Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1447/08.0TBVIS-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS QUERIDO
Descritores: HABILITAÇÃO
EXTINÇÃO DE SOCIEDADE
ÓNUS DA ALEGAÇÃO
Data do Acordão: 03/22/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.371 CPC, 151, 154, 158, 162, 163 CSC
Sumário: 1. Apesar de na sua previsão legal o artigo 371.º do CPC se referir apenas a “falecimento”, evento extintivo específico de “pessoas singulares”, nela se abrangem igualmente os casos de extinção de “pessoa colectiva”.

2. Nos termos do n.º 2 do citado normativo, por razões de economia processual, o incidente de habilitação é viável quando a ré, pessoa colectiva, não chegue a ser citada por ter sido extinta antes da propositura da acção, podendo neste caso o autor requerer a habilitação dos antigos sócios, na sequência da notificação do resultado negativo da diligência de citação

3. A declaração dos sócios, de inexistência de activo e de passivo e de não realização da partilha dos bens sociais, efectuada na assembleia-geral onde deliberaram a dissolução da sociedade, não tem qualquer relevância probatória.

4. Tal declaração não vincula os credores sociais, não estando coberta pela força probatória material reconhecida aos documentos autênticos no art. 371º do CC, provando apenas que os sócios outorgantes na escritura, fizeram aquela declaração, não tendo a virtualidade de provar, por si só, que os factos nela referidos sejam verdadeiros.

5. Os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam na partilha, não excedendo a sua responsabilidade pessoal (sócios de sociedades de responsabilidade limitada) as importâncias que hajam recebido em partilha dos bens sociais, já que, nos termos do n.º 1 do artigo 163.º do CSC, são responsáveis apenas até esse montante, cumprindo, no entanto, a quem requer a habilitação alegar e provar aqueles factos, que se apresentam como constitutivos do seu direito a obter dos antigos sócios o montante do seu crédito sobre a sociedade extinta.

6. Não tendo o exequente, requerente da habilitação, alegado que os antigos sócios da sociedade executada hajam recebido bens na partilha da sociedade extinta, não é viável a substituição da sociedade pelos antigos sócios, na posição de executados.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório
B (…), Lda, instaurou contra A (…), Lda, A (…) e J (…) a execução para pagamento de quantia certa de que estes constituem apenso.
Na referida execução, constituem títulos executivos 14 letras de câmbio sacadas pela exequente e aceites pela executada sociedade, constando do verso de cada um dos referidos títulos, sob a menção “Bom por aval”, as assinaturas dos executados, únicos sócios da sociedade aceitante – A (…) e J (…).
Constatando-se na tentativa de citação, que a executada A (…), Lda havia sido declarada extinta, veio a exequente B (…) Lda, promover o presente incidente, requerendo a habilitação de A (…) e mulher J (…), como sucessores da executada A (…), Lda.[1].
Contestaram os requeridos A (…) e J (…), alegando em síntese: não é aplicável in casu o disposto no artigo 162º, do Código das Sociedades Comerciais, não podendo em consequência os ex-sócios ser habilitados e responsabilizados, já que a acção principal foi intentada após a extinção da sociedade, não se tratando de uma situação de activo ou passivo superveniente porquanto as alegadas dividas são anteriores à liquidação da sociedade e não se vê interesse em prosseguir com a acção quando a suposta dívida se encontra paga; além do mais a petição é inepta porquanto apenas foi alegada a qualidade de ex-sócios, não tendo sido alegada a existência de património societário partilhado, bem como o recebimento por parte dos ex-sócios, de bens da sociedade, e o facto de tais bens serem suficientes para a satisfação do crédito.
Com estes fundamentos, requereram a extinção do presente incidente.
Foi junta prova documental, após o que foi proferida decisão na qual se julgaram habilitados os requeridos A (…)e J (…), e, em consequência, admitidos a intervir no processo principal ocupando a posição da executada A (…), Lda.
Não se conformando, os requeridos interpuseram recurso de apelação, apresentando alegações, nas quais formulando as seguintes conclusões:

A- Vem o presente recurso de apelação interposto da decisão do tribunal a quo que decidiu substituir a executada sociedade, por estar extinta, pela generalidade dos sócios.

B- Após a extinção, os antigos sócios, sucessores da sociedade, só são responsáveis até ao montante que tenham recebido da partilha.

C- Para que os sócios de uma sociedade comercial possam ser responsabilizados torna-se necessário que tenha havido partilha do património da sociedade.

D- A realização dos direitos de crédito no confronto dos sócios da sociedade por quotas dissolvida depende de eles terem recebido, na sequência da dissolução, bens suficientes para o efeito, cujo ónus de prova incumbe aos credores.

E- A responsabilidade pessoal daqueles sócios para com os credores sociais só poderá ocorrer se estes alegarem e provarem que a declaração de falta de bens no património da sociedade dissolvida não é verdadeira, designadamente por existirem bens partilháveis à data da dissolução.

F- Para existir sucessão de sócios de uma sociedade extinta e para deles ser cobrado o crédito, tinha que ter sido alegada a qualidade de ex-sócios e também que estes receberam bens da sociedade.

G- Em acção pendente contra a sociedade, uma vez operada, em consequência da sua extinção, devidamente registada, a substituição desta pelos dois sócios, impendia sobre o credor/exequente - para lograr a responsabilidade destes - o ónus de alegar e provar que a sociedade tinha bens e que esses bens foram partilhados entre os sócios, em detrimento da satisfação do seu crédito.

H- O que não foi alegado nem provado, pelo que não podia o douto tribunal a quo decidir a substituição e habilitação dos antigos sócios na responsabilidade da sociedade extinta, violando e interpretando erradamente o disposto no art. 162 e 163 do Código das Sociedades Comerciais.
Os réus apresentaram contra-alegações, nas quais preconizam a manutenção do julgado.

II. Do mérito do recurso
1. Definição do objecto do recurso
O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 684º, nº 3, e 690º, nºs 1 e 3, CPC), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 660º, nº 2, in fine), consubstancia-se assim nas seguintes questões: i) saber se é aplicável o n.º 2 do artigo 371.º do CPC, à extinção de sociedade; ii) saber a aplicação da referida norma tem como pressuposto a alegação e prova de que os sócios da sociedade extinta receberam em partilha, um valor correspondente à quantia exequenda.

2. Fundamentos de facto
É a seguinte a factualidade relevante provada nos autos:
2.1. B (…), Lda, instaurou contra A (…) Lda, A (…)  e J (…) a execução para pagamento de quantia certa de que estes constituem apenso.
2.2. Na referida execução, constituem títulos executivos 14 letras de câmbio sacadas pela exequente e aceites pela executada sociedade, constando do verso de cada um dos referidos títulos, sob a menção “Bom por aval”, as assinaturas dos executados, únicos sócios da sociedade aceitante – A (…) e J (…)..
2.3. Os requeridos (ora recorrentes), A (…) e mulher J (…) em assembleia-geral reunida no dia 30 de Setembro de 2006 (acta de fls. 13), deliberaram dissolver a sociedade A (…), Lda.
2.4. Na referida deliberação, declararam os requeridos: «[…] foi ainda decidido por aprovação unânime de todos os sócios que em virtude de a sociedade na presente data já não ter qualquer activo nem passivo, deu-se assim a mesma como liquidada e dissolvida, não havendo portanto lugar a partilha».
2.5. A dissolução e encerramento para liquidação da sociedade A (…) Lda, encontram-se registados com data de 31 de Janeiro de 2007.
2.6. B (…) Lda, instaurou contra A (…), Lda, a execução para pagamento de quantia certa, de que estes autos são apensos, em 18 de Abril de 2008.

3. Fundamentos de direito
Duas questões se suscitam no presente recurso: i) saber se é aplicável o n.º 2 do artigo 371.º do CPC, à extinção de sociedade; ii) saber a aplicação da referida norma tem como pressuposto a alegação e prova de que os sócios da sociedade extinta receberam em partilha, um valor correspondente à quantia exequenda. 
Passamos a abordar de forma sistematizada, as duas questões suscitadas.
3.1. A aplicação do regime previsto no n.º 2 do artigo 371.º do CPC
Dispõe o normativo citado:

1. A habilitação dos sucessores da parte falecida na pendência da causa, para com eles prosseguirem os termos da demanda, pode ser promovida tanto por qualquer das partes que sobreviverem como por qualquer dos sucessores e deve ser promovida contra as partes sobrevivas e contra os sucessores do falecido que não forem requerentes.

2. Se, em consequência das diligências para citação do réu, resultar certificado o falecimento deste, poder-se-á requerer a habilitação dos seus sucessores, em conformidade com o que nesta secção se dispõe, ainda que o óbito seja anterior à proposição da acção.

3. Se o autor falecer depois de ter conferido mandato para a proposição da acção e antes de esta ter sido instaurada, pode promover-se a habilitação dos seus sucessores quando se verifique algum dos casos excepcionais em que o mandato é susceptível de ser exercido depois da morte do constituinte.
Como referem José Lebre de Freitas e outros[2], embora a norma refira apenas “falecimento”, o que só ocorre com “pessoas singulares”, nela se abrangem igualmente os casos de extinção de “pessoa colectiva”[3].
Mais referem os autores citados, em anotação ao n.º 2 do normativo que se transcreveu, que, por razões de economia processual, o incidente é ainda facultado quando o réu não chegue a ser citado, por ter falecido (pessoa singular), ou por ter sido extinto (pessoa colectiva), quer o falecimento ou a extinção tenham ocorrido depois da propositura da acção, quer lhe sejam anteriores, devendo neste caso o tribunal decretar a suspensão da instância se a habilitação for requerida após a notificação ao autor do resultado negativo da diligência de citação[4].
Também não se suscitam dúvidas no que concerne à aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 371.º do Código de Processo Civil, nas situações em que (como é o caso), a sociedade tenha sido extinta antes da entrada da acção, sendo esse facto revelado no acto (frustrado) de citação, afastando-se nessas situações a aplicação do artigo 162.º do Código das Sociedades Comerciais, vocacionado apenas para acções pendentes à data da extinção[5].
A norma em apreço (n.º 2 do artigo 371.º do CPC), revela-se claramente vocacionada para a habilitação dos sócios da pessoa colectiva extinta antes da entrada da acção em juízo.
Mas a questão fulcral é outra.
Foi suscitada na contestação, não tendo sido objecto de apreciação na sentença recorrida, e voltou a ser invocada em sede de alegações de recurso.
Com efeito, alegou a requerida na contestação, que não foi alegada pela requerente (exequente) a existência de património societário partilhado, bem como o recebimento por parte dos ex-sócios, de bens da sociedade.
Mais alegou, em sede de recurso: «C- Para que os sócios de uma sociedade comercial possam ser responsabilizados torna-se necessário que tenha havido partilha do património da sociedade; D- A realização dos direitos de crédito no confronto dos sócios da sociedade por quotas dissolvida depende de eles terem recebido, na sequência da dissolução, bens suficientes para o efeito, cujo ónus de prova incumbe aos credores; E- A responsabilidade pessoal daqueles sócios para com os credores sociais só poderá ocorrer se estes alegarem e provarem que a declaração de falta de bens no património da sociedade dissolvida não é verdadeira, designadamente por existirem bens partilháveis à data da dissolução; F- Para existir sucessão de sócios de uma sociedade extinta e para deles ser cobrado o crédito, tinha que ter sido alegada a qualidade de ex-sócios e também que estes receberam bens da sociedade.»
É esta a questão que passamos a apreciar.
3.2. A partilha como pressuposto da habilitação
Dispõe o n.º 1 do artigo 151.º Código das Sociedades Comerciais: «Salvo cláusula do contrato de sociedade ou deliberação em contrário, os membros da administração da sociedade passam a ser liquidatários desta a partir do momento em que ela se considere dissolvida.»
Sob a epígrafe “Liquidação do passivo social”, o artigo 154.º do mesmo diploma legal impõe aos liquidatários o dever de pagar todas as dívidas da sociedade para as quais seja suficiente o activo social, dispondo o n.º 3, relativamente às dívidas litigiosas, que devem acautelar os eventuais direitos do credor por meio de caução.
O artigo 158.º do mesmo diploma estabelece a responsabilidade dos liquidatários para com os credores sociais, nestes termos:
«1. Os liquidatários que, com culpa, nos documentos apresentados à assembleia para os efeitos do artigo anterior indicarem falsamente que os direitos de todos os credores da sociedade estão satisfeitos ou acautelados, nos termos desta lei, são pessoalmente responsáveis, se a partilha se efectivar, para com os credores cujos direitos não tenham sido satisfeitos ou acautelados.
2. Os liquidatários cuja responsabilidade tenha sido efectivada, nos termos do número anterior, gozam de direito de regresso contra os antigos sócios, salvo se tiverem agido com dolo.»
Finalmente, sob a epígrafe “Passivo superveniente», prescreve o n.º 1 do art. 163.º: «Encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam na partilha, sem prejuízo do disposto quanto a sócios de responsabilidade ilimitada
Como se refere no acórdão da Relação do Porto, de 15.12.2010[6], após a extinção da sociedade, com registo do encerramento da liquidação, nos termos do art. 160.º, n.º 2, do CSC), esta deixa de ter personalidade jurídica e judiciária (art. 5.º, do CPC) para ser demandada em acção executiva, passando a legitimidade passiva a recair sobre os antigos sócios que receberam algo em partilha e apenas até ao montante do que receberam, incumbindo ao exequente o ónus de alegação e prova do recebimento, em partilha, de bens da extinta sociedade por parte do (ex)sócio demandado na execução.
Com efeito, nem a substituição da sociedade extinta, pelos seus antigos sócios, é automática, nem a responsabilidade destes é ilimitada.
Como se refere no acórdão do STJ, de 23.04.2008[7], citando a doutrina de Ferrer Correia, os sócios das sociedades por quotas, não são obrigados a manter a integridade do capital social. O princípio da intangibilidade do capital social não tem esse alcance, não significando «[…] que a sociedade esteja obrigada a conservar constantemente no seu activo os valores necessários para assegurar ao capital estatutário a sua integridade. Se assim fosse, a sociedade deveria logicamente dissolver-se todas as vezes que se registassem perdas, todas as vezes que a marcha dos negócios da empresa fosse absorvendo tais somas, que em determinado momento aquele fundo ficasse a descoberto. […] os sócios não estão obrigados a cobrir, mediante novas entradas, sob pena de dissolução, todas as perdas sofridas pela sociedade no exercício do seu comércio. Nem a sociedade faz voto de meter em cofre e zelosamente guardar, preservando-o das urgências e apetites do seu giro, as quantias que tenha recebido dos sócios – para só no momento da liquidação, comum ou falimentar, as exibir. Tal não é a função do capital social, nem lei alguma determina coisa tão extravagante. Como já temos dito e repisado, o capital social é simplesmente uma cifra – cifra abaixo da qual o património da empresa não poderá descer em virtude de atribuições aos sócios (enquanto tais, e não enquanto terceiros) de valores de qualquer natureza».
Provou-se na situação sub judice, a seguinte factualidade relevante: os executados A (…) e J (…), eram os únicos sócios da sociedade A (…), Lda; em assembleia-geral reunida no dia 30 de Setembro de 2006 (acta de fls. 13), deliberaram dissolver a sociedade A (…) Lda; na referida deliberação, declararam os requeridos: «[…] foi ainda decidido por aprovação unânime de todos os sócios que em virtude de a sociedade na presente data já não ter qualquer activo nem passivo, deu-se assim a mesma como liquidada e dissolvida, não havendo portanto lugar a partilha»; a dissolução e encerramento para liquidação da sociedade A (…), Lda, encontram-se registados com data de 31 de Janeiro de 2007.
A declaração de inexistência de activo e de passivo, e da alegada não realização da partilha dos bens sociais, não tem qualquer relevância probatória, como lapidarmente se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 26.06.2008[8], relatado pelo Conselheiro Santos Bernardino:

«Isto, porém, não significa (…) que não houvesse bens para partilhar, e que os dois sócios, que fizeram aquela declaração, não tenham recebido bens do património da sociedade. Na verdade, tal declaração é da mera responsabilidade daqueles, não representando a escritura prova plena quanto a esses factos.

Trata-se duma declaração res inter alios acta, não vinculativa para os credores sociais, porque não coberta pela força probatória material que, no art. 371º do CC, é reconhecida aos documentos autênticos. Daí que apenas esteja plenamente provado que os sócios, outorgantes na escritura, fizeram aquela declaração, não se tendo já por provado que os factos nela referidos sejam verdadeiros. Podiam, consequentemente, tais factos ser impugnados pela autora, por não estarem cobertos pela força probatória plena do documento.»
No entanto, tal como é dito no acórdão da Relação do Porto anteriormente citado[9], também neste acórdão do Supremo se manifesta o entendimento de que os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam na partilha, não excedendo a sua responsabilidade pessoal (sócios de sociedades de responsabilidade limitada) as importâncias que hajam recebido em partilha dos bens sociais, já que, nos termos do n.º 1 do artigo 163.º do CSC, são responsáveis apenas até esse montante, cumprindo, no entanto, a quem requer a habilitação «alegar e provar aqueles factos, que se apresentam como constitutivos do seu direito a obter deles o montante do seu crédito».
Aqui reside a essência da questão.
A exequente não alegou no seu requerimento, a existência de qualquer activo social (bens ou dinheiro) partilhado e recebido pelos sócios (requeridos)[10].
É certo que a exequente no artigo 9.º do seu requerimento alude a falsas declarações aquando da liquidação, mas, como também se refere no acórdão do STJ citado, por força deste normativo o liquidatário é responsável pessoalmente para com os credores sociais, se indicar falsamente, nos documentos apresentados à assembleia nos termos do art. 157.º – ou seja, no relatório, contas finais e projecto de partilha do activo – que os direitos de todos os credores estão satisfeitos ou acautelados, nos termos da lei; se, para tanto, agir com culpa; e se a partilha se efectivar, isto é, se tiver havido entrega de bens aos sócios.
Não estando alegada, no caso em apreço, este último requisito (existência de partilha de bens sociais) jamais poderia lograr aplicação o invocado art. 158.º do Código das Sociedades Comerciais.
A questão que se mantém incontornável, é a da omissão do ónus de alegação por parte da exequente, já que, conforme se decidiu no citado acórdão da Relação do Porto[11]: «Incumbe ao exequente o ónus de alegação e prova do recebimento, em partilha, de bens da extinta sociedade por parte do (ex)sócio demandado na execução».
Invocando o exequente a falsidade da declaração, ainda assim seria necessário lançar mão de outro meio processual prévio à execução, como se decidiu no acórdão da Relação do Porto de 1.02.2011[12], cujo sumário se transcreve:
I - Uma vez que se declarou na escritura de dissolução de sociedade que esta não possuía activo, daí decorrendo que não houve partilha, e que os sócios nada receberam, não podem prosseguir contra ele a execução instaurada contra a sociedade.
II - Apenas numa acção declarativa poderá o exequente obter a declaração da falsidade do afirmado nessa escritura pelos sócios e obter deles o que seria devido da sociedade.
Decore do exposto a procedência do recurso, pelo que os requeridos/executados, deverão manter essa posição na execução, mas apenas como avalistas[13], e não como habilitados em substituição da aceitante (sociedade extinta).


III. Decisão
Com fundamento no exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente o recurso, ao qual se concede provimento, revogando em consequência a sentença recorrida.
Custas do recurso pela Apelada.
                                                         *


Carlos Querido ( Relator )
Pedro Martins
Virgílio Mateus


[1] Os requeridos tinham já a posição processual de executados, mas como avalistas.
[2] Código de Processo Civil Anotado, Volume I, páginas 682 e 683.
[3] Nesse sentido, veja-se o acórdão desta Relação, de 27.02.2007, proferido no Processo n.º 1100/04.3TBVIS-A.C1:

«Porém, a habilitação incidental acontece, por via de regra, quando, na pendência da causa, falece ou se extingue alguma das partes, conforme resulta do preceituado pelos artigos 276º, nº 1, a) e 371, nº 1, do CPC, mas, também, pode ocorrer, por falecimento ou extinção anteriores à propositura da acção se, em consequência das diligências efectuadas para a sua citação, resultar certificado o facto, ainda que anterior à instauração do pleito, atento o disposto pelo nº 2, do artigo 371º, citado, sem necessidade de se alegar e provar que o mesmo não era do conhecimento do autor, contemporaneamente, à proposição da acção, por não haver razões justificativas bastantes para distinguir a situação da morte da situação da extinção, devendo imputar-se a um «deficit» de previsão legislativa a referência ao “falecimento”, omitindo a “extinção”, suprível dentro dos quadros do próprio instituto da habilitação, por força do previsto nos artigos 374º, nº 3, do CPC, e 10º, nº 1, do Código Civil.»
[4] No mesmo sentido, veja-se o acórdão da Relação do Porto, de 11.12.2003, proferido no Processo n.º 0336084, nomeadamente as suas anotações doutrinárias, amplamente transcritas na sentença recorrida.

[5] Nesse sentido, veja-se o acórdão da Relação de Évora, de 18.06.2009, proferido no Processo n.º 55/05.3TBSTC-A.E1, cujo sumário se transcreve:

«I - Tendo ocorrido extinção da ré sociedade em data anterior à propositura da acção não há que chamar à colação a aplicação ao caso do disposto no artº 162º do Cód. das Sociedades Comerciais, já que o mesmo só tem aplicação no caso da extinção ocorrer na pendência da causa, pelo que relevarão os normativos relativos ao incidente de habilitação previstos no CPC.

II - A lei permite que se realize a habilitação de sucessores no âmbito do incidente de habilitação previsto no CPC, mesmo que no decorrer da tramitação processual da acção se venha a reconhecer que a causa que gera a habilitação tenha ocorrido em data anterior à propositura da acção e não só nos casos da mesma ocorrer já no decurso da acção (cfr. artº 371º n.º 2 do CPC).

III- Tal previsão contempla os casos em que o demandante intenta a acção contra determinada pessoa singular ou colectiva, pensando que ela não é falecida (singular), nem se encontra extinta (colectiva).»

[6] Proferido no Processo n.º 576/07.1TTVCT-C.P1, acessível em http://www.dgsi.pt
[7] Proferido no Processo n.º 07S4745, acessível em http://www.dgsi.pt
[8] Proferido no Processo n.º 08B1184, acessível em http://www.dgsi.pt
[9] Proferido no Processo n.º 576/07.1TTVCT-C.P1, acessível em http://www.dgsi.pt
[10] Como se refere no acórdão do STJ, de 7.07.2010, proferido no Processo n.º 203-D/1999.L1.S1, acessível em http://www.dgsi.pt: «Nem se diga, por fim, que a responsabilidade deferida aos liquidatários pelo artigo 163.º do C.S.C. se basta com a anterioridade do crédito relativamente ao montante da liquidação. É que essa responsabilidade – pessoal – pressupõe, ademais, que tenha existido partilha subsequente à liquidação, a qual, de resto, até funciona como limite da dita responsabilidade. Ora, não há nos autos notícia de tal ocorrência. E, à míngua de factualidade que suporte a respectiva previsão, também não poderá ser coligido o comando do artigo 158.º daquele referido diploma
[11] Proferido no Processo n.º 576/07.1TTVCT-C.P1, acessível em http://www.dgsi.pt
[12] Proferido no Processo n.º 410-D/1999.P1, acessível em http://www.dgsi.pt
[13] A execução foi também instaurada contra eles, mas com fundamento no facto de constarem dos títulos executivos (letras de câmbio), as suas assinaturas sob a menção: «Bom por aval».