Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
89/08.4GBALD-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VIEIRA MARINHO
Descritores: CONFLITO DE COMPETÊNCIA (TRIBUNAL DA CONDENAÇÃO E TRIBUNAL DE EXECUÇÃO DAS PENAS)
DECLARAÇÃO DE CONTUMÁCIA
Data do Acordão: 03/07/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: ALMEIDA / T.E.P. DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: CONFLITO DE COMPETÊNCIA
Decisão: COMPETÊNCIA MATERIAL AO TEP
Legislação Nacional: ART.º 97º, N.º 2, DO CÓDIGO DA EXECUÇÃO DAS PENAS E MEDIDAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE, APROVADO PELO ART.º 1º, DA LEI N.º 115/2009, DE 12 DE OUTUBRO
Sumário: Em resultado das alterações legais decorrentes da Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro, que aprovou o Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, a competência do Tribunal de Execução das Penas, para o efeito em causa (“proferir a declaração de contumácia”), alargou-se às situações em que o condenado se exime totalmente ao cumprimento da pena de prisão aplicada, isto é, quando não chegou sequer a estar privado da liberdade, por via dessa condenação, e não apenas aos casos em que a execução da pena já teve o seu início.
Decisão Texto Integral: A Exm.ª Juíza do Tribunal Judicial da Comarca de Almeida, no processo sumário que corre termos, naquele Tribunal, sob o n.º 89/08.4GBALD, denunciou o presente conflito negativo de competência suscitado face à divergência surgida entre a decisão proferida, pela mesma, neste processo, em 28.11.2011 (fls. 12) e a decisão proferida, pela Exm.ª Juíza do Tribunal de Execução das Penas de Coimbra, no processo supletivo que corre termos, neste Tribunal, sob o n.º 454/11.0TXCBR-A, em 06.10.2011 (fls. 10 e 11), sendo que há lugar à declaração de contumácia em relação ao arguido A..., com os demais sinais dos autos, o qual foi condenado, por sentença proferida naquele processo e transitada em julgado, como autor material de um crime de desobediência, p. e p. pelo art.º 348º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, com reporte ao estatuído no art.º 152º, n.ºs 1, alínea a) e 3, do Código da estrada, com referência à sanção do art.º 69º, alínea c), do Código Penal, na pena de 90 (noventa) dias de multa, à razão diária de € 5,00, ou seja, na multa global de € 450,00 (quatrocentos e cinquenta euros) e na proibição de condução de veículos motorizados, pelo período de 4 (quatro) meses (fls. 13 a 25), tendo já sido proferida decisão, em 24.05.2010, no sentido de converter a referida pena de multa na pena de prisão subsidiária de 60 (sessenta) dias, que o arguido tem a cumprir, nos termos do disposto no art.º 49º, do C. Penal (fls. 5 e 6), respeitando a divergência em causa à questão de saber qual o tribunal materialmente competente, para aquele efeito (declaração de contumácia).

Foi cumprido o disposto no art.º 36º, do C. Proc. Penal.

A Exm.ª Senhora Procuradora-Geral Adjunta, nesta sede, emitiu o respectivo Parecer (fls. 44 e 45), no sentido de que o presente conflito deve ser resolvido atribuindo-se a competência para o efeito em causa (declaração de contumácia) ao Tribunal Judicial da Comarca de Almeida, no citado processo sumário n.º 89/08.4GBALD.

Cumpre decidir.

Não existem divergências entre as Exm.ªs Juízas conflituantes quanto ao quadro de facto essencial traçado para a solução do conflito, nomeadamente, quanto à existência de uma situação jurídica de declaração de contumácia do referido arguido e quanto ao trânsito em julgado das respectivas decisões.

Assim, no referido processo sumário n.º 89/08.4GBALD, do Tribunal Judicial da Comarca de Almeida, foram emitidos os respectivos mandados de detenção do mesmo para cumprimento da referida pena de prisão subsidiária de 60 (sessenta) dias (fls. 26 e 27).





Porém, segundo informação da P.S.P., datada de 15.12.2010, não foi possível proceder ao cumprimento do mandado de detenção do arguido, na sua residência conhecida em Oliveira do Douro - Vila Nova de Gaia, para cumprimento da referida pena, “em virtude do mesmo já ali não residir, encontrando-se a habitação devoluta, desconhecendo actualmente o seu paradeiro(fls. 28 e 29).

E, posteriormente, veio o arguido a ser notificado editalmente para se apresentar em Juízo, no prazo de 30 dias, contado da afixação do último édito, sob pena de, não o fazendo, ser declarado contumaz, nos termos do disposto no art.º 335º, n.ºs 1 e 2, do C. Proc. Penal (fls. 30).

O prazo dos éditos já decorreu, sem que o arguido se tivesse apresentado em Juízo, encontrando-se o processo em fase de ser declarada a contumácia do condenado por se ter eximido ao cumprimento de uma pena de prisão.

Cumprindo proceder à declaração de contumácia do arguido, a Exm.ª Juíza do Tribunal Judicial da Comarca de Almeida determinou, então, o envio dos necessários elementos, para esse efeito, ao T.E.P. de Coimbra, tendo, porém, a Exm.ª Juíza deste Tribunal decidido não lhe competir essa declaração, sendo para tanto competente o Tribunal da condenação, ou seja, o Tribunal Judicial da Comarca de Almeida.

A Exm.ª Juíza do T.E.P. de Coimbra fundamenta o seu entendimento, no essencial, na consideração de que “o condenado não iniciou o cumprimento de pena e, consequentemente, não existe pena que tenha sido objecto de liquidação e que seja objecto de fiscalização e acompanhamento pelo TEP, incluindo no que respeita à declaração de contumácia(fls. 10 e 11).

E, por seu lado, a Exm.ª Juíza do Tribunal Judicial da Comarca de Almeida sustenta o entendimento de que “com a entrada em vigor da Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro, que veio aprovar o Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, passou a ser da competência do T.E.P., a declaração de contumácia nos casos em que o condenado se furta ao cumprimento de uma pena de prisão, tal como decorre do art.º 138º, n.º 4, alínea x), daquele Diploma Legal”, tendo, em consequência, declarado o Tribunal Judicial da Comarca de Almeidaincompetente para proceder à declaração de contumácia do condenado A..., sendo competente para a sua declaração o Tribunal de Execução de Penas” (fls. 12).

Cremos que, no caso, a razão está com a Exm.ª Juíza do Tribunal Judicial da Comarca de Almeida.

Com efeito, para se decidir a questão em causa, tem que ponderar-se a alteração do respectivo quadro jurídico resultante da entrada em vigor da Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro, que, no seu art.º 1º, aprovou o Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade.







Assim, antes da entrada em vigor desta Lei, dispunha o art.º 476º, do C. Proc. Penal, sob a epígrafe “Contumácia”:
Ao condenado que dolosamente se tiver eximido, total ou parcialmente, à execução de uma pena de prisão ou de uma medida de internamento é correspondentemente aplicável o disposto nos artigos 335º, 336º e 337º, com as modificações seguintes:

a) Os editais e anúncios contêm, em lugar da indicação do crime e das disposições legais que o punem, a indicação da sentença condenatória e da pena ou medida de segurança a executar;
b) O despacho de declaração da contumácia e o decretamento do arresto são da competência do tribunal referido no art.º 470º ou do Tribunal de Execução das Penas.”

Por sua vez, o referido art.º 470º, do C. Proc. Penal, sob a epígrafe “Tribunal competente para a execução”, dispunha, então, no seu n.º 1:
A execução corre nos próprios autos perante o presidente do tribunal de 1ª instância em que o processo tiver corrido.”

E estabelecia, então, a Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, aprovada pela Lei n.º 3/99, de 3 de Janeiro, em matéria de competência dos Tribunais de Execução das Penas, no seu art.º 91º:
“…
2. Compete especialmente aos tribunais de execução das penas:

g) Proferir o despacho de declaração de contumácia e o decretamento do arresto relativamente a condenado que dolosamente se tiver eximido parcialmente à execução de uma pena de prisão, de uma pena relativamente indeterminada ou de uma medida de segurança de internamento;


E igual redacção tinha, então, a alínea g), do n.º 2, do art.º 124º, da Nova Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, aprovada pela Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto, aplicável em algumas circunscrições judiciais, relativamente à competência especial dos juízos de execução das penas.

Porém, com a entrada em vigor da referida Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro, este quadro alterou-se.

O que sucedeu, nos seguintes termos:

- Foi revogado o referido art.º 476º, do C. Proc. Penal (cfr. art.º 8º, n.º 2, al. a), da referida Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro).






E o teor de tal normativo passou a constar do n.º 2, do art.º 97º, do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, aprovado pelo art.º 1, da citada Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro, com as seguintes alterações:
“2 - Ao condenado que dolosamente se tiver eximido, total ou parcialmente, à execução de uma pena de prisão ou de uma medida de internamento é correspondentemente aplicável o disposto nos artigos 335º, 336º e 337º, do Código de Processo Penal, relativos à declaração de contumácia, com as modificações seguintes:

a) Os editais e anúncios contêm, em lugar da indicação do crime e das disposições legais que o punem, a indicação da sentença condenatória e da pena ou medida de segurança a executar;
b) O despacho de declaração da contumácia e o decretamento do arresto são da competência do tribunal de execução das penas.”


- O art.º 470º, do C. Proc. Penal, passou a ter a seguinte redacção (cfr. art.º 3º, da referida Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro):
1 – A execução corre termos nos próprios autos perante o presidente do tribunal de 1ª instância em que o processo tiver corrido, sem prejuízo do disposto no art.º 138º, do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade.


- O art.º 138º, do referido Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, respeitante à competência material do tribunal de execução das penas, estabelece, no seu n.º 2 e no seu n.º 4, al. x):
“…
2 – Após o trânsito em julgado da sentença que determinou a aplicação de pena ou medida privativa de liberdade, compete ao tribunal de execução das penas acompanhar e fiscalizar a respectiva execução e decidir da sua modificação, substituição e extinção, sem prejuízo do disposto no artigo 371º-A, do Código de Processo Penal.

4 – Sem prejuízo de outras disposições legais, compete aos tribunais de execução das penas, em razão da matéria:

x) Proferir a declaração de contumácia e decretar o arresto de bens, quanto a condenado que dolosamente se tiver eximido, total ou parcialmente, à execução de pena de prisão ou de medida de internamento;


Por outro lado, em conformidade com o disposto no art.º 5º, da citada Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro, foi dada nova redacção ao art.º 91º, da referida Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, nos seguintes termos:
“…




1 – Após o trânsito em julgado da sentença que determinou a aplicação de pena ou medida privativa de liberdade, compete ao tribunal de execução das penas acompanhar e fiscalizar a respectiva execução e decidir da sua modificação, substituição e extinção, sem prejuízo do disposto no artigo 371º-A, do Código de Processo Penal.

3 – Sem prejuízo de outras disposições legais, compete aos tribunais de execução das penas, em razão da matéria:

x) Proferir a declaração de contumácia e decretar o arresto de bens, quanto a condenado que dolosamente se tiver eximido, total ou parcialmente, à execução de pena de prisão ou de medida de internamento;


E têm idêntica redacção os correspondentes n.ºs 1 e 3, al. x), do art.º 124º, da referida Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto, por força da alteração resultante do art.º 7º, da citada Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro.

(Consigna-se que a referida alínea x), dos normativos citados, era a anterior alínea v), tendo-se verificado essa alteração, no caso, sem interesse, por força da Lei n.º 40/2010, de 3/9).

Parece-nos, pois, poder concluir que, em resultado destas alterações legais, a competência do T.E.P., para o efeito em causa (“proferir a declaração de contumácia”), se alargou agora às situações em que o condenado se exime totalmente ao cumprimento da pena de prisão aplicada, isto é, quando não chegou sequer a estar privado da liberdade, por via dessa condenação, e não apenas aos casos em que a execução da pena já teve o seu início.

Aliás, parece não restarem dúvidas sobre a intenção do legislador, se se atentar no teor da “Exposição de Motivos”, que consta da Proposta de Lei do Governo, de 21.01.2009, submetida à Assembleia da República, sob o n.º 252/x, que esteve na génese da referida Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro, que se encontra reproduzida no “Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade”, de Florbela Almeida, Procuradora Adjunta, Edição “DisLivro”, 2009, a fls. 63 e segs., nomeadamente, do respectivo ponto 15., que ora se transcreve:
15. No plano processual e no que se refere à delimitação de competências entre o tribunal que aplicou a medida de efectiva privação de liberdade e o Tribunal de Execução das Penas, a presente proposta de lei atribui exclusivamente ao Tribunal de Execução das Penas a competência para acompanhar e fiscalizar a execução de medidas privativas da liberdade, após o trânsito em julgado da sentença que as aplicou. Consequentemente, a intervenção do tribunal da condenação cessa com o trânsito em julgado da sentença que decretou o ingresso do agente do crime num estabelecimento prisional, a fim de cumprir medida privativa de liberdade. Este um critério simples, inequívoco e operativo de delimitação de competências, que põe termo ao panorama, actualmente existente, de incerteza quanto à repartição de funções entre os dois tribunais e, até, de sobreposição prática das mesmas. Incerteza e sobreposição que em nada favorecem a eficácia do sistema.”





Entendemos, assim, ser do Tribunal de Execução das Penas de Coimbra a competência, em razão da matéria, para proferir a declaração de contumácia em causa.

x


DECISÃO:

Por todo o exposto, decide-se o conflito negativo de competência suscitado entre os referidos Tribunal Judicial da Comarca de Almeida e Tribunal de Execução das Penas de Coimbra, atribuindo-se a referida competência material para proferir a declaração de contumácia em causa ao Tribunal de Execução das Penas de Coimbra.

Sem tributação.

Cumpra-se o disposto no art.º 36º, n.º 3, do C. Proc. Penal.


Coimbra, 07.03.2012
(Doc. elaborado e integralmente revisto pelo signatário, Presidente da 5ª Secção - Criminal, deste Tribunal da Relação de Coimbra)


(Vieira Marinho)