto 2. Dos factos assentes que “os autores surribaram o prédio por forma a nele formarem um pomar de macieiras”, pois nenhuma prova foi produzida nesse sentido.

15 – E por não existir prova da positividade desse facto o Tribunal recorrido não conseguiu especificar os fundamentos de facto da sua decisão quanto a este ponto, padecendo a sentença recorrida nesta parte de uma nulidade parcial nos termos do disposto no n.º 1,al.b) do artigo 615.º do CPC.

16 –Não se pode dispensar os autores de provar que tinham uma intenção real em plantar um pomar de macieiras e que o terreno em questão era apto para essa cultura pois tal equivaleria a admitir que a liquidação seria igualmente procedente mesmo que porventura aqueles dessem em alegar que a sua intenção era explorar petróleo.

17 – O Tribunal recorrido ao dar como não provado “que os autores não tinham e não têm intenção de proceder no seu prédio à plantação de um pomar de macieiras ((ii) dos factos não provados, presume erradamente essa intenção e faz recair indevidamente sobre as rés o ónus de a ilidirem.

18 – Eram aos autores que competia provar essa intenção.

19 – A afirmação das rés de que os autores não tinham nem têm intenção de proceder à plantação de um pomar de macieiras constitui defesa por impugnação.

20 – Com todo o respeito o Tribunal recorrido em contradição consigo próprio pois 2. da sentença refere que as rés impugnaram a intenção dos AA. em implantar um pomar de macieiras.

21 – O Tribunal recorrido violou as regras de repartição o ónus da prova previstas no artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil.

22 – Não competindo às rés provar essa falta de intenção, a qual e competia aos autores que não lograram todavia fazê-lo, alternativa não tinha o Tribunal recorrido senão dar como não provado que os autores tivessem intenção de plantar um pomar de macieiras e em consequência julgar improcedente a liquidação.

23 – Mas ainda que se entende-se que era às rés que competia provar a falta de intenção em plantar um pomar de macieiras, deverá dizer-se que o Tribunal recorrido ao dar como não provado a inexistência de tal intenção apreciou erradamente a prova.

24 – A testemunha (…) declarou ao minuto 47.35 do seu depoimento gravado através do sistema áudio do citius e num CDR nº 288, início da gravação contador nº. 11.01:11, fim da gravação contador nº.11:26:41., que o prédio não está plantado.

25 – Do relatório pericial constam elementos fotográficos que colocam em evidência que os autores não plantaram o pomar

26 – Conta da motivação que a testemunha (…) declarou que o prédio dos autores é composto de oliveiras no bordo e mato, portanto, que não tem macieiras.

27 – Se os autores quisessem mesmo plantar um pomar de macieiras e tivessem sido impedidos de o fazer por falta de acesso o normal seria que restabelecido esse acesso retomassem os trabalhos com vista à concretização do seu intento.

28 – Mas não. Mesmo tendo acesso há cerca de três anos os autores continuam sem plantar macieiras, o que demonstra claramente que a sua intenção não é plantar um pomar de macieiras.

29 – Assim, se competisse às rés provar que os autores não tinham nem têm intenção de plantar um pomar de macieiras, essa prova foi feita e deveria ter sido dano como provado que os autores não tinham intenção de plantar um pomar de macieiras.

30 – E em decorrência deverá também ser removido dos factos não provados que “(i) o prédio dos autores continua no mesmo estado em que se encontrava anteriormente, não tendo sido surribado.”

31 – Devendo passar a contar dos factos provados que os autores, pese embora a realidade mencionada em 11. da sentença não surribaram o prédio novamente nem plantaram qualquer pomar de macieiras, mantendo-se o mesmo composto de oliveiras no bordo e mato.

32 – O tribunal a quo errou ao determinar o montante dos danos à razão de 760 macieiras.

33 – Não resultou provado que os autores pretendessem plantar 760 macieiras.

34 – Os autores no seu requerimento de liquidação referem 250 macieiras.

35 – Os autores não alegaram nem tão pouco provaram que se pretendiam que o pomar ocupasse a totalidade do terreno ou só parte dele.

36 – Todos os cálculos apresentados pelos autores no requerimento inicial foram apurados à razão de 250 macieiras.

37 – Também dos temas de prova resulta que os valores a apurar têm por base as 250 macieiras.

38 – O facto de o Sr. Perito entender que o prédio tem área suficiente para nele caberem 760 macieiras (à razão de um porta enxerto por ele mesmo escolhido e que nunca foi alegado pelos autores – vide relatório pericial) não pode ser tido em conta porque os autores especificaram o número de árvores a plantar.

39 – Sendo certo que o d. Tribunal ordenou que o Sr. Perito refizesse os cálculos à razão de 250 macieiras.

40 - O d. Tribunal recorrido violou o princípio do dispositivo e o preceituado no artigo 5.º, n.ºs 1 e 2 do CPC ao conhecer de factos não alegados pelas partes e cujo conhecimento lhe não é permitido pelas várias alíneas do artigo 5.º, n.º 2 do mesmo diploma legal.

41 – O d. Tribunal recorrido contrariou frontalmente os temas da prova violando o disposto no artigo 596.º, n.º 1 do CPC.

42 – O d. Tribunal ao fazer o apuramento dos valores à razão de 760 macieiras alterou indirectamente o constante dos temas da prova olvidando que o despacho de fixação dos temas da prova já havia transitado em julgado e já havia cessado o seu poder jurisdicional quanto a essa matéria, violando o caso julgado e o disposto no artigo 613.º, n.ºs 1 e 3 do CPC.

43 - Ao adoptar como critério as 760 macieiras ao contrário do alegado pelos autores, ao contrário do constante dos temas da prova e ao contrário que se fez parecer quando se ordenou ao Sr. Perito que refizesse os cálculos para 250 macieiras o Tribunal a quo acaba por tomar uma decisão surpresa e violar o disposto no artigo 3.º, n.º 3 do CPC.

42 – Mesmo que não assistisse razão às rés quanto às demais questões o valor dos danos teria de ser calculado à razão das 250 macieiras bastando para o efeito, como refere o Sr. Perito nos esclarecimentos prestados em 04.06.2018, aplicar uma regra de três simples e relação aos valores apresentados para 760 macieiras.

Nestes termos e nos melhores direito, sem prescindir do douto suprimento que a V/Exa, merecerá deve o presente recurso merecer provimento e em consequência ser a liquidação julgada improcedente e revoga da sentença recorrida, assim se fazendo inteira JUSTIÇA.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Dispensados os vistos legais, há que decidir.         

Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 635, n.º 4 e 639, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, são as seguintes as questões a decidir:

A. Se ao admitir a liquidação dos danos resultantes da impossibilidade de plantação de um pomar de macieiras o Tribunal fez errada interpretação do disposto no artigo 621.º, CPC, e violou o caso julgado e, ainda, do disposto no artigo 609.º, n.º 2, do CPC;

B. Se, assim não sendo, a sentença recorrida padece da nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. b), do CPC;

C. Incorrecta análise e apreciação da prova, relativamente ao item 2.º, dos factos provados, cujos factos devem passar a considerar-se como não provados; eliminação do item i), dos factos dados como não provados e passar a constar dos factos provados que “os autores não surribaram o prédio novamente nem plantaram qualquer pomar de macieiras, mantendo-se o mesmo composto de oliveiras no bordo e mato”;

D. Se o montante dos danos a atribuir se deve calcular “à razão de 250 macieiras e não à razão de 760”, sob pena de violação do princípio do dispositivo e do disposto no artigo 5.º, n.os 1 e 2, do CPC e de se contrariarem os temas de prova e, assim, se violando, também, o disposto no artigo 596.º, n.º 1, do CPC.

É a seguinte a matéria de facto dada por provada na decisão recorrida:

1. Por sentença proferida nestes autos foi reconhecido aos AA. o direito a serem indemnizados pelas RR., pelos danos patrimoniais a liquidar, decorrentes de terem sido impedidos de acederem ao seu prédio e de procederem à sua plantação e cultivo, cuja decisão foi confirmada pelo acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra.

2. Os AA. surribaram o prédio referido no ponto II al. c) dos factos provados da mencionada sentença, para nele formarem um pomar de macieiras (ponto II al. r) do acordão e resposta ao art. 8º do requerimento dos AA).

3. Em Junho de 2009, as RR. impediram os AA. de acederem ao aludido prédio, através do caminho descrito no ponto II al. m) (ponto II als. n) e p) do acordão).

4. O prédio dos AA. tem área total de 3268 m2, com caminho de servidão e sem o referido caminho a área de 3192 m2 (resposta ao art. 2º do requerimento dos AA.).

5. Para proceder ao plantio do seu prédio, os AA. têm de fazer nova surriba, através de uma giratória (média) cujo custo ascende a € 40/hora (resposta ao art. 10.1 do requerimento dos AA.).

6. O prédio dos AA. comporta 760 macieiras (gala), utilizando um porta enxerto M9, cuja produção média atingiria 1.596 kg, no 2º ano (2016), 3.830kg no ano de 2013, 7.980kg no ano de 2014, 12.768kg no ano de 2015 e 15.960kg no ano de 2016 (respostas ao art. 10º e 11º do requerimento dos AA.).

7. No período temporal referido em 6, o preço médio de venda no mercado era de €0,25/kg e o de refugo € 0,05, sendo este último estipulado em 15%/hectar.

8. Em cinco anos de plantação, os custos inerentes à poda, importarão um gasto de € 200, de fertilizantes cerca de € 650, com tratamentos € 200; com combustíveis (tractor) € 200 e com a colheita entre €250 a €400, variando os custos da rega com a disponibilidade de água no prédio (resposta ao art. 10.2 do requerimento dos AA.).

9. A montante do prédio dos AA. (norte/nascente) passa o rio Galhosa, num plano superior em relação ao prédio.

10. No ano de 2016, o prédio dos AA. atingiria o pleno da sua produção, com um rendimento líquido que ascenderia a € 2013, atingindo um rendimento global líquido, em cinco anos de produção, de € 3500 (resposta ao art. 10º do requerimento dos AA.).

11. No ano de 2016,foi restituído aos AA. o acesso ao prédio em referência (resposta ao art. 17º da oposição).

*

Não se provaram, com interesse para a decisão a proferir aqui, quaisquer outros factos que, alegados ou que se afiguraram com interesse, não se levaram à factualidade dada por assente, mormente que (i) o prédio dos AA. continua no mesmo estado em que se encontrava anteriormente, não tendo sido surribado; (ii) que os AA. não tinham e não têm intenção de proceder no seu prédio à plantação de um pomar de macieiras; (iii) que a plantação de macieiras no prédio dos AA. não carece de nova surriba (iv) que os AA. jamais conseguiriam obter um lucro líquido de 0,20 € por cada quilo de maçã e (v) que o terreno dos AA. não tem dimensão para permitir a plantação de 250 macieiras.

Para melhor compreensão da questão a decidir, há que ter em conta, ainda, a seguinte factualidade (o que se faz ao abrigo do disposto no artigo 607.º, n.º 4, in fine, do CPC, aplicável ex vi, artigo 663.º, n.º 2, in fine, do mesmo Código):

A) Conforme artigo 24.º da petição inicial da acção, relativamente aos prejuízos que sofreram, os autores alegaram o seguinte:

“Os AA surribaram o seu prédio e vêm estando impossibilitados, desde Junho de 2009, de proceder quer à sua plantação de olival quer cultivá-lo”.

B) Como resulta do item 19.º, dos factos dados como provados, na sentença proferida em 1.ª instância (cf. fl.s 262 v.º), quanto a tal, resultou demonstrado que:

“Em virtude dos factos referidos em 14 e 15 (tapagem do caminho pelas rés) os autores estão impedidos de proceder à plantação de olival ou cultivar os prédios referidos em 3.”.

C) Na parte decisória da referida sentença (cf. fl.s 266 v.º), consignou-se o seguinte:

“d) Reconhecer aos autores o direito a serem indemnizados pelas 3ªs e 4.ª rés em quantia a determinar em sede de execução de sentença”.

D) Como resulta de fl.s 437 v.º, no Acórdão proferido neste Tribunal da Relação, que confirmou aquela sentença, decidiu-se o seguinte:

“12. Tratando-se, pois, de um caminho público e não vindo suscitadas outras questões de mérito, assiste aos AA. O direito feito valer em juízo através da presente acção popular (…) inclusive quanto à pretendida (e eventual) indemnização pelos danos patrimoniais, a liquidar, decorrentes da descrita actuação das Rés/recorrentes [cf., principalmente, II.1 alíneas m), n), o), p) e s), supra e artigo 609.º, n.º 2], pelo que nenhum reparo merece a parte injuntiva da decisão sob censura”.

E) Conforme fl.s 430 v.º, as alíneas m), n) e o), descrevem os actos das rés para tapar o caminho que dava acesso aos prédios dos autores, assim os impedindo de a eles acederem – cf. alínea p).

F) A redacção da referida alínea s) (c. fl.s 431), é a seguinte:

“Em virtude dos factos referidos em II. 1. n) e o) os AA estão impedidos de proceder à plantação de olival ou cultivar os prédios referidos em II. 1. c)”.

G) No artigo 9.º, do requerimento de liquidação/execução de sentença, com vista à quantificação dos prejuízos sofridos, os AA, alegam o seguinte (cf. fl.s 464):

“Com vista a ali formarem em 2009, um pomar de macieiras e/ou oliveiras, surribaram-no para o efeito mas já não conseguiram fazer qualquer plantação por, entretanto, as Rés o terem fechado, apossado dele e, dessa forma, impossibilitando os AA de poderem aceder ao seu prédio e efectuar nela qualquer tipo de trabalho e cultivo”.

A. Se ao admitir a liquidação dos danos resultantes da impossibilidade de plantação de um pomar de macieiras o Tribunal fez errada interpretação do disposto no artigo 621.º, CPC, e violou o caso julgado e, ainda, do disposto no artigo 609.º, n.º 2, do CPC.

Como decorre do que atrás se deixou referido, em suma, defendem as recorrentes que na fase da acção declarativa, os autores só aludiram a prejuízos decorrentes da impossibilidade de procederem à plantação de olival e de cultivarem os seus prédios, em virtude de a eles deixarem de poder aceder, mercê de as rés terem impedido o uso do caminho – público – que usavam para o fazer, ao passo do que em sede de liquidação, fundamentam o seu pedido, com base, apenas, na impossibilidade de procederem à plantação de um pomar de macieiras, o que, no entender das recorrentes, viola os preceitos ora referidos.

Como resulta dos factos que acima aditámos, não é inteiramente correcto o que consta da al. A) dos factos dados como provados na sentença aqui recorrida.

Efectivamente, como consta quer da sentença proferida na 1.ª instância, quer neste Tribunal da Relação, o que resultou apurado foi que os autores “estão impedidos de proceder à plantação de olival ou cultivar os prédios”, sendo, pois, estes os danos, inicialmente, alegados pelos autores e que se vieram a demonstrar, como consta dos elementos do processo, acima referidos.

Só no requerimento inicial da liquidação, é que os autores passaram a referir-se à impossibilidade de plantação do pomar de macieiras, reitera-se, nunca o tendo, antes referido. Antes desta fase processual, como acima já mencionado, os autores, só alegaram a impossibilidade de plantação de olival e de cultivo dos terrenos de sua propriedade e que identificam na petição inicial.

Um dos casos em que está previsto o recurso ao incidente de liquidação é o plasmado no artigo 358.º, n.º 2, do CPC, que se aplica aos casos, como o presente, em que se proferiu sentença de condenação genérica, nos termos do n.º 2 do seu artigo 609.º, renovando-se a instância, ainda que extinta, para se proceder à liquidação da condenação genérica, proferida nos termos previstos neste último preceito.

Como corolário do que se dispõe no artigo 704.º, n.º 6, do CPC que consagra a regra que, em tais casos de condenação genérica e não dependendo a liquidação da obrigação de simples cálculo aritmético, se prevê que a sentença só constitui título executivo após a liquidação no processo declarativo, sem prejuízo da imediata exequibilidade da parte que seja líquida.

Isto porque, cf. o artigo 609.º, n.º 2, do CPC, “Se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida”, tudo isto, como é óbvio, sem postergar/derrogar a regra ínsita no seu n.º 1, qual seja a de que “A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir”.

Como é pacífico, desta regra resulta que ao tribunal é imposta a “proibição de apreciação de questões que não tenham sido suscitadas pelas partes, salvo se forem de conhecimento oficioso (…), e pela impossibilidade de condenação em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido (…). A violação deste limite determina a nulidade da sentença por excesso de pronúncia (…) ou por conhecimento de um pedido diferente do formulado” – cf. M. Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, Março/Julho de 1996, a pág. 319.

Volvendo ao teor do artigo 609.º, n.º 2, do CPC, resulta que o juiz só deve deixar de condenar em coisa ou montante certo/liquidado, condenando em coisa ou montante ilíquido ou genérico “se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade”, caso em que tem o interessado de deduzir o incidente de liquidação, no processo onde tal decisão tenha sido proferida.

No entanto, em tais casos, como refere, Salvador da Costa, in Os Incidentes da Instância, Almedina, 2004 – 7.ª Edição, pág. 242:

 “a liquidação da sentença só visa concretizar o objecto da condenação, com respeito pelo caso julgado decorrente da acção declarativa, ou seja, a determinação do objecto da causa, isto é, da existência ou da inexistência do dano, não pode ser relegada para o referido incidente.

Com efeito, a liquidação da sentença apenas se destina à concretização do objecto da condenação, com respeito do caso julgado da sentença liquidanda”.

Acrescentando, a pág. 249, que:

“O pedido de liquidação não pode extravasar do pedido genérico formulado na causa principal, nem derivar de diversa especificação ou de distintos elementos de dano, antes se devendo integrar no pedido genérico liquidando, isto é, não comporta mais nem coisa diversa daquela que genericamente foi pedida na acção”, remetendo para o decidido nos Acórdãos do STJ, de 27 de Maio de 2010, Revista n.º 8254/09.0T2SNT.L1.S1-2.ª (cf. nota n.º 472 de pág. 249) e de 31 de Janeiro de 2012, Revista n.º 3609/07.8TBBRG.G1.S1 (cf. nota n.º 452, de pág. 242).

No mesmo sentido opinou Eurico Lopes-Cardoso, in Manual dos Incidentes Da Instância em Processo Civil, 2.ª Edição Actualizada, Almedina, 1965, a pág. 364, em anotação ao, então, artigo 379.º do CPC, quando ali escreveu:

“o pedido a formular no incidente tem de comportar-se dentro do pedido genérico liquidando. No incidente não se pode pedir mais nem coisa diversa daquilo que genericamente se pediu na acção.”.

Como se refere, no mesmo sentido, no Acórdão da Relação do Porto, de 03 de Fevereiro de 2014 (citado pelas recorrentes), Processo n.º 139/07.1.TBTBC.P2, disponível no respectivo sítio do itij:

“A instância renova-se, apenas, com o fim da liquidação daquilo que não pôde, à data da condenação ser liquidado, havendo lugar, apenas à prova dos factos especificamente atinentes à liquidação, e não à prova de factos que alterem o fundamento da obrigação que se mostra reconhecida ou, sequer, ao novo enquadramento dos factos provados na sentença.

(…)

o pedido relevante para os efeitos previstos no n.º 1, do artº. 609.º, do Novo Código de Processo Civil é o formulado na acção e não no incidente de liquidação que se lhe seguiu, devendo este conter-se necessariamente naquele.

Significa isto que a liquidação subsequente passa a fazer parte integrante da decisão anterior e há-de reportar-se, necessariamente, ao pedido formulado na acção correspondente.

A decisão do incidente que liquida o valor (antes não apurado) complementa a decisão principal condenatória.”.

Ora, volvendo ao caso em apreço e tendo em conta as considerações que se deixaram referidas, salvo o devido respeito, é manifesto, que o pedido indemnizatório aqui formulado, não se contém no pedido genérico liquidando.

Ao invés, tem de se concluir que dele extravasa e integra diferente fundamentação.

Efectivamente, a plantação de um pomar de macieiras, nada tem que ver com a plantação de um olival ou de cultivo de terrenos e os custos e lucros obtidos com qualquer uma destas actividades, constituem afectações completamente diferentes que se podem dar a um terreno agrícola.

Como acima se referiu, os autores fundamentaram a sua pretensão indemnizatória no facto de a conduta das rés os ter impedido de plantarem olival e de cultivarem os terrenos identificados nos autos.

Foi com base nessa factualidade – dada como provada na sentença proferida na fase declarativa da acção – que se proferiu a condenação genérica, relativamente ao pedido indemnizatório, quanto a tal, formulado, na acção principal, não podendo, face ao exposto, agora, na fase de liquidação, os autores pretenderem a liquidação de tal pedido genérico, com base em fundamentação de facto completamente diferente da aduzida na petição inicial, sob pena de assim sendo se estar a dar guarida a coisa diversa daquela que foi pedida na acção, condenar num pedido que não se comporta no pedido genérico liquidando.

Pelo que, como alegam as recorrentes, não se pode, liquidar o pedido que, nesta sede, formulam os autores; em função do que não pode subsistir a sentença recorrida.

Consequentemente, no que a esta questão se refere, procede o recurso.

A procedência desta questão do recurso, torna inútil o conhecimento das demais questões acima elencadas, pelo que delas não se conhece.

Nestes termos se decide:      

Julgar procedente o presente recurso de apelação, em função do que se revoga a decisão recorrida, que se substitui por outra que julga a liquidação improcedente.

Custas pelos apelados.

Coimbra, 13 de Novembro de 2019.

Arlindo Oliveira ( Relator)

Emídio Santos

Catarina Gonçalves