Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
811/08. 9TAACB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ELISA SALES
Descritores: ASSISTENTE
RECUSA A DEPOR
Data do Acordão: 01/05/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE ALCOBAÇA – 1º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 359º,360, 2 CP
Sumário: A recusa em prestar declarações por banda dos assistentes não tem quaisquer consequências a nível de responsabilidade penal.
Decisão Texto Integral: I - RELATÓRIO

L... veio interpor recurso da sentença que a condenou, pela prática de um crime p. e p. pelo artigo 360º, nºs 1 e 2 do C. Penal, na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de € 7,50 , o que perfaz a quantia global de € 1350,00.
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A razão da sua discordância encontra-se expressa na motivação de recurso de onde extraiu as seguintes conclusões (- Conclusões sem qualquer concisão, ao arrepio do que determina o artigo 412º, n.º 1 do CPP.):
1. Quando seja interposto Recurso sobre a Matéria de Facto junto dos Tribunais da Relação, cabe ao Tribunal de Recurso efectuar um segundo juízo valorativo sobre a prova produzida, apreciando os meios probatórios dos autos e decidindo efectivamente de facto, não apenas fiscalizando de Direito o cumprimento de normas processuais na Sentença recorrida, entendimento que decorre da Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça e que constitui pressuposto em que assenta o presente Recurso.
2. A MMa. Juiz do Tribunal a quo admitiu como verdade toda a factualidade constante da Acusação, como plasmado nos itens 1. a 6. da Matéria de Facto Provada, e ainda a factualidade vertida na contestação da arguida, ora recorrente, conforme itens 7. a 11. e ainda conforme itens 12. a 18.
3. Considerou os documentos a fls. 51 a 63, despacho proferido pelo Senhor Procurador da Republica do Círculo Judicial de Alcobaça e a f1s. 66 a 69, auto de declarações prestadas pela arguida perante o Senhor Procurador Adjunto na sequência da decisão do Senhor Procurador da Republica, e o certificado de registo criminal junto a f1s. 384.
4. Formou o Tribunal a quo a sua convicção, apoiando-se no princípio da livre apreciação da prova, previsto na norma do art. 127º do C.P.P. que dispõe - "Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente".
5. Porém este princípio tem limites que merecem ser aqui ponderados.
6. A Constituição da República Portuguesa e a própria lei estabelecem "limites endógenos e exógenos ao exercício do poder de livre apreciação da prova". (cfr Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direito do Homem. 3ª edição actualizada. Universidade Católica Editora pág. 328).
7. Como princípio exógeno, sendo este o que nos interessa apreciar in casu com mais cuidado e que limita o exercício da apreciação da prova é o principio do in dubio pro reo, que condiciona o resultado da apreciação da prova.
8. O Tribunal a quo violou os limites do principio da livre apreciação da prova ao considerar princípio "in dubio pro reo" como princípio de ónus da prova material e não como ónus da prova formal.
9. Este princípio aplica-se no caso em apreço, por se entender que a prova produzida em Audiência de Julgamento não foi suficiente para condenar a arguida.
10. O Tribunal não considerou o depoimento da arguida que sempre se demonstrou colaborante com o Tribunal na descoberta da verdade, esclarecendo todos os factos de que tem conhecimento.
11. A arguida foi perfeitamente clara, convicta e segura nas suas declarações, quando disse, nomeadamente:
12. Que sentiu explicando com clareza que se respondesse às perguntas que o Senhor Procurador lhe estava a fazer poderia incriminar-se, pois as mesmas conduziam-na a uma situação de suspeição, e foi peremptória quando afirma que não foi o conteúdo das mesmas que a levaram a interromper o depoimento mas antes, o tom "o ar a forma como estava ser argumentada a pergunta" com que as mesmas foram feitas, que se limitou a seguir as orientações da sua Ilustre Mandatária, que aliás foi quem interrompeu o depoimento, que aliás ficou provado pelo depoimento da arguida e também da duas testemunha de acusação nomeadamente do Dr. J... que afirmou " ... e a determinada altura fui interrompido na diligência pela Ilustre Mandatária da assistente a Dra. F... que disse que não concordava com a forma como as perguntas estavam a ser feitas aliás que não concordava com a forma como as perguntas estavam a ser feitas ela requereu isso para a acta ... "
13. Ficou provado por documento a fls. 66 a 69 - Auto de Declarações que sustentou a decisão o requerimento para acta da Ilustre Mandatária, no sentido de interromper o depoimento da recorrente, com o motivo, que deveria ter sido dado como provado que integra a Justa Causa de recusa de prestar declarações: "A assistente interrompe aqui o seu depoimento e não concorda com a forma como está a ser inquirida na medida em que sente que está a ser inquirida como de arguida se tratasse e no sentido de ser explorado ao limite algum desentendimento existente entre a mesma e o seu tio anteriormente a todos os factos denunciados, quando estamos face a um inquérito no qual estão em causa factos denunciados pela eventual prática de um crime de sequestro por parte das denunciadas. Nestas circunstâncias não pretende a assistente continuar o seu depoimento uma vez que considera que o mesmo não está a ser orientado com objectividade e isenção no sentido de serem investigados os factos denunciados. "
14. A arguida afirmou também e de forma peremptória que se disponibilizou de imediato para prestar depoimento em dia a marcar pois considerou que não estavam reunidas as condições naquele momento e que era assistente no processo e não arguida, que foi ela quem denunciou os factos, que estava completamente disponível para ajudar na descoberta da verdade.
15. Aliás foi confirmado pela própria testemunha Dr. J... que disse da audiência (depoimento também registado em CD): "...foi a própria assistente que requereu a Intervenção Hierárquica, foi a própria assistente que requereu que o processo fosse reaberto foi a própria assistente que requereu diligências foi o Senhor Procurador que inclusivamente mandou repetir diligências inclusivamente a própria tomada de declarações à assistente, portanto era uma coisa, quando a Sr.ª Dra. diz não estava preparada, não sei Sra. Dra., se estava preparada ou não as iniciativas foram da assistente e vinham muito antes da diligência."Eu sei é que até ao momento em que deixou de responder mostrava disponibilidade a partir do momento em que deixou de responder".
16. O Senhor Procurador Ajunto presente no acto, participou da orientação da Ilustre Advogada à Ordem dos Advogados, por entender que esta foi "instigadora", no sentido em que "dolosamente. determinou a D. L...à prática do facto" que decidiu arquivar o processo por entender que a decisão da Ilustre Mandatária foi exercido de um direito - dever de patrocínio.
17. Daí que na nossa opinião, não faz qualquer sentido, considerar-se que a assistente, ora recorrente, se recusou a prestar depoimento sem qualquer motivo, como a testemunha Dr. J... deu a entender, ao dizer "determinada altura fui interrompido pela Ilustre mandatária", como se nada se tivesse passado.
18. Adoptamos como é óbvio da tese de que a Ilustre Mandatária referida foi quem teve a iniciativa de interromper a diligência, apresentando justa causa, e não levianamente ou injustiçadamente como pretendeu fazer crer a citada testemunha.
19. Ao contrário o Tribunal devia ter considerado o depoimento da arguida do qual resultou inequivocamente que foi colaborante com o Tribunal na descoberta da verdade, esclarecendo todos os factos de que tinha conhecimento.
20. O depoimento da testemunha Dr. J... (com depoimento gravado em CD, cfr. acta de audiência de julgamento de 20 de Outubro de 2009) mostrou-se inconsistente e contraditório
21. O depoimento desta testemunha demonstrou incongruências óbvias que o Tribunal a quo não revelou, nomeadamente no que toca à sua afirmação de que não se lembra se a arguida se disponibilizou de imediato para mais tarde continuar o depoimento
22, Afirma também esta testemunha que a arguida estava prestar depoimento na qualidade de assistente, que sempre se mostrou disponível até ter recusado continuar; que foi ela quem requereu as diligências, impulsionou o processo; nomeadamente a Intervenção Hierárquica tendo sido a mesma deferida bem como o facto de a arguida ter respondido a algumas perguntas o que corrobora no fundo o alegado pela recorrente quanto ao facto de se tratar de uma recusa parcial e não total (que aliás sequer foi tido em conta pelo Tribunal)
23. Devia ter sido considerado provado que o tom com a testemunha fez as perguntas foi insidioso e que o clima de tensão criado na diligência suscitado pelo mesmo acrescer à pressão exercida sobre a assistente que se sentia que as perguntas induziam suspeição sobre si, levaram a assistente a que com justa causa seguisse as orientações da sua Ilustre Mandatária a interrompido o depoimento, porque de facto são declarações da própria testemunha Dr. J... que comprovam estes factos, quando afirmou em audiência: Eu, em primeiro lugar, como a Sra. Dra. diz eu vi arguida incomodada eu tenho as minhas ideias sobre o motivo pelo qual a senhora estava incomodada mas são ideias minhas agora o motivo em concerto eu sei que a via incomodada, como comecei por dizer que havia determinadas contradições que estão espelhadas nos autos e que portanto eu compreendi o incómodo e até se calhar compreendi o porquê da utilização deste processo noutros mas isso é a minha convicção pessoal.
24. Deveria o tribunal ter considerado o depoimento da testemunha R..., inconsistente e pouco claro, pois existem contradições flagrantes entre esta testemunha que afirma que a recorrente desde o inicio da diligência nunca se mostrou disponível para responder às perguntas e a testemunha Dr. J..., afirma que a recorrente sempre se mostrou disponível até ao momento em que interrompeu.
25. Deveria também ter ficado provado que a arguida se disponibilizou de imediato a prestar declarações noutro dia, pois ambas testemunhas de acusação nunca negam peremptoriamente que ela não o tivesse dito.
26. Deveria ter sido considerado relevante o depoimento da testemunha I…, porque se mostrou sempre consistente e disse ao tribunal que a recorrente ia disponível para colaborar com o Ministério Público que ia tranquila e que saiu muito nervosa e ansiosa.
27. Por aqui, parece-nos que também andou o Tribunal.
28. Atendendo aos meios probatórios, o Tribunal a quo errou em Julgamento na matéria de facto ao dar como provada toda a matéria ínsita na Acusação nos pontos 1 a 6, da Matéria havida por provada, e como não provada os pontos a) a m) da matéria havida por Não provada
29. As contradições existentes entre os depoimentos das testemunhas de acusação, não foram tidas em conta erradamente, porque a Sentença deveria ter levado à Absolvição da arguida.
30. Em suma, discutida a causa, deveriam ter resultados provados os seguintes factos:
a) Que o "tom sugerido", e a forma pouco isenta, como o Digno Magistrado do Ministério Publico, formulava as questões, conduziu o questionário, perturbou a arguida, intimidando-a, sentiu-se insegura, não conseguiu por isso ter um raciocínio claro para poder responder com compreensibilidade ao Digno Magistrado do Ministério Publico.
b) A forma e trajectória das perguntas do Digno Magistrado do Ministério Publico, conduziu a uma situação de suspeição sobre a "assistente", ora arguida, perante o crime em averiguação.
c) O Digno Magistrado colocou as questões de forma insidiosa, num tom belicoso.
d) Apontavam no sentido de ter sido ela a sequestrar o tio e levá-lo para o lar, imputando­-lhe a ela o crime em investigação, quando a arguida já tinha respondido sucessivamente que não sabia quem o tinha levado para o lar e a razão porque tinha sido ela a ir buscá-lo ao hospital.
e) As questões colocadas pressagiavam uma resposta, induziam a arguida a responder o que não correspondia à verdade.
f) A arguida teria de interromper o depoimento, porque a continuar estaria a incriminar-se.
g) A arguida estava a ser inquirida na qualidade de assistente e não como suspeita de crime, ou arguida, mas era assim que estava a ser tratada.
h) A postura da arguida, na recusa de continuar o depoimento, seria perfeitamente escusável, se a postura do Digno Magistrado fosse revestida de bom senso e imparcialidade.
i) A arguida interrompeu o depoimento, e não se recusou a prestar depoimento, trata-se de uma recusa parcial de depoimento.
j) A arguida disponibilizou-se de imediato a continuar o seu depoimento em data a marcar, mas com outras condições, que não existiam no momento.
k) Que foi a Ilustre Mandatária da arguida, ora recorrente que interrompeu a diligência.
I) Que o requerimento apresentado pela Ilustre Mandatária constante no Auto de Declarações, é Justa Causa de Recusa, in casu, interrupção de depoimento, pois a continuar a arguida estaria a incriminar-se.

31. A sentença enferma de vícios, Irregularidade, previsto na al. b) do n.º 1 do art. 380º C.P.P., que se requer que a sentença seja corrigida, no sentido de que consta na mesma que a ora arguida, estava na "qualidade de testemunha" e que "sendo inequívoco que a arguida prestou depoimento na qualidade de testemunha", deve a sentença ser corrigida no sentido de constar que a ora arguida estava a prestar declarações na qualidade de assistente, já constituída nos autos.
32. A sentença, enferma também do vício de Nulidade, prevista na al. c), do art. 379º, do C.P.P. quanto à insuficiência na fundamentação de facto e de direito, quando entende não ter havido justa causa para a recusa do depoimento.
33. O Tribunal a quo erra na apreciação da prova, ao não considerar provados os factos acima mencionados, não decidindo sobre questões suscitadas pela arguida, pelo facto da arguida qualificar a sua recusa como parcial e não total, uma vez que a arguida respondeu exaustivamente a cerca de l0 perguntas e só depois e a sua Ilustre Advogada interrompeu a diligência, porquanto enferma a sentença do vicio de Omissão de pronúncia, prevista na al. c), do art. 379°, do C.P.P. quando não se pronuncia acerca do invocado pela arguida, quanto ao facto de se tratar de uma recusa parcial e não total, uma vez que arguida iniciou o julgamento, sendo a diligência interrompida pela sua Ilustre Advogada.
34. Ao contrário do que o Tribunal a quo defende não se encontram preenchidos os elementos subjectivos do ilícito criminal do qual a Recorrente vem acusada, por não se ter demonstrado, de forma alguma, ou sequer ter provado em audiência, que a arguida agiu com dolo, em qualquer das suas vertentes, pois deveria ter-se decidido por considerar o motivo apresentado pela Ilustre Mandatária como Justa Causa de Recusa de depoimento, como causa de exclusão da ilicitude que tomam o facto típico, lícito.
35. O Tribunal recorrido deveria sempre, face às manifestas incongruências dos depoimentos das testemunhas de acusação, socorrer-se do princípio do in dubio pro reo, constitucionalmente consagrado, por persistirem dúvidas acerca dos factos, que não foram inequivocamente sanadas.
36. Deve a Sentença Recorrida ser revogada, substituindo-se por decisão deste Douto Tribunal da Relação de Coimbra que dê como provada os factos ora expostos, que foi alegada na contestação e na audiência
37. O Tribunal a quo violou, entre outros, o princípio da livre apreciação da prova – art. 127º do C.P.P., o princípio do in dubio pro reo constitucionalmente consagrado, e ainda,
38. Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exa. doutamente suprirá, deve ser concedido provimento ao presente Recurso revogando-se a Sentença do Tribunal da Comarca de Alcobaça e consequentemente corrigir a irregularidade arguida e declaradas as nulidades arguidas e consequentemente, ser:
a) Alterada a Decisão em Matéria de Facto nos termos e com os fundamentos alegados;
E, por necessária deriva,
b) A arguida ser absolvida do crime de Falsidade de testemunho, perícia, interpretação ou tradução nos termos do art. 360º, n.º 1 e 2 do Código Penal.

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Respondeu o MºPº junto do Tribunal “a quo” defendendo a improcedência do recurso.
A fim de ser junta à Motivação do recurso, apresentou a recorrente o Parecer Jurídico do Exmº Senhor Professor Paulo Pinto de Albuquerque, o qual consta a fls. 722/766.
Nesta instância, também o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Cumprido o disposto no n.º 2 do artigo 417º do CPP, a arguida respondeu, pugnando pela sua absolvição com base nos fundamentos enunciados na Motivação.
Os autos tiveram os vistos legais.
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II- FUNDAMENTAÇÃO

Consta da sentença recorrida:
Factos provados
Da acusação
1. No dia 24 de Abril de 2008, pelas 9 horas e 10 minutos, nos Serviços do Ministério Público, junto do Tribunal Judicial de Alcobaça, sito na Praça João de Deus Ramos, em Alcobaça, no decurso de diligência realizada no âmbito dos autos de inquérito registados sob o NUIPC …., onde se investigava a prática de crime de sequestro, foram tomadas declarações à assistente, ora arguida.
2. Na sequência de tal diligência, após responder a algumas perguntas e que visavam esclarecer os factos mencionados no despacho proferido pelo Sr. Procurador da República na sequência da reclamação hierárquica efectuada pela então assistente e ora arguida, a mesma recusou continuar a prestar declarações.
3. A arguida, apesar de advertida de que estava obrigada a prestar declarações, porquanto as perguntas efectuadas não eram susceptíveis de a incriminar, nem às suas irmãs que, naqueles autos assumiam o estatuto processual de denunciadas, manteve o seu comportamento de recusa de prestar declarações.
4. Agiu a arguida de modo voluntário, livre e consciente.
5. Com o propósito de recusar responder às questões que lhe foram suscitadas, ciente de que estava obrigada a fazê-lo após a respectiva advertência.
6. Sabia que praticava factos proibidos por lei.
Da contestação:
7. No processo NUIPC …., o Ministério Público investiga um crime de sequestro do tio da arguida e a colocação do mesmo num lar contra a sua vontade.
8. Na diligência referida em 1., a justificação apresentada pela assistente, através da sua advogada, foi feita nos seguintes termos “A assistente interrompe aqui o seu depoimento e não concorda com a forma como está a ser inquirida na medida em que sente que está a ser inquirida como de arguida se tratasse e no sentido de ser explorado ao limite algum desentendimento existente entre a mesma e o seu tio anteriormente a todos os factos denunciados, quando estamos face a um inquérito no qual estão em causa factos denunciados pela eventual prática de um crime de sequestro por parte das denunciadas. Nestas circunstâncias não pretende a assistente continuar o seu depoimento, uma vez que considera que o mesmo não está a ser orientado com objectividade e isenção no sentido de serem investigados os factos denunciados”.
9. A arguida é reconhecida como pessoa séria, idónea, honesta, trabalhadora e pacífica.
10. A arguida está perfeitamente integrada na sociedade.
11. A arguida trabalha numa IPSS , há mais de 25 anos.
Mais se apurou que:
12. A arguida não tem antecedentes criminais.
13. A arguida é casada e tem dois filhos, de 22 e 19 anos de idade, que são estudantes.
14. A arguida é educadora de infância, tem um mestrado e é Directora Técnica e Pedagógica do Centro referido em 11.
15. A arguida aufere mensalmente cerca de €2.500,00.
16. O marido da arguida é agricultor por conta própria, não auferindo praticamente quaisquer rendimentos.
17. A arguida e o seu agregado vivem em casa própria.
18. A arguida suporta mensalmente o pagamento da habitação da sua filha, no montante de cerca de €800,00 e ainda a propina da universidade do filho, que ascende mensalmente a cerca de €300,00.
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Factos não provados
Da contestação
a) O “tom sugerido” e a forma pouco isenta como o Digno Magistrado do Ministério Público formulava as questões, e conduzia o questionário, perturbou a arguida, intimidando-a, sentindo-se insegura, não conseguia ter um raciocínio claro para poder responder com compreensibilidade ao Digno Magistrado do Ministério Público.
b) A forma e trajectória das perguntas do Digno Magistrado do Ministério Público, conduziam a uma situação de suspeição sobre a “assistente”, ora arguida, perante o crime em averiguação.
c) As questões colocadas pelo Digno Magistrado persistiam sempre no mesmo facto, realizadas de forma diferente, a fim de obter uma resposta contraditória por parte da assistente, agora arguida.
d) O Digno Magistrado colocou as questões de forma insidiosa, num tom belicoso.
e) Apontavam no sentido de ter sido ela a sequestrar o tio e levá-lo para o lar, imputando-lhe a ela o crime em investigação, quando a arguida já tinha respondido sucessivamente que não sabia quem o tinha levado para o lar e a razão porque tinha sido ela a ir buscá-lo ao hospital.
f) As questões formuladas pressagiavam uma resposta, induziam a arguida a responder o que não correspondia à verdade.
g) A arguida teria de interromper o depoimento, porque a continuar estaria a incriminar-se.
h) A arguida estava a ser inquirida na qualidade de assistente, e não como suspeita de crime, ou arguida, mas era assim que estava a ser tratada.
i) A postura da arguida, na recusa de continuar o depoimento, seria perfeitamente escusável, se a postura do Digno Magistrado fosse revestida de bom senso e imparcialidade.
j) A arguida interrompeu o depoimento, e não se recusou a prestar depoimento, trata-se de uma recusa parcial de depoimento.
l) Disponibilizando-se de imediato a continuar o seu depoimento em data a marcar, mas com outras condições, que não existiam no momento.
m) A arguida trabalha na IPSS referida em 11. há cerca de 32 anos.
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III. Motivação
A prova em processo penal é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente, salvo quando a lei dispuser diferentemente (artigo 127º C.P.P.).
Contudo, livre apreciação da prova não significa uma apreciação arbitrária porquanto tem como pressupostos valorativos, o respeito pelos critérios da experiência comum e da lógica do homem médio.
Assim, os factos dados como provados resultaram da análise da prova produzida em audiência de julgamento, tendo em conta os parâmetros supra referidos e em função das seguintes considerações.
Em sede documental, começamos por apresentar um ‘recenseamento’ dos documentos de que se socorreu o Tribunal, concretamente cópia do despacho proferido pelo Senhor Procurador da República do Círculo Judicial de Alcobaça, na sequência da intervenção hierárquica suscitada pela aqui arguida (Cfr. fls. 51 a 63), cópia do auto de declarações prestadas pela arguida perante o Sr. Procurador Adjunto na sequência da decisão do Senhor Procurador da República (Cfr. fls. 66 a 69), e o certificado de registo criminal junto a fls. 384, cujo teor e valor probatório acabou por sair incólume da audiência de discussão e julgamento.
A arguida optou por prestar declarações em audiência, explicando que o processo NUIPC 293/07.2GAACB teve origem numa denúncia feita por si própria antes e depois do falecimento do seu tio, e que na data e diligência referidas em 1. deslocou-se ao tribunal para dizer o que sabia, chegando a responder a nove ou dez perguntas feitas pelo Sr. Procurador Adjunto. A arguida esclareceu ainda que as perguntas começaram a perturbá-la, sentiu que estava a incriminar-se e que a sua advogada lhe disse para não responder a mais nada.
Contudo, a arguida não deixou de admitir que lhe foi feita a advertência da obrigatoriedade de prestar declarações, das consequências decorrentes da sua recusa, e ainda que percebeu o sentido da referida advertência. Mais, a arguida referiu expressamente que a sua atitude não se prendeu com as concretas perguntas que lhe foram formuladas, mas antes pela forma como o foram.
Assim, as próprias declarações da arguida acabaram por corroborar, pelo menos em parte, a factualidade constante do libelo acusatório.
O tribunal fundou-se ainda no depoimento das testemunhas J…, Procurador Adjunto que presidiu à diligência de inquirição da ora arguida, e R…, Oficial de Justiça que estava também presente na diligência.
O Sr. Procurador Adjunto esclareceu, de forma credível, que as perguntas formuladas à arguida o foram de forma directa, tal como constavam do despacho proferido pelo Sr. Procurador da República, que a arguida chegou a responder a algumas das perguntas, e que se recusou a continuar a responder quando questionada sobre o motivo pelo qual foi a sua irmã a levar o tio ao hospital e foi a arguida a ir buscá-lo.
A referida testemunha foi categórica na afirmação de que a arguida foi advertida pessoalmente para as consequências da sua recusa, e persistiu nesta, e disse ainda não se recordar de a arguida ter referido que queria continuar a prestar declarações noutro dia.
Também a testemunha R..., Oficial de Justiça, foi, no essencial, ao encontro do depoimento do Sr. Procurador Adjunto, quer quanto à circunstância de a arguida, apesar de advertida de que a sua recusa a prestar declarações constituiria a prática de um crime, ter persistido nessa conduta, quer quanto ao facto de não se recordar que a arguida tenha mostrado disponibilidade para prestar declarações noutra data.
Desta forma, da prova que vem sendo enunciada, ficou o tribunal convencido de toda a factualidade imputada à arguida no libelo acusatório, dando-se a mesma como demonstrada.
Quanto ao facto vertido em 8. o tribunal alicerçou a sua convicção no teor do auto de declarações junto a fls. 66 a 69 dos autos, do qual consta o teor da justificação/requerimento ditado pela advogada que representava a arguida, não podendo deixar de sublinhar-se que o mesmo não foi posto em causa em audiência e do seu teor não decorre que a recusa se tenha baseado na circunstância de ter sido alegado que da resposta às perguntas em causa poderia resultar a responsabilização penal da aqui arguida, então denunciante/assistente.
De resto, o teor do referido auto de declarações veio reforçar igualmente a demonstração dos factos vertidos em 1. a 5., a qual já resultava do depoimento das testemunhas J… e R....
As testemunhas apresentadas pela arguida, M..., A… e I..., não assistiram à diligência em causa, não tendo presenciado os factos, pelo que as declarações prestadas pelas mesmas acabaram por relevar quanto à forma como a arguida é tida e considerada no meio social em que vive e quanto aos factos vertidos em 9. a 11.
De referir que a circunstância de a testemunha I... ter afirmado que arguida, antes de se iniciar a inquirição, tinha demonstrado disponibilidade para responder ao que lhe iria ser perguntado e ter aparentado nervosismo quando saiu da diligência, não invalida, de forma alguma, a ocorrência dos factos imputados na acusação, atenta a prova colhida e supra explanada.
Finalmente, quanto às condições económicas e pessoais da arguida interessaram as declarações da mesma, que nesta parte, se mostraram credíveis, sendo que quanto à ausência de antecedentes criminais o tribunal fundou-se no certificado de registo junto aos autos.
Relativamente à factualidade não provada, a sua indemonstração resultou da circunstância de não ter sido colhida prova capaz de a comprovar em audiência, não podendo deixar de sublinhar-se que existe um elemento processual susceptível até de infirmar tais factos, já que tem de ter-se em conta que as perguntas formuladas pelo Sr. Procurador Adjunto na diligência em causa estavam perfeitamente determinadas na decisão do Sr. Procurador da República, e compulsado o teor da mesma, consubstanciam perguntas directas e claras, que na diligência de inquirição, conforme decorre do respectiva auto, foram feitas uma a uma.
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APRECIANDO

Perante as conclusões da motivação, no presente recurso impugna-se a decisão proferida sobre a matéria de facto, considerando a recorrente ter sido efectuada errada apreciação da prova produzida em julgamento e, pugnando pela sua absolvição invoca a violação dos princípio da livre apreciação da prova e in dubio pro reo.
Requereu ainda a recorrente que a sentença fosse corrigida, ao abrigo do disposto na al. b) do n.º 1 do artigo 380º do CPP porquanto, tendo prestado declarações na qualidade de assistente, na mesma se fez constar “sendo inequívoco que a arguida prestou depoimento na qualidade de testemunha”.
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Correcção da sentença:
Como resulta dos autos e foi dado como provado nos pontos 1 e 8, no decurso de diligência realizada no âmbito dos autos de inquérito registados sob o NUIPC 293/07.2GAACB foram tomadas declarações à assistente, ora arguida/recorrente.
Todavia, na fundamentação de direito da sentença recorrida, a fls. 505, consta “sendo inequívoco que a arguida prestou depoimento na qualidade de testemunha”.
Ora, como estabelece o artigo 133º, n.º 1, al. b) do CPP os assistentes estão impedidos de depor como testemunhas.
Por conseguinte, não restando quaisquer dúvidas de que a ora recorrente então prestou declarações na qualidade de assistente, a aludida afirmação deveu-se a mero lapso do tribunal, cuja rectificação não importa modificação essencial, cabendo a este tribunal de recurso, proceder à correcção da sentença, nos termos do que dispõe o artigo 380º, n.ºs 1, al. b) e 2 do CPP.
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Nos presentes autos foi a arguida condenada pela prática do crime p. e p. pelo artigo 360º, nºs 1 e 2 do C. Penal, por se ter considerado (e dado como provado) que, encontrando-se a prestar declarações na qualidade de assistente no âmbito do já aludido inquérito, a partir de determinado momento recusou-se a continuar a prestar as declarações.
A primeira questão que se coloca é a de saber se a apurada conduta da arguida constitui crime, designadamente aquele por que foi condenada, de acordo com o princípio da legalidade (art. 1º do CP) de que «só pode ser punido criminalmente o facto descrito e declarado passível de pena por lei anterior ao momento da sua prática».
A resposta, desde já avançamos, é necessariamente negativa.
Dos crimes Contra a Realização da Justiça fazem parte, entre outros, a “Falsidade de depoimento ou declaração” – artigo 359º e a “Falsidade de testemunho, perícia, interpretação ou tradução” – artigo 360º, ambos do Código Penal.
No artigo 359º estão previstas as falsas declarações prestadas pela parte em processo civil, assistente e partes civis em processo penal, e pelo arguido e, no artigo 360º a falsidade das testemunhas, peritos, tradutores e intérpretes.
Como salienta Medina de Seiça ( - in Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte especial, Tomo III, 2001, pág. 453.) “o legislador dividiu os declarantes em dois grupos tendo por base um critério de interesse na causa: no art. 360º os depoentes terceiros ao conflito, meros participantes processuais; no art. 359º, verdadeiros sujeitos do processo, partes interessadas que sustentam uma posição no litígio”.
Os assistentes (art. 68º) têm a posição de colaboradores do Ministério Público, a cuja actividade subordinam a sua intervenção no processo, salvas as competências especiais previstas no n.º 2 do artigo 69º do CPP, e estão sujeitos ao dever de verdade e a responsabilidade penal pela sua violação (respectivamente, artigos 154º, n.º 2 do CPP e 359º, n.º 2 do CP).
Acontece, que relativamente aos participantes processuais enumerados no n.º 1 do artigo 360º do CP, a sua recusa a depor ou a apresentar relatório, informação ou tradução, é punida nos termos do n.º 2 deste preceito. Porém, a recusa em prestar declarações por banda dos agentes referidos no artigo 359º, designadamente os assistentes em processo penal, não tem quaisquer consequências a nível de responsabilidade penal (caso contrário, tais consequências deveriam constar no próprio preceito – o 359º, conforme opção legislativa quanto aos terceiros/participantes a que alude o n.º 2 do art. 360º).
Escolhendo o legislador as condutas que entende incriminar; quanto às partes interessadas, como é o caso do assistente, eventualmente terá atendido que a sua recusa em prestar declarações já lhe acarreta consequências pois, não aproveita a oportunidade de prestar esclarecimentos relativos a matéria de seu interesse.
Logo, a apurada conduta da ora recorrente, ao ter-se recusado a prestar declarações (ou recusado a continuar a prestar declarações), na qualidade de assistente, não sendo típica, não constitui crime, e não se encontra prevista no n.º 2 do artigo 360º do CP (dado este preceito ser aplicável a outros participantes processuais).
Em consequência, deve a arguida ser absolvida do crime por que se encontrava acusada.
Procede, assim, o recurso, ainda que por razão diversa.

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III- DECISÃO

Face ao exposto, acordam os juízes da secção criminal deste Tribunal da Relação em:
- Conceder provimento ao recurso e, em consequência:
a) - Corrigir a sentença recorrida, passando a linha 13 de fls. 9 da sentença recorrida a ter a seguinte redacção: «arguida prestou declarações na qualidade de assistente»; - (deverá esta rectificação constar na própria sentença, a fls. 505 dos autos).
b) - absolver a arguida L... da prática do crime por que se encontrava acusada.
Não é devida tributação.


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ELISA SALES (RELATORA)
PAULO VALÉRIO