Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
12/11.9PECTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE DIAS
Descritores: PROVAS
AGENTES DA AUTORIDADE
DEPOIMENTO INDIRETO
Data do Acordão: 05/09/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 2º JUÍZO DO TRIBUNAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: ALTERADA
Legislação Nacional: ARTIGO 356º Nº 7 CPP
Sumário: Os depoimentos prestados em audiência pelos agentes da autoridade relatando a forma como abordaram o dono do carro, dentro do qual se encontrava a arma proibida, e que mais tarde viria a ser constituído arguido, perguntando-lhe a quem pertencia tal arma, constitui prova válida e atendível adquirida no âmbito da investigação que lhes competia efetuar.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal.
No processo supra identificado foi proferida sentença que julgou procedente a acusação deduzida pelo Magistrado do Mº Pº contra o arguido:
A..., residente na …, Castelo Branco.
Sendo decidido:
a) Condenar o arguido pela prática de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelos arts. 2, n.º 1, al. az), 3, n.ºs1 e 3, 5º n.º 2, als. e) e g) e 86, n.º 1, al. c) da Lei n.º 5/2006, de 23/2 na pena de oito meses de prisão.
Por ter servido para a prática de ilícitos típicos declaro perdida a favor do Estado a arma e munições apreendidas nos autos a fls. 12, de cuja natureza decorre perigo de serem utilizadas para a prática de novos ilícitos típicos.
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Inconformado, da sentença interpôs recurso o arguido formulando as seguintes conclusões na motivação do mesmo e, que delimitam o objeto:
A) O presente recurso visa questionar a douta decisão recorrida, nos seguintes aspetos: a) impugnação da decisão de facto quanto à decisão condenatória ao arguido b) Impugnação da matéria de direito relativamente a: I) violação do artigo 125 do C.P.P., 2) Violação do princípio da livre apreciação da prova; 3) Da inexistência de responsabilidade penal pela alegada prática de crimes de 3) Da medida da pena aplicável - Pena excessiva; 4) Da existência de fundamento para a suspensão da execução da pena relativamente ao arguido.
B) Impugnação da matéria de facto: O douto acórdão recorrido perfilha o entendimento de que as provas produzidas em audiência permitem fazer um juízo de segurança quanto ao facto de o arguido ter praticado o crime de que foi acusado.
1) Ora, esta fundamentação é inaceitável dado que a situação de facto, tal como ela se desenrolou. Na verdade, conforme se demonstrará adiante a decisão é inaceitável dos aspetos impugnados por se entender que: a) Existem provas claras, que foram produzidas e examinadas em audiência, que impunham decisão diferente quanto ao arguido; b) que inexistem provas que possam condenar o arguido da prática dos crimes que foi condenado c) Não existe qualquer fundamento para a decisão de condenação.
2) Pontos de facto incorretamente julgados e provas que impõem decisão diversa da recorrida:
- Pontos dados como provados na matéria de prova: 1,2,3
a) Provas que impõe decisão diversa: Atenta a ausência de provas resultante do Tribunal e em virtude da dúvida razoável existente e, por conseguinte, a ausência de certeza máxima requer-se a análise de todos os depoimentos produzidos em sede de audiência de discussão e julgamento.
C) Impugnação da matéria de direito
a) Na apreciação das provas o julgador deve nortear a sua atividade, procurando analisar de forma lógica as provas, todas as provas produzidas, através de um juízo de normalidade das coisas, de onde resulte a reconstituição dos factos com um certo grau de certeza.
b) O que está em causa neste caso resulta da conjugação de dois princípios fundamentais, a saber: o dever de fundamentação e o da livre apreciação da prova. Como se referiu supra a douta fundamentação é irrazoável, denota falta de clareza e não valorou as provas relevantes em termos legais, entre elas o depoimento do arguido. Por outro lado, também foi violado o princípio da livre apreciação da prova, dado que não apreciaram as provas de acordo com as regras da experiência.
c) Assim, resulta inequivocamente demonstrado que não existe qualquer prova (testemunhal, pericial e/ou documental) que garanta, com certeza máxima que o arguido tenha praticado os factos, como e com que propósito.
d) Em suma o Tribunal julgou, salvo o devido respeito, erradamente quando condenou o arguido
e) O arguido foi condenado na pena única de 8 (oito) meses de prisão efetiva.
f) Atenta a impugnação da matéria de facto e direito atrás mencionada o arguido nunca poderia e deveria ter sido condenado.
g) Pelo exposto e salvo o devido respeito considera-se as penas aplicadas excessivas
i)Podemos concluir que é uma pena justa aquela que responda, adequadamente, às exigências preventivas e não exceda a medida da culpa.
i) Ora, no caso em apreço e atenta a posição assumida pelo arguido no presente recurso é perentório que o mesmo pugna pela sua absolvição em todos os crimes em que foi condenado.
j) Contudo e ainda que assim não se entenda, no todo ou em parte, é liquido afirmar que as penas são aplicadas com a finalidade primeira de restabelecer a confiança coletiva na validade de uma norma violada e, em segundo lugar, na análise da eficácia do próprio sistema jurídico-penal. Por sua vez, a função da culpa é designadamente, a de estabelecer o máximo de pena concretamente aplicável - toda a pena tem um suporte axiológico - normativo a culpa concreta.
k) Parece-nos que no presente caso estão satisfeitas as exigências estatuídas, razão pela qual as penas fixadas apresentam-se, salvo o devido respeito, altamente exageradas face ao grau de culpa imputável ao recorrente.
l) Termos em que se peticiona a absolvição do arguido ou, caso assim não se entenda, seja o mesmo condenado na pena de multa perto do mínimo legal o que se considera justo e adequado, em face à moldura penal aplicável e do conjunto de factos dados como não provados e provados.
m) A douta sentença recorrida considerou que a pena aplicável a este arguido (de acordo com o cúmulo jurídico efetuado) não deveria ser suspensa na sua execução.
n) O arguido encontra-se detido estando completamente convictos que o contacto com o sistema prisional poderá desde já ter acautelado o arguido, quanto às consequências eventualmente emergentes da sua revogação;
o) De igual sorte, inexistem notícias nos autos que levem a crer em que o arguido não se encontre socialmente integrado, dado que o mesmo encontra-se fortemente inserido socialmente e profissionalmente.
p) Somos de crer que a mera censura do facto e, muito em especial, a ameaça da pena, serão fatores suficientemente inibitórios da prática de novas condutas criminosas e, por essa razão, a opção deveria ter sido - e deverá sê-lo - pela redução da pena e consequente suspensão da sua execução por se revelar adequado à salvaguarda das finalidades das penas.
q) Mostram-se verificados os requisitos estabelecidos no artigo 50 do C.P., uma vez que está preenchida a prevenção especial nem tão pouco resulta demonstrado que a efetiva execução da pena seja indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização das expectativas comunitárias.
D) Norma jurídicas violadas:
1) O douto acórdão recorrido, na parte impugnada, violou o disposto no artigo 374, 125 e n.º 2 e 127 do C.P.P; dado que não valorou a favor do arguido as provas produzidas em audiência de discussão e julgamento
1) O douto acórdão violou o disposto nos artigos 40, n.º 1 e 2 e 71 do C.P. dado que impunha-se a absolvição do arguido ou, pelo menos, a condenação de uma pena de prisão mais baixa daquela que foi aplicada, nomeadamente, pena de multa perto do mínimo legal (pena não privativa da liberdade)
2) O douto acórdão violou o disposto no artigo 50 do C.P. dado que se impunha, atenta as circunstâncias que rodeiam o arguido e atento o princípio da prevenção especial, a suspensão da execução de pena privativa da liberdade com, se necessário, o cumprimento de injunções;
E) Cumprimento do disposto no art. 412, n.º 3 e 4 do C.P.P.
3) Pontos que se consideram incorretamente julgados: Pontos dados como provados na matéria de prova: 1, 2, 3 da matéria dada como provada.
E.1 Provas que impõem decisão diversa da recorrida: Depoimento de todas as testemunhas e arguido
E.2. Provas que devem ser renovadas: Todas as indicadas supra, na impugnação e que impõem decisão diversa da recorrida.
Deverá ser concedido provimento ao recurso e, em consequência:
1-Ser alterada a decisão da matéria de facto, no que respeita ao arguido, relativamente à inexistência de provas que atestem a participação do arguido nos crimes pelos quais foi condenado.
2- Em consequência da alteração à decisão quanto à matéria de facto, ser este arguido absolvido pela prática dos crimes de que foi condenado.
4) Ser decretada a violação dos artigos 374, 125 e n.º 2 do 127 do C.P.P; do n.º 7, do artigo 147 do C.P.P. e artigo 32 da CRP; dos artigos 40, n.º 1 e 2 e 71 do C.P.; do artigo 50 do C.P.
Mateus, 5: 1: Jesus, o Cristo, disse um dia: "Bem-aventurados sejam aqueles que têm sede e fome de justiça porque um dia serão saciados".
Respondeu o Magistrado do Mº Pº, concluindo:
1. Estabelece o art. 412, n.º 3 do Código de Processo Penal que quando se pretende impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar: os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida e; as provas que devem ser renovadas, sendo que o n.º 4 do mesmo preceito se estabelece ainda que quando as provas tenham sido gravadas, como é o caso, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior devem indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.
2. No caso concreto o recorrente insurge-se contra os factos dados como provados nos pontos 1, 2 e 3 da matéria de facto dada como provada, mas não cumpre de forma cabalo verdadeiro ónus de impugnação que se encontra contido no n.º 3 do art. 412 do Código de Processo Penal.
3. Resulta do preceituado nesta norma, especificamente da aI. b) e que é complementado pela norma contida no n.º 4 do mesmo artigo, que exigindo-se a especificação das concretas provas impõem-se a indicação do conteúdo específico do meio de prova, ou seja, tratando-se de prova gravada, como é o caso, deve o recorrente individualizar as passagens da gravação em que se baseia a impugnação.
4. Porém, da análise do teor das motivações apresentadas verifica-se que tal dever de individualizar as passagens concretas da gravação não foi cumprido. O que o recorrente faz é, apenas, transcrever a totalidade da prova oral produzida, depoimentos dos dois agentes da Polícia de Segurança Pública, declarações do arguido e depoimento de B..., testemunha indicada pela defesa.
5. É insuficiente a indicação genérica de todo um depoimento gravado, importando referir o que nele não sustenta o facto por provado ou o que sustenta que determinado facto seja dado como provado, tendo antes de demonstrar que as provas a que alude impõem decisão diversa da recorrida, não bastando que as provas sejam compatíveis com a versão que o recorrente quer tirar deles, mas antes é necessário que tais provas só possam levar a que se deem por não provados os factos que o recorrente queria ver como não provados.
6. Assim, para se impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto ter-se-á de indicar as provas que impõem decisão diversa da recorrida, não bastando que as provas sejam compatíveis com a versão apresentada pelo recorrente, sendo antes necessário que tais provas só possam levar a que se deem por não provados os factos que o recorrente indicou. E tal não resulta, manifestamente, da prova apreciada como um todo.
7. Mas na motivação sob resposta o recorrente não faz referência às concretas passagens da prova gravada que impõem que os factos dados como provados nos pontos 1, 2 e 3 da sentença tenham, necessariamente, de se entender como não provados, antes parecendo resultar que o recorrente pretende quase um novo julgamento pelos factos de que foi acusado.
8. Como é consabido e resulta do art. 127 a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, pelo, partindo de tal principio e tendo em conta o que dispõe o art. 374, n.º 2 do Código de Processo Penal relativamente aos requisitos da sentença. Não basta mostrar os meios de prova através do seu elenco é preciso demonstrar porque razão se chegou a determinado resultado exigindo-se uma indicação dos meios de prova e um complementar exame crítico de modo a que permita avaliar o porquê da decisão e o processo lógico mental que possibilitou a decisão da matéria de facto.
9. A motivação das decisões dos tribunais não é, nem pode ser mais, um ato de fé, um puro exercício de íntima convicção, exige-se, para além disso, que o juízo de culpabilidade seja objetivado com a indicação dos meios de prova e um complementar exame crítico, de modo a que permita reconstruir e avaliar retrospetivamente a correção e validade do processo lógico mental que possibilitou a decisão da matéria de facto. A convicção tem de ser uma demonstração feita com absoluto respeito pelas regras e princípios legais pertinentes em sede de prova e de acordo com as regras da experiência e da lógica.
10. No caso vertente, o tribunal a quo julgou criteriosa e prudentemente o arguido e face à prova produzida em audiência de discussão e julgamento só poderia ter concluído pela sua condenação, como fez e bem.
11. Na avaliação feita pelo tribunal não se mostram violadas as regras da experiência, o juízo feito na decisão recorrida, não é arbitrário, nem contraditório, nem desrespeitador das regras sobre o valor da prova, antes um juízo permitido pelas regras da experiência e da lógica, não se verificando qualquer contradição insanável entre a prova produzida e a matéria de facto assente, não se vislumbrando igualmente qualquer «erro notório» na valoração da prova.
12. Na decisão recorrida não só se elencaram as provas reputadas relevantes, como também se procedeu ao seu exame crítico. Explicitou-se na decisão recorrida o processo de formação da convicção; não se limitou a decisão recorrida a mostrar os meios de prova, através do seu elenco, mas demonstrou e exteriorizou porque razão se convenceu, e bem, que o arguido foi o autor dos factos delituosos, explicando-se as razões que levaram a Meritíssima Juiz a considerar determinados depoimentos das testemunhas de acusação em detrimento das declarações prestadas pelo arguido e bem assim da sua companheira, arrolada como testemunha pela defesa, qual a razão porque deu credibilidade àqueles e descredibilizou estes.
13 O que não pode suceder é que a convicção de quem julga seja confundida ou substituída pela convicção dos que esperam a decisão, sendo ainda certo que, ao contrário do que parece inferir-se da motivação sob resposta, tal convicção não pode ficar presa numa credulidade cega do teor das palavras proferidas em sede de julgamento quer pelo arguido, quer pela testemunha de defesa, cuja credibilidade é afetada pela relação que mantém com o arguido, mas principalmente, como bem se refere na douta sentença, no modo concertado com que apresentou a sua versão, muito pouco espontânea e autêntica, esbarrando nas respostas sem sentido às perguntas que procuraram aprofundar e esmiuçar a versão apresentada.
13.(repetido) O recorrente vem colocar em causa a atendibilidade do depoimento que incide sob as diligências de investigação legitimamente efetuadas por órgão de polícia criminal relativamente a infração de que teve conhecimento no exercício das suas funções, antes ainda da instauração de qualquer processo e da constituição como arguido.
14. Parece-nos que não resulta do nosso ordenamento jurídico-processual penal qualquer disposição que vede o depoimento do agente das forças de segurança que relata em audiência as diligências investigatórias que levou a cabo e as providências cautelares que tomou relativamente aos meios de prova.
15. Acresce que os órgãos de polícia criminal podem, mesmo antes de receber a ordem da autoridade judiciária competente para procederem a investigações, praticar os atos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova (art. 249, n.º 1 do mesmo diploma legal), nomeadamente, colher informações das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime e a sua reconstituição (aI. b) do n° 2 do mesmo artigo), estando-se assim perante uma fase preliminar da investigação, em que ainda não foi formalmente aberto um processo crime, tal como não há ainda arguidos constituídos, mas em que a prova recolhida é de fundamental importância para a investigação futura responsabilização criminal e nessa medida deverá ser preservada.
16. Assim, os agentes principais C... e D... atuaram a coberto da lei, dentro dos limites que lhes eram consentidos pelo art. 55, n.º 2, e com pleno respeito pelos direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consagrados, pelo que não existe nenhum impedimento de sobre a prova então produzida se depor em sede de julgamento.
17.As afirmações produzidas nessa fase preliminar por qualquer pessoa abordada no decurso de operação policial, seja ela um suspeito ou uma potencial testemunha do crime, não traduzem "declarações" stricto sensu, para efeitos processuais, já que não existia ainda verdadeiramente um processo penal a correr termos, nem tão pouco podem ser tidas como "conversas informais" porquanto também aqui ter-se-ia de estar na atuação no âmbito de um processo.
18. São diligências de aquisição e conservação de prova, lícitas, porque conformes ao previsto no art. 249 do Código do Processo Penal, não sendo proibido o seu relato em audiência.
19. O teor do depoimento efetuado em audiência pela testemunha C..., na parte em que relata que o arguido num primeiro momento disse que a arma era da companheira e que nada sabia da arma, tendo depois acabado por admitir que a arma era dele, tem um valor relativo por si só, mas que concorre, juntamente com os demais elementos de prova, para a convicção a que a Meritíssima Juiz "a quo" formou.
20. Relativamente à opção pela pena de prisão, no caso concreto 8 meses de prisão, entendemos que nenhum reparo pode ser feito à sentença recorrida, concordando-se plenamente com a mesma, pelo que aqui nos limitamos a remeter para a sua cuidada fundamentação.
21. E o mesmo se diga quanto à não admissibilidade de suspensão da execução da pena de prisão ou até mesmo de qualquer outra pena substitutiva, antes se impondo a prisão efetiva, tal como se concluiu na douta sentença recorrida e ao contrário do que entende o arguido na sua motivação de recurso.
22. Tendo o arguido num passado recente sido condenado por duas vezes em penas de prisão suspensa na sua execução, afigura-se-nos ser incomportável a realização de um juízo de prognose favorável como elemento necessário de tal suspensão.
Deve negar-se provimento ao recurso interposto, mantendo-se a decisão recorrida.
Nesta Relação, a Ex.mª PGA emitiu parecer concordante com a resposta na 1ª Instância, no sentido da improcedência do recurso, caso antes se não decida pelo aperfeiçoamento das conclusões.
Foi cumprido o art. 417 do CPP.
Não foi apresentada resposta.
Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir:
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São os seguintes os factos que o Tribunal recorrido deu como provados e sua motivação:
2. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
2.1. Da audiência de discussão e julgamento logrou provar-se que:
1.No dia 3 de Novembro de 2011, pelas 8 horas e 38 minutos, o arguido tinha no interior do porta luvas do seu veículo de marca Opel, com a matrícula … , que se encontrava na …, nesta cidade, uma pistola de marca FN Browning, calibre 7,65 mm, com o n.º … , com carregador municiado com 6 munições do mesmo calibre.
2.O arguido atuou de forma livre, deliberada e consciente, conhecendo as características da referida arma de fogo, bem sabendo que não a podia possuir, querendo isso mesmo.
3.O arguido sabia que a sua conduta era proibida pela lei penal.
Mais se provou que:
4.O arguido foi condenado em 21/05/2004 pela prática em 25/02/2003, de um crime de condução sem habilitação legal, em pena de multa, em 09/09/2009 pela prática em 02/08/2009 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, em pena de multa, em 26/04/2010, pela prática em 23/02/2007 de um crime de ofensa à integridade física e um crime de dano qualificado, em pena de prisão suspensa e em 03/03/2011 pela prática em 18/03/2009 de um crime de burla simples em pena de prisão suspensa.
5.O arguido é comerciante, beneficiando de €416,00, por mês, de RSI, vive com a companheira, que o auxilia na sua profissão e paga de renda de casa €300,00 mensais.
2.2. Factos não Provados
Nenhum com relevo para a boa decisão da causa.
2.3. A convicção do tribunal baseou-se nos depoimentos conjugados das testemunhas C... e D..., agentes da Polícia de Segurança Pública de Castelo Branco, que depuseram com rigor e isenção, denotando um conhecimento direto dos factos objeto das respetivas declarações, confirmando a factualidade imputada ao arguido na acusação pública, tendo descrito o modo como procederam à identificação do arguido; ademais, descreveram a arma apreendida ao arguido, bem como o local onde a mesma se encontrava e foi apreendida, confirmando o teor das fotografias juntas aos autos de fls. 9 a 11. As testemunhas confirmaram, ainda, que a viatura em causa já se encontrava referenciada no OPC, sendo habitualmente vista a ser conduzida pelo arguido (em nome do qual, aliás, se mostra efetuado o seguro – cfr. fls. 14), tendo no dia a que se reportam os autos, momentos antes, ocorrido um tiroteio nas bombas da Galp, localizadas nas imediações, sendo o arguido quem tinha a arma apreendida nos autos (embora não a tenha utilizado), como puderam constatar da visualização do vídeo de segurança das bombas de gasolina. A testemunha referiu que o arguido admitiu que a arma apreendida nos autos era sua pertença. Depuseram com rigor e objetividade, de forma conscienciosa e credível.
Por seu turno, o arguido, e a testemunha B..., que vive com aquele em união de facto, negaram que a arma pertence à referida companheira do arguido, apresentando uma versão dos factos, de tal forma coincidente, que mais denotou ter sido concertada, do que espontânea e autentica. Tal versão mostrou-se contraria à experiência comum e não foi alheia a incongruências e inverosimilhanças, desde logo o arguido, que começou por dizer que desconhecia a existência da arma, o que não se mostra plausível, pois afirmou (segundo o próprio) aos agentes da PSP que a mesma era da mulher.
Impõe-se, por isso perguntar:
Se não sabia da existência da arma, como então sabia que era da companheira?
Pergunta a que o arguido respondeu, reformulando o seu depoimento, em desabono da sua credibilidade.
Também contraria a experiencia comum tal versão, pertencendo os arguidos à etnia cigana, essencialmente patriarcal, não sendo usual as mulheres possuírem armas de fogo, tendo, para mais a companheira do arguido, irmãos do sexo masculino a quem seria de esperar, num perspetiva de normalidade das coisas, que o seu pai teria deixado, de herança, a arma apreendida nos autos.
Acresce que não faz qualquer sentido a alegação que o arguido e a mulher estavam a levar a cabo uma mudança, quando nas suas próprias palavras já residem em Castelo Branco há cinco ou seis meses e o pai já faleceu há três anos e, logo no dia em que ocorreu tiroteio nas bombas de gasolina, decidiu a companheira do arguido mudar a arma de casa de sua mãe para a sua… e porque não a colocou na carteira, em vez de no porta luvas do veiculo habitualmente conduzido pelo companheiro, já que (alegadamente) o arguido nem sabia da sua existência?...
Não faz qualquer sentido.
Por outro lado, a companheira do arguido revelou um total desconhecimento das características da arma apreendida, bem como o seu modo de funcionamento, o que se revelou incompatível, com o (alegado) valor sentimental que a mesma teria para si.
Aliás, ante a ligação entre o arguido e a testemunha B..., impõe-se uma leitura hábil do depoimento desta última.
Assim, sendo, perante tais incongruências e inconsistências, o Tribunal não valorou positivamente a versão do arguido e da sua companheira.
Já a versão plasmada na acusação, encontra suporte na prova produzida, tendo o arguido admitido que a arma lhe pertence para o agente da PSP, num primeiro momento, de forma espontânea, e sem consideração ou ponderação de qualquer versão concertada dos factos, mais vantajosa para a sua pessoa, naturalmente permitida pelo tempo entretanto decorrido, desde a detenção.
Por outro lado, numa perspetiva de normalidade do acontecer e de experiência comum, sendo o arguido quem, habitualmente conduz o veiculo em causa, é de concluir pela sua propriedade da arma apreendida nos autos, colocada no interior do respetivo guarda luvas, sendo ainda certo, que resultou da prova produzida, que o arguido tem graves problemas com outro individuo de etnia cigana que reside em Castelo Branco, com quem se envolveu, momentos antes, num tiroteio numas bombas de gasolina situadas nas imediações, sendo de esperar que este ande armado pela cidade, ante a eminência do conflito, que acabou por concretizar no dia a que se reportam os autos.
O Tribunal fundou, também, a sua decisão, no auto de apreensão de fls. 7, nas fotografias de fls. 9 a 11, no auto de exame direto e de avaliação de fls. 12 e no CRC do arguido, a fls. 19 e seguintes.
Todo o acervo probatório foi concatenado entre si e submetido a juízos críticos.
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E, foi tido em conta na escolha e determinação da pena em concreto:
3.2. Dosimetria da pena
O tipo de crime praticado pelo arguido é punível com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias;
Antes de mais importa proceder à escolha da pena a aplicar ao arguido; quanto a esta, estabelece o artigo 70 do Código Penal o seguinte critério “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa na liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”, aceitando-se a existência da pena de prisão para os casos mais graves, mas afirmando que o recurso às penas não privativas da liberdade só será legítimo quando, face às circunstâncias do caso, se não mostrarem adequadas as reações penais não detentivas; a referência às finalidades da punição remete para o disposto no artigo 40 n.º 1 do Código Penal – proteção dos bens jurídicos e reintegração do agente na sociedade.
Como se pode intuir, olhando para os antecedentes criminais do arguido, as finalidades da punição, no caso em apreço, não se compadecem com a opção pela pena de multa.
É que, no caso sub iudice os antecedentes criminais do arguido desaconselham a opção por uma pena de natureza não institucional, uma vez que o arguido já foi anteriormente julgado e condenado, recentemente, pela prática de crimes em pena de prisão.
Os antecedentes criminais são reveladores de uma certa personalidade, projetando as suas consequências ao nível da culpa, e refletindo-se, inevitavelmente, na escolha da pena, assim, bulindo com as exigências de prevenção ( Ac. do STJ de 6 de Julho de 2000, in SASTJ, n.º 43, pág. 41 – citado no Cód. Penal Anotado por Manuel Lopes Maia Gonçalves, Almedina, 15ª edição, 2002, pág. 249), na medida em que alicerçam um mais grave juízo de censura ética dirigido à conduta do arguido, que, não obstante as penas anteriormente cumpridas, incorreu na prática de um novo ilícito típico.
Importa, assim, considerar, unitariamente, para efeitos de escolha do tipo de pena a aplicar concretamente ao arguido, toda a série de infrações criminosas imputáveis ao mesmo as quais são recondutíveis a conjunturas fácticas heterogéneas e relativas crimes de diversa natureza, razão pela qual o tribunal não pode deixar de, validamente, concluir que somente a opção por uma pena de prisão realizará de forma adequada as necessidades de punição que o caso reclama, pois, o arguido revela um total alheamento ao cumprimento de normas essenciais à vivência comunitária, ofendendo bens jurídicos dispares, com as suas várias condutas criminosas, manifestando, assim desrespeito pela ordem jurídica na sua globalidade, assim alicerçando um juízo de censura mais gravoso.
No que toca à determinação da medida concreta da pena, o tribunal deve encontrar o mínimo de pena capaz de, perante as circunstâncias concretas do caso, se mostrar ainda, comunitariamente suportável à luz da necessidade de tutela dos bens jurídicos e da estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada – mínimo de prevenção geral de integração.
A negação de valores, socialmente tutelados, consubstanciada na conduta do arguido, e a correspondente necessidade de reafirmação comunitária dos mesmos, exige uma resposta punitiva adequada a repor a legalidade violada – à proteção dos bens jurídicos –, isto é, à satisfação das finalidades de prevenção geral, bem como à reintegração do agente na sociedade, a prossecução das finalidades de prevenção geral (cfr. artigo 40 do Código Penal);
Nos termos do art. 71, nºs 1 e 2 do Código Penal a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, nomeadamente, devendo ter-se em consideração o elevado número de acidentes provocados pela condução sob o efeito do álcool, sendo certo que muitos desses acidentes trazem como consequência a morte de quem, pacatamente, obedece e acata as normas de condução e termina tragicamente vítima mortal de quem, muitas vezes impune e imprudentemente, circula sob o efeito do álcool.
Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente:
a)O grau de ilicitude do facto (o grau de perigosidade da arma em causa que se reputa intenso, o local da sua detenção – via pública – o que ocorreu durante o dia), o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências (não teve consequências especialmente graves);
b) A intensidade do dolo (direto, nos termos do art. 14, nº 1 do Código Penal);
c)Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram (nada a assinalar);
d)As condições pessoais do agente e a sua situação económica (referidas supra na matéria de facto provada)
e)A conduta anterior ao facto (os antecedentes criminais do arguido) e a posterior a este (não admissão dos factos, o que denota falta de arrependimento e de interiorização do desvalor da conduta, incrementando, assim, as necessidades de prevenção especial, na sua dimensão negativa).
Importa, ainda, ponderar as elevadas necessidades de prevenção geral que se fazem sentir no caso, essencialmente, na sua dimensão negativa, importando contra motivar comunitariamente de forma veemente a detenção de armas letais, em vias públicas, pelos condutores rodoviários, onde os conflitos são frequentes e, por vezes, têm desfechos trágicos, motivados pela posse de armas pelos contendores.
Tudo visto, consideramos adequado e proporcional aplicar ao arguido uma pena de 8 meses de prisão, tendo em conta, não só as expectativas comunitárias de reafirmação contra fática da norma violada e o grau da censura ética dirigida ao arguido, sendo certo que as exigências da prevenção especial que o caso reclama, designadamente no que toca à necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes pelo arguido, não se coadunam com a substituição desta por uma pena de multa, como prescreve o artigo 43 n.º 1 do Código Penal, pena essa que não se substitui por pena de multa, pois as anteriores penas de multa aplicadas ao arguido não o demoveram de incorrer na prática de novo ilícito.
Cumpre, ora, ponderar se o arguido está em condições de beneficiar da suspensão da execução da pena de prisão, ou, se pelo contrário, deverá cumprir efetivamente a pena aplicada.
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Para a suspensão da execução da pena de prisão a lei (artigo 50 do Código Penal), exige a verificação de um requisito objetivo - condenação em pena de prisão não superior a 5 anos - e estabelece pressupostos subjetivos, determinados por finalidades politico - criminais - que permitam concluir pelo afastamento futuro do delinquente da prática de novos crimes, através da sua capacidade de se reintegrar socialmente.
Trata-se, neste caso, da alcançar a socialização, prevenindo a reincidência.
Nos termos do n.º 1 do citado artigo 50 do Código Penal o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente finalidades da punição.
Neste âmbito sempre que o julgador puder formular um juízo de prognose favorável, à luz de considerações de prevenção especial sobre a possibilidade de ressocialização do arguido, deverá deixar de decretar a execução da pena.
Estão aqui em questão, não considerações sobre a culpa mas prognósticos acerca das exigências mínimas de prevenção.
Convém ainda ter na devida conta que "apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável - à luz, consequentemente, de considerações exclusivas de prevenção especial e socialização - a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem as necessidades de reprovação e prevenção do crime, pois, estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral, sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita _ mas por elas se limita sempre - o valor da socialização em liberdade, que ilumina o instituto em análise" (Figueiredo Dias, Direito Penal Português , pag.344).
Como refere a Prof. Anabela Rodrigues, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal. Ano 12, n.º 2, pag.182, embora como pressuposto e limite na culpa do agente, o único entendimento consentâneo com as finalidades de aplicação da pena é a tutela de bens jurídicos e, (só) na medida do passível, a reinserção do agente na comunidade.
No caso, julga-se que a simples censura do facto e a ameaça da prisão não realizarão de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, uma vez que as ultimas duas condenações do arguido, que são bastantes recentes, foram em pena de prisão suspensa na sua execução e tal não demoveu o arguido de tornar a delinquir, pelo que, face a esta conduta, o juízo de prognose que se impõe, face à suficiência da simples censura do facto e a ameaça da prisão para afastar o arguido da prática de novos crimes, é necessariamente negativo, pois, nem as anteriores condenações em pena de prisão suspensa na sua execução o demoveram de tornar a incorrer, na prática de crimes, pelo que as necessidades de prevenção geral e especial não se compadecem com suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido, nem, tão pouco, com a substituição pela PTFC, manifestamente, menos gravosa que o regime da suspensão da execução da pena de prisão, pelo que não responde cabalmente às necessidades da punição que o caso reclama, designadamente às fortes necessidades de prevenção geral que se fazem sentir no caso.
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Conhecendo:
Analisemos a questão suscitada:
- Impugnação da matéria de facto relativamente aos pontos 1 a 3 dos provados, entendendo que houve errada interpretação da prova produzida.
-Medida da pena.
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Matéria de facto:
Alega que “inexiste qualquer elemento probatório que ateste, com segurança máxima, o alegado comportamento do arguido”, “resulta demonstrado que nenhuma prova, com a máxima certeza que se impõe, define, esclarece o modo como o arguido alegadamente teria praticado os factos de que foi acusado”.
O recorrente impugna a matéria de facto dada como provada entendendo que não se fez prova suficiente.
Para além de também entender que o tribunal “não valorou em termos legais, entre eles o depoimento do arguido”, a prova produzida.
Assim e que antes de mais haverá que analisar da validade da prova produzida através dos depoimentos das testemunhas agentes da autoridade.
Alega que os conhecimentos destas testemunhas resultaram de conversas informais.
Da análise do recurso resulta que a divergência do recorrente se situa ao nível da matéria de facto, por entender que o depoimento prestado pelas testemunhas … e D..., Agentes da PSP, não deve ser valorado porquanto, na sua perspetiva se trata de depoimento indireto, proibido legalmente.
Pois bem da audição dos depoimentos das referidas testemunhas resulta que estas referem que depois de se deslocaram ao local, regressarem à esquadra e aqui feita a “revista à viatura”, foi encontrada a arma no porta luvas da viatura, nessa altura e perguntado ao arguido se a arma era dele, “inicialmente que a arma era da companheira e que nada sabia da arma, mas depois mais tarde acabou por dizer que a arma era dele”.
O arguido não coloca em crise que assim aconteceu, apenas coloca em crise a validade dos depoimentos e insurge-se contra o facto de no tribunal se ter acreditado em “metade” do que havia contado, de que a arma era sua e não de que a arma era da companheira.
Aqui, ao referir-se “arguido” quer-se dizer a pessoa que posteriormente veio a ser constituído arguido.
Ou seja, declarações da pessoa que na altura era apenas interveniente e dono do veículo onde se efetuava a busca.
Esta matéria durante algum tempo foi sendo reapreciada com frequência a nível do STJ, e nem sempre com posições coincidentes.
Como resulta da motivação supra transcrita, os depoimentos prestados em audiência pelos agentes da autoridade resultaram, acerca da identidade do detentor da arma, do que ouviram ao dono do veículo alvo da busca, (A...), sendo certo que posteriormente veio a ser constituído arguido nos autos.
Na altura apenas tentavam investigar quem era o “dono” da arma proibida.
Esta parece-nos que será a abordagem normal dos agentes da autoridade quando se querem inteirar da identidade do ”proprietário” ou “detentor” de uma arma proibida, perguntar a quem está presente. Perante a pergunta, a quem pertencia a arma, é natural a resposta dada pelo dono do carro, primeiro dizendo que era da companheira e depois assumindo que era sua.
Isto impede de posteriormente e face à constituição como arguido, que o agente da autoridade não o possa referir em audiência? A resposta só pode ser negativa.
Estão em causa as chamadas “conversas informais”, “depoimento indireto”.
Uma testemunha - agente da Polícia Judiciária - que em audiência de julgamento depõe relatando o que lhe foi transmitido pelo arguido, não profere um depoimento indireto, antes sendo algo que aquele ouviu diretamente da sua boca, de viva voz.
E um tal depoimento constitui prova que é legalmente admissível, sendo valorado dentro da livre apreciação pelo Tribunal, nos termos do art. 127 CPP.
Trata-se de um meio legal de obtenção de prova.
Refere o art. 356 nº 7 do Cód. Proc. Penal que os órgãos de polícia criminal que tiverem recebido declarações cuja leitura não for permitida, ou quaisquer pessoas que, a qualquer título, tenham participado na sua recolha, não podem ser inquiridas sobre o conteúdo daquelas.
Porém, já assim não é quando os agentes da autoridade obtêm conhecimento dos factos por modo diferente das declarações do arguido reduzidas a auto.
O Ac. STJ, de 11-12-96, in BMJ 462-299, considerou, como consta do sumário "II- Os agentes da Polícia Judiciária não ficam impedidos de depor sobre factos de que tiveram conhecimento direto por meios diferentes das declarações do arguido no decurso do processo. III- Os agentes da Polícia Judiciária que procederam à reconstituição do crime podem depor como testemunhas sobre o que se terá passado nessa reconstituição, por esta situação não estar abrangida pelo nº 7 do art. 356 do Código de Processo Penal."
Podem as testemunhas, órgãos de polícia criminal, depor sobre factos de que possuam conhecimento direto obtido por meios diferentes das declarações que receberam do arguido no decurso do processo- Cfr. Ac. do STJ, de 24-02-93, citado.
- Os agentes policiais não estão impedidos de depor sobre os factos de que tenham conhecimento direto por meio diverso das declarações ou depoimentos reduzidos a auto, designadamente sobre o relato de conversas informais que tenham tido com o arguido. Proc. n.º 201/99 - 3.ª Secção, decidiu ACSTJ de 13-05-1999.
A prova apresentada pelo órgão de polícia criminal foi recolhida antes de haver processo e de o “futuro” arguido ser sequer suspeito (se fosse dada uma explicação plausível acerca da propriedade da arma por terceiro, o agora arguido nem suspeito seria).
A jurisprudência vem considerando irrelevantes as provas extraídas de “conversas informais” mantidas entre os agentes e os arguidos, ou seja, declarações obtidas à margem das formalidades e das garantias que a lei processual impõe. “Pretenderá, assim, a lei impedir, com a proibição destas “conversas”, que se frustre o direito do arguido ao silêncio, silêncio esse que seria “colmatado” ilegitimamente através da “confissão por ouvir dizer” relatada pelas testemunhas” –cfr. ACSTJ de 15-02-2007.
Mas o mesmo Ac. acrescenta:
“Pressuposto desse direito ao silêncio é, no entanto, a existência de um inquérito e a condição de arguido: a partir de então, as suas declarações só podem ser recolhidas e valoradas nos estritos termos indicados na lei, sendo irrelevantes todas as conversas ou quaisquer outras provas recolhidas informalmente.
IV- De forma diferente se passam as coisas quando se está no plano da recolha de indícios de uma infração de que a autoridade policial acaba de ter notícia: compete-lhe praticar “os atos necessários e urgentes para assegurar os meios de prova”, entre os quais, “colher informações das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime” (art. 249 do CPP).
V- Esta é uma fase de pura recolha informal de indícios, que não é dirigida contra ninguém em concreto; as informações que então forem recolhidas pelas autoridades policiais são necessariamente informais, dada a inexistência de inquérito. Ainda que provenham de eventual suspeito, essas informações não são declarações em sentido processual, precisamente porque não há ainda processo.
VI- Completamente diferente é o que se passa com as ditas “conversas informais” ocorridas já durante o inquérito, quando já há arguido constituído, e se pretende “suprir” o seu silêncio, mantido em auto de declarações, por depoimentos de agentes policiais testemunhando a “confissão” informal ou qualquer outro tipo de declaração prestada pelo arguido à margem dos formalismos impostos pela lei processual para os atos a realizar no inquérito.
VII- O que o art. 129 do CPP proíbe são estes testemunhos que visam suprir o silêncio do arguido, não os depoimentos de agentes de autoridade que relatam o conteúdo de diligências de investigação, nomeadamente a prática das providências cautelares a que se refere o art. 249 do CPP”.
Assim, a prova prestada pelos agentes da autoridade foi, como teria de ser, valorada para a fundamentação da matéria de facto, devendo o Tribunal considerá-la como prova válida para determinar da autoria dos factos. É prova válida e atendível.
O conhecimento dos agentes da autoridade não foi obtido em cumprimento de determinações judiciais ou judiciárias, mas antes na missão policial que lhes competia efetuar.
Entendemos pois, que, in casu, devia ser, e foi, valorado o depoimento dos agentes da autoridade.
Dispõe o art. 128, nº 1 CPP, que a testemunha é inquirida "sobre factos de que possua conhecimento direto e que constituam objeto da prova".
Por sua vez o art. 129 nº 1 CPP, estabelece que: "Se o depoimento resultar do que se ouviu dizer a pessoas determinadas, o juiz pode chamar estas a depor. Se o não fizer, o depoimento produzido não pode, naquela parte, servir como meio de prova, salvo se a inquirição das pessoas indicadas não for possível por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de serem encontradas".
Os nºs 2 e 3 deste artigo não estão aqui em causa, uma vez que o depoimento não resulta da leitura de qualquer documento, nem há recusa ou impossibilidade de indicar a pessoa ou a fonte através da qual se tomou conhecimento dos factos.
E, neste caso estando o arguido em tribunal, contrariava “exercício do contraditório” ou poderia fazê-lo, aqueles depoimentos, sendo que depois e na análise crítica da prova o tribunal daria relevo à que tivesse por convincente.
Com efeito o que se pretende através da proibição do depoimento indireto é que o tribunal não acolha como prova um depoimento que se limita a reproduzir o que se ouvir dizer a outra pessoa (Artº 129 nº 1 CPP).
Para que seja valorado, exige-se a confirmação, com a consequente audição das pessoas de quem se ouviu dizer.
Como referem Simas Santos e Leal Henriques “Esta confirmação tem em vista a própria validade e eficácia do depoimento, pois o mérito de uma qualquer testemunha tem muito a ver com a razão de ciência da própria testemunha.
Por isso, o depoimento “por ouvir dizer” só após confirmação será eficaz como meio de prova”.
Excetuam-se os casos de a inquirição das pessoas indicadas não ser possível, por morte, anomalia psíquica superveniente, ou impossibilidade de serem encontradas.
Não é prova proibida e, como qualquer outra, deve ser apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do Tribunal –art. 127 do CPP.
O art. 129 do CPP admite o testemunho de ouvir dizer, somente impõe que as pessoas referenciadas no depoimento, sejam chamadas a depor (ressalvando as exceções aí previstas e já referidas).
Assim, como salienta o Ac. do T.C. nº 440/99 de 8-7, aqueles depoimentos de ouvir dizer devem ser valorados como meio de prova, “desde logo, porque não há diferença substancial entre a situação do arguido que não pode ser encontrado e a daquele que, chamado à audiência, invoca o seu direito ao silêncio para não depor”.
Nesse Ac. se tirou a seguinte conclusão:” Há, assim, que concluir que o artigo 129, n° 1 (conjugado com o artigo 128, n° 1) do Código de Processo Penal, interpretado no sentido de que o tribunal pode valorar livremente os depoimentos indiretos de testemunhas, que relatem conversas tidas com um co-arguido que, chamado a depor, se recusa a fazê-lo no exercício do seu direito ao silêncio, não atinge, de forma intolerável, desproporcionada ou manifestamente opressiva, o direito de defesa do arguido”.
Também o STJ tem aceite tais depoimentos de ouvir dizer, valorando-os como meio de prova, nomeadamente no Ac. de 30-09-1998, in BMJ 479-414, aí se têm como válidas as declarações da queixosa/demandante civil sobre matéria que lhe foi oralmente transmitida pelo arguido, o qual se negou a prestar declarações em audiência de julgamento.
“Não estamos, contudo, perante depoimento indireto proibido. A queixosa/demandante civil prestou declarações dizendo o que ouviu diretamente da boca do arguido e fê-lo na presença deste, que estava assistido pelo respetivo defensor”.
“Por conseguinte, a posição assumida in casu pelo arguido –no uso de direito que não se põe em causa - de optar pelo silêncio-, de forma alguma pode obstar à admissão e valoração das declarações da queixosa/demandante civil”.
Isto para salvaguardar a eventual situação de o arguido estar presente em audiência e se remeter ao silêncio.
Mas, também entendemos não se tratar de depoimento indireto, ou prova indireta pura.
Tratou-se de atividade de investigação dos agentes da PSP, prévia à existência de processo e de arguido.
A prova prestada pelos agentes é válida e deve ser valorada.
Mas entende o recorrente que não se valorou o seu (dele arguido) depoimento.
Alega o erro na análise da prova, no sentido de mal apreciada a prova produzida.
O tribunal tem de decidir, após apreciação da prova nos termos do disposto no art. 127 do CPP, e só em caso de dúvida decide em benefício do arguido.
A matéria de facto apurada (factos provados e não provados) há de resultar da prova produzida (depoimentos, pareceres documentos) conjugada com as regras da experiência comum.
Também, se dirá que o recurso não tem como funcionalidade reexaminar a matéria de facto e o recurso não serve para um novo julgamento.
O recurso sobre a matéria de facto é um remédio para corrigir patentes erros de julgamento sobre matéria apontada pelo recorrente e tendo por base a sua argumentação que pode levar a decisão diversa e apenas isso.
A prova é valorada, tal qual é produzida em audiência, sendo a prova testemunhal perante os depoimentos orais e a imediação.
No nosso ordenamento jurídico/processual penal vigora o princípio da livre apreciação da prova, sendo esta valorada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador -, art. 127 do C. P. Penal.
O princípio da livre apreciação da prova está intimamente ligado à obrigatoriedade de motivação ou fundamentação fáctica das sentenças criminais, com consagração no art. 374/2 do Código de Processo Penal.
E não dispensa a prova testemunhal um tratamento cognitivo por parte do julgador mediante operações de cotejo com os restantes meios de prova, sendo que a mesma, tal qual a prova indiciária de qualquer natureza, pode ser objeto de formulação de deduções ou induções baseadas na correção de raciocino mediante a utilização das regras de experiência.
A atribuição de credibilidade ou da não credibilidade a uma fonte de prova por declarações assenta numa opção motivável do julgador na base da sua imediação e oralidade que o tribunal de recurso só poderá criticar demonstrando que é inadmissível face às regras da experiência comum. O juiz é livre de formar a sua convicção no depoimento de um só declarante em desfavor de testemunhos contrários, cfr. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, I, 207.
No mesmo sentido, recurso desta Relação nº 3127/99 de 2-2-2000, no qual se refere que “as declarações da ofendida, quando credíveis e inferidas de todos os outros elementos de prova, são suficientes para, segundo as regras da experiência, dar como provados os factos”.
Assim que, se entenda que é possível dar como provados factos fundando-os num só depoimento, desde que o mesmo seja convincente.
Por isso e apesar de o recorrente alegar não terem sido feitos exames e perícias à arma, ou não visionado o vídeo da bomba de gasolina, pode haver prova suficiente para atribuir a posse e detenção da arma a quem de direito.
Assim como não se vislumbra como aquelas provas sugeridas pelo recorrente poderiam influenciar acerca da propriedade da arma.
No caso concreto temos duas versões antagónicas, a dos agentes da autoridade, nos termos já referidos e, a do arguido e companheira.
Os agentes da autoridade referem que o arguido acabou por assumir que a arma era sua.
E, acerca da credibilidade dos depoimentos, a motivação na sentença esclarece o motivo de relevar os depoimentos dos agentes da autoridade em detrimento dos do arguido e companheira.
Como se refere na motivação da sentença, e relativamente ás declarações do arguido e depoimento da sua companheira, “Tal versão mostrou-se contraria à experiência comum e não foi alheia a incongruências e inverosimilhanças, desde logo o arguido, que começou por dizer que desconhecia a existência da arma, o que não se mostra plausível, pois afirmou (segundo o próprio) aos agentes da PSP que a mesma era da mulher”.
Por isso e fazendo a análise crítica das provas, o julgador faz interrogações acerca desta versão, questionando a veracidade da mesma.
O arguido desconhecia a existência da arma, ou sabia da existência mas imputava a propriedade da mesma à companheira?
Se a arma só tinha valor sentimental para a companheira da arguida qual o motivo de a mesma andar no porta luvas do veículo do arguido e carregada com as seis munições?
Porque a companheira da arguida não tinha a arma arrumada em casa?
As mudanças de objetos da casa da mãe da companheira do arguido para a casa desta limitavam-se apenas ao transporte da arma?
Perante estas interrogações apenas se podia concluir como se concluiu na sentença:” Assim, sendo, perante tais incongruências e inconsistências, o Tribunal não valorou positivamente a versão do arguido e da sua companheira”.
As regras da experiência a essa conclusão conduzem, e a prova deve ser apreciada segundo as regras da experiência e livre convicção do julgador –art. 127 do CP.
Refere Figueiredo Dias que só a oralidade e a imediação permitem o indispensável contacto vivo com o arguido (e testemunhas) e a recolha deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais contritamente possível da credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais. Tal relação estabelece-se com o tribunal de 1ª instância, e daí que a alteração da matéria de facto fixada em decisão colegial deverá ter como pressuposto a existência de elemento que, pela sua irrefutabilidade, não afete o princípio da imediação.
Observe-se que a decisão da primeira instância será sempre o resultado duma «convicção pessoal» nela desempenhando papel de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionais não explicáveis -, v. g. a credibilidade que se concede a determinado meio de prova -, pelo que o tribunal de recurso ao apreciar a prova por declarações deve, salvo casos de exceção, adotar o juízo valorativo formulado pelo tribunal recorrido.
Como se diz no acórdão da Relação de Coimbra, de 6 de Março de 2002 ( C.J. , ano XXVII , 2º , página 44 ) , “quando a atribuição da credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear na opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum”.
Paulo Saragoça da Matta, in Jornadas de Direito Processual Penal, pág. 253, refere que se o juízo recorrido for compatível com os critérios de apreciação devidos, então significará que não merece censura o julgamento da matéria de facto fixada. Se o não for, então a decisão recorrida merece alteração.
Como se refere no recurso desta Rel. nº 4172/05, de 15-03-2006, “Para respeitar os princípios da oralidade e da imediação, se a decisão do julgador estiver fundamentada na sua livre convicção e for uma das soluções possíveis segundo as regras da experiência comum, ela não deverá ser alterada pelo tribunal de recurso”.
O que o recorrente pretende é que o tribunal de recurso faça um novo julgamento e que julgue de acordo com as suas próprias convicções e não segundo as regras de experiência e a sua livre convicção, como disciplina o art. 127 do CPP.
E, diremos que o preceituado no art.127 do Código de Processo Penal deve ter-se por cumprido quando a convicção a que o Tribunal chegou se mostra objeto de um procedimento lógico e coerente de valoração, com motivação bastante, e onde não se vislumbre qualquer assumo de arbítrio na apreciação da prova.
O alegado pelo recorrente não abala os fundamentos da convicção do julgador, que temos conformes às regras da experiência.
Afigura-se-nos que ressalta, de forma límpida, do texto da sentença ter o Tribunal, após ponderada reflexão e análise crítica sobre a prova recolhida, obtido convicção plena, porque subtraída a qualquer dúvida razoável, sobre a verificação dos factos imputados ao arguido e que motivaram a sua condenação.
O que, diferentemente se pretende é que o tribunal deveria ter valorado as provas à maneira do recorrente, substituindo-se ele-recorrente ao julgador, tal incumbência é apenas, porém deste - art. 127° CPP.
Na conjugação dos depoimentos com a credibilidade que cada um mereceu e as inferências daí resultantes, partiu para a operação intelectual de formação da convicção, resultando a prova dos factos.
Assim, temos que não se verifica qualquer erro, e a convicção do julgador tem suporte nos depoimentos, inexistindo violação do princípio in dúbio pró reo.
Pelo que se julga improcedente o recurso nesta parte e, fixada a matéria de facto.
Medida da pena:
Entende o recorrente como suficiente a pena de multa, ou então a pena de substituição, suspensão da execução da pena de prisão, optando-se por esta.
Entendimento contrário foi o do tribunal recorrido, conforme supra se transcreveu.
Para a determinação da pena (escolha) há que atender à culpa do agente, às necessidades de prevenção e a todas as circunstâncias que, não sendo típicas, militem contra e a seu favor, devendo o tribunal, quando ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, dar preferência a esta última, desde que ela realize, de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (arts. 70 e 71, nºs 1 e 2 do C. Penal).
A este respeito, ensina o Prof. Figueiredo Dias que culpa e prevenção são os dois termos do binómio com auxílio do qual há-de ser determinada a medida concreta da pena. A prevenção reflete a necessidade comunitária da punição do caso concreto enquanto a culpa, dirigida para a pessoa do agente do crime, constitui o limite inultrapassável daquela.
Desta forma, a medida da pena será dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto – tutela das expectativas da comunidade na manutenção e reforço da norma violada – temperada pela necessidade de reintegração social do agente, e com o limite inultrapassável da medida da culpa (Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 214 e 227 e ss.).
É este o sentido a dar aos nºs 1 e 2 do art. 40 do C. Penal.
Entendemos assim que à pena de multa, no caso em apreço, não pode ser dada uma elevada potencialidade ressocializadora já que, perante sobretudo os antecedentes do arguido, não é possível formular um juízo a seu favor no que toca às exigências de prevenção de futuros crimes.
Se relevam os antecedentes, nada se pode referir relativamente a comportamento posterior, pois não há conhecimento de outros comportamentos ilícitos e, o facto de o arguido não assumir, não revelar arrependimento, não podendo favorece-lo, também não o pode prejudicar, facto que, indevidamente, se relevou na sentença. O arguido não tem de confessar os factos e até podia ter optado pelo silêncio sem que daí lhe adviesse qualquer desfavorecimento.
O arguido já sofreu penas de multa e penas de prisão suspensas na sua execução, situações que não serviram para o mesmo arrepiar caminho e ter comportamento condizente com o imposto pela sociedade.
Assim que a pena de multa não se nos afigura como uma censura suficiente do facto e, simultaneamente, uma garantia para a comunidade da validade e vigência da norma violada, não realizando, assim, as necessidades de prevenção geral e sobretudo de prevenção especial positivas.
Tendo em conta o exposto, ponderando como se refere o disposto nos artigos 40 e 70 do C. P., é manifesto que pena não privativa da liberdade já não realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Entendemos pois como correta a escolha (determinação) e a medida (esta não questionada no recurso) da pena.
Penas de substituição:
Na sentença ponderou-se a pena de substituição, suspendendo a execução da pena, concluindo-se pela inaplicabilidade material.
Mas da sentença resulta serem bastante parcos os elementos de facto apurados para que se possa aplicar, ou excluir, penas de substituição.
Apenas se refere os elementos típicos do crime, os antecedentes criminais do arguido e a sua situação familiar e económica.
Para a não aplicação da pena de multa ou substituição da prisão por pena de suspensão atendeu-se aos antecedentes criminais do arguido.
Face a ter já o arguido ter beneficiado da suspensão da prisão por duas vezes e mesmo assim ter praticado os factos destes autos entendeu-se, que as anteriores condenações em pena de prisão suspensa na execução não demoveram o arguido de voltar a incorrer na prática de crimes inexistindo assim o “juízo de prognose que se impõe”, considerando insuficiente a simples censura do facto e ameaça da prisão, para afastar o arguido da prática de novos crimes.
Entendeu-se e bem que para o arguido a suspensão da execução da prisão equivalia a uma não pena.
O arguido praticou os factos destes autos em 3-11-2011 e havia sido condenado em pena de suspensão da prisão em 3-03-2011.
Assim que também nesta sede se entenda que não estão preenchidos os requisitos materiais para que se aplique esta pena de substituição.
Também na sentença se entendeu que “com a substituição pela PTFC, manifestamente, menos gravosa que o regime da suspensão da execução da pena de prisão, pelo que não responde cabalmente às necessidades da punição que o caso reclama, designadamente às fortes necessidades de prevenção geral que se fazem sentir no caso”.
Quanto a ser mais ou menos gravosa a PTFC que a suspensão da prisão, não concordamos.
Na PTFC há sempre uma obrigação de facere, enquanto na suspensão pode cumprir-se apenas com o decorrer do tempo.
E, em caso de incumprimento das penas de substituição a consequência é sempre a mesma, ou seja, cumprimento da pena de prisão determinada na sentença.
No entanto, também aqui falta o pressuposto formal, porque só pode ser aplicada com aceitação do condenado, e, no recurso nem de forma implícita se vislumbra tal consentimento.
Há ainda que ponderar a pena de substituição, prisão por dias livres, que não foi analisada na sentença (entendeu-se que era necessário o cumprimento integral da prisão sem qualquer substituição).
Com efeito, esta pena de substituição é mais grave do que as anteriores que o arguido sofreu (é detentiva e as anteriores não) e representa um aviso mais sério no sentido de que tem de infletir a sua conduta. Do ponto de vista das exigências de prevenção geral, estas não perigam com a adoção de uma sanção que obrigará o arguido a ter de cumprir um período de tempo na prisão, sem contudo ter os efeitos perniciosos do cumprimento contínuo da pena, que é curta, no estabelecimento prisional, permitindo-lhe não se desligar completamente da vida em sociedade. Do ponto de vista da prevenção especial, crê-se que a sanção aplicada, representando uma acentuação de gravidade em relação às penas anteriores, levará o arguido a refletir sobre o seu comportamento e a encarar a adaptação da sua conduta às normas vigentes. Deste modo, a prisão por dias livres, conjugando positivamente as estritas necessidades de prevenção, será suficiente para afastar o arguido da criminalidade.
A prisão a ser cumprida em dias livres afasta os perigos inerentes às penas de curta duração e ajudará a manter a ligação entre o condenado e a família e a sociedade onde se encontra inserido, bem como lhe permitirá manter a vida profissional.
A prisão por dias livres é a que melhor realiza as finalidades da punição, pois se por um lado garante a proteção dos bens jurídicos e faz sentir ao recorrente a gravidade da sua conduta e do seu modo de estar nestas situações, por outro não leva a um corte do mesmo com a sua família e a sociedade, nela permanecendo inserido e possibilitando que continue a contribuir, no quadro familiar, para a sua realização pessoal e para a dos do agregado.
O cumprimento da pena nos termos estipulados no art. 45 nº 1 do CP, realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, e fará sentir ao arguido a necessidade de não voltar a delinquir e é, das penas detentivas a que mais se aproxima da vivencia normal em família e integração na sociedade.
Esta pena de substituição mostra-se adequada.
A prisão a ser cumprida em dias livres (períodos correspondentes aos fins de semana), fixa-se em 48 períodos, cada um com a duração de 36 horas –art. 45 do CP.
O cumprimento da pena por esta forma realizar-se-á no Estabelecimento Prisional que venha a ser indicado pela Direção Geral dos Serviços Prisionais, e por modo a facilitar a deslocação do arguido.
Mais especificações, nomeadamente quanto ao início do cumprimento da pena serão determinados pelo Tribunal, após a Direção Geral dos Serviços Prisionais dar cumprimento ao estatuído no nº 2 al. a) do art. 487 do CPP.
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Decisão:
Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes desta Relação e Secção Criminal em, conceder parcial provimento ao recurso do arguido A... e, em consequência:
a)-Mantem-se a matéria de facto e a pena de prisão aplicada ao arguido.
b)- Substitui-se essa pena de prisão em prisão por dias livres.
c)- Fixa-se o cumprimento da pena de prisão por dias livres (períodos correspondentes aos fins de semana), num total de 48 períodos, cada um com a duração de 36 horas –art. 45 do CP.
d)- O cumprimento da pena por esta forma realizar-se-á no Estabelecimento Prisional que venha a ser indicado pela Direção Geral dos Serviços Prisionais, e por modo a facilitar a deslocação do arguido.
e)- Mais especificações, nomeadamente quanto ao início do cumprimento da pena serão determinados pelo Tribunal, após a Direção Geral dos Serviços Prisionais dar cumprimento ao estatuído no nº 2 al. a do art. 487 do CPP.
f)- Oportunamente, envie-se aos Serviços Prisionais (Direção Geral), cópia da sentença e deste acórdão.
Sem custas, art. 513 nº 1 do CPP.

Jorge Dias (Relator)
Brízida Martins