Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
471/12.2TBACB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE DIAS
Descritores: PROCESSO DE CONTRAORDENAÇÃO
DECISÃO ADMINISTRATIVA
FUNDAMENTAÇÃO
Data do Acordão: 02/06/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 2º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE ALCOBAÇA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS58º E 64º DO DEC. LEI 433/82, DE 27/10
Sumário: 1.- É válida a decisão da autoridade administrativa que assenta na análise do relatório e nos fundamentos de facto e de direito dele constantes e dados como reproduzidos, contanto que os mesmos permitam que o destinatário fique ciente dos motivos de facto e de direito em que tal decisão se baseou e permitam a sua impugnação judicial;
2.- Havendo recurso de impugnação, não faz muito sentido continuar a apelar a eventuais falhas da decisão administrativa. A remessa do processo ao juiz inicia uma nova fase, cuja decisão vai esvaziar tudo o que antes foi decidido, nomeadamente na fase administrativa.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal.
No processo supra identificado foi proferida sentença na qual se julgou improcedente o recurso de impugnação judicial interposto pela arguida W…Unipessoal, Ldª, mantendo-se a decisão proferida pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras – Direção Regional do Centro, Delegação Regional de Leiria.
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Inconformada, recorre para esta Relação a arguida.
Na motivação do recurso apresenta as seguintes conclusões, que delimitam o objeto do mesmo:
1.A decisão administrativa é nula por falta de especificação do facto imputado, ao não concretizar a que se refere (arts. 58-1, al. b), DL 433/82, 374-2, 379, C. P. Penal.
2.A decisão administrativa é ainda nula por falta de motivação, posto não indicar concretamente as provas obtidas, utilizar prova meramente conclusiva, e inválida, recolhendo depoimento escrito e assinado por estrangeiro que não sabe falar, lerr nem escrever português, nem fazer tão pouco o exame crítico das provas que serviram para fundamentar a convicção do decisor (arts. 58-1, al. b), 374-2, 379,citados).
3. O reconhecimento da nulidade implicará a devolução do caso à autoridade administrativa para que repare o vício.
4.O arguido assistiu, apenas, a uma pessoa humana, em dificuldades extremas, cuja assistência, não poderá ser confundida com uma relação de trabalho, relação que inexiste.
5.No presente processo de contraordenação não existe prova esclarecedora, clara e precisa da existência de relação de trabalho.
6.A decisão administrativa sofre de erro no tório na apreciação da prova (art. 410-2, C.P.Penal, ex vi art. 41, DL 433/82).
Deve ser dado provimento ao recurso.
Foi apresentada resposta pelo Magistrado do Mº Pº, que conclui pela improcedência do recurso.
Nesta Relação, o Ex.mº P.G.A. emitiu parecer, no sentido de confirmar a decisão e, ao recurso ser negado provimento.
Foi cumprido o art. 417 nº 2 do CPP.
Não foi apresentada resposta.
Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir:
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Conhecendo:
As questões suscitadas no recurso respeitam a:
- Nulidade da decisão administrativa por falta de especificação do facto imputado;
- Falta de fundamentação na decisão administrativa;
- Falta de prova esclarecedora da existência de relação de trabalho;
- Erro notório na apreciação da prova, na decisão administrativa.
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Falta de especificação do facto imputado e, falta de fundamentação na decisão administrativa:
O art. 58 do RGCOC refere:
Decisão condenatória.
1 - A decisão que aplica a coima ou as sanções acessórias deve conter:
a) A identificação dos arguidos;
b) A descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas;
c) A indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão;
d) A coima e as sanções acessórias.
2 - Da decisão deve ainda constar a informação de que:
a) A condenação se torna definitiva e exequível se não for judicialmente impugnada nos termos do artigo 59.º;
b) Em caso de impugnação judicial, o tribunal pode decidir mediante audiência ou, caso o arguido e o Ministério Público não se oponham, mediante simples despacho.
3 - A decisão conterá ainda:
a) A ordem de pagamento da coima no prazo máximo de 10 dias após o carácter definitivo ou o trânsito em julgado da decisão;
b) A indicação de que em caso de impossibilidade de pagamento tempestivo deve comunicar o facto por escrito à autoridade que aplicou a coima.
A decisão da autoridade administrativa é complementada com o relatório que a antecede, elaborado pelo instrutor.
Na decisão se refere que “analisando o relatório” e, “tendo em conta os fundamentos de facto e de direito, constantes do relatório, que aqui se dão por reproduzidos e que passam a constituir parte integrante da presente decisão”.
Como referem os Cons. O. Mendes e S. Cabral em anotação ao art. 58 do Notas ao RGCOC a perceção das razões de facto e de direito podem ser percecionadas “através do teor da própria decisão ou da remissão por esta elaborada”.
Também no Ac. desta Relação de 27-10-2010, proc. nº 94/10.0TACNT.C1 se refere que, “No processo contraordenacional a fundamentação da decisão administrativa pode ser feita por remissão para os meios de prova constantes do auto de notícia; importa é que tal remissão permita que o destinatário fique ciente de quais são esses meios de prova que suportam os factos”.
Posição mais radical é expressa, pelo Desembargador Cruz Bucho, no Ac. da Relação de Guimarães, de 24-09-2007, no proc. nº 1403/07-1, onde se refere:
“I – Na decisão administrativa em recurso, no que concerne à materialidade dos factos que são imputados à arguida, não foi feito o exame crítico da prova a que alude o nº 2 do artigo 374° do Código de Processo Penal.
II – Simplesmente, não se vislumbra a necessidade de tal exame:
- Primeiro porque o citado artigo 58° o não exige expressamente, limitando-se a exigir a indicação das provas (no sentido de que a fundamentação das decisões administrativas se basta com a indicação das provas, não sendo exigível o seu exame crítico, contrariamente ao que ocorre com as decisões judiciais, cfr. Ac. da Rel. de Guimarães de 10-7-2003, procº nº 903/03, rel. Maria Augusta).
- Depois, porque a decisão administrativa que aplica uma coima não é uma sentença nem se lhe pode equiparar pelo que não há que chamar à colação o artigo 374° do Código de Processo Penal (cfr. v.g. os Acs da Rel. de Coimbra de 13-1-1999, recº nº 955/98, de 17-3-1999, recº nº 11/99, ambos in www.trc.pt).
- Finalmente, porque os requisitos consignados no citado artigo 58° visam claramente assegurar ao arguido a possibilidade de exercício efetivo dos seus direitos de defesa, que só poderá existir com um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram e condições em que pode impugnar judicialmente aquela decisão.
III – Por isso, sublinham os Consº Simas Santos e Lopes de Sousa, as exigências feitas no citado artigo 58° “devem considerar-se satisfeitas quando as indicações contidas na decisão sejam suficientes para permitir ao arguido o exercido desses direitos”(Contra-Ordenações, Anotações ao Regime Geral, 3° ed., Lisboa, 2006, pág. 387)
IV – Mesmo aqueles para quem o incumprimento do dever de fundamentação da decisão administrativa constitui nulidade nos termos do artigo 379° do Código de Processo Penal, são forçados a admitir que “uma vez que tal decisão é proferida no domínio de uma fase administrativa sujeita às características da celeridade e simplicidade aquele dever de fundamentação deve assumir uma dimensão menos intensa em relação a uma sentença.
V – O que deverá ser patente para o arguido são as razões de facto e de direito que levaram à sua condenação, possibilitando-lhe um juízo de oportunidade sobre a conveniência da impugnação judicial e, simultaneamente, já em sede de impugnação judicial ao tribunal conhecer o processo lógico da formação da decisão administrativa”(Ac. da Rel. de Coimbra de 4-6-2003, CoI. De Jur. Ano XXVIII, tomo 3, pág 40; no mesmo sentido sublinhando que os preceitos do processo penal deverão ser devidamente adaptados cfr. Ac. da Rel. de Coimbra de 23-4-2000, procº nº 1223/03, in www.trc.pt).
VI – Acresce que, devendo a fundamentação ser tanto mais pormenorizada quanto mais complexa é a questão a decidir, no caso dos autos, a questão se reveste extrema simplicidade, não requerendo nenhuma fundamentação especial para que se tome clara para a arguida como de resto, para qualquer cidadão: foi-lhe imputado o facto de a mesma funcionar com o estabelecimento de restauração e bebidas há cerca de um ano, sem possuir a respetiva licença de utilização
VII – No caso concreto, a fundamentação da decisão é mais do que suficiente, uma vez que a arguida, através da impugnação que deduziu nos autos, demonstrou conhecer perfeitamente os factos que lhe eram imputados e as razão por que tais factos lhe foram imputados, sendo certo, por outro lado que, é óbvio, face ao seu teor, qual o processo lógico da formação daquela decisão Administrativa.
VIII - Improcede, por conseguinte, a pretendida nulidade por falta de exame crítico da prova nos termos do artº 374º nº 2 do Código de Processo Penal”.
No caso sub judice temos que a decisão administrativa é cumpridora do estatuído no art. 58 do DL. 433/82.
Relativamente à decisão da autoridade administrativa, existe a “exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal” –Cfr. Cons. O. Mendes e S. Cabral, ob. cit. pág. 158. Basta atentar para o teor da decisão onde se refere que a prova se obteve “através de verificação direta e presencial”, confirmando-se que “Yuriy Bur estava naquele local a exercer a atividade denunciada para a arguida”, confirmando-se que “Yuriy Bur estava em situação irregular, não estando habilitado a permanecer ou trabalhar em Portugal”, Confirmando-se em fiscalização efetuada que este cidadão “se encontrava no local a lavar viaturas”.
Matéria manifestamente suficiente para a arguida saber as razões da sua condenação, as quais a arguida compreende, embora as não aceite.
Como salientam os Ex.mºs Cons., pág. 159 anotação ao art. 58), “Importa, porém, salientar que nos encontramos no domínio de uma fase administrativa, sujeita às características da celeridade e simplicidade processual, pelo que o dever de fundamentação deverá assumir uma dimensão qualitativamente menos intensa em relação à sentença penal. O que de qualquer forma deverá ser patente para o arguido são as razões de facto e de direito que levaram à sua condenação, possibilitando ao arguido um juízo de oportunidade sobre a conveniência da impugnação judicial e, simultaneamente, e já em sede de impugnação judicial permitir ao tribunal conhecer o processo lógico de formação da decisão administrativa”.
E, havendo recurso de impugnação, não faz muito sentido continuar a apelar a eventuais falhas da decisão administrativa. A remessa do processo ao juiz inicia uma nova fase, cuja decisão vai esvaziar tudo o que antes foi decidido, nomeadamente na fase administrativa.
Com efeito, o juiz (no âmbito da impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa) julga o caso com amplos poderes de substituição, podendo ordenar o arquivamento do processo, absolver o arguido ou manter ou alterar a condenação (art. 64 do Dec. Lei 433/82, de 27/10). No processo judicial é produzida a prova necessária, competindo ao juiz determinar «o âmbito da prova a produzir» (art. 72).
Tudo dependente do objeto do recurso.
Pelo que no caso vertente não se verifica a arguida nulidade.
Há factos e fundamentação da decisão de facto por forma a arguida saber quais os factos que lhe são imputados e a razão por que tais factos lhe foram imputados, sendo certo, por outro lado que também é óbvio, face ao seu teor, qual o processo lógico da formação daquela decisão Administrativa.
Como se refere na decisão recorrida, “Acresce que a decisão administrativa (por via da remissão para o relatório elaborado pelo instrutor do processo) inclui igualmente nos factos provados determinados meios de prova, referindo-se, a título exemplificativo, factualidade atinente ao ponto de origem do presente processo de contraordenação, isto é, à denúncia rececionada pelo SEF. [e a fiscalização posteriormente efetuada].
Todavia, pondo de parte este aspeto e observando o acervo factual a que fizemos específica menção, retiramos que a arguida teve inequivocamente a possibilidade de tomar conhecimento dos factos que lhe eram imputados, sendo os factos enunciados suficientes para integrar, em abstrato, o ilícito contraordenacional sub judice.
Aliás, na defesa apresentada, a recorrente demonstrou conhecer e compreender os factos que lhe eram imputados”.
Pelo que improcede o recurso neste segmento.
Erro notório na apreciação da prova:
Nos termos do art. 75 do RGCOC, a 2ª instância apenas conhece da matéria de direito.
No entanto devem ser analisados os vícios alegados, mas a existirem devem resultar da própria decisão recorrida.
A recorrente alega o erro notório na apreciação da prova.
O erro notório na apreciação da prova, existe quando se verifica:
Erro na crítica dos factos provados. Não erro na sua apreciação em ordem a aplicar o direito (Proc. 48658 eml-2-96;
Contra o que resulta de elementos que constam dos autos e cuja força probatória não foi infirmada, ou de dados de conhecimento público generalizado, se emite juízo sobre a verificação ou não de certa matéria de facto e se torne incontestável a existência de tal erro de julgamento sobre a prova produzida (Proc. 327/96, em 8-5-96);
Se afirma algo que se não pode ter verificado (Proc. 136/96, em 1-5-96.
Como assim que, ao erro notório, vem sendo, de igual modo, entendimento das Doutrina e Jurisprudência que apenas se terá como verificado em apertadas circunstâncias. Tal vício nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto proferida e aquela que o recorrente entende ser a correta face à prova produzida, ele só pode ter-se como verificado quando o conteúdo da respetiva decisão, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, patenteie, de modo que não escaparia à análise do homem comum, que no caso se impunha uma decisão de facto contrária à que foi proferida - entre muitos, Acórdão do S.T.J., de 20.03.99, Proc. 1 76/99- 3ª Sec.
No caso concreto, entendemos não se verificar este vício (e a recorrente não o concretiza).
Assim que também se julga improcedente o recurso nesta parte.
Relativamente à questão relação de trabalho:
Deve assinalar-se não estar em causa a análise de questão do âmbito laboral.
Relevante é que, como consta dos factos provados, a arguida tinha o cidadão Yuriy a lavar viaturas suas, o que foi confirmado em ação de fiscalização levada a efeito em 23-11-2011, sendo que este cidadão estava em situação irregular, não estando habilitado a permanecer ou trabalhar em Portugal.
Situação que a arguida reconhece na conclusão 4, embora entenda que apenas assistiu uma pessoa que se encontrava em dificuldades extremas.
Decisão:
Face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação e Secção Criminal em, julgar improcedente o recurso interposto pela arguida Direct Connection – Transportes de Passageiros Unipessoal, Ldª e, em consequência, manter a decisão recorrida.
Custas pela recorrente com 4 Ucs de taxa de justiça.
Coimbra,
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