Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
9769/18.5T8CBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULA MARIA ROBERTO
Descritores: APOIO JUDICIÁRIO
PROCESSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO
TERMO FINAL DO PRAZO
DECISÃO SUMÁRIA
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
Data do Acordão: 09/08/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DO TRABALHO DE COIMBRA DO TRIBUNAL DA COMARCA DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 44.º, N.º 1, DA LEI 34/2004, DE 29 DE JULHO
Sumário: I) Em processo de contra-ordenação, o pedido de apoio judiciário deve ser formulado até ao termo do prazo de recurso da decisão em primeira instância.

II) É extemporâneo, por isso, o pedido de apoio judiciário formulado após a decisão sumária proferida pelo Tribunal da Relação a rejeitar o recurso interposto da decisão da primeira instância, ainda que esteja a decorrer o prazo de reclamação para a conferência e mesmo que do acórdão proferido em conferência fosse admissível recurso para o Tribunal Constitucional.

Decisão Texto Integral:



Acordam[1] na Secção Social (6ª secção) do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

A arguida A…, Unipessoal, Ldª, notificada para proceder ao pagamento da coima e das custas em que foi condenada, veio requerer que o pagamento destas aguardasse a decisão definitiva respeitante ao pedido de apoio judiciário que havia formulado.

                                                             *

De seguida, foi proferido o seguinte despacho:

Requerimento da arguida que antecede: O pagamento faseado da coima foi indeferido e a arguida não beneficia de apoio judiciário neste momento processual, o qual, a ser deferido, apenas valerá para o futuro.

Assim sendo, o pagamento da coima e das custas deverá ser efetuado pela arguida, de imediato e de uma só vez.

Notifique.”

                                                             *

A arguida, notificada deste despacho, veio interpor o presente recurso que concluiu da forma seguinte:

(…)

*

O Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu o parecer de fls. 271 e segs., no sentido de que o recurso deverá ser procedente e, em consequência, revogar-se a decisão recorrida.

                                                             *

Colhidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.

                                                             *

II – Saneamento

A instância mantém inteira regularidade por nada ter entretanto sobrevindo que a invalidasse.

                                                             *

                                                              *

III – Fundamentação

Matéria de facto com interesse para a decisão:

A constante do relatório que antecede e, ainda: 

1 – Por decisão de 27/03/2019 foi ordenado o desentranhamento da alegação de recurso de impugnação apresentada pela arguida por omissão de pagamento da taxa de justiça e multa devidas.

2 – Posteriormente, a arguida veio arguir a nulidade do processado que foi julgada improcedente por decisão de 28/10/2019 e da qual interpôs recurso que não foi admitido por decisão sumária deste tribunal.

3 – A arguida foi notificada desta decisão sumária por carta registada de 24/03/2020, entretanto devolvida.

4 – A arguida reconheceu ter sido notificada desta decisão (ponto 10 das alegações de recurso).

5 – A arguida requereu o benefício do apoio judiciário em 14/04/2020 (decisão do ISS, IP a fls. 200).

                                           *

                                           *

b) - Discussão

Questão a decidir

Se o benefício do apoio judiciário concedido à arguida por decisão de 09/11/2020 não a dispensa do pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o presente processo anteriormente liquidados.

                                                             *

O ISS, IP sancionou a arguida com a coima única de € 1.650,00, pela prática de várias contraordenações.

A arguida impugnou judicialmente esta decisão e o tribunal de 1ª instância, além do mais, julgou improcedente a nulidade processual suscitada pela arguida por decisão datada de 28/10/2019.

Veio, então, a arguida interpor recurso desta decisão para este tribunal da Relação.

Neste tribunal, por decisão sumária proferida em 23/03/2020, não foi admitido este recurso interposto pela arguida.

Posteriormente, como já referimos, notificada para proceder ao pagamento da coima e das custas em que foi condenada, a arguida veio requerer que o pagamento destas aguardasse a decisão definitiva respeitante ao pedido de apoio judiciário que havia formulado.

E, de seguida, foi proferido o seguinte despacho recorrido:

Requerimento da arguida que antecede: O pagamento faseado da coima foi indeferido e a arguida não beneficia de apoio judiciário neste momento processual, o qual, a ser deferido, apenas valerá para o futuro.

Assim sendo, o pagamento da coima e das custas deverá ser efetuado pela arguida, de imediato e de uma só vez.

Notifique.”

A recorrente não se conforma com esta decisão pelos motivos supra expostos.

Vejamos, então, se lhe assiste razão.

Antes de mais, cumpre dizer que, como já referimos, a arguida reconheceu ter sido notificada da citada decisão sumária proferida neste Tribunal (ponto 10 das alegações de recurso) e por meio da carta referida em 1, pelo que, tendo a carta sido enviada em 24/03/2020, a arguida considera-se notificada em 27/03/2020 (artigo 113.º, n.º 2, do CPP).

Por outro lado, por força do disposto no artigo 417.º, n.ºs 6, b) e 8, do CPP, a arguida podia reclamar para a conferência da decisão sumária supra referida, no prazo de 10 dias (artigo 149.º, n.º 1 do CPC), ou seja, até 15/04/2020.

E, como ficou assente, a arguida requereu o benefício do apoio judiciário em 14/04/2020.

Ora, conforme resulta do artigo 44.º da LAJ:

<< 1 - Em tudo o que não esteja especialmente regulado no presente capítulo relativamente à concessão de proteção jurídica ao arguido em processo penal aplicam-se, com as necessárias adaptações, as disposições do capítulo anterior, com exceção do disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 18.º, devendo o apoio judiciário ser requerido até ao termo do prazo de recurso da decisão em primeira instância.>> - sublinhado nosso.

Na verdade, na redação da Lei n.º 34/2004, de 29/07, o apoio judiciário devia ser requerido até ao trânsito em julgado da decisão final.

No entanto, após a redação da Lei n.º 47/2007, de 28/08 e até hoje, dúvidas não existem de que o arguido deve requerer tal benefício até ao termo do prazo de recurso da decisão em primeira instância.

Assim sendo, a arguida ora recorrente devia ter requerido o benefício do apoio judiciário até ao termo do prazo de recurso da decisão do tribunal de 1ª instância proferida em 28/10/2019 e que foi objeto da citada decisão sumária deste tribunal da Relação, o que não fez pois só apresentou tal pedido em 14/04/2010.

Desta forma, o pedido de apoio judiciário que lhe foi concedido não produz quaisquer efeitos no âmbito do presente processo por ser extemporâneo.

O Tribunal Constitucional já se pronunciou a este propósito no seu acórdão n.º 215/12 (DR - 2.ª série, nº 102, de 25/05/2012), nos seguintes termos:

Segundo a interpretação sob fiscalização, em processo penal o apoio judiciário tem de ser requerido pelo arguido até ao termo do prazo de recurso da decisão em primeira instância, não se prevendo a hipótese, contemplada no citado artigo 18.º, n.º 2 - cuja aplicação, como se disse, é expressamente afastada pelo artigo 44.º, n.º 1 - de, no caso de insuficiência económica superveniente, o apoio judiciário poder ser requerido em momento posterior.

Nesta leitura o interessado tem o ónus de fazer valer a sua pretensão (neste caso o pedido de apoio judiciário) até um determinado momento ou fase processual (termo do prazo de recurso em primeira instância), com a consequência de, não tendo tal direito sido exercido até esse momento, tal envolver um efeito preclusivo, impedindo-o de formular tal pretensão em momento posterior do processo, nas situações de insuficiência económica superveniente e quando ainda pode ser exigido o pagamento de taxas de justiça como condição para a apreciação de recursos.

(…)

O artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, consagra o princípio de que a todos é assegurado o acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, estabelecendo ainda a garantia de que a justiça não pode ser denegada por insuficiência de meios económicos.

(…)

O Tribunal Constitucional já se pronunciou por diversas vezes sobre este princípio, designadamente, a propósito de situações em que estavam em causa normas ou interpretações normativas das quais resultava uma impossibilidade ou uma acentuada dificuldade de acesso à justiça resultante da obrigação de pagamento de determinadas quantias.

Sobre essa questão o Tribunal tem firmado jurisprudência que tem por base o entendimento, sintetizado no Acórdão n.º 30/88 (acessível na Internet, assim como os restantes acórdãos que a seguir se referem sem outra menção, em www.tribunalconstitucional.pt), que cita o Parecer n.º 8/87 da Comissão Constitucional, segundo a qual a Constituição "se deveria ter por violada sempre que, por insuficiência de tais meios, o cidadão pudesse ver frustrado o seu direito à justiça, tendo em conta o sistema jurídico-económico em vigor para o acesso aos tribunais na ordem jurídica portuguesa", uma vez que a lei fundamental "indo além do mero reconhecimento de uma igualdade formal no acesso aos tribunais", se propõe "afastar neste domínio a desigualdade real nascida da insuficiência de meios económicos, determinando expressamente que tal insuficiência não pode constituir motivo para denegação da justiça".

Já no que respeita à questão da oportunidade do pedido de apoio judiciário, o Tribunal Constitucional tem vindo a considerar, em jurisprudência uniforme, que o apoio judiciário tem sobretudo em vista evitar que qualquer pessoa, por insuficiência de meios económicos, veja impedido, condicionado ou dificultado o recurso aos tribunais para defesa dos seus direitos ou interesses legítimos, não podendo, contudo, ser visto como meio destinado a obter, após o julgamento da causa e a condenação em custas, a dispensa do pagamento dos encargos judiciais a que a participação no processo deu causa. Por esta razão se tem considerado que não fere os princípios constitucionais a solução segundo a qual não é admissível a dedução de pedido de apoio judiciário após o trânsito em julgado da decisão final do processo, quando se tem apenas como objetivo o não pagamento das custas em que a parte veio a ser condenada por efeito dessa decisão (cf., neste sentido, entre outros, os acórdãos n.os 508/97, 308/99, 112/2001, 297/01 e 590/2001).”

Mais se decidiu no mesmo acórdão do TC:

a) julgar inconstitucional o segmento normativo constante do artigo 44.º, n.º 1, da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, na redação dada pela Lei n.º 47/2007, de 28 de agosto, na interpretação segundo o qual é extemporâneo o pedido de apoio judiciário formulado pelo arguido em processo penal após o decurso do prazo de recurso da decisão proferida em primeira instância, no caso de insuficiência económica superveniente, quando ainda seja exigível o pagamento de uma taxa de justiça como condição de apreciação de um recurso.”

Ora, no caso em análise, a arguida alega que quando apresentou o pedido de apoio judiciário lhe cabia ainda o direito de apresentar reclamação para a conferência e recurso para o Tribunal Constitucional, que o requerimento foi apresentado na pendência do processo, que o n.º 1 do citado artigo 44.º da LAJ não deve ser interpretado restritivamente e que o apoio judiciário pode ser requerido até ao trânsito em julgado da decisão final.

Pois bem, certo é que em 14/04/2020 quando a arguida requereu o benefício do apoio judiciário ainda estava em prazo para reclamar para a conferência da decisão sumária supra referida, no entanto, não o fez nem manifestou qualquer intenção de o fazer ou de interpor qualquer outro recurso, sendo que, não resulta dos autos que lhe fosse exigível o pagamento de uma concreta taxa de justiça como condição de apreciação de uma concreta pretensão por si formulada[2].

A decisão sumária foi proferida em 23/03/2020 e notificada à arguida em 27/03/2020 e esta só em 17/06/2020 veio comunicar ter requerido o benefício do apoio judiciário, sem mais, ou seja, sem ter apresentado qualquer reclamação no prazo legal ou manifestado a pretensão de interpor recurso.

Desta forma, ao contrário do alegado pela arguida, a limitação temporal imposta pelo n.º 1 do artigo 44.º da LAJ não impediu a arguida de aceder aos tribunais de recurso por insuficiência económica, inexistindo qualquer violação dos artigos 13.º, 16.º, 18.º, 20.º e 32.º da CRP.

Quanto ao demais, também não assiste qualquer razão à recorrente pelos motivos supra expostos.

Em suma, o benefício do apoio judiciário concedido à arguida mais não seria do que “um meio destinado a obter, após o julgamento da causa e a condenação em custas, a dispensa do pagamento dos encargos judiciais a que a participação no processo deu causa”.

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Face a tudo o que ficou dito, improcede o presente recurso interposto pela arguida, impondo-se a manutenção da decisão recorrida embora com diferente fundamentação.

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V – DECISÃO

Nestes termos, sem outras considerações, acorda-se, em conferência, na improcedência do recurso, em manter a decisão recorrida.

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Custas a cargo da arguida, com taxa de justiça que se fixa em 4 UC`s.

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          Coimbra, 2021/09/08

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           (Paula Maria Roberto)

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        (Felizardo Paiva)


[1] Relatora – Paula Maria Roberto
  Adjunto – Felizardo Paiva
[2] A reclamação para a conferência de decisão sumária proferida pelo relator, prevista no n.º 8 do artigo 417.º do CPP, não está dependente do pagamento de taxa de justiça (ao contrário do que ocorre com a reclamação de acórdão - artigo 7.º, n.º 4, do RCP) e as decisões proferidas nos processos de contraordenação apenas admitem recurso para o tribunal da Relação (artigo 49.º do RPCLSS).