Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
145/15.2IDLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALCINA DA COSTA RIBEIRO
Descritores: ABUSO DE CONFIANÇA FISCAL
CONDIÇÃO OBJECTIVA DE PUNIBILIDADE
COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS
Data do Acordão: 10/28/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA (JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE FIGUEIRÓ DOS VINHOS)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 105.º, N.º 4, AL. B), DO RGIT; ARTS. 78.º, 89.º, 90.º, N.ºS 1 E 3, E 148.º DO CPPT
Sumário: I – Para efeitos do disposto no artigo 105.º, n.º 4, al. b), do RGIT, não se exige que o pagamento previsto na norma seja feito à custa do património da sociedade devedora, sendo ainda irrelevante a inacessibilidade ao património do ente colectivo declarado insolvente.

II – A autoridade tributária pode, por sua iniciativa, proceder à compensação de dívidas de tributos, quanto se verifiquem as condições estabelecidas no art. 89.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT).

III – De acordo com a previsão dos n.ºs 1 e 5 daquele normativo, os créditos do executado resultantes de reembolso, revisão oficiosa, reclamação ou impugnação judicial de qualquer acto tributário são aplicados na compensação das suas dívidas cobradas pela administração tributária, sendo a compensação efectuada através da emissão de título de crédito destinado a ser aplicado no pagamento da dívida exequenda e demais acréscimos.

IV – Assim, a compensação assume-se como um acto de natureza coerciva, uma modalidade forçada de cobrança (cfr. arts. 78.º, 89.º e 148.º do CPPT), em que a autoridade tributária pode decidir não reembolsar o crédito do sujeito passivo e impor-lhe que o crédito seja compensado nas dívidas fiscais.

V – Por isso, o Fisco só pode operar a compensação, em relação ao crédito fiscal, quando seja certo, líquido e exigível, definitivamente fixado, sem possibilidade de o contribuinte discutir a legalidade do imposto.

VI – Por seu turno, a compensação de créditos tributários por iniciativa do sujeito passivo depende, em primeira linha, dos pressupostos gerais previstos no já referido art. 89.º do CPPT (ex vi art. 90.º, n.º 1, do mesmo diploma), acrescendo a imposição ao mesmo sujeito de requerer a compensação ao dirigente máximo da administração tributária (cfr. artigo 90.º, n.º 3).

VII – O pedido de reembolso e o pedido de compensação com reembolso não se confundem, constituindo duas realidades distintas. No pedido de reembolso, o sujeito passivo solicita a restituição do crédito de que é titular; no pedido de compensação, o sujeito passivo solicita à autoridade tributária que, em vez da restituição do valor do reembolso, este seja aplicado no tributo em dívida, assim se exonerando do cumprimento da obrigação tributária.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em Conferência na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I. RELATÓRIO

1. A sentença datada de 9 de janeiro de 2020 e proferida neste processo comum singular, decidiu:

a) absolver os arguidos S., SA, C. e M. da prática de um crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social, na forma continuada, nos termos previstos no artigo 30.º n.º 2 do Código Penal;

b) Condenar a arguida S., SA, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punido pelos artigos 105.º, n.º 1, 2 e 4, 12.º, n.º 3 e 7.º, n.º 1, do Regime Geral das Infracções Tributárias (Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho de 2001), em conjugação com os artigos 98.º, 99.º, 100.º e 101.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, aplicando-lhe uma pena de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros);

c) condenar a arguida S., SA, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punido pelos artigos 105.º, n.º 1, 2 e 4, 12.º, n.º 3 e 7.º, n.º 1, do Regime Geral das Infracções Tributárias (Lei n.º 15/2001, de 5 de junho de 2001), em conjugação com os artigos e 19.º a 27.º e 41.º do Código de IVA, aplicando-lhe uma pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros);

d) condenar a arguida S., SA, pela prática de um crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social, previsto pelos artigos 7.º, 105.º n. º5 e 107.º n. º1 e 2, todos do RGIT, aplicando-lhe uma pena de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros);

e) em cúmulo jurídico, condenar a arguida S, SA, pela prática dos crimes referidos em a) a d), numa pena única de 230 (duzentos e trinta) dias de multa, à taxa diária de 5,00 (cinco euros);

f) condenar o arguido C. pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punido pelos artigos 105.º, n.º 1, 2 e 4, 12.º, n.º 3 e 6.º, n.º 1, do Regime Geral das Infracções Tributárias (Lei n.º 15/2001, de 5 de junho de 2001), em conjugação com os artigos 98.º, 99.º, 100.º e 101.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, aplicando-lhe uma pena de 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de € 7,00 (sete euros);

g) condenar o arguido C. pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punido pelos artigos 105.º, n.º 1, 2 e 4, 12.º, n.º 3 e 6.º, n.º 1, do Regime Geral das Infracções Tributárias (Lei n.º 15/2001, de 5 de junho de 2001), em conjugação com os artigos e 19.º a 27.º e 41.º do Código de IVA, aplicando-lhe uma pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de € 7,00 (sete euros);

h) condenar o arguido C., pela prática de um crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social, previsto pelos artigos 6.º, 105.º n. º5 e 107.º n. º1 e 2, todos do RGIT, aplicando-lhe uma pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 7,00 (sete euros);

i) em cúmulo jurídico, condenar o arguido C. pela prática dos crimes referidos em f) a h), numa pena única de 180 (cento e oitenta) dias de multa, à taxa diária de 7,00 (sete euros);

j) condenar a arguida M., pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punido pelos artigos 105.º, n.º 1, 2 e 4, 12.º, n.º 3 e 6.º, n.º 1, do Regime Geral das Infracções Tributárias (Lei n.º 15/2001, de 5 de junho de 2001), em conjugação com os artigos 98.º, 99.º, 100.º e 101.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, aplicando-lhe uma pena de 50 (cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros);

k) condenar a arguida M., pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punido pelos artigos 105.º, n.º 1, 2 e 4, 12.º, n.º 3 e 6.º, n.º 1, do Regime Geral das Infracções Tributárias (Lei n.º 15/2001, de 5 de junho de 2001), em conjugação com os artigos e 19.º a 27.º e 41.º do Código de IVA, aplicando-lhe uma pena de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros);

l) condenar a arguida M., pela prática de um crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social, previsto pelos artigos 6.º, 105.º n. º5 e 107.º n. º1 e 2, todos do RGIT, aplicando-lhe uma pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros);

m) em cúmulo jurídico, condenar a arguida M., pela prática dos crimes referidos em j) a l), numa pena única de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de 5,00 (cinco euros);

2. Inconformados com estas condenações, interpõem os condenados o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:

2.1. M

a) Foi incorrectamente julgada a factualidade constante dos pontos 4 a 16, 18, 20, 21, 23, 24, 26, 27, 29 a 41, bem como o facto B da matéria dada como não provada;

b) A arguida, ora recorrente, era, à data dos factos ilícitos, titular de órgão social da sociedade infractora, contudo não detinha o poder funcional sobre os mesmos;

c) A convicção do Tribunal a quo, que fundamentou a sua motivação e condenação operada, não pode estar mais distante daquela que é a realidade e daquela que foi a prova produzida, sendo inclusivamente contrária a esta;

d) O Tribunal a quo apoiou-se unicamente na presunção resultante do registo público que atribui à, aqui, recorrente os poderes e funções de Vice-Presidente do conselho de Administração da sociedade arguida para concluir que tais poderes e funções eram efectivamente exercidos por aquela, atribuindo-lhe o necessário domínio do facto penal;

e) A presunção resultante do registo é ilidível;

f) A prova produzida revela de forma clara que a recorrente nunca praticou os actos de gestão necessários ao bom (ou mau) funcionamento da sociedade arguida;

g) O co-arguido C. continuamente aludiu para a gerência de facto exercida por Paulo Saraiva, excluindo-a do domínio de actuação da arguida;

h) Quis o legislador responsabilizar individualmente o “respectivo agente” e não objectivamente o titular do órgão social, artigo 7.º, n.º 3, do RGIT, na medida em que podemos estar, como no caso dos autos, perante pessoas diferentes;

i) Não obstante nenhuma das testemunhas conhecer ou alguma vez ter contactado com a arguida, aqui recorrente, (mas já sim com o seu filho) e o coarguido declarar que a gerência de facto era levada a cabo pelo filho da arguida foram tais elementos de prova desvalorizados pelo Tribunal a quo;

j) Se nenhum trabalhador reconheceu o exercício de cargo de gestão à arguida M., se os técnicos oficiais de contas da sociedade e consultor afirmam nunca terem contactado com aquela, apenas com o arguido C., e se o próprio co-arguido C. afasta o exercício da gestão efectiva da arguida atribuindo-o ao seu filho, não pode o Tribunal a quo, a despeito destes elementos de prova, concluir que ainda assim aquela exerceu a gestão efectiva da empresa;

l) O Tribunal a quo obliterou ilegalmente a vasta prova que ilidia a presunção resultante do registo de que a arguida exercia a gerência da empresa;

m) A gerência de facto foi publicamente exercida pelo filho da arguida, conforme a conjugação das declarações prestadas, sob juramento, em sede de julgamento;

n) É por meio de erro notório na apreciação da prova produzida que deu o Tribunal a quo como provado o exercício efectivo da gestão da sociedade por parte da arguida;

o) Não deveriam ter sido dados como provados os factos que atribuem à arguida o exercício de actos de gestão, nomeadamente os relacionados com a prática dos crimes por que foi, a final, condenada;

p) Não foi produzida prova de ter a arguida intervenção directa na execução criminosa e que se resignou ao resultado típico, querendo-o;

q) No âmbito do Direito Penal os agentes dos crimes não são passíveis de serem alcançados por meio de deduções, diferentemente, deve ser produzida prova de quem é o agente e, dentro do possível, do elemento subjectivo que percorreu a sua conduta, o que não ocorreu;

r) Nos termos do n.º 3, do artigo 7.º, do RGIT a responsabilidade da sociedade não exclui a responsabilidade individual dos respectivos agentes e estes não se confundem (não obstante o poder ser) com os titulares de órgãos sociais;

s) É em sentido contrário à prova produzida que o Tribunal a quo dá como provado factos que imputem à arguida o exercício efectivo da gerência da sociedade, em geral, e, em particular, factos que imputem à arguida a prática dos crimes por que vem condenada;

t) A factualidade do ponto 5 omite a concretização de produtos, serviços, preços e respectiva tributação. Mais, o valor de 9.061,78 € não encontra justificação em facturação respectiva nem existe nos autos prova cabal do recebimento por parte da sociedade dos efectivos valores tributáveis.

u) Pelo que não deveriam ter sido dados como provados os pontos n.ºs 5, 6, 8 e 9 que se encontram incorrectamente julgados.

v) O artigo 105.º, n.º 4, do RGIT consagra uma condição adicional de punibilidade.

x) Pelo que a total e ilegal inércia do Estado em liquidar o seu crédito não pode agir como causa prejudicial à, aqui, Recorrente.

z) O disposto no referido artigo 89.º do CPPT deveria ter sido considerado na decisão ora em crise, quanto mais aliado à interpretação do artigo 105.º, n.º 4, do RGIT no sentido em que configura uma condição objectiva de punibilidade, pelo que se consideram tais normas violadas.

aa) O ponto 20 da matéria dada como provada contém uma tabela com alegados valores mensais cujo pagamento, a título de contribuições para a Segurança Social, foi omitido. E é feita referência neste mesmo ponto ao valor global em dívida de 92.570,22 €, contudo tal soma não nos leva àquele valor, pelo que não se pode condenar de preceito.

bb) É omitida qualquer referência às concretas remunerações auferidas pelos trabalhadores e/ou gerentes da sociedade e montante concreto que, relativamente àquelas remunerações, terá sido retido e não entregue.

cc) A decisão em crise é totalmente omissa em relação aos concretos salários e respectivas quantias de IRS retidas e não pagas, o valor global em dívida a título de IRS imputado aos arguidos encontra-se sem qualquer referência factual, circunstância que, em ultima ratio, impossibilita a sua corroboração.

dd) Esta omissão não se compadece com as garantias de defesa do Processo Penal e de assento constitucional, artigo 32.º CRP, pelo que se encontra violada a norma citada, constituindo inconstitucionalidade.

cc) Considera-se incorrectamente julgado o ponto B) da matéria dada como não provada, o c o Tribunal a quo, considerou incorrectamente que não existe prova suficiente para dar como provado a existência de um crédito da sociedade superior a um milhão de euros, contudo, o conteúdo do “Balancete” junto aos autos pela Autoridade Tributária e Aduaneira, com a indicação “Anexo 10 fl. 9” onde, na página 1 de 30 vem expressamente inscrito um crédito da sociedade arguida para com a ARS (...) no valor de 1.186.924,80 €.

dd) A responsabilidade individual dos respectivos agentes, não sendo excluída pelo n.º 3, do artigo 7.º, do RGIT, terá de ser aferida e comprovada;

ee) Inexiste prova que permita aferir da responsabilidade da arguida na execução criminosa;

ff) A lei não impõe com a responsabilização criminal da sociedade uma automática responsabilização dos respectivos agentes;

gg) Não se realizando prova sobre quem foi, a título individual, o agente do crime, não pode o Tribunal a quo por meio de deduções aferir de tal responsabilidade;

hh) A responsabilidade individual em causa é a dos, na letra da lei, respectivos agentes e não dos titulares dos órgãos da pessoa colectiva responsável;

ii) “Naturalmente que, no processo penal, sendo a aludida especial qualidade elemento típico do crime, a respectiva prova onera a Acusação, não vigorando a presunção de gerência de facto assente na gerência de direito. Não obstante, são estes os conceitos, caros ao Direito, em que assenta o recorte típico”;

jj) A distinção entre gerência de facto e gerência de direito assume a qualidade de “pedra de toque” para efeitos da responsabilização criminal objecto dos presentes autos;

ll) Para efeitos de condenação torna-se necessário o exercício da gerência de facto, pois somente assim se é detentor do domínio do facto penal, necessário igualmente se torna a prova sobre a sua tomada de posição relativamente à decisão que conflui na prática criminosa;

mm)Não foi produzida prova de que a arguida tivesse conhecimento dos factos e se resigna com a prática criminosa, querendo-a, omitindo, assim, dolosamente a acção a que estava obrigada;

nn) Não se encontram verificados os elementos subjectivos necessários para a condenação da arguida, ora recorrente, pela prática de dois crimes de abuso de confiança fiscal e um crime de abuso de confiança contra a segurança social, impondo-se, assim, a sua absolvição;

oo) A condenação da arguida levada a cabo pelo Tribunal a quo é violadora do n.º 3, do artigo 7.º, do RGIT, 14.º e 26.º do Código Penal.

pp) Mais se diga que que o artigo 105.º n.º 4 do RGIT configura uma condição adicional de punibilidade. Somente findo o prazo aí previsto sem que o pagamento seja efectuado pode objectivamente o procedimento criminal proceder. Contudo tal condição adicional de punibilidade não se pode considerar verificada, pois, o Estado tinha a obrigatoriedade legal de fazer accionar, nos termos do artigo 89.º do CPPT a compensação dos créditos, que se encontras documentados nos autos. Com efeito, tais créditos remontam a 2014/2015 e as notificações são de 2016/2017.

A interpretação conjugada destes dois preceitos legais impediria a procedência e imputação criminosa dos presentes autos, na medida em que dentro do prazo do 105.º n.º 4, a totalidade da dívida seria objecto de liquidação.

2.2. C.

B.1. O presente recurso insurge-se contra a sentença proferida nestes autos que culminou com a condenação do arguido, aqui recorrente, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelos artigos 105º-1-2-4, 12º-3 e 7º-1, todos do RGIT, em conjugação com os artigos 98º, 99º, 100º e 101º, todos do CIRS, um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelos artigos 105º-1-2-4, 12º-3 e 7º-1, todos do RGIT, em conjugação com os artigos 19º, a 27º e 41º, todos do CIVA e um crime de abuso de confiança contra a segurança social, p. e p. pelos artigos 6º, 7º-1 e 105º-1 e 107º do RGIT,

B2. O recorrente não concebe a decisão proferida, a qual considerada estar inquinada em erro de julgamento (apreciação da prova produzida) e em erro de direito (por não aplicação, ao caso vertente da causa de exclusão da culpa a que alude o art. 35º-2 do mesmo diploma legal ou, sem prescindir, da atenuação especial da pena prevista no art. 27º-2 do RGIT).

B3. Desde logo, para que se conclua pela verificação do crime de abuso de confiança fiscal e / ou contra a segurança social, necessário se torna que o seu agente desenvolva uma conduta típica consistente na apropriação ilegítima de um qualquer bem que lhe tenha sido entregue por título não translativo da propriedade.

B4. Ora, da matéria de facto dada como provada não consta sequer um facto do qual se retire que o arguido tinha na sua disponibilidade o dinheiro e, muito menos, que o integrou no seu património pessoal, dispondo delas como se suas fosses, as quantias em causa nestes autos, donde carece a matéria de facto provado de elementos suficientes para a sua condenação.

B5. Pelo que deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que absolva o arguido dos crimes de que vem acusado.

Acresce que,

B6. Não está imune a críticas a apreciação feita pelo Tribunal a quo da prova produzida, donde resultou violado o princípio da livre apreciação da prova (art. 127º CPP). Vejamos:

B7. O facto 6 padece de deficiência e está incorrectamente julgado, motivos por que deve ser julgado não provado.

B8. Desde logo, padece de incorrecção porque a factura no valor de € 39.732,50 é datada de 09.12.2014 (e não 09.11.2014) e referente ao crédito do mês de Outubro de 2014 – cfr. extracto da ARS, de fls. junto aos autos em 03.11; A insuficiência consubstancia-se na circunstância de o Tribunal a quo não concretizar quando é que os pagamentos foram efectuados pelos clientes – o que se afigura mister para a verificação do ilícito em causa dado que a sua prática depende necessariamente do recebimento, em tempo, do valor das facturas – sendo que, do extracto de conta corrente emitido pela ARS, de fls., resulta até que a factura em causa (nº 10, no valor de € 39.732,50), em 03.11.2017, estava em dívida há 1099 dias.

Mas, ainda que se concebesse que a ARS pagou a factura nº 10 no valor de € 39.732,50 (o que não se concede):

B9. Considerando o valor dos serviços prestados e apurado pelo Tribunal a quo no período da tributação em questão - € 30.770,96 ou € 39.732,50 (de notar que apenas se considera este valor dado que a fls. 18 da sentença é o próprio Tribunal a quo a referir que não foi possível averiguar o efectivo recebimento das demais facturas dos demais clientes enunciados em 5.); Considerando a taxa legal de IVA aplicável – 6%; valor de IVA efectivamente em falta seria de €1.846,25 ou € 2.249,01, respectivamente ou seja, abaixo dos € 7.500,00 que legitimam a criminalização da falta de entrega do IVA.

B10. O valor de crédito junto da ARS estava arrestado (depoimento de NUNO MIGUEL VILARES MORGADO DE CARVALHO OLIVEIRA, prestado na sessão de audiência de julgamento que teve lugar no dia 16/12/2019, ficheiro 20191216102328, gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal nunca se poderia considerar que o mesmo estava na disponibilidade do aqui recorrente e/ou da sociedade S.SA), o que face ao expendido em ut supra, indisponibilidade do dinheiro, sempre conduziria à absolvição do aqui recorrente.

B11. Sempre se dirá que face ao exposto quanto ao facto 6, por maioria de razão, também os factos 8 a 11, 14 a 16 devem ser julgados não provados.

B12. Em conclusão: nunca o arguido poderia ter sido condenado pela prática do referido ilícito.

Mais

B13. O facto 54 também se encontra errado quanto ao valor recebido pela S.SA, por parte do Estado. Com efeito, como resulta da informação da DF de Leiria de fls., o valor reembolsado foi de € 117.528,61, tendo havido uma compensação ao valor pedido (€ 200.000,00) no valor, essa sim, de € 82.471,39, pelo que deve o seu teor ser alterado em conformidade, isto é, passar a ler-se: A 05.02.2015, a sociedade arguida solicitou à AT o reembolso de IVA, no valor de € 200.000,00 (duzentos mil euros), referente ao período de Dezembro de 2014, o que lhe foi deferido, tendo-lhe sido reembolsado, a 09.11.2015, o valor de € 117.528,61, por força de uma compensação de créditos decorrente de outras dívidas em execução fiscal.

Isto posto:

B14. Está em causa, no caso vertente, a não entrega ao Estado, por parte do arguido, da quantia total de € 137.607,00 (cento e trinta e sete mil e seiscentos e sete euros), assim decomposta: (sem prescindir do que acima se disse face ao valor de IVA apurado) € 9.061,78 (a título de IVA) + € 92.570,22 (a título de contribuições / quotizações) + € 35.975,00 (a título de IRS).

B15. Mas, compulsado o teor dos factos provados 54. (corrigido em conformidade), constata-se que à data dos incumprimentos que lhe vêm assacados, a sociedade arguida era credora do Estado, e este seu devedor, da quantia de € 200.000,00 (duzentos mil euros) de crédito de IVA – cfr. informação da DF de Leiria de fls.

B16. Na verdade, em 05.02.2015, a sociedade arguida solicitou o reembolso de um crédito acumulado de IVA, referente ao período de 2014/12, no valor de € 200.000,00 junto da AT, tendo a AT efectuado acerto de contas e devolvido, em 09.11.2015, a quantia de € 117.528,61 (nesta data, à Massa Insolvente da sociedade S.SA),

B17. Do que resulta que a S.SA, quer à data limite para pagamento do imposto quer posteriormente, era credora do Estado em valor superior aquele de que era devedora a título de contribuições e quotizações a pagar ao ISS, IP, IVA e IRS.

B18. Assim, desde logo e considerando a prova dos autos, deve ser dado como provado, aditando-se tal facto aos factos provados, o seguinte: à data dos incumprimentos que lhe vêm assacados, a sociedade arguida era credora do Estado, e este seu devedor, da quantia de € 200.000,00 (duzentos mil euros) de crédito de IVA

B19. Considerando este novo facto: Apurando-se, como se apurou, que a sociedade, à data dos incumprimentos, detinha um crédito sobre o Estado de valor superior ao que este detinha sobre ela e que aquele tinha a obrigatoriedade legal de proceder à compensação, uma conclusão se impõe: a sociedade não era devedora de qualquer quantia ao Estado (antes era credora dele), designadamente a título de retenções, IVA e / ou contribuições / quotizações e, por conseguinte, os arguidos não poderiam ter sido condenados em virtude de inexistência de qualquer valor em dívida e / ou de dolo.

Mas, a acrescer ao que até então foi dito, temos ainda de relevante o seguinte:

B20. O Estado não procedeu ao reembolso do aludido crédito de IVA até ao final do segundo mês seguinte ao da apresentação do pedido, como legalmente estava obrigado (cfr. facto 54) e, por conseguinte, os arguidos não poderiam ter sido condenados em virtude de inexistência de qualquer valor em dívida e / ou de dolo.

B21. Na verdade, há que considerar que, subjacente ao tipo, está uma relação de crédito. Já se disse, a sociedade arguida era credora de valor superior em relação aquele que crédito que o Estado detinha sobre ela, por um lado e, por outro lado, o crime apenas ocorreu porque o Estado não cumpriu, diligentemente, as suas obrigações legais (a de proceder à compensação e / ou pagamento dos valores em dívida).

B22. Ainda: Aquando das notificações do arguido nos termos e para os efeitos do disposto no art. 105º-4, b) RGIT, a S.SA estava já declarada insolvente, donde não estava na sua disponibilidade o pagamento dos tributos aqui em causa nem tampouco tal pagamento poderia ser efectuado, em obediência ao disposto no art. 81ºdo CIRE.

B23. Mais: foi solicitado, inclusive, à Sra. AI que procedesse ao pagamento dos valores em dívida, o que ela efectivamente fez na sua quase totalidade (cfr. factos provados 43 a 45).

B24. Ao condenar o arguido nos termos constantes da sentença recorrida, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 89º CPPT e art.s 6º, 7º, 12º, 105º e 107º, todos do RGIT e, ainda, 98º, 99º, 100º e 101º, todos do CIRS e 19º a 27º e 41º, todos do CIVA.

B25. Ainda: no caso dos autos, o circunstancialismo que originou a falta de pagamento atempado dos tributos em causa, pode sintetizar-se da seguinte forma: i) o sector das farmácias, à data dos incumprimentos, atravessava uma crise verdadeiramente endémica, fruto de alterações provocadas pelo próprio Estado; ii) a sociedade arguida era credora do estado em valor de € 200.000,00 sempre caberia ao Estado proceder à sua compensação com aqueles valores de que era credor; iii) o arguido canalizou os recursos financeiros disponíveis para pagar os vencimentos dos trabalhadores, na medida em que não lhes era possível cumprir ambas as obrigações; iv) aquando da sua notificação, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 105º-4 RGIT, a sociedade arguida já havia sido declarada insolvente, pelo que não estava na sua disponibilidade pagar aqueles montantes.

B26. É manifesto que a actuação do arguido teve em vista a defesa de interesses de natureza patrimonial/social e que aquela foi a única apta a remover o perigo de insolvência que ameaçava a sobrevivência da sociedade de que era administrador e a manutenção dos postos de trabalho dos respectivos trabalhadores, donde não lhe era razoavelmente exigível outro comportamento, pelo que se conclui que sempre deveria ter sido o arguido dispensado da pena.

B27. Não o tendo feito, a sentença recorrida violou o disposto no art. 35º-2 CP e nos arts 6º, 7º, 12º, 105º e 107º, todos do RGIT e, ainda, 98º, 99º, 100º e 101º, todos do CIRS e 19º a 27º e 41º, todos do CIVA, pelo que deve ser revogada e substituída por outra que dispense de pena o arguido.

B28. Sem prescindir, sempre a pena deveria ter sido especialmente atenuada, ao abrigo do disposto no art. 27º-2 RGIT, em virtude de os tributos relativos a IVA e IRC estarem pagos na sua totalidade.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, extraídos os corolários dimanados das “conclusões” tecidas, assim se fazendo a acostumada JUSTIÇA!

3. O Ministério em Público, em primeira instância, respondeu aos recursos, como consta a fls. 1218 a 1241, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.

4. Nesta instância, o Digno Procurador Geral Adjunto pronuncia-se no sentido do não provimento dos recursos.

5.Cumpridos os legais trâmites, na obsta ao conhecimento do objecto dos recursos. 

II – DA SENTENÇA RECORRIDA

A primeira instância julgou a matéria de facto da seguinte forma:

«II.1 – Matéria de facto provada

- Do processo n.º 145/15.2IDLRA

1. A S., S.A. é uma sociedade anónima, que se dedica à exploração e gestão de farmácias hospitalares e de sociedades concessionárias de farmácias hospitalares.

2. A referida sociedade encontra-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial de   (…) com o NIPC n.º (…) e inscrita no Instituto de Segurança Social, IP com o (…).

3. Por exercer tal actividade, a sociedade arguida era sujeita passiva de Imposto Sobre o Valor Acrescentado (IVA), encontrando-se enquadrada no regime normal de periodicidade mensal, e estando obrigada a liquidar e a entregar as prestações tributárias necessárias à satisfação do montante exigível em sede de IVA.

4. Os arguidos C. e M. são membros do Conselho de Administração desde 11.09.2009, sendo o primeiro responsável, em particular, pelas transacções, recebimentos e pagamentos efectuados pela sociedade e ambos pela sua gestão administrativa, fiscal e financeira.

5. No mês de Novembro de 2014, no âmbito da sua actividade, a sociedade arguida vendeu produtos e prestou serviços a diversos clientes, sujeitos a tributação de IVA, designadamente à ARS (...) , Administração dos Portos (...) , (...) Farma, Banco Y (...) , (...) – Companhia de seguros, SA, Instituto de Ação Social das Forças Armadas, Banco Y (...) – Seguros de Saúde SA, Portugal Telecom/CTT, Sãvida – Medicina apoiada, Sindicato (...) , Sindicato (...) , Sindicato Independente da Banca, Sindicato Nacional dos (...) e ainda a diversos outros clientes não concretamente identificados, sendo certo que os serviços eram prestados no âmbito da farmácia hospitalar do Hospital X...., pelo que a maioria das vendas eram realizadas ao balcão.

6. Os serviços prestados à ARS (...) , que deram origem à factura n. º10, emitida a 9.11.2014, no valor de € 39 732,50, bem como os correspondentes às vendas a dinheiro efectuadas ao Balcão naquele período, foram efectivamente pagos pelos referidos clientes.

7. Agindo em nome e no interesse da sociedade arguida e enquanto seus legais representantes, os dois arguidos procederam ao apuramento do valor do IVA relativo ao mês de novembro de 2014, tendo remetido ao serviço de finanças competente a correspondente declaração periódica.

8. Assim, com base nas operações de cálculo do IVA, resultou para a sociedade arguida, relativa àquele período, a obrigação de entrega do montante liquidado no valor de € 9 061,78€ (nove mil e sessenta e um euros e setenta e oito cêntimos).

9. Porém, embora a sociedade tivesse efectivamente recebido os pagamentos correspondentes à totalidade dos serviços referidos no ponto 6, relativamente aos quais era devido o montante de IVA supra indicado, tal quantia não foi entregue no prazo legal, ou seja, até ao dia 10 do segundo mês seguinte àquele a que respeitavam as operações tributáveis, ou seja, até ao dia 12 de janeiro de 2015.

10. E também não foi a referida quantia entregue ao Estado nos noventa dias posteriores sobre o termo daquele prazo.

11. Por força da actuação supra descrita, a sociedade arguida apropriou-se do montante referente a IVA acima discriminado, o qual foi integrado no património da empresa e, indirectamente, no património dos arguidos sócios-gerentes, tendo, desta forma, todos os arguidos, obtido benefícios patrimoniais indevidos.

12. Ademais, os arguidos foram notificados, nos termos e para os efeitos do artigo 105.º n.º 4, alínea b) do RGIT, para proceder ao pagamento voluntário daquela quantia e respectivos juros de mora, no decurso do prazo de 30 dias após essa notificação, tendo esta sido efectuada, relativamente à sociedade arguida S., SA e ao arguido C. no dia 17.11.2015 e à arguida M. no dia 09.01.2017.

13. Porém, os arguidos não efectuaram qualquer pagamento nesse prazo.

14. Agindo da forma descrita, em nome da sociedade arguida e em favor dos seus interesses, os arguidos, em conjugação de esforços, quiseram integrar a referida quantia no património da empresa e, indirectamente, no seu património, bem sabendo que a mesma não lhes pertencia e que a deviam entregar nos cofres do Estado.

15. Sabiam que, ao agir da forma descrita, prejudicavam o regular funcionamento do sistema fiscal, causando prejuízos ao Estado de valor equivalente ao montante não entregue.

16. Agiram livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.

- Processo n.º 151/15.7T9FVN

17. No período compreendido entre abril de 2013 e abril de 2015, a sociedade arguida, supra melhor identificada nos pontos 1 e 2, procedeu ao desconto de quotizações nas remunerações efectivamente pagas aos seus trabalhadores e gerentes, correspondentes aos

valores indicados nos mapas de fls. 95 e 175, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

18. Os arguidos C. e M., enquanto administradores daquela sociedade, fizeram a entrega regular na Segurança Social das respectivas declarações de remunerações desses trabalhadores e gerentes.

19. Porém, não entregaram, no prazo legal, ou seja, até ao dia 15 do mês seguinte àquele a que cada uma das contribuições respeitavam, nem nos noventa dias posteriores sobre o termo desse prazo, o valor total daquelas quotizações, como lhes é exigível, nos termos dos artigos 5.º, n.º 2 e 3 e 6.º do Decreto-Lei 103/80 e artigos 15.º e 18.º do Decreto Lei 140-D/86, de 14 de junho.

20. Assim, apesar de, nesses períodos de tempo, a sociedade arguida ter retido as quotizações deduzidas aos valores das remunerações, os arguidos C. e M., agindo no interesse da sociedade, não entregaram nos cofres da Segurança Social, como deviam, nem no prazo legal, nem nos noventa dias seguintes ao termo desse prazo, parte do montante de contribuições devido, no total de € 92.570,22 (noventa e dois mil quinhentos e setenta euros e vinte e dois cêntimos), não tendo concretamente entregue, como deviam, os seguintes montantes, relativamente a cada um dos períodos indicados:

Período Valor em dívida (€):

Abr 2013 1579,32

Mai 2013 17.298,82

Set 2013 3.216,91

Out 2013 3211,63

Nov 2013 3.242,06

Dez 2013 3.212,29

Jan 2014 3.304,52

Fev 2014 3.140,46

Mar 2014 3.078,93

Abr 2014 3.466,60

Mai 2014 3.287,63

Jun 2014 16.995,83

Jul 2014 3.073,68

Ago 2014 3.170,20

Out 2014 3.068,20

Nov 2014 3.709,34

Dez 2014 2.859,13

Jan 2015 3.058,05

Fev 2015 2.938,87

21. Os arguidos C. e M. foram notificados nos termos e para os efeitos do artigo 105.º n.º 4, alínea b) do RGIT, para proceder ao pagamento voluntário daquelas quantias e respectivos juros de mora, no decurso do prazo de 30 dias após essa notificação, tendo esta sido efectuada, relativamente à arguida M., no dia 1.07.2016 e relativamente aos restantes dois arguidos, no dia 02.09.2016.

22. Porém, os arguidos não efectuaram qualquer pagamento no referido prazo.

23. Os arguidos C. M. agiram sempre em nome e no interesse da sociedade arguida S., SA.

24. A partir de abril de 2013, perante as dificuldades de tesouraria o arguido C. e M. decidiram privilegiar os pagamentos a trabalhadores e fornecedores em detrimento dos pagamentos devidos à Segurança Social de modo a permitirem que a sociedade arguida mantivesse a sua actividade e por essa via obtivesse meios económicos para o pagamento de dívidas.

25. Sempre que a sociedade arguida dispunha de dinheiro suficiente para proceder aos pagamentos de valores que a mesma devia os pagamentos eram efectuados; quando não se verificava essa disponibilidade de dinheiro eram pagos os fornecedores e os trabalhadores e no que se refere à Segurança Social, não obstante serem feitos os descontos nos vencimentos dos trabalhadores e dos administradores, o montante das quotizações devidas não era entregue.

26. As omissões acima descritas foram sempre motivadas pela opção feita pelos arguidos C. e M. em nome e no interesse da sociedade S., SA.

27. Agiram sempre os arguidos C. e M. de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que tal conduta era proibida e punida pela lei penal.

- Processo n.º 70/16.0IDLRA

28. Para efeitos de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), a sociedade arguida, supra melhor identificada nos pontos 1 e 2, enquanto devedora de rendimentos de trabalho dependente (Categoria A) e de outros rendimentos sujeitos s retenção (Categoria B, E e/ou F) estava obrigada, no momento de pagamento ou colocação à disposição do seu vencimento, liquidação ou apuramento do respectivo quantitativo, à dedução de determinada importância por conta do imposto do ano daquele rendimento, tudo nos termos do disposto nos artigos 98.º, 99.º, 100.º e 101.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS).

29. E nos termos do disposto no artigo 98.º, n.º 3 do referido diploma legal, a referida sociedade devia entregar ao Estado as importâncias retidas até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que foram retidas.

30. No mês de Junho de 2014, a sociedade arguida procedeu ao pagamento dos salários dos seguintes trabalhadores, correspondentes aos montantes indicados nos respectivos recibos de fls. 201-228, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido: (…).

31. E reteve na fonte, a título de IRS, a quantia total de € 5 375,00 (cinco mil trezentos e setenta e cinco euros).

32. Nesse mesmo mês, a sociedade arguida pagou igualmente, a título de gratificação, a quantia de € 60 000,00 a cada um dos membros do Conselho de Administração.

33. E reteve na fonte, a título de IRS, a quantia total de € 30 600,00 (trinta mil e seiscentos euros).

34. Ou seja, reteve IRS no valor global de € 35 975,00 (trinta e cinco mil novecentos e setenta e cinco euros).

35. Nesse período correspondente a junho de 2014, a sociedade arguida entregou à AT a

36. Porém, não entregou o respectivo imposto retido, nem até 20 de julho de 2014, nem

nos noventa dias posteriores ao seu termo.

37. Os arguidos foram notificados nos termos e para os efeitos do artigo 105.º n.º 4, alínea b) do RGIT, para proceder ao pagamento voluntário daquelas quantias e respectivos juros de mora, no decurso do prazo de 30 dias após essa notificação, que foi efectuada, relativamente à arguida M., no dia 25.06.2016 e, relativamente aos restantes dois arguidos, a 19.07.2016.

38. Porém, não efectuaram qualquer pagamento no referido prazo.

39. Agindo da forma descrita, em nome da sociedade arguida e em favor dos seus interesses, os arguidos, em conjugação de esforços, quiseram fazer sua a referida quantia, integrando-a no património da empresa, bem sabendo que a mesma não lhes pertencia e que a deviam entregar nos cofres do Estado.

40. Os arguidos sabiam que, ao agir da forma descrita, prejudicavam o regular funcionamento do sistema fiscal, causando prejuízos ao Estado de valor equivalente ao montante não entregue.

41. Agiram livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.

Mais se provou que:

42. A sociedade arguida foi declarada insolvente.

43. A quantia devida ao Estado a título de IVA foi paga a 02.01.2018, faltando pagar as quantias relativas a juros de mora e custas.

44. A quantia devida a titulo de IRS foi integralmente paga a 02.01.2018. 45. Da quantia devida à Segurança Social foram pagas todas as contribuições excepto as relativas a janeiro a abril de 2015 no valor de € 11 654,67.

(…).

- Da contestação:

53. Em agosto de 2014, a sociedade arguida apresentou-se a Processo Especial de Revitalização, dando origem ao processo n.º (…), que correu termos neste Tribunal Judicial da Comarca de Figueiró dos Vinhos, tendo sido declarada a sua insolvência, por sentença proferida a (…), transitada em julgado a (…), no processo n.º (…), a cursar termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, Secção de Comércio, J3.

54. A 05.02.2015, a sociedade arguida solicitou à AT o reembolso de IVA no valor de € 200.000,00 (duzentos mil euros), referente ao período de dezembro de 2014, o que lhe foi deferido, tendo-lhe sido reembolsado, a 09.11.2015, o valor de € 82 471,39, por força de uma compensação de créditos decorrente de outras dívidas em execução fiscal.


*

II.2 – Factos não provados

Com eventual interesse para a decisão da causa, ficaram os seguintes factos por provar:

(…).


*

II.3 – Motivação da matéria de facto

(…).

III.  APRECIAÇÃO DOS RECURSOS

1.Recurso de A.

1.1. Erro notório na apreciação da prova
(…).

1.2. Validade da prova indirecta
(…).

1.3. Impugnação da decisão da matéria de facto.

(…).

1.4. Violação das garantias de defesa

(…).

2. Impugnação de facto de C.

(…).

3. Qualificação jurídico-penal

3.1. Recurso de M.

A Recorrente insurge-se contra a condenação pela prática de dois crimes de abuso de confiança fiscal e um crime de abuso de confiança à Segurança Social, com base em dois fundamentos, a saber:

- A ausência de prova da verificação da gerência de facto, elemento fundamental para a sua responsabilização penal;

- A obrigatoriedade do Estado accionar o mecanismo da compensação de créditos.

A ausência de prova da gerência de facto encontra-se decidida, tendo sido julgada improcedente, nos termos supre referidos.

A questão da compensação de créditos tributários, porque suscitada pelos Recorrentes, será, oportunamente, apreciada, em conjunto.

3.2. Recurso de C.  

3.2.1. Apropriação como elemento típico do crime de abuso de confiança fiscal

Defende o Recorrente que, não se tendo apropriado e integrado no seu património qualquer valor, não pode ser condenado pela prática dos crimes de abuso de confiança fiscal e abuso de confiança à Segurança Social.

Vejamos se assim é:

Dispõe o artigo 105º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT):

1.Quem não entregar à administração tributária, total ou parcialmente, prestação tributária de valor superior a (euro) 7500, deduzida nos termos da lei e que estava legalmente obrigado a entregar é punido com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias.

2. Para os efeitos do disposto no número anterior, considera-se também prestação tributária a que foi deduzida por conta daquela, bem como aquela que, tendo sido recebida, haja obrigação legal de a liquidar, nos casos em que a lei o preveja.

Por seu turno, estabelece o artigo 107º, nº 1, do mesmo diploma:

As entidades empregadoras que, tendo deduzido do valor das remunerações devidas a trabalhadores e membros dos órgãos sociais o montante das contribuições por estes legalmente devidas, não o entreguem, total ou parcialmente, às instituições de segurança social, são punidas com as penas previstas nos nºs 1 e 5 do artigo 105º.

No que concerne à apropriação, como elemento objectivo típico do crime de abuso de confiança, já nos pronunciámos, entre outros, no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22 de abril de 2015, proferido no processo nº 491/11.4TACLD.C1.

Continuamos a defender que, contrariamente ao que sucedia na vigência do artigo 24º do RJIFNA, a apropriação ilegítima deixou de integrar o tipo do abuso de confiança fiscal, bastando-se com a simples falta de entrega pelo agente da prestação tributária que lhe foi confiada e da qual é depositário.

Como decidiu o Tribunal Constitucional, no Acórdão nº 54/2004, pronunciando-se obre a questão relativamente às quotizações devidas à Segurança Social  (ww.dgsi.pt):

«(…) continuam a ser elementos constitutivos deste crime a existência de uma obrigação de entrega à administração tributária de uma prestação tributária deduzida nos termos da lei e a falta dolosa dessa entrega – embora tenha desaparecido da redacção do tipo legal a exigência de “intenção de obter para si ou para outrem vantagem patrimonial indevida”.

 (…)

O obrigado encontra-se instituído em posição que poderemos aproximar da do fiel depositário.».

Para o preenchimento dos ilícitos em análise não se mostra, pois, imprescindível que o agente se aproprie das quantias deduzidas e retidas, com inversão do titulo de posse, nos termos exigidos pelo artigo 205º, do Código Penal, mas que as tenha efectivamente recebido e não as tenha entregado ao Estado, nos termos em que estava obrigado.

Neste sentido, o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 8/2015, in DR I Séria, n.º 106/2015, 2015-06-02, veio a fixar a seguinte jurisprudência:

A omissão de entrega total ou parcial, a administração tributária de prestação tributária de valor superior a EUR 7.500 relativa a quantias derivadas do Imposto sobre o Valor Acrescentado em relação as quais haja obrigação de liquidação, e que tenham sido liquidadas, só integra o tipo legal do crime de abuso de confiança fiscal, previsto no artigo 105 nº 1 e 2 do RGIT, se o agente as tiver, efectivamente, recebido.

In casu, interessam a omissão da entrega à Autoridade Tributária das prestações do IVA e de IRS e a omissão da entrega à Segurança Social das contribuições descontadas nas remunerações dos trabalhadores, quantias recebidas pela sociedade arguida.

De acordo com os factos provados 13 a 11 e 14, a sociedade arguida liquidou o IVA, no valor de 9 061,78€, devido pela venda e serviços prestados aos clientes, recebeu aquela quantia com a obrigação de a entregar à Autoridade Tributária, o que não cumpriu atempadamente.

De igual modo, a sociedade arguida procedeu ao desconto nos vencimentos efectivamente pagos aos trabalhadores e ao desconto nas gratificações pagas aos membros da administração da quantia de 35 975,00€ relativamente IRS, quantia essa que reteve em seu poder com a obrigação de a entregar ao Fisco, o que não cumpriu nos prazos legais (factos provados nºs 28 a 36).

Acresce que, a sociedade arguida, dentro dos prazos legais, omitiu a entrega à Segurança Social as quotizações descontadas nas remunerações efectivamente pagas aos seus trabalhadores e gerentes.

Com tal conduta a sociedade (directamente) e os arguidos (indirectamente) obtiveram benefícios da retenção do valor correspondente ao valor retido do IVA, IRS e das contribuições devidas à Segurança Social, como resulta da conjugação dos factos provados nºs 7 a 11, 18 a 24 e 30 a 39).

Mostram-se, assim, preenchidos os elementos objectivos do crime de abuso de confiança fiscal e à Segurança Social, assim, improcedendo as Conclusões nºs B3 e B4.

3.2.2. A inacessibilidade do agente ao património da sociedade insolvente

Segundo o Recorrente, quando foi notificado nos termos e para os efeitos do artigo 105º, nº 4, alínea b) do Regime Geral das Infracções Tributárias, a S.SA já tinha sido declarada insolvente, estando, por isso, impedido de aceder ao património da sociedade para pagar os valores em divida.

Considerando que:

- Os arguidos foram regularmente notificados, para, em 30 dias, pagarem as prestações em divida, de acordo com a condição objectiva de punibilidade prevista no artigo 105º, nº 4, alínea b), do RGIT;

- A sociedade arguida foi declarada insolvente em 29 de maio de 2015, por sentença transitada em julgado em 29 de maio de 2015;

- O Administrador da insolvência pagou integralmente a divida de IRS em 2 de janeiro de 2018 e parcialmente as demais;

- Os arguidos actuaram em nome e no interesse da sociedade arguida;

A questão a decidir consiste em saber se a circunstância do Recorrente não aceder ao património da insolvente, estando, por isso, impossibilitado de pagar os tributos (artigo 81º, do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas), exclui a sua responsabilidade criminal.

A esta questão respondemos negativamente.

Explicando:

A responsabilidade penal dos arguidos correlaciona-se directamente com a responsabilidade penal da pessoa colectiva, no caso uma sociedade.

O principio geral da responsabilidade das pessoas singulares e colectivas consagrado no artigo 11º, do Código Penal determina que, por regra, só as pessoas singulares são susceptíveis de responsabilidade criminal, excepcionando as situações em que o contrário é legal e especialmente previsto (artigo 11º, nº 1, do Código Penal), como é o caso das pessoas colectivas.

A responsabilidade penal das pessoas colectivas em relação a determinados crimes (os referidos no nº 2, do artigo 11º, citado) pressupõe que, no que aqui releva, sejam cometidos por pessoas singulares actuem em nome e no interesse colectivo.

Tanto não significa que não devam ser punidos os indivíduos que praticam infracções na qualidade de membros de uma pessoa colectiva ou em representação em nome de outrem.

Para estes casos, consagra o 12º do Código Penal a regra da responsabilidade individual da pessoa que actua em nome de outrem.

«É punível quem age voluntariamente como titular de um órgão de uma pessoa colectiva, sociedade ou mera associação de facto, ou em representação legal ou voluntária de outrem, mesmo quando o respectivo tipo de crime exigir: a) determinados elementos pessoais e estes só se verificarem na pessoa do representado; ou b) que o agente pratique o facto no seu próprio interesse e o representante actue no interesse do representado.».

Em matéria tributária, o artigo 6º, nº 1, do RGIT estende a responsabilidade penal tributária à sociedade irregularmente constituída, mantendo os demais pressupostos previstos no citado artigo 12º, nºs 1, a) e b), do Código Penal, realçando-se a actuação voluntária do titular de um órgão, membro ou representante de uma pessoa colectiva (…).

A pessoa singular, representante da sociedade, só pode ser responsabilizada criminalmente se actuar de forma voluntária, munido de vontade própria para actuar em nome da sociedade que representa.

As sociedades são, pois, responsáveis criminalmente por infracções fiscais, tendo como pressuposto a actuação voluntária dos titulares dos seus órgãos sociais ou representantes que cometam a infracção em nome e no interesse da mesma.

No caso, não subsistem dúvidas que os Recorrentes, enquanto, titulares da Administração, actuaram voluntariamente em nome e no interesse da sociedade arguida (factos provados nºs 4, 7, 14, 24, 25 e 39), sendo esta responsável criminalmente pelos ilícitos de abuso de confiança cometidos.

Tal responsabilidade não é afastada pela substituição posterior dos titulares que a representam, sendo irrelevante para este efeito, a nomeação do administrador da insolvência, ocorrida ulteriormente à consumação dos ilícitos.

Todavia, a responsabilidade da pessoa colectiva, designadamente, de uma sociedade pode não afastar a responsabilidade da pessoa singular que actuou em nome daquela.

É o que sucede, em matéria fiscal, onde vigora o principio da responsabilidade penal cumulativa (paralela para outros, Gonçalo de Melo Bandeira, Responsabilidade Penal Económica e Fiscal dos Entes Coletivos) das pessoas colectivas, designadamente das sociedades e dos seus administradores e representantes.

De acordo com o disposto no artigo 6º e 7º, maxime o nº 3, do RGIT, a responsabilidade penal da sociedade não exclui a responsabilidade individual das pessoas singulares, que agiram em nome e no interesse daquela, o que não significa que a sociedade seja responsável pelas infracções penais cometidas pelos seus representantes, nem que estes sejam eles responsáveis por todos os crimes imputados à sociedade representada.

A imputação do mesmo ilícito penal recai, assim, sobre a sociedade (ente colectivo), pelos actos que os seus legais representantes e, nesta qualidade, em nome daquela praticaram e sobre as pessoas singulares, despidas daquela veste estatutária.  

Neste particular, escreve André Teixeira dos Santos, (O Crime de Fraude Fiscal, páginas 264/265):

«(…) tanto na representação legal, como na representação voluntária, o representante tem de cumprir os deveres extra-penais tributários que competiriam ao representado … encontrando-se não só adstrito aos deveres de verdade e de transparência fiscais, como também numa situação privilegiada de “domínio” do facto criminoso … não exigindo o tipo (fraude fiscal) que a vantagem patrimonial beneficie o agente do crime (…)

À semelhança do que acontece no art.12º do C. Penal, o art. 6º, nº1 do RGIT prevê a extensão da punibilidade em moldes de responsabilizar criminalmente o representante legal ou voluntario mesmo nos crimes específicos (…), sendo o critério que fundamenta a ampliação do circulo de sujeitos activos possíveis do crime relativamente aos representantes reside em o instituto da representação de proximidade material do representante em relação ao bem jurídico de modo a que fique em condições de realizar plenamente o tipo de ilícito, não obstante ser um crime especifico. Por outras palavras, a representação permite a existência de uma identidade da situação do intraneus com a do representante que permite a este agredir o bem jurídico no mesmo modo privilegiado que o sujeito passivo do imposto.»

Nesta vertente, a facticidade apurada é clara. A actuação dos arguidos/recorrentes, enquanto pessoas individuais, actuando voluntariamente, como actuaram em nome da sociedade, sujeita-os à responsabilidade penal tributária.

Pelo que, também, aqui, o comportamento dos Recorrentes preenche a acção típica, ilícita objectiva e subjectiva dos crimes pelos quais foram condenados.

Chegados aqui, resta apreciar a notificação a que alude o artigo 105º, nº 4, alínea b), do RGIT.

A punição do crime de abuso de confiança fiscal depende, não só, da verificação das acções típicas e ilícitas elencadas nos nº 1 a 3, do artigo 105º citados e supra analisadas, mas também, da notificação a que se refere o nº 4 do mesmo preceito e diploma.

Aí se estatui:

Os factos descritos nos números anteriores só são puníveis se:

a) Tiverem decorrido mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação;

b) A prestação comunicada à administração tributária através da correspondente declaração não for paga, acrescida dos juros respectivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito.

Trata-se de uma condição objectiva de punibilidade do crime de abuso de confiança fiscal e do crime de abuso de confiança contra a segurança social (este por força do artigo 107º, nº 2 do mesmo diploma), assim qualificada pelo Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 6/2008, 9 de abril de 2008, com a fixação da seguinte jurisprudência:

A exigência prevista na alínea b) do n.º 4 do artigo 105.º do RGIT, na redacção introduzida pela Lei n.º 53-A/2006, configura uma nova condição objectiva de punibilidade que, por aplicação do artigo 2.º, n.º 4, do Código Penal, é aplicável aos factos ocorridos antes da sua entrada em vigor. Em consequência, e tendo sido cumprida a respectiva obrigação de declaração, deve o agente ser notificado nos termos e para os efeitos do referido normativo [alínea b) do n.º 4 do artigo 105.º do RGIT].

Como condição objectiva de punibilidade não respeita à circunstância directa com o facto ilícito, não pertencendo ao tipo ilícito, nem à culpa.

A este propósito, lê-se, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de março de 2007, (Relator Henriques Gaspar):

«As condições objectivas de punibilidade são aqueles elementos situados fora da definição do crime, cuja presença constitui um pressuposto para que a acção antijurídica tenha consequências penais. Apesar de integrarem uma componente global do acontecer, e da situação em que a acção incide, não são, não obstante, parte desta acção (…).

São elementos situados fora do tipo, cuja presença constitui um pressuposto da actuação das consequências penais de uma acção típica e antijurídica; sendo componentes globais da situação sobre que incide a acção, não são, porém, propriamente parte da acção (…)

Não fazendo parte da acção, integram, todavia, o complexo facto-condições de que depende a aplicação de uma sanção penal (a punição), mas estão fora do perímetro de delimitação da infracção penal enquanto categoria autónoma de tipo de ilícito e de culpa.

Integrando o complexo facto-condições, assumem, ainda, dimensão material, pela influência ou consequência que têm na construção e integração dos pressupostos da punição, mas não contendem com a natureza do crime, nem com implicações, sequências e consequências no plano das relações e criminalização-descriminalização quando se sucedam diversas condições de punibilidade.» (sublinhado nosso).

A verificação da condição objectiva de punibilidade está na dependência do agente, assumindo carácter pessoal, sendo este, aliás, o elemento que a distingue das causas de exclusão da punibilidade.

Como se escreveu no Acórdão desta Relação de 11 de outubro de 2017 (Relator: Vasques Osório, www.dgsi.pt)

«Com a nova condição objectiva de punibilidade a lei colocou na disponibilidade de cada agente do crime, através de um facere – o pagamento da prestação em falta e juros, dentro do prazo assinalado – a desnecessidade da punição. Assim, para que a condição se verifique em relação a cada arguido é apenas necessária que o mesmo tenha sido regularmente notificado e não tenha, dentro do prazo referido, satisfeito o pagamento devido (…).

É certo que o pagamento feito por um dos arguidos aproveita aos restantes, ficando excluída a punibilidade das condutas relativamente a todos eles. Todavia, se no campo exclusivo da responsabilidade meramente tributária, é admissível falar-se de responsabilidade solidária, o conceito não é transponível para o campo penal e, portanto, para o regime estabelecido na alínea b) do nº 4 do artigo 105º do RGIT. (…). (sublinhado nosso)».

Sendo a responsabilidade penal pessoal, a infracção tributária que nos ocupa, só deixa de ser punível, se, cumprida a condição objectiva de punibilidade prevista na alínea b) do nº 4 do artigo 105º do RGIT traduzida na notificação de todos os arguidos (17 de novembro de 2015, 2 de setembro de 2016 e 19 de julho de 2016), qualquer um deles proceda ao pagamento das quantias em divida, no tempo para o efeito concedido. Não se exige que aquele pagamento seja feito à custa do património da sociedade, em nome da qual os arguidos actuaram.

Donde se conclui que;

Para efeitos do pagamento referido no artigo 105, nº 4, alínea b), do RGIT, é irrelevante a inacessibilidade do Recorrente ao património da sociedade insolvente, improcedendo, nesta parte, o recurso (Conclusões nºs B.22 a B.23).

4. Compensação de créditos

Assente que a Autoridade Tributária reembolsou a sociedade arguida, no valor de 117 528,61€ (facto provado nº 54), por força da compensação de créditos de outras dividas fiscais em execução, a questão a decidir consiste em saber se o Estado estava obrigado a compensar com aquele crédito as quantias relativas ao IVA, IRS e contribuições para a Segurança Social.

A esta questão respondemos negativamente.

Dispõe o artigo 847º, nº 1, do Código Civil:

1. Quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio de compensação com a obrigação do seu credor, verificados os seguintes requisitos:

a) Ser o seu crédito exigível judicialmente e não proceder contra ele excepção, peremptória ou dilatória, de direito material;

b) Terem as duas obrigações por objecto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade.

2. Se as duas dívidas não forem de igual montante, pode dar-se a compensação na parte correspondente.

3. A iliquidez da dívida não impede a compensação.

Quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, pode qualquer delas exonerar-se da sua obrigação por meio de compensação, desde que o seu crédito seja exigível judicialmente e não proceder contra ele excepção, peremptória ou dilatória, de direito material.

4.1. Segurança Social

No plano contributivo da Segurança Social, importa reter o regime da compensação de créditos regulado, entre outros, nos artigos 197º, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social e artigo 77º, nº 1, do Regulamento do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social.

A compensação pressupõe, à semelhança do que sucede, com citado artigo 847º, nº1, do Código Civil, que o contribuinte seja simultaneamente credor e devedor da Segurança Social.

Sempre que a Segurança Social detecte a existência de créditos a favor do contribuinte deve proceder à compensação oficiosa dos créditos, podendo esta ser requerida pelo contribuinte à entidade de segurança social competente a compensação de créditos.

No caso em apreço, verifica-se que a empresa arguida não tinha qualquer crédito sobre a Segurança Social, pelo que não há lugar à compensação reclamada pelos Recorrentes.

4.2. Administração Fiscal

As obrigações pecuniárias, de quantia certa, extinguem-se, regra geral, com o pagamento (artigo 762º, do Código de Processo Civil).

No âmbito da relação jurídica tributária, o pagamento das obrigações fiscais por parte do sujeito passivo e da Administração Fiscal constitui o principal meio de extinção da obrigação (artigos 30º, nº 1 e 40º, da Lei Geral Tributária).

Quando a Autoridade Tributária se constitui devedora ao contribuinte de determinada quantia, designadamente, por receber imposto superior ao devido, cabe-lhe em primeira linha, reembolsar o contribuinte no montante correspondente ao excesso.

Contudo, se a Administração fiscal for simultaneamente credora daquele contribuinte, pode extinguir a sua obrigação, por meio de compensação, aplicando o respectivo crédito na divida do sujeito passivo.

A compensação é, assim, equiparada ao «pagamento», constituindo uma outra forma de extinção da obrigação tributária que se reconduz a uma transferência patrimonial para o credor.» (Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário, vol. III, página 492).

Quando o sujeito passivo e a Autoridade Tributária forem reciprocamente credores e devedores, pode qualquer deles exonerar-se da sua obrigação por meio de compensação. Deste modo, o sujeito passivo cumpre o pagamento da divida para com a Administração Fiscal, enquanto esta cumpre a divida para com aquele, desde que os créditos estejam consolidados.

A Autoridade Tributária pode, por sua iniciativa, proceder à compensação de dividas de tributos, quando se verifiquem as condições estabelecidas no artigo 89º, do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), que reza assim,

«1 - Os créditos do executado resultantes de reembolso, revisão oficiosa, reclamação ou impugnação judicial de qualquer acto tributário são aplicados na compensação das suas dívidas cobradas pela administração tributária, excepto nos casos seguintes:

a) Estar a correr prazo para interposição de reclamação graciosa, recurso hierárquico, impugnação judicial, recurso judicial ou oposição à execução;

b) Estar pendente qualquer dos meios graciosos ou judiciais referidos na alínea anterior ou estar a dívida a ser paga em prestações, desde que a dívida exequenda se mostre garantida nos termos do artigo 169.º

2 - Quando a importância do crédito for insuficiente para o pagamento da totalidade das dívidas e acrescido, o crédito é aplicado sucessivamente no pagamento dos juros de mora, de outros encargos legais e do capital da dívida, aplicando-se o disposto no n.º 3 do artigo 262.º

3 - A compensação efectua-se pela seguinte ordem de preferência:

a) Com dívidas da mesma proveniência e, se respeitarem a impostos periódicos, relativas ao mesmo período de tributação;

b) Com dívidas da mesma proveniência e, se respeitarem a impostos periódicos, respeitantes a diferentes períodos de tributação;

c) Com dívidas provenientes de tributos retidos na fonte ou legalmente repercutidos a terceiros e não entregues;

d) Com dívidas provenientes de outros tributos, com excepção dos que constituam recursos próprios comunitários, que apenas serão compensados entre si.

4 - Se o crédito for insuficiente para o pagamento da totalidade das dívidas, dentro da mesma hierarquia de preferência, esta efectua-se segundo a seguinte ordem:

a) Com as dívidas mais antigas;

b) Dentro das dívidas com igual antiguidade, com as de maior valor;

c) Em igualdade de circunstâncias, com qualquer das dívidas.

5 - A compensação é efectuada através da emissão de título de crédito destinado a ser aplicado no pagamento da dívida exequenda e acrescido.

6 - Verificando-se a compensação referida nos números anteriores, os acréscimos legais serão devidos até à data da compensação ou, se anterior, até à data limite que seria de observar no reembolso do crédito se o atraso não for imputável ao contribuinte.

7 - O ministro ou órgão executivo de que dependa a administração tributária pode proceder à regulamentação do disposto no presente artigo que se mostre necessária.».

Resulta do nº 1 e 5 transcrito, que os créditos do executado resultantes de reembolso, revisão oficiosa, reclamação ou impugnação judicial de qualquer acto tributário são aplicados na compensação das suas dívidas cobradas pela administração tributária, sendo a compensação efectuada através da emissão de título de crédito destinado a ser aplicado no pagamento da dívida exequenda e demais acréscimos.

A compensação assume, assim, um acto de natureza coerciva, uma modalidade forçada de cobrança, (cf. artigos 78º, 89º e 148º, do CPPT), em que a Autoridade Tributária pode decidir não reembolsar o crédito do sujeito passivo e impor-lhe que o seu crédito seja compensado nas dividas fiscais.

Por isso, o Fisco só pode fazer operar a compensação, em relação ao crédito fiscal, quando seja certo liquido e exigível, definitivamente fixado, sem possibilidade do contribuinte discutir a legalidade do imposto.

Por outro lado, a compensação só pode ter lugar, quando não esteja pendente qualquer reclamação contenciosa, recurso hierárquico, impugnação judicial ou oposição à execução ou, não estando pendente a apreciação de um destes meios, não esteja a decorrer qualquer prazo para a sua apresentação. A compensação também está afastada, no caso de existir um plano de pagamentos a prestações.

Todos estes pressupostos limitam a compensação imposta pela a administração fiscal. Esta só pode ocorrer e substituir o reembolso, dentro dos limites legais e bem definidos, o que, aliás, se compreende, dada a natureza indisponível de tais créditos (artigo 30º, nº 2, LGT). Está, pois, vedado ao Fisco dispor arbitrariamente dos créditos do sujeito passivo.

Como salienta Jorge Lopes de Sousa (in Código de Procedimento e de Processo Tributário, vol. I pág. 731):

«(…) no nosso sistema de administração executiva, para poder dar um destino diferente às quantias que tem em seu poder e deviam ser entregues ao contribuinte, a Administração Tributária tem de praticar previamente um acto administrativo, (...) Para além disso, praticado esse acto, só pode dar-lhe execução depois de ele se ter tornado eficaz em relação ao contribuinte, através da respetiva notificação (art.s 77º n.º 6 da LGT e 36º n.º 1 do CPPT)».

Neste quadro legal em contraponto com a matéria de facto provada, facilmente se conclui que a Autoridade Tributária não tinha a obrigação de compensar com o crédito de 117.528,61€ a divida fiscal de IVA e IRS, no valor de 45 036,58€.

Desde logo, porque, em 12 de janeiro de 2015 e em 20 de julho de 2014, o valor daquele crédito não estava consolidado, não sendo, crédito certo nem liquido, pressuposto necessário à verificação da compensação.

Depois, porque a possibilidade de compensação de créditos por parte da Administração Fiscal foi afastada com o reembolso da quantia de 117.528,61€.

Ao pedir e receber o reembolso, a sociedade arguida manifestou claramente a sua vontade, no sentido de não pretender cumprir a divida para com a Administração Fiscal, optando pela restituição do seu crédito.

Ora, só o reembolso concedido e não entregue ao sujeito passivo é susceptível de ser compensado, nos termos do artigo 89º, do CPPT.

Desta feita, não há lugar à compensação de dividas de tributos impulso da Autoridade Tributária, nos termos do artigo 89º mencionado.

Do que se trata é de verificar se, no caso, a compensação deveria operar por iniciativa da sociedade arguida.

Dispõe o artigo 90º, do CPPT:

1 - A compensação com créditos tributários pode ser efectuada a pedido do contribuinte quando, nos termos e condições do artigo anterior, a administração tributária esteja impedida de a fazer.

2 - A compensação com créditos tributários de que seja titular qualquer outra pessoa singular ou colectiva pode igualmente ser efectuada, nas mesmas condições do número anterior, desde que o devedor os ofereça e o credor expressamente aceite.

3 - A compensação referida nos números anteriores é requerida ao dirigente máximo da administração tributária, devendo, no caso do número anterior, o devedor apresentar com o requerimento prova do consentimento do credor.

4 - A compensação com créditos sobre o Estado de natureza não tributária de que o contribuinte seja titular pode igualmente ser efectuada em processo de execução fiscal se a dívida correspondente a esses créditos for certa, líquida e exigível e tiver cabimento orçamental.»

Daqui resulta que a compensação com créditos tributários por iniciativa do sujeito passivo depende em primeira linha dos pressupostos gerais já analisados no artigo 89º, (ex vi artigo 90º, nº 1, do Código de Procedimento e Processo Tributário) que, por economia nos escusamos de repetir. Aos que acresce a imposição ao sujeito passivo de requerer a compensação ao dirigente máximo da administração tributária, nos termos do nº 3, do citado artigo 90º.

Como deixámos dito, a sociedade arguida solicitou à Autoridade Tributária o reembolso do seu crédito e não a compensação das dividas fiscais sub judice com o valor daquele.

O pedido de reembolso e o pedido de compensação com reembolso não se confundem constituindo duas realidades distintas.  No pedido de reembolso, o sujeito passivo solicita a restituição do crédito de que é titular, enquanto no pedido de compensação, o sujeito passivo requer à Autoridade tributária que, em vez da restituição do valor reembolso, este seja aplicado no tributo em divida, assim se exonerando do cumprimento da obrigação tributária, através da compensação.

No caso, pedido reembolso, a par do seu recebimento demonstra que sociedade arguida, em 5 de fevereiro de 2015 ou posteriormente, não manifestou ao dirigente máximo da Administração Fiscal a intenção e vontade de compensar os impostos em divida com o valor do reembolso solicitado, como impõe o artigo 90º, nº 3, do CPPT.

Pelo que, não tem cabimento legal, a compensação peticionada pelos Recorrentes.

Por todo o exposto, embora com fundamentos diferentes da sentença recorrida, julgam-se improcedentes as Conclusões x) e z) do Recurso de M. e as Conclusões B15, B17 e B19 a B21, do Recurso de C..

5. Estado de necessidade desculpante

Na óptica do Recorrente a omissão da entrega do IVA à Autoridade Tributária foi determinada por circunstâncias que integram causas de exclusão da culpa prevista no artigo 35º, nº 2, do Código Penal.

Vejamos:

De acordo com o disposto no artigo 35º, do Código Penal, segundo o qual:

«1. Age sem culpa quem praticar um facto ilícito adequado a afastar um perigo actual, e não removível de outro modo, que ameace a vida, a integridade física, a honra ou a liberdade do agente ou de terceiro, quando não for razoável exigir-lhe, segundo as circunstâncias do caso, comportamento diferente.

2. Se o perigo ameaçar interesses jurídicos diferentes dos referidos no número anterior, e se verificarem os restantes pressupostos ali mencionados, pode a pena ser especialmente atenuada ou, excepcionalmente, o agente ser dispensado de pena.

Daqui decorre que o estado de necessidade surge quando o agente é colocado perante uma situação de um perigo actual que ameaça interesses jurídicos, apenas evitável com a prática de um crime, lesando outros interesses jurídicos.

Porém, diante dos factos provados, não é o que aqui sucede.

Em primeiro lugar, nada indicia e muito menos demonstra que alegado pagamento aos trabalhadores e fornecedores referidos nos factos nºs 24 e 25 foi realizado com os valores devidos ao Fisco e retidos pelos Recorrentes em nome da sociedade.

Em segundo lugar, não se apurou que os créditos da sociedade arguida sobre o Estado motivaram a apresentação daquela à insolvência [facto não provado na alínea C)].

Em terceiro lugar, a sociedade, ainda representada pelos arguidos, solicitou o reembolso do crédito de 200 000,00 de IVA, ao invés de requerer a compensação das dividas fiscais com o valor do reembolso recebido, manifestando clara intenção de não cumprir os pagamentos tributários. 

Por último, a ausência de meios financeiros para o pagamento dos salários dos trabalhadores não tem acolhimento na facticidade provada.

Na verdade, as referências a dificuldades de tesouraria e à falta de dinheiro suficiente, nos factos provados nºs 24 e 25, não indiciam a situação económica e financeira da empresa, mas o modo gestão e administração dos recursos económicos a cargo dos Recorrentes.

Ademais, se a situação económica e financeira estava em ruptura impedindo o pagamento simultâneo das remunerações dos trabalhadores e das contribuições devidas à Segurança Social, não explicam os Recorrentes as razões pelas quais optaram, em junho de 2014, por receber da sociedade gratificações, no valor de 60 000,00€ cada um, em detrimento do pagamento das quotizações à Segurança Social, que, nesse mesmo já se encontravam em divida.

Em suma, não constando do elenco dos factos provados que, a falta de entrega à Autoridade Tributária e Segurança Social se tenha devido a «uma situação de perigo» ou «a um interesse superior» ou «a uma difícil situação económica da empresa» ou que «tenha servido para pagar salários aos trabalhadores», não colhe a Conclusão B).

6. Atenuação especial da pena

Por último, defende ainda o Recorrente que a pena devia ser especialmente atenuada, na medida em que os tributos do IVA e IRS se encontram pagos na sua totalidade.

Para tanto invoca o disposto no artigo 27º, nº 2 do RGIT, que estatui:

«A pena será especialmente atenuada se o agente repuser a verdade fiscal e pagar a prestação tributária e demais acréscimos legais até à decisão final ou no prazo nela fixado».

São, pois dois os pressupostos exigidos pela atenuação especial da pena:

 - O pagamento integral da prestação tributária e demais acréscimos, por parte do agente;

- A reposição da verdade tributária pelo mesmo agente;

Não basta, pois, o pagamento integral das prestações tributárias e acréscimos, mas também, a reposição da verdade fiscal, [cf. a este propósito, entre outros, Patrícia Naré Agostinho, A relevância da reposição da verdade sobre a situação tributária, Rev. MP, ano 109, e João Ricardo Catarino, Nuno Vitorino, Direito Sancionatório Tributário, em anotação ao artigo 22º, Acórdãos da Relação do Porto de 2006 (Proc. Nº 0612063) e 25 de Maio de 2011 (Proc. Nº 239/08.4TAVCD.P1 e Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 11 de Abril de 2015 (Proc. Nº 362/2005- 1)].

De qualquer forma, seja qual for a dimensão dada aos conceitos literais de pagamento integral das prestações tributárias e acréscimos e reposição da verdade fiscal, certo é que, no caso, o Recorrente não está em condições de beneficiar da atenuação especial da pena.

Com efeito, os actos susceptíveis da atenuação especial da pena não foram praticados pelo Recorrente, mas pelo administrador da sociedade insolvente, quando, em 2 de Janeiro de 2018, procedeu ao pagamento integral devida a título de IRS e ao pagamento parcial da prestação tributária do IVA.

É, assim, evidente que, no caso dos autos, não pode a pena aplicada ser especialmente atenuada, nos termos sobreditos.

7. Em conformidade com o exposto, improcedem os recursos.

V.  DECISÃO

Por todo o exposto, acordam os juízes da Secção Criminal desta Relação em julgar não providos os recursos interpostos por M. e C..

Custas pelos Recorrentes: solidariamente os encargos, individual a taxa de justiça que se fixa em 3 UCS para a primeira e 4 UCS para o segundo.

Coimbra, 28 de outubro de 2020

Alcina da Costa Ribeiro – relatora

Ana Carolina Cardoso – adjunta