Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
250/13.0TTGRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: RAMALHO PINTO
Descritores: IMPUGNAÇÃO DE FACTO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
JUSTA CAUSA
CULPA
Data do Acordão: 12/17/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DA GUARDA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 640º, Nº 1, AL. B), E Nº 2, AL. A) DO NCPC; 394º, Nº 1 DO CT DE 2009.
Sumário: I – Incumbe ao recorrente relativamente ao pedido de reapreciação da matéria de facto: - a necessidade de circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente qual a parcela ou segmento, o “ponto” ou “pontos” da matéria de facto da decisão proferida que considera viciada por erro de julgamento; - o ónus de fundamentar as razões por que discorda do decidido, indicando ou concretizando quais os meios probatórios, constantes dos autos, ou de documento incorporado no processo, ou de registo ou gravação nele realizada, que, no entender do recorrente, impõem decisão diversa da tomada pelo tribunal, quanto aos pontos da matéria de facto impugnados.

II – A reapreciação da prova é meramente auditiva, não abrange sequer todo o depoimento prestado por uma qualquer testemunha, mas apenas o depoimento que incidiu sobre os concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados.

III – O artº 394º do CT 2009 enuncia, no seu nº 2 e a título exemplificativo, alguns dos comportamentos da entidade empregadora constitutivos de justa causa de resolução do contrato e que conferem ao trabalhador direito à indemnização a que se refere o nº 1 do artº 396º do CT, sendo um desses comportamentos a “violação culposa de garantias legais ou convencionais do trabalhador” – al. b).

IV – A al. b) do nº 1 do artº 129º do CT estatui que é proibido ao empregador obstar, injustificadamente, à prestação efectiva do trabalho, consagrando, de forma expressa, o direito à ocupação efectiva do trabalhador, que se traduz na exigência deste a que lhe seja dada a oportunidade de exercer efectivamente a actividade para que foi contratado.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

                        A... veio instaurar, no Tribunal do Trabalho da Guarda, contra B...,Lda, a presente acção com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, formulando o seguinte pedido:

                “I – Deve ser declarado que entre Autor e Ré foi efectuado o contrato de trabalho alegado nesta petição.

                II – Deve ser declarada a existência de justa causa, com os fundamentos de facto e de direito alegados nesta petição, para a resolução desse contrato de trabalho operada pelo Autor através da carta referida no artigo 69º desta petição, com todas as legais consequências, tendo a resolução operado os seus efeitos em 24 de Abril de 2013.

                Consequentemente,

                III – Deve a Ré ser condenada a pagar ao Autor as quantias que se passam a discriminar:

                a) A quantia de 2.649,90 € referente à gratificação especial referida em 17º e 77º desta petição, no valor de 179,66 €/mês, relativamente aos meses de Janeiro a Dezembro de 2012, Janeiro, Fevereiro, Março de 2013

                b) A quantia de 555,57 € referente ao salário correspondente a 23 dias do mês de Abril de 2013.

                c) A quantia de 153,40 € a título do subsídio de alimentação referente a 9 dias do mês de Março e 17 dias do mês de Abril de 2013.

                d) A quantia de 724,66 € referente ao mês de férias vencido em 1 de Janeiro de 2013 e relativo ao trabalho prestado no ano de 2012..

                e) A quantia de 724,66 € referente ao subsídio de férias vencido em 1 de Janeiro de 2013 e referente ao trabalho prestado no ano de 2012.

                f) A quantia de 205,00 € referente ao proporcional de férias pelo trabalho prestado no ano de 2013.

                g) A quantia de 205,00 € referente ao proporcional de subsídio de férias pelo trabalho prestado no ano de 2013.

                h) A quantia de 205,00 € referente ao proporcional de subsídio de Natal pelo trabalho prestado no ano de 2013.

                i) A quantia de 28.008,00 € referente a indemnização de antiguidade que se refere no artigo 85º desta petição.

                j) A esta quantia deve acrescer o aumento correspondente às diuturnidades a que o Autor tem direito, por força da sua antiguidade, e nos termos da lei.

                k) A quantia de 10.000,00 € a título de danos não patrimoniais que se alegam no artigo 86º desta petição.

                l) A cada uma destas quantias devem acrescer juros de mora à taxa legal de 4% ao ano desde a data de vencimento respectiva até integral pagamento.

                Assim,

        m) Deve a Ré ser condenada a pagar ao Autor a quantia global de 43.431,19 € correspondente à soma das quantia peticionadas nas antecedentes alíneas, a) a k).

                n) Para além dos juros de mora atrás peticionados, e acrescendo a estes, nos termos do artº 829º-A nº 5 do C Civil, deve a Ré ser condenada no pagamento de juros à taxa de 5% ao ano sobre o capital em que for condenada, desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado até integral pagamento”.

                        Alegou, em síntese e no que interessa ao recurso:

                        Esteve ligado à Ré por contrato de trabalho desde 1 de Abril de 1988 até  24 de Abril de 2013 , sendo que resolveu o contrato com justa causa, baseado na circunstância de a empresa ter entrado em Lay Off, suspendendo os contratos de todos os seus trabalhadores, pelo período de seis meses, após o que a todos chamou para retomarem o trabalho, com excepção do Autor, que se apresentou no local de trabalho e foi mandado para casa sem qualquer comunicação.

                        Tal situação deixou-o humilhado e causou-lhe danos, de natureza patrimonial e não patrimonial.

                        Contestou a Ré, invocando que algumas das quantias que o Autor recebeu foram prestadas a título de gratificação especial, o que ocorreu por via do balanço dos anos anteriores, tendo cessado, sem qualquer reclamação, quando a situação económica o deixou de permitir, pelo que o Autor age abusivamente ao reclamá-los agora.

                        Quanto à desocupação do Autor, a sua situação, conforme foi informado, seria de aguardar enquanto o advogado da empresa agia, na sequência de o Autor haver injuriado a gerência e o técnico de contas da empresa, apelidando-os de “aldrabões” e dizendo que estavam de má-fé e com a intenção de prejudicar os trabalhadores.

                        O Autor respondeu à contestação.

                        Instruída e julgada a causa foi proferida sentença, cuja parte dispositiva transcrevemos:

                         “Pelo exposto, julgo a presente acção parcialmente provada e, nessa parte, procedente e, em consequência, declaro que entre autor e ré existiu um contrato de trabalho, que findou, a 24 de Abril de 2013, por iniciativa do trabalhador, que o rescindiu com justa causa, e assim condeno a ré, B... Lda, no pagamento, ao autor, A..., das seguintes quantias:

                a) € 417,83, referente ao salário correspondente a 23 dias do mês de Abril de 2013;

                b) € 153,40, referente a subsídio de alimentação de nove dias de Março e 17 dias de Abril de 2013;

                c) € 545,00, referente ao mês de férias vencido a 1 de Janeiro de 2013 e relativo ao trabalho prestado no ano de 2012;

                d) € 545,00, referente ao subsídio de férias vencido a 1 de Janeiro de 2013 e relativo ao trabalho prestado no ano de 2012;

                e) € 171,07, referente ao proporcional de férias relativo ao trabalho prestado no ano de 2013;

                f) € 171,07, referente ao proporcional do subsídio de férias relativo ao trabalho prestado no ano de 2013;

                g) € 171,07, referente ao proporcional do subsídio de Natal relativo ao trabalho prestado no ano de 2013;

                h) € 18.212,54, referente a indemnização de antiguidade;

                i) € 5.000,00, referente a indemnização por danos não patrimoniais;

                j) Juros, à taxa legal, até integral pagamento, desde o respectivo vencimento, no referente às quantias relacionadas entre a) e h), e desde a data desta decisão no concernente ao valor atribuído em i).

                Absolvo a mesma ré de tudo o demais contra ela pedido.

                Custas proporcionais”.
                                                                       x
                        Inconformada com tal decisão, veio a Ré interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:
                        […]

                                O Autor contra-alegou, propugnando pela manutenção do julgado.
                        Foram colhidos os vistos legais, tendo o Exmº PGA emitido parecer no sentido da improcedência do recurso.

                                                                       x
                        Definindo-se o âmbito do recurso pelas suas conclusões,  temos, como questões a apreciar:
                   - se se deve proceder à reapreciação da matéria de facto;
              - a resolução, com justa causa, do contrato de trabalho;
                - se a respectiva indemnização fixada pela 1ª instância se mostra adequada;
                                                                  x
                        A 1ª instância deu como provada a seguinte factualidade (que, e uma vez que não o foi na sentença, sujeitamos agora a numeração):
                        […]

                                                                       x         

                        - a impugnação da matéria de facto:

                        Analisando quer o corpo quer as conclusões da alegação de recurso, verifica-se que a Ré- apelante pretende atacar a matéria de facto dada como provada na 1ª instância, com base no depoimento das testemunhas que indica.

                        A matéria de facto deve ser alterada pela Relação “se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa- artº 662º, nº 1, do Novo CPC.

                        Nos termos do artº  640º, nº 1, do mesmo diploma, quando  “seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

                a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

                b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

                c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.

            Nos termos da al. a) do nº 2 desse mesmo artigo, “No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

                a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; (...)”.

Incumbe, assim, ao recorrente relativamente ao pedido de reapreciação da matéria de facto:

- A necessidade de circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente qual a parcela ou segmento o "ponto" ou "pontos" da matéria de facto da decisão proferida que considera viciada por erro de julgamento.

- O ónus de fundamentar as razões por que discorda do decidido, indicando ou concretizando quais os meios probatórios, constantes de auto, ou de documento incorporado no processo, ou de registo ou gravação nele realizada, que, no entender do recorrente, impõem decisão diversa da tomada pelo tribunal, quanto aos pontos da matéria de facto impugnados.

A reapreciação da prova é pois meramente auditiva, não abrange sequer todo o depoimento prestado por uma qualquer testemunha, mas apenas o depoimento que incidiu sobre os concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados.

Afigura-se, como se descreveu, a necessidade da individualização dos factos considerados incorrectamente julgados.

Este é o regime aplicável no tocante à reapreciação da prova.

                        Todavia, a recorrente não estruturou desta forma a sua impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

                        É que fundamentando-se a discordância em depoimentos que foram gravados, a recorrente, embora identifique o das testemunhas por referência a cada um dos factos, não opera a identificação precisa e separada dos depoimentos, ou, na fórmula legal, não indica com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de proceder à respectiva transcrição. O que faz é tão só indicar, em termos de horas, minutos e segundos,  o início e  o termo da totalidade de cada um desses depoimentos, o que não satisfaz os ditames legais, nem tão pouco transcreve as passagens dos mesmos depoimentos que reputa de relevantes para fazer vingar a sua posição quanto à matéria de facto.

                        Como se diz no Ac. da Rel. do Porto de 13/1/2014, in www.dgsi.pt, a exigência prevista naquela al. a) do nº 2 do artº 640º  (correspondente ao artº 685º-B do anterior código) não é um mero capricho legal, ela visa que a Relação, de forma rápida, identifique as passagens dos depoimentos e, desse modo, que sejam evitadas impugnações de facto de carácter mais genérico, imponderado, precipitado e infundamentado.

                        E a  apelante não deu cumprimento a esse ónus de indicar, com exactidão, as passagens da gravação nem procedeu à sua transcrição.

                        Por outro lado, não se vislumbra, nem a recorrente fundamenta minimamente essa sua alegação, qualquer contradição entre, por um lado, os factos elencados nos pontos 38 e 39 e aqueles outros constantes dos pontos 33 a 35.

                        Assim, é de rejeitar a impugnação da matéria de facto.

                        - a justa causa de resolução:

                        Dispõe o artº 394º, nº 1, do CT de 2009 que, ocorrendo justa causa, o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato.

                        A declaração de resolução do contrato deve ser feita por escrito, com a indicação sucinta dos factos que a justificam, nos trinta dias subsequentes ao conhecimento desses factos (artº 395º, nº 1, do CT), sendo apenas atendíveis para justificar a resolução os factos invocados nessa comunicação (artº 398º, nº 3, do CT).

            O referido artº 394º enuncia, no seu nº 2, e a título exemplificativo, alguns dos comportamentos da entidade empregadora constitutivos de justa causa de resolução do contrato e que conferem ao trabalhador direito à indemnização a que se refere o nº 1 do artº 396º do CT, sendo um desses comportamentos a “Violação culposa de garantias legais ou convencionais do trabalhador” -al. b).

                        O Autor funda a justa causa de resolução do contrato na discriminação que alega ter sido vítima, com a consequente inactividade a que foi sujeito pela Ré, já que após a cessação do Lay Off foi o único trabalhador que a Ré não chamou para desempenhar funções, para além de um outro que entretanto tinha feito cessar o vínculo laboral.

                        A este propósito escreveu-se na sentença recorrida:

                        “Assim, o que ocorreu foi um tratamento diferenciado do aqui autor relativamente a todos os demais colegas de trabalho, e que surge explicado por via de uma discordância relativamente a uma questão tão vital como a da subsistência ou não da relação laboral, ou a sua suspensão. Um motivo que, sem dificuldade, se reconduz, atentos os factos provados, à comissão de um delito de opinião – precisamente um daqueles motivos que, desde há cerca de quarenta anos, a Constituição e a lei proíbem terminantemente, logo, um factor de discriminação. Acresce ainda que – e independentemente da facilidade ou dificuldade que a gerência da empresa manifeste em coabitar com as opiniões dos seus trabalhadores – torna-se difícil justificar, em tribunal, que um trabalhador com a antiguidade e a folha de serviços do aqui autor possa vir a ser despedido por, em contexto de discussão da subsistência da relação laboral, mormente perante uma proposta, dificilmente discutível, de lay off, exprimir, oralmente, que a empresa está de má-fé e ou que existe intenção de prejudicar os trabalhadores, até mesmo o dirigir directo do epíteto “aldrabões”.

                Com efeito, e de acordo com o disposto no art.º 13º nº 1 da Constituição da República Portuguesa, “todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei”. E é neste quadro que, de acordo com o art.º 58º nº 1 da mesma Lei fundamental, “todos têm direito ao trabalho”, em condições de não discriminação, consoante se expressa nesse art.º e no seguinte. A este respeito, decidiu já o nosso mais alto tribunal que “o princípio da igualdade (constante do art.º 13º da Constituição) reporta-se a uma igualdade material, que não meramente formal, e concretiza-se na proscrição do arbítrio e da discriminação, devendo tratar-se por igual o que é essencialmente igual e desigualmente o que é essencialmente desigual”. Além

de que este princípio da igualdade “dada a sua natureza (…) postula não só uma natureza negativa (no sentido de Neste caminho, e em harmonia com o disposto no art.º 23º do código do trabalho, no seu nº 1 alínea a), “considera-se (existir) discriminação directa sempre que, em razão de um factor de discriminação, uma pessoa seja sujeita a tratamento menos favorável do que aquele que é, tenha sido ou venha a ser dado a outra pessoa em situação comparável”. E, no caso, o autor foi sujeito a tratamento menos favorável do que todos os demais colegas de trabalho, sendo que o factor de discriminação é o facto de ele ter manifestado a sua opinião. Tal como, aliás, o entendeu a Autoridade para as Condições do Trabalho – que aplicou, à ré, uma coima por tal motivo – houve, efectivamente, discriminação. Concluindo, o nº 1 do art.º 25º do mesmo código declara que “o empregador não pode praticar qualquer discriminação, directa ou indirecta”, enquanto que o art.º 28º do mesmo diploma não deixa margem para grandes dúvidas: “a prática de acto discriminatório lesivo de trabalhador (…) confere-lhe o direito a indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, nos termos gerais de direito”.

                        Concorda-se com a consideração de que existiu essa discriminação do Autor.

                        Temos que ficou provado que:

                        - em Setembro de 2012 a Ré levou a cabo um processo de suspensão de trabalho, vulgarmente designado por Lay Off, previsto nos artigos 298º e seguintes do C. Trabalho;

                        - em cumprimento da decisão da Ré de suspender a prestação de trabalho nos termos referidos, o Autor não compareceu ao serviço da Ré no período entre 17 de Setembro de 2012 e 17 de Março de 2013;

                        - a partir de Fevereiro de 2013, a Ré contratou e tomou de empreitada a execução de uma obra de requalificação e pavimentação da (...);

                        - no âmbito dessa obra, a Ré utilizou diversos camiões e outras máquinas, as quais habitualmente eram conduzidas pelo Autor no âmbito da prestação do seu trabalho à Ré;

                        - e utilizou e continua a utilizar ao seu serviço todos os trabalhadores abrangidos pelo Lay Off, com excepção do Autor e de C..., que entretanto deixou de trabalhar para a Ré;

                         - a Ré não enviou ao Autor qualquer carta, comunicando-lhe para se apresentar ao serviço em 18 de Março de 2013 (ou em qualquer outra data), como o fez em relação aos restantes trabalhadores, nem lhe comunicou, fosse pela forma que fosse, para se apresentar ao serviço no dia 18 de Março de 2013 ou em qualquer outra data;

                        - findo o período da suspensão, no dia 18 de Março de 2013, pelas 07.40 horas, o Autor apresentou-se ao serviço da Ré, nas instalações desta sitas na Rua (...), a fim de retomar o seu serviço, o que então pessoalmente comunicou à respectiva gerência;

                        - a gerência da Ré comunicou então e nessa altura ao Autor que saísse das suas instalações e que aguardasse na sua residência instruções da Ré para retomar o serviço;

                        - a Ré jamais comunicou ao Autor quaisquer indicações, jamais lhe comunicou para se apresentar ao serviço e respectivo dia e hora;

                        - a Ré não deu qualquer resposta à carta do Autor a que se refere o facto 35, onde o Autor a interpelava para as circunstâncias supra descritas.

                        Ou seja, e sem qualquer motivo justificativo atendível, a Ré- recorrente discriminou o Autor, ao lhe não atribuir qualquer tarefa no âmbito da obra descrita no facto 27. O que se esperaria da entidade empregadora, aqui Ré, era que, tendo contratado a empreitada em questão, utilizasse, na execução daquela e cessado o Lay Off, todos os trabalhadores com os quais mantinha vínculo contratual. Ao invés, e nada tendo ficado provado no sentido de qualquer justificação para tanto, juridicamente atendível, preteriu única e exclusivamente o Autor.

                A Constituição da República Portuguesa – artºs 13º, 58º e 59º - e as normas legais em matéria de igualdade e não discriminação no trabalho exigem do empregador que adopte as medidas necessárias à efectiva igualdade de tratamento e se iniba das práticas que importem diferenciação injustificada

                        Em termos de lei ordinária, temos que dispõe o artº 23º, nº 1, al. a) do CT que:

                         “Para efeitos do presente Código, considera-se:
                Discriminação directa, sempre que, em razão de um factor de discriminação, uma pessoa seja sujeita a tratamento menos favorável do que aquele que é, tenha sido ou venha a ser dado a outra pessoa em situação comparável;”.      
                        Por sua vez, o artº 24º, nº 1, dispõe que “O trabalhador ou candidato a emprego tem direito a igualdade de oportunidades e de tratamento no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção ou carreira profissionais e às condições de trabalho, não podendo ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão, nomeadamente, de ascendência, idade, sexo, orientação sexual, estado civil, situação familiar, situação económica, instrução, origem ou condição social, património genético, capacidade de trabalho reduzida, deficiência, doença crónica, nacionalidade, origem étnica ou raça, território de origem, língua, religião, convicções políticas ou ideológicas e filiação sindical, devendo o Estado promover a igualdade de acesso a tais direitos”.

                        E o artº  25º consagra a “Proibição de discriminação” e estabelece, no seu nº 1, que “O empregador não pode praticar qualquer discriminação, direta ou indireta, em razão nomeadamente dos fatores referidos no n.º 1 do artigo anterior” e no nº 5 que “Cabe a quem alega discriminação indicar o trabalhador ou trabalhadores em relação a quem se considera discriminado, incumbindo ao empregador provar que a diferença de tratamento não assenta em qualquer factor de discriminação”,.

                        Esta última disposição impõe ao trabalhador que produza prova de qual o trabalhador  (ou trabalhadores)  em relação ao qual se sente discriminado, mas também, necessária e sequencialmente,  que prove os factos que concretizam essa diferença de tratamento, e só numa posterior fase caberá ao empregador justificar essa diferença de tratamento, designadamente que a mesma não assenta em qualquer factor de discriminação.

                        E se o Autor logrou provar o que lhe competia, é inquestionável que a Ré nada provou acerca do fundamento, juridicamente relevante, para a diferença de tratamento entre o Autor e os restantes trabalhadores.

                Mas não é só por este prisma que merece censura o comportamento da Ré, não podendo nós deixar de afastar liminar e vigorosamente  a argumentação da recorrente de que a haver discriminação ela só se foi pela positiva, uma vez “o Autor recebeu salário sem trabalhar, enquanto outros trabalhadores ao serviço da ré, recebendo também salário, “davam o corpo ao manifesto”.

            Esquece-se a recorrente que estatui a al.b) do nº 1 do artº 129º do CT que é proibido ao empregador obstar, injustificadamente, à prestação efectiva do trabalho, consagrando, de forma expressa, o direito à ocupação efectiva do trabalhador, que se traduz na exigência deste a que lhe seja dada a oportunidade de exercer efectivamente a actividade para que foi contratado.

            Ainda na vigência da LCT, que não estatuía expressamente o direito à ocupação efectiva do trabalhador, a jurisprudência foi desenvolvendo  a sua aplicação com a dimensão dos casos concretos que  lhe iam chegando, assim como era referenciado pela doutrina que o admitia de forma generalizada. Era tido à luz da lei portuguesa como corolário do direito ao trabalho e do reconhecimento do papel de dignificação social que o mesmo tem, cujos princípios estão consignados nos artºs 58º, nº 1 e 59º, nº 1, al. c), da Constituição.

            Na vigência dos Códigos do Trabalho de 2003 e 2009 é pacífica a ilegitimidade da desocupação do trabalhador que não se mostre efectivamente fundada, cabendo ao empregador o ónus da prova da justificação na desocupação do trabalhador.

              Como se decidiu no acórdão desta Relação de Coimbra de 12/10/1999 (CJ, 1999, tomo 4, pags. 79 e ss) “Ocorre violação do direito à ocupação efectiva sempre que uma injustificada inactividade é imposta ao trabalhador pela entidade patronal, ou quando deixa de lhe proporcionar as condições à efectiva realização das tarefas compreendidas no conteúdo funcional da categoria atribuída ao trabalhador, desaproveitando a actividade a que aquele se obrigou e quer prestar condignamente, de forma a realizar-se pessoal e socialmente. Quando o trabalhador é colocado pela entidade patronal numa situação de inactividade ou de subaproveitamento, assiste-lhe o direito de rescindir o seu contrato de trabalho com justa causa, consubstanciado na violação do direito a uma efectiva ocupação das suas funções.”.

                        O direito do trabalhador à ocupação efectiva não é um direito absoluto, já que podem surgir situações justificadas em que o empregador esteja objectivamente impedido de oferecer a ocupação ao trabalhador. Nessas situações o empregador pode provar que não tem culpa na situação de não atribuir qualquer trabalho, como por exemplo, em situações transitórias de escassez de matérias-primas, redução de encomendas e outras situações de crise.

            À entidade empregadora assiste não apenas o direito de exigir do trabalhador a actividade a que este se obrigou por via do contrato de trabalho, mas também o dever de lhe proporcionar a possibilidade do seu exercício, a menos que existam razões (objectivas e independentes de actuação culposa da entidade empregadora) que, de forma justificada, o impeçam.

                        Escreve Pedro Furtado Martins, in Despedimento Ilícito, Reintegração na Empresa e Dever de Ocupação, 1992, pag. 191, que “Quando o empregador não recebe o trabalho que lhe é regularmente oferecido, sem para tal ter qualquer justificação, poder-se-á dizer que atenta contra o prosseguimento dos fins envolvidos na situação jurídica de trabalho, violando um dever acessório de conduta derivado do princípio geral da boa-fé.”.

              Como se disse, incide sobre o empregador o ónus da prova de que a violação do dever de ocupação efectiva era em concreto justificada, na medida em que se trata de facto impeditivo do direito do trabalhador à ocupação efectiva – artº 342º, nº 2 do Cod. Civil.

                        No caso concreto,  essa violação tem de presumir-se culposa – artº  799º, nº 1, do  Cod. Civil, sem que os factos provados permitam sustentar que tal presunção se mostra elidida. Antes pelo contrário.

                        E estamos perante um dos casos mais indiscutíveis de que se verificou justa causa para a resolução do contrato por parte do Autor, nos termos do disposto no artigo 351º, nº 1, do Cód. do Trabalho, a apreciar nos termos do nº 3 do mesmo preceito “ex vi” nº 4 do artigo 394ºdo mesmo código.

                        A este propósito escreveu-se no Ac. desta Relação de18/12/2013, proc. 764/11.6T4AVR.C2 (relator Jorge Loureiro):

              “Importa referir, apesar dessa remissão para a norma regulamentadora do conceito de justa causa relevante para despedimento disciplinar do trabalhador pelo empregador, que esse conceito de justa não deve ser objecto de igual concretização nessas duas situações, seja porque há diversidade dos interesses e dos valores em causa em cada uma delas, seja porque o trabalhador não dispõe, ao contrário do que sucede com o empregador, de meios de reacções conservatórios da relação laboral.

          Com efeito, atente-se a este respeito na lição de Albino Mendes Baptista que sustenta que a justa causa de resolução exige, além da verificação dos elementos objectivo e subjectivo, que se registe uma situação de impossibilidade de manutenção da relação laboral, apesar do que alerta para a circunstância do empregador dispor de sanções intermédias para censurar um determinado comportamento ilícito do trabalhador, ao passo que o trabalhador lesado por um comportamento ilícito do empregador não dispõe de formas alternativas à resolução para reagir, cabendo-lhe, apenas, a opção entre fazer cessar unilateralmente ou não o contrato de trabalho.

          Por isso mesmo, face a essa disparidade de meios de reacção colocados à disposição do empregador e do trabalhador, considera aquele autor que o conceito de justa causa para efeitos de resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador deve ser objecto de uma interpretação menos rigorosa que que aquele que deve dispensar-se a esse mesmo conceito no âmbito da cessação do contrato de trabalho por iniciativa do empregador e por despedimento com fundamento em comportamento culposo do trabalhador – cfr. Notas sobre a cessação do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador, A Reforma do Código do Trabalho, Coimbra Editora, p. 548.

          Por sua vez, José Eusébio Almeida sustenta que “… a compreensão de justa causa de resolução (…) indica-nos um conceito de inexigibilidade, bem mais do que um de gravidade e de culpa, sem prejuízo de, tantas vezes, estes estarem ínsitos no primeiro ou serem – mormente a culpa – expressamente exigidos nos exemplos típicos (…)”, razão pela qual “… em rigor, não faz inteiro sentido remetermos para a cláusula relativa à justa causa do despedimento.” – cfr. A cessação do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador, A Reforma do Código do Trabalho, Coimbra Editora, pp. 557/558.

          Segundo Pedro Romano Martinez, “…nem toda a violação de obrigações contratuais por parte do empregador confere ao trabalhador o direito de resolver o contrato: é necessário que o comportamento seja ilícito, culposo e que, em razão da sua gravidade, implique a insubsistência da relação laboral.” - Contrato de Trabalho, 2.ª ed. pp. 987/8.

          Como assim, como ensina Júlio Gomes, citado por Furtado Martins (Cessação do Contrato de Trabalho, 3ª ed,. p. 534), a violação dos direitos do empregador ou do trabalhador podem atingir intensidades diferentes para efeitos de se considerar verificada a inexigibilidade da continuidade da relação de trabalho exigida para a lícita cessação da relação de trabalho, consoante esteja em causa um situação de despedimento com justa causa ou outra de resolução do contrato de trabalho com justa causa.

          Finalmente, como se decidiu no acórdão da Relação de Lisboa de 20/3/2013, proferido no âmbito do processo 174/11.5, o conceito de justa causa deve ser apreciado diferenciadamente nas situações de resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador com invocação de justa causa e de despedimento pelo empregador com igual invocação, pois na primeira dessas situações, ao contrário do que sucede nas segundas, não é necessário que a infracção do empregador torne prática e imediatamente impossível a subsistência da relação de trabalho, bastando que seja grave  e torne inexigível para o trabalhador a manutenção do seu contrato de trabalho”.

              No caso que nos ocupa, em que ocorreu a infundada discriminação do Autor- trabalhador, ficando este sujeito a inactividade funcional, por exclusiva responsabilidade da Ré, não oferece qualquer tipo de dúvida a verificação da justa causa invocada pelo Autor.
                        - o montante da indemnização:

                        Estabelecida a existência de justa causa para a resolução do contrato por parte do Autor, considera a apelante que a fixação da indemnização em 40 dias de retribuição por cada ano/fracção de antiguidade se apresenta como excessiva, antes se devendo situar em 20 dias.
            Sem razão, contudo.

                        É que importa considerar que estamos perante um trabalhador com 25 anos de antiguidade e que a ilicitude do comportamento da Ré deve considerar-se dentro de um nível elevado, já que estamos perante a violção de dois dos mais importantes direitos do trabalhador, o direito à não discriminação injustificada e o direito à ocupação efectiva, concordamos nós com a sentença quando considera que se verificou, no comportamento da Ré, uma enorme desconsideração pelo Autor.

                        Por isso, a nosso ver, não há razões que justifiquem a redução do valor fixado para a indemnização.
                                                                       x

                        Decisão:

                        Nos termos expostos, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.

                        Custas pela apelante.

                                                                       Coimbra, 17/12/2014

                                              

                                                                      (Ramalho Pinto - Relator)

                                                                     (Azevedo Mendes)

                                                             (Joaquim José Felizardo Paiva)