Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
36/20.5T8CBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: AVELINO GONÇALVES
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
PRÉMIO
RESOLUÇÃO AUTOMÁTICA
CERTIFICADO INTERNACIONAL DE SEGURO
CARTA VERDE
PRESUNÇÃO
Data do Acordão: 11/09/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO LOCAL CÍVEL DE COIMBRA DO TRIBUNAL DA COMARCA DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 18.º, 19.º, 51.º, 60.º, 61.º DA LEI DO CONTRATO DE SEGURO (DECRETO-LEI N.º 72/2008, DE 16 DE ABRIL)
ARTIGOS 28.º E 29.º DO DECRETO-LEI N.º 291/2007, DE 21 DE AGOSTO
Sumário: I) A emissão pela seguradora do certificado internacional do seguro automóvel (carta verde) constitui mera presunção de que foi antecipadamente pago o prémio do seguro a que aquele certificado corresponde.

II) A falta de pagamento do prémio referido em I), com a consequente resolução automática do contrato de seguro operada pela seguradora, determina que deixe de considerar-se como válido o certificado de seguro que tenha sido indevidamente emitido, não podendo considerar-se transferida para a seguradora a responsabilidade civil que se pretendia transferir através daquele contacto.

Decisão Texto Integral:



Acordam os Juízes da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I- RELATÓRIO:  

 Fundo de Garantia Automóvel com sede na … instaurou contra:

1. COMPANHIA DE SEGUROS A…, S.A., com sede na ….,

2. T…, LDA., com sede na …. e

3. D…, residente na Rua …, acção declarativa de condenação, com processo comum, pedindo a respectiva condenação no pagamento da quantia de € 5.393,44, acrescidos juros de mora à taxa legal contados desde a data do pagamento da indemnização pelo A., ocorrido a 24-07-2019 (caso o pagamento seja devido pela 1ª Ré) ou da data da interpelação, ocorrida a 31-05-2019 (caso o seja pelos 2º e 3º RR), e ainda no pagamento das despesas de gestão posteriores, a liquidar em execução de sentença.

Invocou, para o efeito, em suma, que em 2 de Maio de 2019 ocorreu um acidente de viação no IC2, ao km 196,000, concelho, distrito e Comarca de Coimbra, no qual foram intervenientes os veículos de matrícula …ZC e FG…; o condutor do veículo FG foi o responsável pela ocorrência do acidente; desse acidente resultaram danos; tendo a 1.ª Ré declinado o sinistro, não assumindo a regularização do mesmo, o lesado reclamou junto do Fundo de Garantia Automóvel a reparação dos danos que sofrera, tendo o FGA entendido haver lugar à aplicação figura do fundado conflito e regularizou o sinistro ao abrigo da norma acabada de transcrever, entendendo haver «Fundado Conflito»; o A. tem direito a reaver dos RR. a quantia desembolsada e as despesas a suportar; a 1.ª Ré comunicou ao A. que a apólice que segurava o FG, em que era tomadora do seguro a ora 2.ª Ré, se encontrava anulada desde 01-02-2019 por falta de pagamento; o 3.º Réu respondeu à interpelação do FGA, confirmando ser ele o condutor do veículo FG na ocasião do acidente e informando que o veículo FG possuía carta verde válida e juntando cópia do dito documento comprovativo da existência de seguro no período de 01-01-2019 a 31-12-2019, abrangendo portanto a data do acidente, dia 02-05-2019.

A R. COMPANHIA DE SEGUROS A…, S.A. contestou, por impugnação e por excepção, invocando a inexistência de contrato de seguro válido na data da ocorrência do sinistro.

A R. T…, LDA contestou, por impugnação e excepcionou a respectiva ilegitimidade, por existir seguro válido à data do sinistro, transferindo a responsabilidade para a Ré Seguradora.

O R. D… não deduziu contestação.

O Juízo Local Cível de Coimbra julga a acção e, consequentemente, decide:

“Face ao exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente, por provada e, consequentemente, decido:

1- Absolver a Ré COMPANHIA DE SEGUROS A…, S.A. do pedido e

2- Condenar solidariamente os Réus T…, LDA e D… a pagarem ao A. a quantia de 5.927,68 (cinco mil novecentos e vinte e sete euros e sessenta e oito cêntimos), acrescida dos juros de mora:

- sobre a quantia de € 5.393,44, desde o dia 31-5-2019 e

- sobre a quantia de € 534,24, desde o dia 5-7-2020, até efectivo e integral pagamento, computados à taxa legal dos juros de mora civis, absolvendo-os do mais peticionado.

Custas pelos RR. T…., LDA e D…”.

O Autor, FGA– Fundo de Garantia Automóvel, não se conformando com a decisão, interpõe o seu recurso, assim concluindo:

(…)

2. Do objecto do recurso

                  

O Apelante, Fundo de Garantia, escreve assim:

“2. Resultou provado que a Companhia de Seguros A…, S.A. e a T…, Lda celebraram um contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, na modalidade de seguro de frotas, em que se encontrava o veículo pesado de mercadorias com a matrícula FG….

3. Estipulou-se que o prémio anual fosse fracionado em prestações mensais, iguais e sucessivas, a pagar por débito direto.

4. O que está em causa é saber se é legítimo à Ré Companhia de Seguros A… S.A. emitir carta verde previamente ao recibo do prémio relativo a todo o período a que a mesma se reporta.

5. Por força do art.º 28.º do DL 291/2007, de 21/08, o certificado internacional de seguro («carta verde») constitui documento comprovativo de seguro válido e eficaz em Portugal.

6. Conforme o n.º 1 do art.º 29.º do mesmo diploma, o certificado internacional de seguro é emitido pela empresa de seguros mediante o pagamento do prémio ou fracção.

7. A A… desrespeitou a obrigação legal de apenas emitir a carta verde após o pagamento do prémio/fração pela tomadora do seguro.

8. Tem, pois, de assumir os riscos e as consequências de tal imprevidência, regularizando positivamente os sinistros ocorridos no período abrangido na Carta Verde que emitiu.

9. O SORCA é um seguro obrigatório, instituído pelo Estado e no cumprimento de diversas diretivas europeias, destinado a proteger os lesados de acidentes de viação e as vítimas da circulação automóvel.

10. As nomas dos art.º 28.º e 29.º do DL 291/2007, de 21/08, não têm carácter supletivo.

11. O art.º 61.º do Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16/04, no sentido de a falta de pagamento do prémio determinar a resolução automática do contrato na data do vencimento do prémio/fração, não prevalece o regime especial do DL 291/2007 (art.º 2.º do DL 72/2008).

12. A Ré A… não pode deixar de ser condenada nos presentes autos.

13. A douta sentença de fls, violou os art.º 28.º e 29.º do DL 291/2007, de 21 de agosto”.

Será assim?

Resulta dos factos provados que o, agora, apelante, pagou as quantias por si referidas, a título de danos patrimoniais que resultaram de acidente de viação sob apreciação. Fê-lo, ao abrigo do disposto no art.º 50º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21.8 - “ocorrendo um fundado conflito entre o Fundo de Garantia Automóvel e uma empresa de seguros sobre qual deles recai o dever de indemnizar, deve o Fundo reparar os danos sofridos pelo lesado que caiba indemnizar, sem prejuízo de vir a ser reembolsado pela empresa de seguros, se sobre esta vier a final a impender essa responsabilidade, e em termos correspondentes aos previstos no n.º 1 do artigo 54.º, adicionados dos juros de mora à taxa legal, devidos desde a data do pagamento da indemnização pelo Fundo, e incrementados estes últimos em 25%”.

Tendo a Ré A… declinado o sinistro, não assumindo a regularização do mesmo, o Apelante suportou a reparação dos danos de J…, proprietário do ZC, pagando-lhe € 5.327,00 pela perda total do veículo, bem como das Infraestruturas de Portugal, nos termos referidos no ponto 36) dos factos provados.

E a questão, a tratar nesta instância, é esta:

O Autor/Apelante tem direito a ser reembolsado, pela Ré A…, pelo pagamento das referidas indemnizações?

Tal resposta está dependente da questão de saber se, à data da ocorrência do sinistro – 2-5-2019 – estava ou não transferida para a Ré A… a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo pesado de mercadorias com a matrícula FG….

Para a resolução de tal questão, mostram os autos:

1- No dia 22 de Março de 2018, as RR. Companhia de Seguros A…, S.A. e T… , Lda celebraram um contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, designado por “A… Frotas”, titulado pela apólice n.º …, válida entre as 16h05m do dia 22 de Março de 2018 e as 24h00m do dia 31 de Dezembro de 2018, anual e automaticamente renovável pelo prazo de um ano e seguintes, a partir de 1 de Janeiro de 2019 (5º da contestação da R. A…).

2- Por meio do contrato referido em 1), a R. T… transferiu para a R. Seguradora a responsabilidade civil emergente da circulação de vários veículos automóveis de que era proprietária, entre os quais se encontrava o veículo pesado de mercadorias com a matrícula FG… (6º da contestação da R. A…).

3- As partes acordaram que o pagamento do prémio anual seria fraccionado em prestações mensais, iguais e sucessivas, decorrendo o primeiro período entre 22/03/2018 e 31/03/2018, correspondendo os períodos seguintes a cada um dos meses de calendário subsequentes, vencendo-se cada uma das fracções mensais do prémio no primeiro dia de cada um desses meses e ocorrendo o vencimento da primeira fracção na data da celebração do contrato, 22/03/2018 – cf. art. 11º (Vencimento dos prémios) do Capítulo III da Parte I (Condições Gerais Uniformes do Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel), na pág. 14 das Condições Contratuais do Seguro Automóvel (arts. 7º e 8º da contestação da R. A…).

4- As partes acordaram que as fracções do prémio seriam pagas por meio de débito directo em conta bancária da tomadora do seguro (9º da contestação da R. A…).

5- No cumprimento do estipulado no art. 13º-1 e 2 do Capítulo III das Condições Contratuais, a Ré Seguradora emitiu e enviou à tomadora do seguro, que os recebeu, avisos escritos do montante e data de vencimento de cada uma das fracções mensais, a pagar por esta, do prémio relativo à anuidade, com início em 1 de Janeiro de 2019, da forma do respectivo pagamento e das consequência do seu não pagamento (10º da contestação da R. A…).

6- Em 19-12-2018, a Ré Seguradora emitiu e enviou à R. T… o aviso escrito do montante e data-limite de pagamento da fracção mensal de Fevereiro de 2019 (11º da contestação da R. A…).

7- Não foi possível cobrar o recibo pelo sistema de débito directo acordado (15º da contestação da R. A…).

8- A R. T…, Lda não efectuou o pagamento da fracção do prémio que se venceu no dia 1 de Fevereiro de 2019, correspondente ao período compreendido entre 1 e 28 de Fevereiro de 2019 (13º e 14º da contestação da R. A….).

9- A cláusula 14ª-3-a) do Capítulo III das Condições Gerais Uniformes do contrato referido em 1) dispõe o seguinte: “A falta de pagamento determina a resolução automática do contrato na data do vencimento de: uma fracção do prémio no decurso de uma anuidade” (17º da contestação da R. A…).

10- A Ré Seguradora emitiu carta verde a favor da R. T…, na qual está aposta a matrícula FG…, a apólice n.º 204812351/5 e da qual consta “válido de 01/01/2019 a 31/12/2019”.

A 1.ª instância abordou, assim, a questão:

“O Aviso referido em 6) contém expressamente a data limite de pagamento e a advertência de que o não pagamento implicaria a resolução automática do contrato. Pelo que o contrato de seguro referido em 1) foi automaticamente resolvido no dia 1 de Fevereiro de 2019, data de vencimento da fracção do prémio anual, como resulta do disposto na alínea a) do nº 3 do art. 61º do Decreto-Lei 72/2008, de 16 de Abril: “3 –A falta de pagamento determina a resolução automática do contrato na data de vencimento de: a) uma fracção do prémio no decurso de uma anuidade”. O contrato dos autos estava, pois, automaticamente resolvido na data do sinistro.”

Com todo o respeito pela alegação do recorrente, fê-lo acertadamente. Senão vejamos:

A propósito do pagamento do prémio de seguro, diz-nos o art.º 19º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 291/2007 de 21 de Agosto - que aprova o regime do sistema do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel e transpõe parcialmente para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2005/14/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Maio, que altera as Directivas n.ºs 72/166/CEE, 84/5/CEE, 88/357/CEE e 90/232/CEE, do Conselho, e a Directiva n.º2000/26/CE, relativas ao seguro de responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis - que “Ao pagamento do prémio do contrato de seguro e consequências pelo seu não pagamento aplicam-se as disposições legais em vigor”, reconduzindo-nos, pois, para o regime jurídico do contrato de seguro consagrado na Lei do Contrato de Seguro - LCS - aprovada pelo Decreto-Lei n.º 72/2008 de 16 de Abril, que entrou em vigor a 1 de Janeiro de 2009.

Decorre do art.º 51º n.º 1 do LCS que “o prémio é a contrapartida da cobertura (de risco) acordada”, ou seja, o segurador só suporta o risco se o respectivo prémio se mostrar pago - art.º 59º da citada Lei /“no premium no risk”.

Ou seja, o contrato de seguro só produzirá, validamente, os respectivos efeitos, efectuado que seja o pagamento do prémio/fracção devido/a pelo tomador, ou dito de outra forma, não se verificando o pagamento do prémio/fracção o contrato de seguro não será eficaz quanto às obrigações de ambas as partes, importando sublinhar que este enunciado princípio geral está necessariamente subordinado às acordadas particularidades atinentes à duração do contrato e do próprio vencimento das fracções do prémio, como decorre do art.º 61º nºs. 1, 2 e 3 da LCS.

A mora no pagamento do prémio ou fração tem nesta sede um regime diverso do regime geral previsto na lei civil, isto é, tanto o prémio ou fração inicial como os prémios ou frações subsequentes são devidos numa determinada data, mas o contrato apenas produz os seus efeitos, na parte correspondente ao prémio ou fração em dívida, a partir do momento do seu pagamento. Não procedendo o tomador de seguro ao seu pagamento, verificam-se duas consequências: por um lado, o risco deixa de estar coberto pelo contrato; por outro, o valor do prémio ou fração em dívida deixa, relativamente à generalidade dos contratos, de poder ser judicialmente exigido pela seguradora.

Nas palavras do Acórdão do STJ de 30.4.2020, pesquisável no site www.dgsi.pt – “O regime geral decorrente do mencionado art.º 61º nºs. 1, 2 e 3 da Lei do Contrato de Seguro - LCS - aprovada pelo Decreto-Lei n.º 72/2008 de 16 de Abril, impõe o pagamento antecipado do prémio/fracção para que se verifique, consoante se trate da prestação inicial ou de uma prestação subsequente, o início da cobertura do risco ou a renovação do contrato de seguro, outrossim, no caso de estar em causa fracção do prémio no decurso da anuidade, a sua não resolução automática e imediata, levando-nos a concluir que, se por um lado, é concedido ao tomador o poder de cessar unilateralmente o contrato de seguro, bastando-lhe não pagar o prémio/fracção na data do respectivo vencimento, por outro lado, não sofre discussão que a não satisfação do pagamento do prémio/fracção no seu vencimento, tem necessariamente como consequência a cessação imediata da cobertura proporcionada pelo seguro.

Consignamos a propósito: “em relação ao contrato de seguro, em caso de falta de pagamento do prémio não há cobertura, não produzindo efeito, e a resolução é automática apesar de o incumprimento corresponder a uma hipótese de simples mora”, neste sentido, Romano Martinez, obra citada, página 223 e Margarida Lima Rego, in, obra citada, página 202.

Em caso de não pagamento do prémio, concluímos, por um lado, que o risco não chega a estar coberto em nenhum momento e, por outro lado, por força da cessação automática do contrato, também deixa de existir dívida a cargo do segurado ou tomador do seguro, deixando, em consequência, o pagamento do prémio de poder ser exigido pela seguradora”.

Mais, como refere a 1.ª instância, (…)  o art. 28.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21.8, relativo aos documentos comprovativos do seguro, estabelece que constitui documento comprovativo de seguro válido e eficaz em Portugal: “Relativamente a veículos com estacionamento habitual em Portugal, o certificado internacional de seguro («carta verde»), o certificado provisório, o aviso-recibo ou o certificado de responsabilidade civil, quando válidos”.

E o art. 29.º do mesmo diploma estabelece que “O certificado internacional de seguro referido na alínea a) do n.º 1 do artigo anterior é emitido pela empresa de seguros, mediante o pagamento do prémio ou fracção correspondente ao contrato de seguro, no prazo máximo de 60 dias a contar da data da celebração do contrato e renovado no momento do pagamento do prémio ou fracção seguinte”.

A Ré Seguradora emitiu o certificado internacional de seguros (carta verde) para o período compreendido entre 1.1.2019 e 31.12.2019.

Admitir estar resolvido um contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel, quando foi emitida a respetiva carta verde, contraria as regras do art. 28.º do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21.8?

A jurisprudência tem entendido que não – vd. neste sentido, os Acs. do Tribunal da Relação de Coimbra de 12-1-2016, Proc. n.º 439/13.1TBTND.C1 e do Tribunal da Relação do Porto de 21-10-2019, Proc. n.º 2710/11.8TBVCD.P1.P1, ambos publicados em www.dgsi.pt e a jurisprudência neles citada.

Efectivamente, resulta do regime legal a necessidade do pagamento antecipado do prémio ou fracção para que se verifique, consoante se trate da prestação inicial ou subsequente, o início da cobertura do risco ou a renovação do contrato de seguro, ou ainda, no caso de estar em causa fracção do prémio no decurso da anuidade, a sua não resolução automática e imediata. A lei associa à mora no cumprimento da aludida obrigação o efeito extintivo do contrato, dispensando a sua prévia conversão em incumprimento definitivo e a declaração à parte contrária.

Conforme se refere no Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra supra referido, “Sendo certo que, quer o certificado provisório de seguro, quer o certificado internacional, deverão ser emitidos apenas após o pagamento do prémio ou fracção devidos (cf. n.ºs 1 e 3 do art.º 29.º do SORCA), uma vez que fazem prova, a par do aviso-recibo, da existência de seguro válido e eficaz, tal ocorre apenas, conforme a lei não deixou de expressar, “quando válidos” (cf. art.º 28.º, n.º 1 e sua ressalva final). Vale isto por dizer que se o contrato de seguro subjacente à emissão de tais documentos não produz quaisquer efeitos, nomeadamente porque o prémio inicial não foi pago e/ou porque operou a resolução do mesmo, prejudicada fica a validade dos aludidos documentos a que a lei reconhece idoneidade para fazerem prova do contrato”.

É certo, e importa notar, que quanto à emissão do certificado provisório e do certificado internacional do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões, na sua página da internet em https://www.asf.com.pt/NR/exeres/B3A21200-AB6C-4A38-9766-B192795EE492.htm refere, tal como é prática corrente, que “as empresas de seguros devem assegurar que os documentos comprovativos da validade do seguro não sejam emitidos sem que o pagamento do prémio se tenha verificado, mediante a implementação de procedimentos rigorosos que permitam controlar essa emissão”, pelo que, a titularidade da designada carta verde  - atualmente branca - constitui uma presunção - de facto - do pagamento do respetivo prémio. Ou seja, o ónus da prova, emitida a carta, de que tal prémio não foi pago, cabe à seguradora, o que aconteceu nestes autos, conforme a matéria de facto levada ao ponto 8 “- A R. T… Lda não efectuou o pagamento da fracção do prémio que se venceu no dia 1 de Fevereiro de 2019, correspondente ao período compreendido entre 1 e 28 de Fevereiro de 2019 (13º e 14º da contestação da R. A…)”.

Não poderemos é concluir, como o faz o apelante, que apelada, desrespeitando a obrigação legal de apenas emitir a carta verde após o pagamento do prémio/fração pela tomadora do seguro, terá de assumir os riscos e as consequências de tal imprevidência, regularizando positivamente os sinistros ocorridos no período abrangido na Carta Verde que emitiu, mesmo provando-se que o prémio não se mostra pago.

Como se escreve, no citado Acórdão do STJ de 30.4.2020, (…) A ré seguradora para valer-se da resolução automática do contrato de seguro, tem de, necessariamente, comunicar e informar o tomador, nos termos prevenidos no art. 60.º da Lei do Contrato de Seguro - LCS – aprovada pelo DL n.º 72/2008, de 16-04 – de modo adequado e com a antecedência necessária para que o tomador conheça de modo completo e efectivo a diligência tomada, traduzida no aviso de pagamento que cumpre a exigência imposta pelo art. 18.º da LCS, pelo que, na sua demonstração, é de reconhecer o direito a eximir-se à prestação a que estava obrigada na decorrência do contrato de seguro (…) Conquanto se tenha demonstrado nos autos que a ré seguradora emitiu o certificado internacional de seguros para o período compreendido entre 09-01-2009 e 08-04-2009, tal não nos pode levar a concluir, sem mais, que o ajuizado contrato de seguro não foi resolvido automaticamente por falta de pagamento do respectivo prémio/fracção, pois, como sabemos o certificado internacional de seguro (carta verde) demonstra apenas e só, perante terceiros, a existência de contrato de seguro, sendo que a respectiva validade decorre da existência e eficácia do contrato de seguro que depende, desde logo, do pagamento do prémio/fracção do seguro – “no premium no cover” ou “no premium no risk“ – daí que, verificada a extinção do contrato de seguro em razão da resolução automática por falta de pagamento do prémio/fracção durante o período a que se refere o certificado internacional de seguro (carta verde), a aludida extinção do contrato de seguro tem, necessariamente, implicações neste certificado”.

Também o acórdão desta Relação de 12.1.2016, citando o aresto da Relação de Évora de 16 de Janeiro de 2014, processo n.º 291/12.4TBRMZ.E1, ambos acessíveis em www.dgsi.pt “(…) embora o certificado internacional de seguro (carta verde) carta verde demonstre perante terceiros a existência de contrato de seguro, a sua validade está necessariamente dependente da validade e eficácia do contrato de seguro que determinou a sua emissão. Donde, está dependente do pagamento atempado e efectivo do prémio de seguro. Ocorrendo extinção do contrato de seguro por ter operado a resolução automática prevista na lei, tal implica que a carta verde deixe de poder considera-se válida, uma vez que tal documento não pode atestar uma qualidade (validade/eficácia) que o contrato de seguro que permitiu a sua emissão já não detém” (no mesmo sentido, acórdãos da Relação de Lisboa de 17/4/2009, processo n.º 574/05.0 TBLNH e da Relação do Porto de 4/12/2007, processo n.º 0731502, acessíveis no mesmo sítio, ambos reportando-se à legislação anterior ao DL 72/2008 que, todavia, e no que respeita ao pagamento do prémio ou fracção dele e efeitos da falta de pagamento, consagrava soluções idênticas às acolhidas no regime que lhe sucedeu)”.

Por isso, tendo o contrato de seguro, referido em 1) dos factos provados, sido automaticamente resolvido no dia 1 de Fevereiro de 2019, data de vencimento da fracção do prémio anual, teremos de concluir, como o fez a 1.ª instância, que à data em que ocorreu o sinistro, a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo pesado de mercadorias com a matrícula FG… não estava transferida para a Ré Seguradora, impondo-se a improcedência da instância recursiva.

Improcedem, assim, as conclusões do apelante, mantendo-se o decidido pelo Juízo Local Cível de Coimbra.

(…)


3.Decisão
Assim, na improcedência do recurso, mantemos a decisão proferida pelo Juízo Local Cível de Coimbra - Juiz 3.

As custas ficam a cargo do apelante.

Coimbra, de 9 de Novembro de 2021

(José Avelino Gonçalves - Relator)

(António Freitas Neto- 1.º adjunto)

(Paulo Brandão – 2.º adjunto)