Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
137/11.0TBALD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: SEGURO DE GRUPO
DEVER DE INDEMNIZAR
CLÁUSULA
ALTERAÇÃO
TOMADOR
SEGURADORA
INCUMPRIMENTO
EFICÁCIA
INOPONIBILIDADE
Data do Acordão: 06/16/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA GUARDA, GUARDA, INSTÂNCIA CENTRAL – SECÇÃO CÍVEL E CRIMINAL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: DL 176/95, DE 26 DE JUNHO
Sumário: 1. O contrato de seguro de grupo caracteriza-se pelo facto da sua formação ocorrer em dois momentos distintos: num primeiro momento, é celebrado um contrato entre a seguradora e o tomador de seguro, e, num segundo momento, o tomador do seguro promove a adesão do contrato junto dos membros do grupo, assentando, por isso, numa relação tripartida, que tem como vértices do triângulo a seguradora, o tomador do seguro e o aderente.
2. O seguro de grupo pode revestir as modalidades de contributivo e não contributivo, sendo contributivo quando os segurados suportem o pagamento do prémio devido pelo tomador, podendo ser acordado que os segurados paguem directamente ao segurador a sua parte do prémio.

3. Nos seguros de grupo contributivos, a lei, em disposição supletiva, onera o tomador do seguro, com o dever de informar os segurados sobre as coberturas contratadas e as suas exclusões, as obrigações e os direitos em caso de sinistro, bem como sobre as alterações ao contrato, em conformidade com um espécimen elaborado pelo segurador, podendo, contudo, o contrato de seguro prever que este dever seja assumido pelo segurador.

4. Não tendo sido convencionado que o dever de comunicar as alterações contratuais competia à Ré seguradora, esse dever recaía sobre o tomador.

5. Assim, apesar de se verificar um incumprimento deste dever pelo toma­dor de seguro, as cláusulas aditadas com a alteração são operantes e pode o seu conteúdo ser oposto pela seguradora aos segurados.

Decisão Texto Integral:      

            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

           

 A... , residente na (...) , Almeida e B... , residente na (...) , Almeida, intentaram a presente acção contra a Companhia de Seguros C... , S.A., com sede no (...) , Lisboa, pedindo que:

- seja a ré condenada a pagar aos autores o montante de € 100 670,02, correspondente à garantia principal e complementar do seguro;

- seja a ré condenada a pagar aos autores juros já vencidos no montante de € 3 300,00 e vincendos até integral pagamento;

- seja a ré condenada a restituir aos autores o valor dos prémios de seguros pagos após a morte de D... e respectivos juros à taxa legal em vigor.

Alegam, para tanto, que a autora e o seu falecido marido, funcionário da G... , aderiram aos seguros do ramo vida grupo, subscrevendo para tanto a respectiva apólice, tendo a seguradora aqui ré garantido o pagamento do capital seguro em caso de morte ou invalidez permanente de qualquer dos segurados e figurando como tomador do seguro os Serviços Sociais da G... .

Mais alegam que tal seguro é de adesão facultativa e que sempre procederam ao pagamento do respectivo prémio.

Acrescentam que o D... faleceu num acidente de caça, ocorrido dia 17 de Outubro de 2010, sendo o montante seguro, em tal data, de € 50 335,01, existindo, ainda, a garantia complementar de morte por acidente de igual montante e sendo válido o contrato de seguro em causa.

Todavia, tendo sido solicitado pela autora o resgate da quantia segurada, a ré informou que não iria proceder ao respectivo pagamento, não tendo, no entanto, qualquer fundamento legal para tal recusa, não existindo qualquer cláusula de exclusão.

Alegam, ainda, que nunca lhes foi comunicada qualquer alteração às condições da apólice e, por outro lado, que a morte do falecido não ocorreu por alcoolismo.

Concluem pela procedência da acção e requerem a intervenção provocada dos Serviços Sociais da G... , como associada dos autores, dado que no contrato de seguro corresponde à apólice (...) , figura como tomador do seguro.

***

A ré veio contestar a presente acção, por excepção, sustentando, desde logo, que tendo em conta a análise toxicológica feita ao sangue do sinistrado, que revelou uma TAS de 1,48 g/l, encontra-se a cobertura por morte excluída do âmbito do contrato de seguro em causa, não sendo, por esse motivo, a ré responsável pelo pagamento das quantias peticionadas.

Isto porque, contrariamente ao alegado pelos autores, nas condições particulares da apólice se refere, para além do mais, que o contrato se regula pelas “Condições Gerais do Seguro de Vida Grupo” e pelas condições particulares da apólice, e que as Condições Gerais excluem a garantia pretendida.

Acrescentam que por força da entrada em vigor do novo regime jurídico do contrato de seguro, aprovada pelo DL 72/2008 de 16 de Abril, a ré informou, nos termos e para os efeitos do respectivo artigo 3º nº 2 2ª parte e artigo 186º, a tomadora do seguro da actualização das condições contratuais aplicáveis à apólice a partir da renovação subsequente, sendo do tomador do seguro a obrigação de informar os segurados sobre as coberturas contratadas e suas exclusões, nos termos do artigo 78º do citado diploma.

Nenhuma falta pode ser imputada à ré, que cumpriu todos os deveres de informação e todas as suas obrigações.

Mais alega que o falecido, ao caçar com a taxa de álcool apresentada, tal determinava que não estivesse no gozo das suas capacidades, nem em condições de o fazer com destreza e segurança, pelo que foi a taxa de álcool que pôs em perigo, no caso, a sua vida e provocou a sua morte.

Por outro lado, alega, ainda, que mesmo que se entendesse não ter sido feita a comunicação da alteração, como pretendem os autores, a mesma não era, sequer, necessária, na medida em que sempre estaria excluída a responsabilidade, sob pena de nulidade da cláusula que previsse a mesma por nulidades, por força do artigo 280 do CC, na medida em que seria proibido segurar um acto criminoso, uma vez que o falecido, tendo uma TAS de mais de 1,2 g/l, procedia ao exercício da caça, transportando consigo uma arma.

Impugna o demais alegado pelos autores e conclui pela improcedência da acção.

***

A autora veio apresentar réplica, alegando que nem a ré, nem a tomadora do seguro informaram os autores ou o falecido de qualquer alteração contratual do contrato de seguro em causa.

No que respeita às circunstâncias da morte, referem que não é verdade que tenha sido vitima de tiro da sua própria arma e que não tenha existido intervenção de terceiro, ou seja, que a morte ocorreu por acção ou omissão do próprio e, muito menos, que tenha sido provocada por alcoolismo.

Conclui pela improcedência das excepções invocadas pela ré e, quanto ao mais, como na petição inicial.

***

Foi admitida a intervenção principal provocada dos “Serviços Sociais da G... , S.A” como associada dos autores.

Com dispensa de audiência prévia, foi proferido despacho saneador tabelar, bem como despacho a identificar o objecto do litígio e os temas da prova.

Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, com recurso à gravação da prova nela produzida, após o que foi proferida a sentença de fl.s 664 a 748, na qual se fixou a matéria de facto considerada como provada e não provada e respectiva fundamentação e a final se julgou a presente acção improcedente, por não provada, com a consequente absolvição da ré do pedido, ficando as custas a cargo dos autores, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que lhes foi concedido.

Inconformados com a mesma, interpuseram recurso os autores, recurso, esse, admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (cf. despacho de fl.s 853), rematando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões:

1 - O Tribunal " a quo " deu como provada a factualidade constante dos pontos 21,22,24,25 e 26 da douta sentença, a qual deve, no entendimento da Recorrente, ser alterada e dada como não provada, pois as alterações contratuais não foram acordadas entre a Ré e o tomador de Seguros, nem dos Autos resultam documentos credíveis, apenas meras cópias cujas assinaturas se desconhecem, outras por assinar, nem forma notificadas aos Autores nem delas estes tiveram qualquer conhecimento.
2 - A douta sentença recorrida deveria ter dado como provado que o acidente que vitimou D... não teve como causa única e exclusiva a taxa de alcoolémia no momento da sua morte. Assim os factos dos pontos 39,40,41 e 42 (da matéria dada como provada), devem ser dados como não provados.

3 - Os factos constantes dos pontos 2,3,8,9 e 10 (da factualidade dada como não provada), devem ser dados como provados, ou

4 - Substituírem-se as respetivas repostas dadas pela resposta " A morte do infeliz D... não foi provocada, nem se deve por causa da taxa de alcoolémia que íhe foi encontrada no sangue no momento da sua morte.
5 - Deve dar-se como provado que a Ré não notificou o tomador de seguro das alterações introduzidas na apólice objeto dos presentes Autos.

6 - Deve dar-se como provado que o tomador de seguro, Serviços Sociais da G... não notificou os aderente, o falecido D... e sua mulher das alterações introduzidas na apólice objeto dos presentes Autos.
7 - A douta sentença recorrida padece de contradição ao dar como provados os factos constantes dos pontos 21,24,25 e 26 da (factualidade dada como provada).
8 - A Ré companhia de seguros tem a obrigação de indemnizar e não são aplicáveis quaisquer cláusulas de exclusão referentes à apólice objeto dos presentes Autos.
9 - Sendo o contrato de seguro um contrato formal, entendem os recorrentes que as alterações ao mesmo ocorridas posteriormente, mais concretamente por via da alteração do regime jurídico do seguro, deveriam ser notificada e informadas quer ao tomador de seguro, quer aos aderentes, revestindo uma forma formal, ou seja reduzidas a escrito as quais deveriam de ser notificadas aos aqui Autores (entenda-se ao falecido D... e esposa), contra a assinatura da sua receção, ou sendo as referidas alterações enviadas por correio, haveria que se demonstrar o seu envio e o comprovativo da sua receção, o que de todo não aconteceu.


10 - A Ré não se fez prova da data do envio do correio, nem para o tomador de seguro, nem para a pessoa segura, nem da recção do mesmo.

11 - A Ré não cumpriu o seu dever de informação corretamente e de forma adequada, quer quanto ao tomador de seguro, quer quanto às pessoas seguras, ou seja ao falecido D... e mulher, pelo que tal omissão faz com que as novas alterações recentemente introduzidas sejam consideradas não escritas e assim inoponíveis aos aderentes, pessoas seguras ( D... e sua mulher A... ). Sem prescindir;
12 - Os efeitos do incumprimento do dever de informação sobre o teor e o sentido das novas cláusulas contratuais, será questão a dirimir entre a Ré seguradora e a G... / Serviços Sociais, pois os aderentes no seguro de grupo são a parte débil no seguro de grupo e não podem ter menos proteção pelo fato de se terem vinculado à Ré seguradora, sob a promoção da G... / Serviços Sociais, tomador de seguro.
13- Os Serviços Sociais da G... atuaram como
intermediários da Ré seguradora perante o falecido D... e sua esposa, A... . A falta de informação que em primeira linha lhe incumbia, tem, como
consequência, a exclusão das novas cláusulas contratuais, tendo-se as mesmas como não escritas, inexistentes ou excluídas do contrato, vigorando a cobertura do seguro existente antes da entrada do novo regime jurídico dos seguros.

14 - A Ré seguradora deverá responder perante os segurados, o que resulta quer do princípio da boa fé, quer da consideração de que estando-se no domínio do direito do consumo, se deve proteger em primeiro lugar, a parte mais débil na relação contratual, o consumidor / Segurado.

15 - As cláusulas não comunicadas ou não informadas em termos adequados (artigos 5o e 6o do Dec. Lei 446/85), são inoponíveis aos aderentes (ao falecido D... e sua Esposa A... ), considerando-se assim excluídas dos contratos singulares.

16 - A douta sentença recorrida violou o disposto nos artigos 615, n.º 1 al. c) do C. P. Civil, artigo 227, 236 e ss do C. Civil e artigos l.º, 5.º ,8.º, 9.º,10.º e 11.º do Dec. Lei 446/85 de 26.10 e artigo 4o do Dec. Lei n° 176/95 de 26.07.

            Terminam, pedindo a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que condene a ré nos pedidos formulados.

            Contra-alegando, a ré, defende que a decisão recorrida deve ser mantida, com o fundamento em a prova ter sido bem apreciada e ter sido correctamente aplicada a lei, atenta a factualidade apurada, por, designadamente, ter cumprido todas as obrigações que sobre si impendiam, quanto aos deveres de informação relativamente à alteração das cláusulas contratuais do seguro em causa.

Como resulta do relatório que antecede, os recorrentes pretendem colocar em causa a decisão recorrida, no tocante à fixação da matéria de facto dada como provada e não provada, designadamente, no que se refere aos itens, 21, 22, 24 a 26 e 39 a 42, dos factos provados (que entendem deverem ser dados como não provados) e quanto aos itens 2, 3 e 8 a 10, da factualidade dada como não provada (que entendem dever passar a ser considerada como provada).

No entanto, o recurso, no que à matéria de facto respeita, não está conforme aos ditames legais aplicáveis, pelo que desde logo, em sede de questão prévia, importa apreciar a questão da rejeição do recurso de facto, com o fundamento em os recorrentes não terem cumprido o disposto no artigo 640.º, n.º 2, al.s a) e b), do NCPC (no que seguiremos de perto o por nós já decidido nas Apelações 299/09.7T2.AND.C1, de 02/07/2013 e 1381/12.9TBGRD.C1, de 03/03/2015).

De acordo com este preceito, em caso de impugnação da matéria de facto e se trate da reapreciação de provas gravadas, sob pena de rejeição, deve o recorrente indicar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e com exactidão as passagens da gravação em que se funda.

            Ora, como resulta da acta da audiência de julgamento, procedeu-se à gravação dos depoimentos prestados, no sistema de gravação digital em aplicação informática, em uso no Tribunal recorrido.

            Assim, nos termos do disposto no supra citado artigo 640.º, o recorrente, em caso de recurso sobre a matéria de facto, para além da indicação dos concretos pontos de facto que se consideram incorrectamente julgados, tem de indicar, com exactidão, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, as passagens da gravação em que se funda o mesmo.

            Os recorrentes, cf. conclusões 1.ª a 6.ª (sendo que estas, como consabido e adiante se referirá, é que delimitam os termos do recurso), limitam-se a referir quais os factos que devem passar a ser considerados como provados ou não provados, sem indicar um único elemento probatório (testemunhal ou documental), em que fundam o seu recurso de facto.

Não obstante esta pecha, para não pecar de excessivo formalismo, (embora, como as seguir melhor se explicitará, a lei imponha que as conclusões fizessem alusão a tais fundamentos), e ainda que se tente “remediar” esta insuficiência mediante o recurso ao conteúdo das alegações, o problema mantém-se.

Efectivamente, analisando o que os recorrentes referem de fl.s 758 a 764, ainda assim, não se pode considerar que o seu recurso, no que concerne à matéria de facto, obedeça ao legalmente exigido para tal, uma vez que se limitam a referir-se, em bloco, a alguns depoimentos prestados, indicando apenas a referência Citius aplicada a cada um de tais depoimentos, sem que se refira qualquer transcrição da passagem dos depoimentos em que se fundam para suportar a sua discordância da decisão de facto, limitando-se, quanto ao mais, a afirmar que tais testemunhas disseram ou não disseram “isto ou aquilo”, mas sem que se possa aferir uma única afirmação “em discurso directo” que tenha sido produzida por qualquer das testemunhas em causa, tudo como resulta das conclusões apresentadas e transcritas na íntegra, apenas e tão só para que se possa apreender e melhor compreender o que ora se deixou dito.

            Isto é, na verdade, os recorrentes socorrem-se apenas e tão só dos depoimentos genéricos e globais de tais testemunhas, deles tirando as suas próprias conclusões, mas sem que indiquem uma única expressão que qualquer delas, directa e pessoalmente, tenha referido.

Sem que, em violação do disposto no artigo 640.º, n.º 2, al.a) do NCPC, “indiquem com exactidão as passagens da gravação em que se fundam”.

Para que melhor se compreenda e ilustre a situação que temos vindo a expor, passa a transcrever-se o que os recorrentes alegam quanto a tal, cf. fl.s 758 a 764, dos autos:

“O Tribunal " a quo ", para dar como provada a matéria constante dos pontos 21,24,25 e 26, parece ter dado credibilidade ao depoimento da testemunha apresentada pela Ré, seu funcionário, H... . O seu depoimento foi tendencioso, só se compreendendo por ser sua entidade patronal e assim pago por esta, pelo que no seu interesse teria de defender a todo o custo os interesses da Ré, como efectivamente aconteceu.

O depoimento desta testemunha encontra-se gravado no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal -20140404102130
A testemunha referiu em síntese que não deram conhecimento ao aderente do contrato de seguro dos presentes Autos, desconhecendo se os Serviços Sociais da G... o fizeram ou não.
A testemunha no seu depoimento também não esclareceu a forma como foram negociadas as alterações à referida apólice e a forma como foram informados os Serviços Sociais da G... , não sabendo esclarecer o fato de existirem documentos referentes à pretensa notificação sem os mesmos se mostrarem assinados, juntos passados dois anos depois, e só no decurso da ação aparecem meras cópias sem qualquer comprovativo de envio.
Questionado diretamente pela Meretíssima Juiz a senhora testemunha referiu " não saber quando os serviços sociais da G... assinaram os referidos documentos referentes à notificação e alteração da apólice.

Do depoimento da testemunha resulta claro que a Ré não juntou qualquer documento comprovativo da notificação das alterações introduzidas à apólice objeto dos presentes Autos aos serviços sociais da G... .
Todo o restante depoimento, com o devido respeito por outra opinião foi um depoimento tendencioso não podendo merecer qualquer credibilidade do Tribunal!

Os documentos existentes nos Autos são meras cópias, alguns sem qualquer assinatura, documentos que foram em devido tempo impugnados pelos Autores, pelo que o Tribunal " a quo " deveria ter dado como não provados os factos constantes dos pontos 21, 22, 24,25 e 26 da motivação da douta sentença.

6 - Os Autores no artigo 42° da sua P. Inicial alegaram " De referir que nunca os Autores, ou o falecido D... foram informados pela Ré C... ou pelo tomador de seguro, Serviços Sociais da G... , de qualquer modificação do âmbito da cobertura do seguro titulado pela apólice n° (...) ."
Perante tal alegação o ónus da prova recaiu sobre a Ré Seguradora, o que não logrou provar.

A douta sentença recorrida adotou diferentes pesos e medidas, pois deu parte de tal factualidade como provada no ponto 27 dos factos provados " A seguradora aqui ré não informou D... (nem a sua mulher) de qualquer alteração contratual no contrato de seguro",
Mas deu como não provado, ponto 11 dos fatos dados como não provados “O tomador de seguro, Serviços Sociais da G... , não informou D... { ou a sua mulher ) da alteração contratual no contrato de seguro”.

Como atrás se deixou dito o ónus da prova recaía sobre a Ré C... , o que não logrou provar, além de contrariar frontalmente a informação prestada pelo interveniente Serviços Sociais da G... , pois este foi claro ao afirmar nos Autos " não ter ou possuir documento comprovativo peio qual tenha notificado o aderente D... ou os aqui Autores das alterações introduzidas", aquando da notificação para juntar aos Autos comprovativo de tal notificação.
Andou mal o Tribunal " a quo " ao dar como não provado o fato elencado no ponto 11 dos fatos dados como não provados, pois perante a prova produzida outra não poderia ser a decisão senão dar como provado tal fato, ou seja " O tomador de seguro, serviços sociais da G... , não informou o D... (nem a sua mulher) de qualquer alteração contratual no contrato de seguro", pelo que se impugna assim tal decisão, impondo-se dar como provado o fato vertido no ponto 11 da factualidade dada como não provada.

A douta sentença recorrida deu como não provado a factualidade vertida no ponto 9 dos factos dados como não provados " Ainda que o falecido D... não fosse portador de qualquer taxa de alcoolémia, o acidente ter-se-ia verificado". Assim decidindo contraria o depoimento das testemunhas E... , depoimento que se encontra gravado no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal - 2014304202659, o qual referiu que o terreno era inclinado, escorregadio, bem como o depoimento das testemunhas I... , depoimento gravado no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal - 201403041, referindo a inclinação do terreno, arbustos de pequeno porte e raízes e troncos resultantes de incêndios há alguns anos a esta parte, o que também resulta do depoimento da testemunha J... depoimento gravado no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal - 20140304160023, bem como do depoimento da testemunha arrolada pela Ré, L... , o qual depôs com clareza quanto às condições do terreno " terreno escorregadio, musgo, vegetação rasteira, giestas, estevas carrascos, com declive, no qual também escorreguei quando me aproximava da vítima "depoimento gravado no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal - 20140304161902.

O Tribunal " a quo " na douta sentença recorrida, perante a prova produzida na audiência de discussão e julgamento, bem como da prova documental junta, deveria ter concluído e dado como não provado que o acidente que vitimou a infeliz vítima D... , não teve como causa única e exclusiva a taxa de alcoolémia no momento da sua morte, pelo que desta forma se deixa impugnada a matéria dada como provada nos pontos 39, 40, 41, 42 dos fatos dados como provados, bem como a matéria dada como não provada constante dos pontos 2, 3, 8, 9 e 10 dos factos dados como não provados, na medida em que o acidente se poderia ter verificado com qualquer pessoa naquelas condições de tempo modo e lugar, com ou sem taxa de alcoolémia, pois as circunstâncias em, que o mesmo ocorreu ficaram por apurar, aliás como a douta sentença também, embora noutro contexto lhe faça referência.
Com o devido respeito por opinião diversa, os recorrentes não aceitam, antes impugnam que o acidente que vitimou o infeliz D... se tenha devido ao facto de ser portador da taxa de alcoolémia referida nos presentes Autos, quando muito poderiam ter existido várias causas que poderiam ter originado o dito acidente.

A matéria dada com provada nos pontos 39,40,41,42 dos factos provados, bem como a matéria dada como não provada nos pontos 2, 3, 8,9 e 10 dos factos dados como não provados, deve ser substituída apenas pela resposta " A morte do infeliz D... não foi provocada, nem se deu por causa da taxa de alcoolémia de l,48g que lhe foi encontrada no sangue no momento da sua morte.

Ainda;
Sendo o contrato de seguro um contrato formal, entendem os recorrentes que as alterações ao mesmo ocorridas por via da alteração do regime de seguro, após 2010, também deveriam ser formais, ou seja, além de terem de ser reduzidas a escrito, estas alterações teriam de ser notificadas aos aqui Autores ( D... e sua mulher) por uma via formal, ou seja, entregando tais alterações ao tomador de seguro e à pessoa segura contra a assinatura da sua receção, ou sendo as referidas alterações enviadas por correio, haveria que demonstrar o seu envio e o comprovativo da sua receção, o que de todo não aconteceu, sendo obrigação da seguradora e do tomador de seguro, até porque como a testemunha H... referiu pertencem à mesma holding, ou seja ao mesmo grupo económico!

A Ré não fez prova da data do envio do correio, nem para o tomador de seguro, nem para a pessoa segura.

A Ré não fez prova do envio do referido correio, nem da receção do mesmo, pelo que as meras cópias juntas aos Autos não são aptas, para com base nelas, se dar como provado que a Ré cumpriu o seu dever de informação, quer quanto ao tomador de seguro, que quanto à pessoa segura, ou seja ao falecido D... .

Por este motivo, também o Tribunal " a quo ", não poderia dar como provado que o tomador de seguro foi notificado das alterações das referidas apólices, pelo que a matéria constante dos pontos 25 e 26 da matéria dada como provada, deveria ter sido dada como não provada!

Ainda e sem prescindir;
7 - No entendimento dos Recorrentes impõe-se ainda a alteração à matéria dada como provada nos pontos 39, 40 e 41 dos factos dados como provados, tendo em conta a produção da globalidade da prova, pois o Tribunal " a quo" não pode deitar mão a uma presunção para prova de tais fatos, pois as presunções enquanto meios de prova não podem eliminar as regras do ónus da prova nem são meio admissível para alterar a resposta aos factos e não podem servir para inferir um facto que se deu como não provado. Neste sentido, Ac STJ n° 1135/10.7 TVLSB. LI SI. 7a Secção de 11/12 /2012. A resposta a tais factos deve ser - Não Provados -, passando estes a elencar a matéria não provada.
8 - Os Autores alegaram no artigo 47° da sua P. Inicial " o facto de no momento da sua morte o D... ter uma taxa de alcoolémia no sangue de 1.48 g/l, não significa por si só, que a sua morte tenha sido devida a açao originada em alcoolismo".

Tal factualidade no entendimento dos recorrentes deveria ter sido dada como provada pelo Tribunal " a quo ", pois à Ré recorrida competia o ónus da prova e de alegar factos que permitissem ao Tribunal estabelecer o nexo ou relação de causalidade adequada entre a morte de D... e a taxa de alcoolémia, o que não fez.

Mesmo que o Tribunal "a quo" tivesse dado como não provado o facto "uma taxa de alcoolémia de 1.48 g/l para uma pessoa com as caraterísticas físicas do D... , não ser suscetível, por si só, de retirar a consciência ao seu portador, ou qualquer capacidade cognitiva (ou entendimento), percetiva, visual ou de equilíbrio",

Também o contrário não poderia se dado como provado, ou seja que a taxa de alcoolémia de l,48g/l, para uma pessoa com as caraterísticas físicas do falecido D... , é suscetívei, por si só, de retirar a consciência ao seu portador, ou qualquer capacidade cognitiva (ou de entendimento), percetiva, visual ou de equilíbrio.
Assim, e também por esta razão impõe-se a modificação / exclusão da matéria dada como prova constante dos pontos 39,40 e 41° da factualidade dada como provada e eíencá-la na factualidade dada como não provada.

9- No modesto entendimento dos recorrentes e sempre com o devido respeito por
melhor e douta opinião, o Tribunal " a quo " deveria ter dado como provado que a Ré
seguradora não notificou o tomador de seguro das alterações introduzidas à apólice objeto dos presentes Autos, aos Recorrentes não foi dado qualquer conhecimento de tais
alterações, nem pela Ré, nem pelo interveniente Serviços Sociais da G... , além de se deveria ter dado como provado, como atrás se defendeu que o
malogrado acidente se não deveu à taxa de álcool encontrada no sangue do falecido D... .”.

A alegação dos recorrentes, que ora se transcreveu, ilustra bem, salvo o devido respeito, que estes não cumpriram com o ónus em apreciação, reforçando a conclusão de que se trata de uma “apreciação em bloco”, fundada nas suas próprias apreciações que fazem dos depoimentos prestados e não alicerçada em concretas afirmações das testemunhas, a fim de que se possa sindicar o julgamento efectuado em 1.ª instância e para que a contra-parte, se possa defender e pronunciar acerca desta pretensão recursiva, em face do seu carácter genérico.           

Consequentemente, tem de concluir-se que o seu recurso, em sede de impugnação da matéria de facto, não obedece aos critérios expostos no referido artigo 640.º, n.º 1, al.s a) e b) e n.º 2, al. b), do NCPC, pelo que tem de ser, imediatamente rejeitado, sem que exista lugar a qualquer despacho de aperfeiçoamento – neste sentido, veja-se Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, Novo Regime, Reimpressão, Almedina, Fevereiro de 2008, pág.s 141 a 143 e F. Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos Em Processo Civil, 6.ª edição, Almedina, Setembro de 2005, a pág. 171, último parágrafo e nota 354.

            Também o STJ, se pronunciou no sentido de que o incumprimento do ónus de alegação em causa, conduz à imediata rejeição do recurso, por último, nos seus Acórdãos de 15/09/2011, Processo 1079/07.0TVPRT.P1.S1, in http://www.dgsi.pt/jstj e de 23/11/2011, in CJ, STJ, Ano XIX, Tomo III/2011, a pág. 126 e seg.s.

            Como refere Abrantes Geraldes, ob. cit., a pág.s 142 e 143, as exigências contidas nos preceitos em referência devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor e visando impedir que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação inconsequente de inconformismo.

            E, como se salienta, nos Arestos do STJ ora citados, só exigindo-se o fundamento da discordância, se apontem as passagens precisas dos depoimentos que fundamentam a concreta divergência, que se explique em que é que os concretos depoimentos contrariam o julgamento da matéria de facto operado no Tribunal recorrido, se dará cabal cumprimento ao princípio do contraditório, só assim se permitindo à parte contrária a possibilidade de contrariar os argumentos invocados pelo recorrente.

            Compulsando o teor das alegações e conclusões de recurso (que transcrevem e reproduzem aquelas, no que a esta questão respeita), tem de concluir-se que os recorrentes, manifestamente, não cumpriram o ónus imposto pelo artigo 640.º, n.º 1, alíneas a) e b) e n.º 2, al. b), do NCPC, o que acarreta a rejeição do recurso no segmento relativo à matéria de facto, nos termos ali constantes.

            Também as referências genéricas que se fazem ao conteúdo de documentos, são insuficientes para que se possa apreciar o presente recurso, na sua vertente de fixação da matéria de facto provada e não provada.

Os documentos são meios de prova constantes do processo, mas para se fundamentar o recurso de facto com base no seu teor não basta alegar, genericamente, que os mesmos apontam num ou noutro sentido.

Efectivamente, é preciso especificar o porquê de os mesmos levarem a um diferente juízo do efectuado em 1.ª instância, como resulta do disposto no artigo 640.º, n.º 1, al. b), do NCPC, com excepção, claro está, de se tratar de documento autêntico desconsiderado e que faça prova plena de um facto dado, não obstante isso, como não provado ou um documento superveniente que imponha diversa decisão – cf. artigo 662.º, n.º 1, do NCPC (antigo 712.º, n.º 1, b) e c), o que não é o caso.

            Ora, como resulta de fl.s 681 a 685, a M.ma Juiz a quo apreciou cada um dos documentos ali referidos e explicou, justificando ao longo dessas páginas, o porquê da análise em termos probatórios relevantes que deles fez e decidiu em conformidade.

            O desacordo dos recorrentes não pode resumir-se a considerar que, por terem sido impugnados e serem meras cópias não podem bastar para que se dêem alguns factos como provados, sendo-lhes imposto o ónus de indicar os fundamentos da sua discordância, até para a contra-parte poder exercer o contraditório.

            O facto de o recurso de facto se fundamentar, também ou apenas, na prova documental, não afasta o ónus de a respectiva motivação ser fundamentada, sob pena se desvirtuar o intuito do legislador ao regulamentar o respectivo regime que teve em vista facultar às partes uma maior e mais real possibilidade de reacção contra eventuais erros do julgador na livre apreciação das provas e na fixação da matéria de facto relevante para a solução jurídica do pleito, tendo o recorrente o ónus de os apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso, decorrendo este especial ónus de alegação do recorrente dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa fé processuais, assegurando, em última análise, a seriedade do próprio recurso intentado – como resulta do Preâmbulo do DL 39/95, de 15/2 e o refere Abrantes Geraldes, ob. cit., a pág. 143, nota 195.

            Pelo que se rejeita o recurso interposto no que se refere à matéria de facto, em função do que se mantém a factualidade dada como provada e não provada em 1.ª instância.

Colhidos os vistos legais, há que decidir.

            Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigo 635, n.º 4 e 639.º, n.º1, do NCPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, são as seguintes as questões a decidir:

            A. Se a sentença recorrida padece de contradição ao dar como provados os factos constantes dos pontos 21, 24, 25 e 26, da factualidade dada como provada e;

            B. Se se mantém a obrigação da ré em assumir o pagamento o capital segurado ou se, ao invés, tal obrigação é afastada pela verificação da cláusula de exclusão, prevista no item 5.1 das Condições Gerais.

É a seguinte a matéria de facto dada por provada na decisão recorrida:

1. A autora A... casou catolicamente com D... em 11 de Agosto de 1979, sem convenção antenupcial.

2. Do casamento da Autora atrás referido, nasceram os filhos B... , maior de idade e F... , menor de idade.

3. O casamento entre a Autora e D... foi dissolvido por morte deste, ocorrida em 17/10/2010.

4. D... faleceu em 17 de Outubro de 2010, com 53 anos de idade.

5. O falecido D... foi funcionário da G... desde data não concretamente apurada, mas, pelo menos desde 1991, até à data do seu óbito.

6. Entre os “Serviços Sociais da G... ”, como segurado e a aqui ré, na qualidade de seguradora, foi celebrado o denominado de “Ramo de Vida-Seguros de Grupo”, em 3 de Maio de 1990, constando do mesmo que as pessoas seguras são os empregados da segurada e respectivos cônjuges, que satisfaçam as condições definidas no artigo 2º das Condições Especiais da Cobertura Principal.

7. Nos termos de tal contrato, o mesmo tem início às zero horas do dia 1 de Janeiro de 1990, sendo o dia 1 de Janeiro de cada ano a data aniversária para a sua renovação.

8. Na qualidade de funcionário da G... , o falecido D... subscreveu a apólice nº (...) , da ré Companhia de Seguros C... , de seguro denominado de “Ramo Vida-Seguros de Grupo”, juntamente com a sua esposa, aqui autora A... .

9. No contrato de seguro atrás referido, figura como seguradora a ré Companhia de Seguros C... , S.A., como tomador do seguro, os “Serviços Sociais da G... ” e como pessoas seguras a autora A... e o seu falecido marido D... .

10. Tal seguro cobre o risco de morte e de invalidez, garantindo o pagamento do capital seguro em caso de morte ou invalidez.

11. O capital seguro para as garantias de morte ou de invalidez incluídas neste contrato corresponde a 100% do valor do capital seguro.

12. Tal seguro, correspondente à apólice nº (...) , tinha um capital seguro no valor de € 33 556,64, figurando como beneficiária a aqui autora A... , em caso de vida, e em caso de morte o seu falecido marido, D... e o filho de ambos, também aqui autor, B... ; e ainda o capital seguro de € 50 333,01, do qual era beneficiário o falecido D... , em caso de vida deste e, em caso de morte, os aqui autores A... e B... .

13. A ré obrigou-se perante tal contrato a pagar aos beneficiários o capital seguro, o qual poderia ser correspondente a um, dois ou três capitais consoante o tipo de risco que se viesse a verificar, sendo que a garantia de morte por acidente corresponde, nos termos de tal contrato, a dois capitais.

14. O falecido D... e a autora procederam à adesão ao referido seguro, tendo a sua adesão sido aceite pela ré Companhia de Seguros C... , respectivamente em 01/07/1991 e 01/10/1991.

15. No termos do mesmo acordo, em caso de morte ou invalidez total e permanente de cada pessoa segura, são beneficiários as pessoas designadas no respectivo Boletim de Participante, ou na falta destas, os herdeiros legais da pessoa segura em caso de morte, e a pessoa segura em caso de Invalidez.

16. A constituição da apólice (...) é de adesão facultativa, podendo aderir à mesma os funcionários da G... , e data de 01/01/1990, vigorando pelo período de um ano e seguintes, renovável anualmente em 1 de Janeiro.

17. Com a subscrição ou adesão ao contrato de seguro em questão, a autora e o D... ficaram obrigados a pagar o prémio relativo a esse seguro, o que sempre foi feito pontualmente.

18. Nas Condições Gerais do Contrato, na apólice primitiva, no que respeita à cobertura principal, no capítulo de Exclusões, do artigo 4º, nº 1, constava que:

1 – Os riscos de morte ou de invalidez não se consideram cobertos quando devidos a:

a) Acto intencional do Segurado, das pessoas seguras ou dos beneficiários.

b) Suicídio de qualquer das pessoas seguras ou sua tentativa, desde que verificado até dois anos após a inclusão no contrato. Sendo ampliadas as garantias, o prazo de dois anos será, no que se refere à ampliação, contado a partir da alteração introduzida. Se houver interrupção da cobertura este prazo é contado a partir da última integração.

c) Operações de campanha quando a pessoa segura, fazendo parte das forças armadas ou militarizadas, nelas entrar.

d) Desastre de aviação, salvo sendo a pessoa segura passageiro de avião de carreira comercial ou em avião militar de transporte de passageiros, desde que munidos de certificado de navegabilidade válido.

19. Nas condições especiais da cobertura principal do contrato, na apólice primitiva, não constavam quaisquer cláusulas de exclusão de responsabilidade.

20. Nas condições especiais da cobertura complementar de morte por acidente constava inicialmente, no seu artigo 3º o seguinte: “Exclusões – Além das exclusões referidas no artigo 4º da Condições Gerais, fica ainda excluído o risco de morte resultante de: (...) 2. Acções da pessoa segura originadas por alcoolismo ou uso de estupefacientes, salvo neste último caso quando prescritos por médico (…).

21. A Seguros C... comunicou, por escrito, à G... , S.A., em 30.10.2009, a actualização das condições contratuais supra referidas, fazendo constar em tal carta: “Assunto: Apólice nº5 000 449-Ramo Vida Grupo-Actualização das Condições Contratuais aplicáveis nos termos e para os efeitos previstos no artigo 3º nº2 do DL 72/2008 de 16 de Abril. Exmos. Srs. No passado dia 1 de Janeiro do corrente ano entrou em vigor o novo regime jurídico do contrato de seguro aprovado pelo Decreto Lei 72/2008 de 16 de Abril. Com vista à aplicação plena das disposições do mencionado regime ao contrato de seguro titulado pela apólice em epígrafe, remetemos a V.Exa nos termos e para os efeitos previstos no artigo 3º nº2 do diploma em causa, as condições contratuais que serão aplicáveis a partir da próxima renovação à apólice supra-identificada (…)”.

22. A ré “Seguros C... ”, enquanto seguradora e os “Serviços Sociais da G... , S.A.”, enquanto tomador do seguro, subscreveram, em 30.10.2009, a denominada de “Acta Adicional nº 1/2009”, referente á apólice (...) , da qual consta o seguinte: “Com vista á aplicação plena das disposições do novo regime jurídico do contrato de seguro aprovado pelo DL 72/2008 de 16 de Abril procedemos à actualização das condições contratuais.

Pela presente acta adicional passam a vigorar as Condições Gerias e Particulares em anexo que anulam ou substituem as anteriores com efeito a partir das datas a seguir mencionadas:

01/01/2009 para adesões com data de início a partir de 01/01/2009

01/01/2010 para adesões com data de início anterior a 01/01/2009.

Anexa-se igualmente um espécime da Nota Informativa em vigor por forma a permitir o cumprimento por parte do tomador de Seguro do dever de informação aos aderentes que lhe cabe por força do artigo 78º do Decreto Lei supra referido.

Esta acta é redigida, assinada e trocada entre as partes.

Lisboa 30 de Outubro de 2009

O Tomador do Seguro O Segurador

(assinado) (assinado)

23. Foram subscritas pela interveniente “Serviços Sociais da G... ”, na qualidade de tomador do seguro e pela ré na qualidade de seguradora, em 30 de Outubro de 2009, as denominadas “Condições Particulares do Seguro de Vida Grupo- apólice (...) ” (“novas” condições contratuais), do qual constam as seguintes cláusulas:

É celebrado o presente contrato de Seguro Vida Grupo, 100% contributivo, que se regula pelas Condições Gerais do Seguro de Vida Grupo-Temporário Renovável e por estas Condições Particulares da apólice de harmonia com as declarações constantes da proposta que lhe serviu de base e que dela faz parte integrante.

1º- O presente contrato de seguro cobre os riscos de morte e invalidez garantindo o pagamento ao beneficiário designado do capital seguro em caso de morte ou invalidez.

2º São pessoas seguras os colaboradores e respectivos cônjuges desde que satisfaçam as seguintes condições: (…)

3º Em caso de morte ou invalidez total e permanente de cada pessoa segura são beneficiárias as pessoas designadas no respectivo Boletim de Participante, ou na falta destas, os herdeiros legais da pessoas segura em caso de morte, e a pessoa segura, em caso de invalidez.

4º O que está coberto: 1. O contrato de seguro abrange as seguintes garantias:

a) Garantia principal – morte por doença ou acidente

b) Garanta Complementar- morte por acidente.

A garantia corresponde a um capital adicional de 100% do capital seguro(…)

Capital seguro:

O capital seguro para as garantias de morte ou invalidez incluídas neste contrato corresponde a 100% do valor do capital seguro informado ao Segurador no início do contrato. O prémio será calculado sobre o capital seguro de cada cobertura (…).

24. Para os “Seguros de Vida Grupo-Temporário Anual Renovável (Apólice (...) )”, a ré “ C... - Companhia de Seguros” e os “Serviços Sociais da G... ” acordaram em proceder à alteração das condições contratuais, passando a constar, para além do mais, nas Condições Gerais, as exclusões aplicáveis a todas as coberturas, nos seguintes termos:

“(…) 5.1 Estão sempre excluídas do âmbito de todas as coberturas do seguro as seguintes situações:

a) Acções ou omissões dolosas ou grosseiramente negligentes praticadas pela pessoa segura, tomador do seguro ou beneficiários, bem como por aqueles pelos quais sejam civilmente responsáveis;

b) Acções ou omissões praticadas pela pessoa segura quando acuse consume de produtos tóxicos, estupefacientes e outras drogas fora de prescrição médica, bem como quando lhe for detectado um grau de alcoolémia no sangue superior a 0,5 gramas litro.

(…)

5.3 Estão igualmente excluídos, de todas as coberturas complementares, salvo convenção em contrário, constante das condições particulares ou do certificado de adesão, os sinistros devidos a:

a (…)

b. Suicídio ou tentativa de suicídio.(…)

25. A ré informou o tomador do seguro, Serviços Sociais da G... , da actualização das condições contratuais aplicáveis à apólice nº (...) por força da entrada em vigor do DL 78/2008 de 16 de Abril, a partir da renovação subsequente.

26. A ré informou o tomador do seguro de alterações relativamente a informações prestadas aquando da celebração do contrato, que possam ter influenciado na sua execução.

27. A seguradora aqui ré não informou D... (nem a sua mulher) de qualquer alteração contratual no contrato de seguro.

28. No dia 17 de Outubro de 2010, cerca das 10 horas e 50 minutos, no (...) , Almeida, o D... foi encontrado já cadáver por E... .

29. D... foi vítima de um acidente quando caçava.

30. Do relatório da autópsia, que foi efectuado no dia 1 de Março de 2011 no Gabinete Médico Legal da Guarda, consta o seguinte: “No dia 17/10/2010, cerca das 10 horas e 50 minutos foi comunicado a esta polícia que apareceu morto numa zona rural de caça – Quinta do (...) no Concelho de Almeida. Caçava com um amigo de longa data, o qual ia uns metros à frente e sentiu um disparo, tendo entre voltado para trás encontrado o seu amigo já sem vida, com a caçadeira junto ao corpo e com ferimento na cabeça resultante do disparo antes ouvido. Na sala de autópsia foi feita pela Polícia Judiciária, recolha de pólvora e metais nas mãos (…).

(…) O presente caso de autópsia revelou lesões traumáticas craneo-meningo-encefálicas, produzidas por arma de fogo (tiro de caçadeira) com um orifício de entrada na transição da região occipito-temporo-parietal direita.Face às características das lesões traumáticas a morte terá ocorrido de forma imediata. A direcção seguida pelo tiro foi de baixo para cima e da direita para a esquerda. As lesões cutâneas observadas (qurimaduras da pele e de negro de fumo) denotam que os canos da caçadeira estiveram em contacto com a zona atingida pelo disparo.

No caso em apreço é de salientar que foi atingida região que aloja órgãos essenciais à vida, por projéctil de arma de fogo plenamente adequado a produzir as lesões mortais (…)

31. As conclusões do mesmo relatório da autópsia são as seguintes:

1ª - A morte de D... foi devida às lesões traumáticas crâniomeningo- encefálicas.

2ª - Tais lesões traumáticas constituem causa adequada de morte.

3ª - Estas lesões traumáticas são compatíveis com as produzidas por tiro de arma de fogo de cano longo.

4ª - O trajecto seguido pelo projéctil foi de baixo para cima e da direita para a esquerda e de trás para a frente.

5ª - Médico-legalmente nada se opõe à etiologia de acidente referida na informação.

6ª Foram encontrados sinais de disparo a curta distância.

7ª A análise toxicológica feita ao sangue revelou uma taxa de alcoolemia que era de 1,48 gramas por litro no momento da morte.

8ª - As restantes análises toxicológicas não revelaram a presença das restantes substancias pesquisadas.”

32. A Polícia Judiciária participou esta ocorrência ao Ministério Público da Comarca de Almeida, tendo sido aberto inquérito que ali correu termos sob o nº 213/10.7JAGRD, no qual foi proferida decisão de arquivamento dos autos nos termos do nº 2 do artigo 277 do Código de Processo Penal, com o fundamento no facto de a factualidade apurada ser insusceptível de consubstanciar a prática de qualquer ilícito criminal.

33. No despacho de arquivamento atrás referido consta: “(…) Ora, tendo em conta os factos apurados, designadamente através do relatório fotográfico, os documentos juntos, as declarações das testemunhas e a autópsia médico-legal, não havendo nos Autos outros dados que o infirmem, tudo aponta no sentido de que o falecido D... tenha sofrido um acidente com a sua própria caçadeira, sem intervenção de terceiros, tendo sido esta a causa da sua morte …Nestes termos, observa-se que não existe qualquer ilícito que leve à suspeita de que a morte de D... se tenha ficado a dever a qualquer intervenção de terceiros, à prática de qualquer crime, concluindo-se, isso sim, que a mesma se terá devido a acidente”.

34. D... faleceu na sequência de um tiro de arma de fogo de cano longo tipo caçadeira.

35. O trajecto seguido pelo projéctil que provocou a morte de D... , foi de baixo para cima, da direita para a esquerda e de trás para a frente, tendo sido disparado a curta distância.

36. Os canos da caçadeira estiveram em contacto com a zona atingida pelo disparo.

37. O tiro que provocou a morte de D... foi disparado pela caçadeira que E... trazia consigo, sem qualquer intervenção de terceiro.

38. No momento da sua morte o D... tinha uma taxa de alcoolémia no sangue de 1,48 g/l.

39. A taxa de álcool de 1,48 g/l, de que o falecido era portador, reduz a capacidade de vigilância, diminui a acuidade visual, estreita o campo visual e diminui os reflexos, aumentando o risco de sinistro na actividade da caça, com a utilização de armas.

40. Tal taxa afecta, no cérebro e no cerebelo, as capacidades cognitivas de antecipação, previsão e decisão e as capacidades perceptivas, nomeadamente visuais e de equilíbrio, assim como as capacidades de resposta motora.

41. D... , em face da taxa de alcoolemia que apresentava, tinha a capacidade de vigilância, a acuidade visual e as capacidades perceptivas e reflexos diminuídos.

42. A morte do D... não foi provocada por estupefacientes ou por acção sua originada por uso de estupefacientes.

43. O falecido D... nunca sofreu de qualquer patologia ou doença que fosse causada por, e/ou estivesse relacionada com consumo de bebidas alcoólicas ou estupefacientes.

44. O falecido era uma pessoa saudável, alegre e bem-disposta, gostava da vida e adorava viver, não lhe sendo conhecidas doenças.

45. O falecido E... , à data do seu falecimento não sofria, nem nunca sofreu anteriormente, de dependência de consumo de álcool / bebidas alcoólicas ou de estupefacientes.

46. À data do falecimento do E... , ou seja, em 27 de Outubro de 2010, o montante seguro era no valor de 50.335,01€ (cinquenta mil, trezentos e trinta e cinco euros e um cêntimo), renovando-se em 1 de Janeiro de 2011.

47. Por carta de 12 de Julho a seguradora aqui ré comunicou à autora o seguinte: “ Em resposta à documentação enviada por Vªs Exªs, na qual nos é solicitado o processamento de uma indemnização relativa aos empréstimos em epígrafe, lamentamos informar que não iremos procede ao pagamento de qualquer verba…..”

Factos Não Provados

1. D... foi funcionário da G... desde 1984.

2. A morte do D... não foi provocada por acção sua originada por uso de álcool.

3. Uma taxa de alcoolemia como a apresentada pelo falecido, para uma pessoa com as características físicas do falecido não é susceptível de por si só, retirar a consciência ao seu portador ou qualquer capacidade cognitiva, perceptiva, visual ou de equilíbrio ou de retirar a capacidade de entendimento.

4. D... não colocou, nem podia ter colocado, os canos da sua caçadeira em contacto com a sua cabeça.

5. O acidente não foi provocado pelo falecido D... .

6. Voluntária ou involuntariamente o falecido D... não poderia disparar um tiro, com uma arma caçadeira de canos longos por trás da sua cabeça, nem na parte lateral direita da sua cabeça, de baixo para cima e de trás para a frente.

7. O falecido, pela orientação do tiro, não poderia disparar sobre si próprio, nem poderia ter deixado cair a arma para trás de si, pelo que o acidente foi provocado por uma terceira pessoa, tendo o tiro fatal vindo de outra arma.

8. O acidente de caça não foi causado por acção ou omissão do falecido D... .

9. Ainda que o falecido D... não fosse portador de qualquer taxa de alcoolémia, o acidente ter-se-ia verificado.

10. Se não fosse a taxa de alcoolemia que lhe foi detectada, o sinistrado não teria colocado os canos da caçadeira “em contacto com a zona atingida pelo disparo” – zona da cabeça, antes teria tomado as precauções especialmente impostas a quem utiliza armas de fogo,

11. O tomador do seguro, Serviços Sociais da G... , não informou D... (nem a sua mulher) de qualquer alteração contratual no contrato de seguro.

12. O tomador do seguro, Serviços Sociais da G... , informou D... (ou a sua mulher) da alteração contratual no contrato de seguro.

***

O demais alegado pelas partes que não consta elencado na factualidade provada ou não provada contém matéria, repetida, irrelevante, conclusiva ou de direito.

A. Se a sentença recorrida padece de contradição ao dar como provados os factos constantes dos pontos 21 e 24 a 26, da factualidade dada como provada.

No que a esta questão concerne, alegam os recorrentes que não se entende haver a necessidade de comunicar ou informar por escrito a actualização da apólice em referência, por a mesma resultar de acordo entre a seguradora e a G... , o que, na sua óptica, acarreta a aludida contradição.

            Consta de tais itens que a ré seguradora comunicou por escrito à G... , em 30/10/2009, a actualização de algumas das condições contratuais, designadamente, no que toca à introdução/alteração das cláusulas de exclusão ali referidas.

Como se refere, entre outros, no Acórdão desta Relação de 22/2/2000, in CJ, ano XXV, tomo 1, a pág. 30 “… só há contradição de factos quando estes sejam absolutamente incompatíveis entre si, de tal modo que uns não possam coexistir com os outros”.

            Ora, in casu, os factos constantes em cada uma das respostas em causa não são incompatíveis entre si, não se auto-excluem, pelo que não se verifica a alegada contradição.

            Trata-se apenas da comunicação ali referida, exigida pela entrada em vigor da designada Lei do Contrato de Seguro (Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril), designadamente, em face do que consta do seu artigo 3.º, n.º 2, pelo que nada existe de contraditório na redacção de cada um de tais itens, os quais se referem, todos ao mesmo assunto – referida comunicação da alteração de algumas cláusulas contratuais.

            Assim, no caso em apreço, porque inexiste a apontada contradição, pelas razões ora apontadas, improcede tal conclusão do recurso.

B. Se se mantém a obrigação da ré em assumir o pagamento do capital segurado ou se, ao invés, tal obrigação é afastada pela verificação da cláusula de exclusão prevista no item 5.1 das Condições Gerais.

Quanto a tal, alegam os recorrentes, em resumo, que em virtude de a ré não ter comunicado aos aderentes ao seguro em causa, a alteração das condições de exclusão da sua responsabilidade, apenas o tendo feito relativamente ao tomador do seguro em causa, isso acarreta que tais alterações lhes sejam inoponíveis, em face do que se mantém a responsabilidade da ré, tal como previsto na redacção inicial do contrato de seguro que está na génese dos presentes autos e do qual não constavam as cláusulas de exclusão em apreço.

Mais alega que a obrigação da ré em lhes comunicar tais alterações, decorre do princípio da boa fé, por que se devem nortear as partes ao contratar e no cumprimento do acordado, bem como por aplicação do que se acha disposto no DL 446/85, que regula as CCG, por o contrato de seguro em apreço ser um contrato de adesão.

Na sentença recorrida, ao invés, considerou-se que se trata de um seguro de vida, de grupo, contributivo, do que decorre que não se lhe aplicam, em primeira linha, as regras previstas no referido DL 446/85, mas sim o que se acha, quanto a tal, previsto no DL 176/95, de 26 de Junho e, presentemente, no supra referido DL 74/2008, pelo que a obrigação de comunicação que impende sobre a ora ré seguradora, relativamente à alteração das cláusulas contratuais, apenas se verifica quanto ao tomador do seguro, incumbindo, posteriormente, a este, disso informar os segurados, tal como decorre do disposto no artigo 4.º, n.º 1, do citado DL 176/95, do que concluiu ser válida a cláusula de exclusão em dissídio.

Assente que assim é, concluiu-se, ainda, na sentença recorrida, que a factualidade dada como provada permite dar como assente que a mesma se enquadra na dita cláusula de exclusão, pelo que inexiste responsabilidade da ré nos pretendidos pagamentos e, em consequência, julgou-se a acção como improcedente.

Seguindo o que se referiu no Acórdão desta Relação, Processo n.º 1/12.6TBALD.C1, de 15 de Abril de 2015, disponível no respectivo sítio da dgsi, (que, também, respeita a processo com as mesmas ora partes e tendo na sua génese o mesmo evento, embora referente a outros contratos de seguro, com os mesmos intervenientes e aderentes), com o qual se concorda, há que ter em mente que o contrato de seguro de grupo caracteriza-se pelo facto da sua formação ocorrer em dois momentos distintos: num primeiro momento, é celebrado um contrato entre a seguradora e o tomador de seguro, e, num segundo momento, concretizam-se as adesões dos membros do grupo, contrato que se encontra definido no art.º 76º da L. C. S., a qual é aplicável às relações contratuais aqui em causa, nos termos do art.º 2.º, n.º 1, 2.ª parte, deste diploma.

Este tipo de contrato é celebrado entre a seguradora e o tomador de seguro que estabelecem entre si as condições de inclusão no grupo, as condições de seguro para os aderentes e só depois é que o tomador do seguro promove a adesão do contrato junto dos membros do grupo, assentando, por isso, numa relação tripartida, que tem como vértices do triângulo a seguradora, o tomador do seguro e o aderente – neste sentido, veja-se Paula Ribeiro Alves, Intermediação De Seguros E Seguro de Grupo Estudos De Direito Dos Seguros, Almedina, 2007, pág.s 289 a 295.

O seguro de grupo pode revestir as modalidades de contributivo e não contributivo, sendo contributivo quando os segurados suportem o pagamento do prémio devido pelo tomador, podendo ser acordado que os segurados paguem directamente ao segurador a sua parte do prémio – art.º 77º, da L. C. S..

Nos seguros de grupo contributivos, onde se insere o contrato aqui em apreciação, a lei, em disposição supletiva, onera o tomador do seguro, com o dever de informar os segurados sobre as coberturas contratadas e as suas exclusões, as obrigações e os direitos em caso de sinistro, bem como sobre as alterações ao contrato, em conformidade com um espécimen elaborado pelo segurador – art.º 78º, n.º 1, da lei referida –, podendo, contudo, o contrato de seguro prever que este dever seja assumido pelo segurador – n.º 3, do mesmo artigo.

Como já antes se referia no artigo 4.º do DL 176/95, de 26 de Junho e ambos estes preceitos se refere que o ónus da prova de tal comunicação compete ao tomador do seguro.

No seguro em discussão neste processo as exclusões da cobertura do mesmo foram alteradas em 1 de Janeiro de 2010, resultando dos factos provados que passaram a estar excluídas do âmbito de todas as coberturas do seguro as acções ou omissões praticadas pela pessoa segura quando acuse consume de produtos tóxicos, estupefacientes e outras drogas fora de prescrição médica, bem como quando lhe for detectado um grau de alcoolemia no sangue superior a 0,5 gramas litro, situação que até então, como já referido, não estava excluída da cobertura do seguro aqui em causa.

Destas alterações, conforme resultou provado, não foi dado conhecimento aos segurados.

Não tendo sido clausulado que competia à seguradora informar os segura­dos da alteração ocorrida, foi a tomadora – a G... , S.A., - que incumpriu esse dever, nos termos das disposições legais acima já citadas.

Será que esse incumprimento torna inoponível pela seguradora aos segura­dos a cláusula aditada?

Esta posição tem sido sustentada por diversos acórdãos das Relações (aí se incluindo os citados pelos recorrentes nas suas alegações de recurso), os quais defendem que a obrigação que recai sobre o tomador de informar os segurados sobre as coberturas e exclusões contratadas, as obrigações e direitos em caso de sinistro e as alterações posteriores que ocorram neste âmbito, em conformidade com um espécimen elaborado pela seguradora, tem uma eficácia confinada às relações dele com a seguradora, não valendo como uma transferência para o tomador da obrigação de informação para com o segurado, que a desresponsabilize perante este, impedindo-o de lhe opor a exclusão da cláusula não informada[1].

No entanto não foi essa a posição seguida pela decisão recorrida, nem é essa a posição dominante no S. T. J., quanto à questão, a qual já se colocava no domínio da lei anterior.

A este respeito consta, entre outros, do acórdão do S. T. J. de 25.6.2013, fundamentação que perfilhamos: [2]

Quanto ao primeiro aspecto, é incontroverso que tal dever de esclareci­mento do aderente recai sobre o banco/tomador de seguro; é este o regime que decorre expressamente do estatuído no art. 4º do DL. 176/95…

Note-se que este regime legal continua a vigorar, no essencial, no âmbito do DL 72/08 (art. 78º), apesar da preocupação, bem expressa no preâmbulo, de tutela acrescida dos aderentes no âmbito da regulamentação do seguro de grupo contributivo, ao afirmar-se: «Nos contratos de seguro de grupo em que os segurados contribuem para o pagamento, total ou parcial, do prémio, a posição do segurado é substancialmente assimilável à de um tomador de seguro individual. Como tal, importa garantir que a circunstância de o contrato de seguro ser celebrado na modalidade de seguro de grupo não constitui um elemento que determine um diferente nível de protecção dos interesses do segurado e que prejudique a transpa­rência do contrato».

Significa e implica este regime legal que, no caso, era efectivamente ao banco/tomador de seguro que cabia ter esclarecido adequadamente o aderente acerca do teor das cláusulas de exclusão incluídas no contrato: saliente-se que este regime especial, fundado na peculiar natureza e estrutura da figura do seguro de grupo, envolvendo uma relação triangular entre os interessados, se sobrepõe naturalmente (precisamente como regime especial que é) ao regime regra das cláusulas contratuais gerais, que impõe ao outro contraente (nos casos normais, que não tenham subjacente um seguro de grupo, obviamente a própria seguradora) a obrigação de comunicar e explicitar as cláusulas ao aderente; porém, no caso do seguro de grupo, este dever de comunicação e informação está legalmente posto a cargo do tomador de seguro, pelo que, em primeira linha, ele não incide sobre a seguradora, a menos que algo diferente resulte das estipulações das partes. Saliente-se, desde logo, que – como parece evidente – a seguradora res­ponde pelo incumprimento de quaisquer obrigações acessórias a que a lei a vin­cule…

Ora, assente que – no caso dos autos, perante os factos alegados – ape­nas está em causa o incumprimento pelo tomador de seguro da específica obrigação de informação e esclarecimento do aderente, prevista no nº1 do art. 4º do DL 176/95, importa determinar se tal incumprimento é susceptível de se projectar – e a que título – na esfera jurídica do outro interessado – a seguradora – em termos de ser oponível pelo aderente do seguro de grupo à seguradora a não vigência da dita cláusula, por não devidamente explicitada no momento da subscrição do contrato.

Significa isto que a responsabilidade acrescida da seguradora por um sinistro cujo risco não estaria contratualmente coberto só poderia assentar num fenómeno de responsabilização objectiva – já que, como se referiu, no caso dos autos se não vislumbra, perante a matéria de facto fixada, qualquer comportamento irregular ou deficiente que lhe possa ser subjectivamente imputado, com base num juízo de censura.

Não parece, porém, que esta visão prático-económica do fenómeno do seguro de grupo possa, sem mais, – num sistema normativo que não previa (e continua a não prever, apesar da regulamentação mais minuciosa que o DL 72/08 adoptou do seguro de grupo e da preocupação de acrescida tutela do segurado nos seguros contributivos – cfr. o disposto no art. 79º, remetendo para o plano geral da responsabilidade civil as consequências do incumprimento dos deveres de informa­ção legalmente previstos) a comunicabilidade à seguradora dos efeitos do incumpri­mento dos deveres legais de informação a cargo do tomador de seguro – alterar a estrutura e fisionomia jurídica fundamentais desse tipo negocial, assente numa relação contratual básica estabelecida entre duas entidades (tomador de seguro/seguradora), colocadas em plano de total paridade jurídica (o contrato de seguro acordado entre ambas não pode obviamente configurar-se como contrato de adesão), nenhuma das quais se pode considerar juridicamente como intermediária, auxiliar ou comissário da outra no momento da subscrição das concretas adesões ao clausulado estabelecido.

O regime dos contratos de seguro de grupo é um regime especial, relati­vamente ao regime das clausulas contratuais gerais, uma vez que também naqueles contratos os segurados se limitam a aderir a um contrato cujos termos estão previa­mente fixados pelo segurador e o tomador, pelo que, estando previsto naquele regime que a consequência do não cumprimento do dever de comunicação aos segurados das alterações contratuais é a responsabilidade daquele sobre o qual recaia esse dever pelos danos resultantes desse incumprimento (art.º 79.º da L.C.S.), deve considerar-se que as alterações não comunicadas quando esse dever recai sobre o tomador não deixam de ser operantes.[3]

Para além dos Arestos ora citados na nota 3, e no mesmo sentido destes, acrescentem-se os do STJ, de 13/01/2011, Processo n.º 1443/04.6TBGDM.P1.S1; de 09/07/2014, Processo n.º 841/10.TVPRT.L1.S1 e de 15/04/2015, Processo n.º 385/12.6TBBRG.G1.S1, todos disponíveis no respectivo sítio da dgsi (e em sentido contrário, por último, o de 14/04/2015, Processo n.º 294/2002.E1.S1, disponível no mesmo sítio dos anteriores).

Neste caso, não foi convencionado que o dever de comunicar as alterações contratuais competia à Ré seguradora, pelo que esse dever recaía sobre a tomadora, nos termos do art.º 78º, n.º 2, da L.C.S.

Assim, apesar de se verificar um incumprimento deste dever pela toma­dora, as cláusulas aditadas com a alteração são operantes e pode o seu conteúdo ser oposto pela seguradora aos segurados.

Resta, assim, pois, verificar se a situação apurada está abrangida pela cláusula aditada de exclusão da cobertura do seguro em apreço.

A cláusula em causa, como já referido, exclui do âmbito de todas as coberturas do seguro os casos em que a morte do segurado resulte de acções ou omissões praticadas pela pessoa segura quando acuse consume de produtos tóxicos, estupefacientes e outras drogas fora de prescrição médica, bem como quando lhe for detectado um grau de alcoolemia no sangue superior a 0,5 gramas litro.

Para o preenchimento da previsão desta cláusula basta que a morte do segurado resulte de conduta activa ou omissiva do próprio e que nesse momento ele se encontre com um grau de alcoolemia no sangue superior a 0,5 gramas litro, não sendo necessário demonstrar que esse acto ou omissão é censurável ou que o mesmo foi influenciado pela presença de álcool no organismo da vítima.

Provou-se que a morte de D... ocorreu nas seguintes circunstân­cias (cf. itens 29 a 42, dos factos provados):

“29. D... foi vítima de um acidente quando caçava.

30. Do relatório da autópsia, que foi efectuado no dia 1 de Março de 2011 no Gabinete Médico Legal da Guarda, consta o seguinte: “No dia 17/10/2010, cerca das 10 horas e 50 minutos foi comunicado a esta polícia que apareceu morto numa zona rural de caça – Quinta do (...) no Concelho de Almeida. Caçava com um amigo de longa data, o qual ia uns metros à frente e sentiu um disparo, tendo entre voltado para trás encontrado o seu amigo já sem vida, com a caçadeira junto ao corpo e com ferimento na cabeça resultante do disparo antes ouvido. Na sala de autópsia foi feita pela Polícia Judiciária, recolha de pólvora e metais nas mãos (…).

(…) O presente caso de autópsia revelou lesões traumáticas craneo-meningo-encefálicas, produzidas por arma de fogo (tiro de caçadeira) com um orifício de entrada na transição da região occipito-temporo-parietal direita.Face às características das lesões traumáticas a morte terá ocorrido de forma imediata. A direcção seguida pelo tiro foi de baixo para cima e da direita para a esquerda. As lesões cutâneas observadas (qurimaduras da pele e de negro de fumo) denotam que os canos da caçadeira estiveram em contacto com a zona atingida pelo disparo.

No caso em apreço é de salientar que foi atingida região que aloja órgãos essenciais à vida, por projéctil de arma de fogo plenamente adequado a produzir as lesões mortais (…)

31. As conclusões do mesmo relatório da autópsia são as seguintes:

1ª - A morte de D... foi devida às lesões traumáticas crâniomeningo- encefálicas.

2ª - Tais lesões traumáticas constituem causa adequada de morte.

3ª - Estas lesões traumáticas são compatíveis com as produzidas por tiro de arma de fogo de cano longo.

4ª - O trajecto seguido pelo projéctil foi de baixo para cima e da direita para a esquerda e de trás para a frente.

5ª - Médico-legalmente nada se opõe à etiologia de acidente referida na informação.

6ª Foram encontrados sinais de disparo a curta distância.

7ª A análise toxicológica feita ao sangue revelou uma taxa de alcoolemia que era de 1,48 gramas por litro no momento da morte.

8ª - As restantes análises toxicológicas não revelaram a presença das restantes substancias pesquisadas.”

32. A Polícia Judiciária participou esta ocorrência ao Ministério Público da Comarca de Almeida, tendo sido aberto inquérito que ali correu termos sob o nº 213/10.7JAGRD, no qual foi proferida decisão de arquivamento dos autos nos termos do nº 2 do artigo 277 do Código de Processo Penal, com o fundamento no facto de a factualidade apurada ser insusceptível de consubstanciar a prática de qualquer ilícito criminal.

33. No despacho de arquivamento atrás referido consta: “(…) Ora, tendo em conta os factos apurados, designadamente através do relatório fotográfico, os documentos juntos, as declarações das testemunhas e a autópsia médico-legal, não havendo nos Autos outros dados que o infirmem, tudo aponta no sentido de que o falecido D... tenha sofrido um acidente com a sua própria caçadeira, sem intervenção de terceiros, tendo sido esta a causa da sua morte …Nestes termos, observa-se que não existe qualquer ilícito que leve à suspeita de que a morte de D... se tenha ficado a dever a qualquer intervenção de terceiros, à prática de qualquer crime, concluindo-se, isso sim, que a mesma se terá devido a acidente”.

34. D... faleceu na sequência de um tiro de arma de fogo de cano longo tipo caçadeira.

35. O trajecto seguido pelo projéctil que provocou a morte de D... , foi de baixo para cima, da direita para a esquerda e de trás para a frente, tendo sido disparado a curta distância.

36. Os canos da caçadeira estiveram em contacto com a zona atingida pelo disparo.

37. O tiro que provocou a morte de D... foi disparado pela caçadeira que E... trazia consigo, sem qualquer intervenção de terceiro.

38. No momento da sua morte o D... tinha uma taxa de alcoolémia no sangue de 1,48 g/l.

39. A taxa de álcool de 1,48 g/l, de que o falecido era portador, reduz a capacidade de vigilância, diminui a acuidade visual, estreita o campo visual e diminui os reflexos, aumentando o risco de sinistro na actividade da caça, com a utilização de armas.

40. Tal taxa afecta, no cérebro e no cerebelo, as capacidades cognitivas de antecipação, previsão e decisão e as capacidades perceptivas, nomeadamente visuais e de equilíbrio, assim como as capacidades de resposta motora.

41. D... , em face da taxa de alcoolemia que apresentava, tinha a capacidade de vigilância, a acuidade visual e as capacidades perceptivas e reflexos diminuídos.

42. A morte do D... não foi provocada por estupefacientes ou por acção sua originada por uso de estupefacientes.”.

Desta descrição resulta que se apurou que a morte do segurado ocorreu quando este se dedicava à actividade de caça, acompanhado de outra pessoa, tendo a morte resultado do facto do segurado ter sido atingido na cabeça por um tiro da caçadeira que trazia consigo, efectuado a curta distância, uma vez que os canos da caçadeira estiveram em contacto com a zona atingida pelo disparo, o qual (tiro) entrou na transição da região occipito temporal-parietal direita da vítima.

Deste acervo probatório, a sentença recorrida ao efectuar o enquadramento jurí­dico da acção, designadamente ao verificar se a mesma preenchia a previsão da referida cláusula, concluiu o seguinte:

“Da factualidade que acabámos de enunciar, resulta, sem qualquer dúvida, que a morte do falecido D... foi provocada por acção ou omissão sua e que se encontrava com uma TAS de 1,48 g/l.

Com efeito, o falecido encontrava-se a caçar, tendo consigo, e utilizando, uma arma, no exercício da caça, quando era portador de uma taxa de alcoolémia de 1,48 g/l e foi precisamente essa a arma que disparou o tiro que veio a provocar a morte do falecido D... , nas circunstâncias supra descritas, sem qualquer intervenção de terceiro, contrariamente ao alegado pelos autores.

Deste modo, diremos que, pese embora, é certo, não se tenham apurado as circunstâncias concretas em que ocorreu este acidente de caça, e o motivo pelo qual houve o disparo, não poderemos deixar de concluir que, tendo sido o tiro que provocou a morte disparado pela arma do próprio falecido, sem qualquer intervenção de terceiro, ter-se-à de concluir que a morte foi, indubitavelmente, provocada por acção ou omissão do falecido, apesar de, como referimos, não ter sido possível apurar exactamente qual, até porque ninguém presenciou.

No entanto, do que não restam dúvidas é de que ninguém mais teve intervenção neste acidente, até porque D... se encontrava sozinho, pelo que, obviamente, tendo sido a arma que ele transportava consigo que disparou o tiro mortal, tal traduziu-se numa acção ou omissão sua, ao disparar ou permitir que a arma que transportava disparasse sobre a sua cabeça, assim lhe provocando a morte.

Se tal aconteceu porque não transportava a arma na posição e com o cuidado que o deveria fazer, se foi porque não a travou e tocando no gatilho ela disparou, se foi porque permitiu que ela se prendesse a qualquer ramo de árvore, se foi por qualquer outra razão que não conseguiu apurar-se, tal acaba por ser irrelevante.

O que se apurou, sem qualquer dúvida, foi que existiu uma acção ou omissão do falecido, único interveniente no acidente, enquanto caçava e trazia para o efeito a arma descrita, que acabou por determinar que a mesma disparasse sobre si próprio, de baixo para cima, da direita para a esquerda e de trás para a frente, a curta distância, e com os canos da caçadeira em contacto com a zona atingida pelo disparo.

Por outro lado, provou-se que tal aconteceu quando o falecido tinha uma TAS de 1,48 g/l, que esta taxa de álcool reduz a capacidade de vigilância, diminui a acuidade visual, estreita o campo visual e provoca diminuição os reflexos, aumentando o risco de sinistro na actividade da caça, com a utilização de armas, que afecta, no cérebro e no cerebelo, as capacidades cognitivas de antecipação, previsão e decisão e as capacidades perceptivas, nomeadamente visuais e de equilíbrio, assim como as capacidades de resposta motora; e que D... , em face da taxa de alcoolemia que apresentava, tinha a capacidade de vigilância, a acuidade visual, as capacidades perceptivas e reflexos diminuídos.

Certo é que, como vimos, decorre da cláusula do contrato de seguro que analisamos, que existe uma exclusão caso o falecimento seja devido a acidentes por acções ou omissões da pessoa segura, quando esta apresente uma TAS superior a 0,5 g/l, o que aconteceu no caso e apreço, sendo irrelevante para a aplicação da cláusula de exclusão se esta taxa de alcoolémia foi causal do acidente de caça.

Esta é a única interpretação que se coaduna com o teor da cláusula em apreço.

Em resumo do que antecede diremos que, no caso dos autos, para o seguro ramo vida grupo aqui em causa (por força das alterações que tal seguro sofreu, devidamente acordadas e comunicadas pela ré ao tomador do seguro) vigorava a exclusão a que vimos de aludir, que foi invocada pela seguradora e que, efectivamente, se mostra preenchida, pelo que está excluída a cobertura do seguro neste caso concreto.”.

Da leitura deste excerto resulta que a sentença recorrida ao efectuar o enquadramento jurídico da factualidade apurada presumiu a existência de factos que não havia apurado ao fixar a matéria de facto.

Assim, a sentença recorrida, tendo em consideração que o D... se encontrava sozinho no momento em que ocorreu o disparo que o vitimou e a zona de entrada do disparo que o matou e a sua trajectória, retirou a conclusão que a só disparou devido a uma acção ou omissão da vítima, ou porque não a transportava devidamente; porque a tinha “destravada” e tinha a mão no gatilho; se se prendeu numa árvore; ou qualquer outra razão não apurada, mas, ainda assim, segundo se conclui, sempre por razão imputável à vítima, por acção ou omissão desta, que fez com que a arma disparasse.

Com o devido respeito, não se pode dar este “salto”.

Efectivamente, não se pode presumir qual o motivo do disparo ter ocorrido e muito menos que este (disparo) implicou uma acção de D... nesse sentido ou, pelo menos, uma omissão do mesmo, que permitiu que a arma chegasse a essa posição.

Do mesmo modo, se pode conjecturar que o mesmo se ficou a dever a qualquer outra causa, v.g. tontura ou desequilíbrio da vítima nos momentos que precederam o disparo, falha/saliência do terreno, pedra, etc.

Havendo, ainda, a considerar que, independentemente da correcção deste duplo juízo pre­suntivo, com resultado alternativo, e não relevando a circunstância do mesmo ter sido efectuado indevidamente aquando da fundamentação jurídica da sentença e não no momento da fixação da matéria de facto provada, o mesmo não é admissível porque conclui pela prova de factos que, na lógica da sentença, são essenciais à procedência da defesa por excepção invocada pela Ré, mas que não foram alegados por esta.

Na verdade, quer o primeiro facto presumido, o posicionamento da arma no momento em que ocorreu o disparo, independentemente da causa ou concausa, quer o segundo facto presumido em alterna­tiva, a acção de colocação da arma nessa posição pela vítima, ou a sua omissão permitindo tal posicionamento, são factos que nenhuma das partes alegou, tendo sido o julgador que os construiu através de um duplo raciocínio presuntivo ao proceder à análise do direito aplicável.

Ora, os factos essenciais à procedência de uma excepção devem ser alega­dos por quem contesta, nos termos do art.º 5º, n.º 1, e 572º, do N. C. P. Civil, não podendo ser aditados oficiosamente pelo julgador, mesmo que os retire através do funcionamento de presunções de factos instrumentais alegados pelas partes.

Daí que não seja possível concluir pela prova daqueles factos como fez a sentença recorrida.

Além disso, note-se que a sentença recorrida com o funcionamento inde­vido desta dupla presunção limitou-se a concluir que era imputável ao Autor (por acção ou omissão) a posição da arma quando ocorreu o disparo, mas continuou a desconhecer as circunstâncias que o ocasionaram.

Ora, não se sabendo as concretas circunstâncias que determinaram o disparo que matou o segurado, o que o motivou, não é possível concluir que a situação em causa preenche a cláusula de exclusão aditada aos contratos de seguro.

Na verdade, aquela cláusula exclui do âmbito de todas as coberturas do seguro os casos em que a morte do segurado resulte de acções ou omissões pratica­das pela pessoa segura quando acuse consume de produtos tóxicos, estupefacientes e outras drogas fora de prescrição médica, bem como quando lhe for detectado um grau de alcoolemia no sangue superior a 0,5 gramas litro.

Ora, não se sabendo as circunstâncias que determinaram o disparo que vitimou o segurado, a mera imputação a este do posicionamento da arma quando esta disparou não é suficiente para se poder concluir que o sinistro resultou de acção ou omissão da pessoa segura. Este resultou do evento que determinou o disparo fatal e esse não foi alegado e provado.

Assim, por estas razões, não é possível extrair da matéria de facto provada que o sinistro ocorrido esteja excluído do âmbito das coberturas do seguro acciona­do pelos Autores, sendo certo que recaía sobre a Ré o ónus da prova dos respectivos factos, nos termos do art.º 342º, n.º 2, do C. Civil, pelo que deve esta última ser condenada a satisfazer as quantias seguras.

Por último, de referir que não é pelo facto de a vítima ser portadora da referida taxa de alcoolemia que o seguro fica excluído, com fundamento no disposto no artigo 14.º, n.º 1, al. a), da Lei do Contrato de Seguro.

Efectivamente, o que ali se tem em vista “é a proibição de segurar a responsabilidade criminal … destina-se a salvaguardar o efeito punitivo pretendido pelas leis que consagram essas formas de responsabilidade. O legislador entende que, se o custo de uma eventual punição pudesse ser substituído pelo pagamento de um prémio de seguro, a lei punitiva seria defraudada, maxime na sua função preventiva geral.” – Cf. Pedro Romano Martinez, in anotação ao preceito em referência, in Lei do Contrato de Seguro Anotada, Almedina, 2011, 2.ª Edição, pág. 73 e João de Matos Viana, Seguros Proibidos, in Temas de Direito dos Seguros, Almedina, 2013, a pág.s 119 a 122. 

De acordo com o seu n.º 2, esta proibição já não se estende à associada responsabilidade civil, daí que, mesmo em casos da prática de crime, se impõe que a seguradora responda ainda que, numa segunda fase, possa exercer o seu direito de regresso na pessoa do responsável.

Ora, no caso em apreço, não se trata de proibição associada à prática de crime, mas sim de cumprir, no âmbito do direito civil, o contrato de seguro em causa, a que os autores aderiram.

            Consequentemente, quanto a esta questão, tem o presente recurso de proceder, em função do que não pode subsistir a decisão recorrida.

Nestes termos se decide:      

Julgar procedente o presente recurso de apelação, em função do que se revoga a decisão recorrida, que se substitui por outra que condena a ré no pedido.

Custas pela apelada, em ambas as instâncias.

            Coimbra, 16 de Junho de 2015.

Arlindo Oliveira (Relator)

Emidio Francisco Santos

Catarina Gonçalves


[1] Neste sentido, os seguintes acórdãos acessíveis em www.dgsi.pt:
T.R.P. de 27.02.2014, relatado por Araújo de Barros,
T.R.P. de 11.9.2008, relatado por Fernando Baptista;
T.R.L. de 5.3.2009, relatado por Catarina Manso.
 
[2] Relatado por Lopes do Rego e acessível em www.dgsi.pt .
[3] Neste sentido, entre outros, os seguintes acórdãos, todos acessíveis em www.dgsi.pt :
  S. T. J.:
 de 21.2.2013, relatado por Silva Gonçalves
 de 29.5.2012, relatado por Garcia Calejo
 de 17.6.2010, relatado por Alves Velho
 de 22.1.2009, relatado por Custódio Montes;
 T. R. G., de 25.9.2014, relatado por António Sobrinho.
 T. R. C., de 10.9.2013, relatado por Henrique Antunes