Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
352/08.4TTCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FELIZARDO PAIVA
Descritores: DOCUMENTO
PROVA PLENA
INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA
Data do Acordão: 07/14/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE COIMBRA – 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 71º, Nº 2, C.P.T.; 359º, 374º E 376º DO CC.
Sumário: I – Não havendo impugnação, a autoria da assinatura de recibos deve ser considerada como verdadeira, face ao disposto no nº 1 do artº 374º CC; e estando reconhecida a autoria do documento, este faz prova plena quanto ás declarações atribuídas ao seu autor e que lhe sejam desfavoráveis, nos termos do disposto no artº 376º, nºs 1 e 2 do mesmo código.

II – Nos termos do artº 359º, nº 1, do CC, a confissão, judicial ou extrajudicial, pode ser declarada nula ou anulada, nos termos gerais dos artºs 240º e segs. do CC, quanto à falta e aos vícios de vontade, e 285º e segs. quanto ao regime de nulidade ou anulabilidade.

III – Deve ter-se como plenamente provado o recebimento, por parte do autor/trabalhador, das quantias insertas no documento/recibo por ele assinado, quando não seja impugnada a autoria e a assinatura de tal documento e não seja arguida a sua falsidade.

IV – Não faz sentido que por força da mera aplicação da norma processual do artº 71º, nº 2, do CPT, se dêem como provados factos contrários àqueles que já se encontram plenamente provados por documento.

V – Assim, tendo em conta a unidade do sistema jurídico, impõe-se que se faça uma interpretação restritiva do nº 2 do artº 71º do C.P.T., no sentido de que se deverão dar como provados os factos alegados pela outra parte que forem pessoais do faltoso, salvo se estes factos já se encontrarem provados plenamente.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:

I – A..., solteiro, maior, residente em ..., propôs a presente acção declarativa de condenação com processo comum laboral contra B..., S.A., com sede em ..., pedindo que a ré seja condenada:

a) A reconhecer as nulidades e irregularidades que invoca referentes ao processo disciplinar e a consequente ilicitude do seu despedimento ou, subsidiariamente, caso assim se não entenda:

b) A reconhecer que à data do exercício da acção disciplinar já havia ocorrido a prescrição da mesma, com a consequente ilicitude do despedimento; ou, mais subsidiariamente ainda.

c) Que inexistia fundamento factual que justificasse a determinação do despedimento:

Em consequência de que,

d) Deve a ré pagar ao autor a quantia de 65.621.29 euros, acrescida das retribuições que este deixou de auferir e se vencerem até trânsito em julgado da decisão judicial, acrescida de todas as despesas e honorários que o autor foi forçado a fazer com o seu mandatário forense e o presente processo judicial, a liquidar cm execução de sentença:

e) Tudo e sempre acrescido dos juros vincendos legais até efectivo e integral pagamento.

Alegou, em síntese, que celebrou verbalmente com a ré, um contrato de trabalho, a 19/2000, pelo qual aquele passou a prestar a esta a sua actividade de pedreiro de 2ª, mediante remuneração horária que foi sendo actualizada:

Sem motivos para tal, a ré instaurou ao autor um procedimento disciplinar. a final do qual procedeu ao seu despedimento, que foi comunicado ao demandante a 23/08/2007:

No entanto, o despedimento foi ilícito, uma vez que o procedimento disciplinar se encontra eivado de nulidades invalidades, quer porque o procedimento pelos factos imputados ao autor se encontrava há muito prescrito ou porque não se tratava de verdadeiros factos, mas de meros juízos de valor não concretizados no espaço e no tempo (impedindo o trabalhador ele se defender eficazmente! e mesmo porque outros factos são falsos:

Apesar de denunciadas as apontadas nulidades, a decisão disciplinar nem sobre elas se pronunciou, estando, ela própria, ferida de nulidade:

Tem, assim, o autor direito a uma indemnização substitutiva da reintegração no montante actualizado (à data da propositura da acção) de 11.658.34 € e à compensação pelas retribuições que deixou de auferir, no montante diferencial de 817,50 € (o autor passou a trabalhar para outro empregador poucos meses após o seu despedimento pela ré):

Por outro lado, no decurso da relação laboral, a ré não pagou ao autor um crédito de 30.108.65 € e referente a trabalho suplementar (duas horas por cada dia útil de trabalho), assim como não lhe pagou o valor de 8922.40 € de subsídios de férias e um montante de 5192,00 € respeitante a férias não gozadas, totalizando um valor global de créditos laborais cm dívida,


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Frustrada a diligência conciliatória da audiência de partes, contestou a ré alegando, no essencial, ser verdadeira a factualidade imputada ao autor na nota de culpa e que foi dada como provada na decisão final:

A ré, na pessoa dos seus responsáveis detentores do poder disciplinar, só teve conhecimento de todos os factos em causa cm 6 de Julho de 2007, pelo que o exercício do poder disciplinar foi inteiramente tempestivo.

Os factos dados como provados revestem-se de grande gravidade, designadamente em função da sua larga reiteração, sendo praticamente impossível (inexigível) a manutenção da relação laboral.

Foram respeitados todos os direitos de defesa do trabalhador, sendo objecto de análise e consideração a sua resposta á nota de culpa.

O despedimento foi, pois, lícito e regular, com justa causa.

É falso que estejam em dívida os restantes créditos laborais peticionados que, ou não existem (trabalho suplementar), ou foram gozados (férias) ou foram pagos (subsídios de férias).

Finalizou, requerendo que a acção fosse julgada improcedente.


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Respondeu o autor reiterando tudo o afirmado na petição inicial e impugnando as excepções (designadamente a de pagamento) invocadas pela ré e requerendo a condenação desta como litigante de má fé em multa e indemnização a favor do demandante.

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II – Prosseguiram os autos a sua normal tramitação, sem elaboração de base instrutória e com realização de julgamento, no qual a ré não se fez representar por advogado, não tendo justificado tempestivamente tal falta.

Por fim veio a ser proferida sentença na qual se julgou a acção parcialmente procedente e se decidiu:

A) Declarar a ilicitude do despedimento do autor, em parte por invalidade do procedimento disciplinar e, na parte restante por improcedência (não prova) da justa causa invocada pela ré no mesmo procedimento:

B) Condenar a ré a pagar ao autor:

1. As retribuições que este deixou de auferir desde 30 dias antes da data da propositura da acção até ao trânsito em julgado da decisão judicial, encontrando-se actualmente vencidas retribuições no montante de 4.574,36

2. Uma indemnização substitutiva da reintegração correspondente a 30 dias de retribuição base por cada ano de antiguidade até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal, encontrando-se actualmente vencido o montante de 8.897,75 €.

3. A título de retribuições por férias não gozadas durante a vigência do contrato, a quantia líquida de 5873,10 €:

4. a título de subsídios de férias não pagos durante a vigência do contrato, a quantia líquida de 6.566,43 €:

5. A título de subsídios de Natal não pagos durante a vigência do contrato, a quantia líquida de 6.566 €.

6. Juros moratórios à taxa supletiva legal dos juros dos créditos de natureza meramente civil, sobre as quantias líquidas acima fixadas, desde o seu vencimento e até integral pagamento:

7. A título de trabalho suplementar, o montante que se apurar em eventual e posterior incidente de liquidação (sempre com o limite de 30.108,65 € constante do pedido parcial líquido a propósito formulado pelo autor), tendo em atenção que a relação laboral se manteve de 1/9/2000 a 23/8/2007, e que apenas se provou que o autor prestou, praticamente todos os dias, 10 horas de serviço (facto 8) e que, nos meses de Verão chegou até a trabalhar 11, 12 e até 13 horas por dia (facto 9):

C) Absolver a ré de tudo o demais peticionado.


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III – Inconformada veio a ré apelar, alegando e concluindo:

[…]

Deve ser concedido provimento, anulando-se parcialmente a decisão no que diz respeito à prova do processo disciplinar, ordenando-se o julgamento neste particular, por não se operar o efeito cominatório

Deve ser revogada a condenação no trabalho suplementar, subsídios de férias e de Natal e outros créditos atendendo aos documentos de quitação, substituindo-se por outra que absolva a recorrente do pedido.


+

O autor não apresentou resposta.

+

Recebida a apelação o Exmo PGA emitiu parecer no sentido de que a apelação não merece provimento.

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IV – Da 1ª instância vem assente a seguinte matéria de facto:

[…]


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V - Do Direito:

Conforme decorre das conclusões da alegação dos recorrentes que, como se sabe, delimitam o objecto do recurso (artºs 684º nº 3 e 690º nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), as questões que importa resolver são as seguintes:

1) Saber se ocorreu a nulidade de sentença prevista no artigo 668º nº 1 alínea d) do Cód. Proc. Civil

2) Saber se, havendo lugar à aplicação do disposto no artigo no artigo 71º nº 2 do Cód. Proc. Trabalho, o tribunal “quo” podia:

a) Dar como provados os factos levados à nota de culpa;

b) Dar como provados os factos relativos ao não pagamento dos subsídios de férias e de Natal, considerando o teor dos recibos assinados pelo autor e juntos aos autos.

Da nulidade da sentença:

Independentemente de saber se a sentença enferma do vício que a recorrente lhe aponta, há a assinalar que a arguição da nulidade da sentença não teve lugar no requerimento de interposição do recurso da forma imposta pelo artº 77º nº 1 di Cód. Proc. Trabalho – expressa e separadamente (“a arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso”).

Como se sabe, a referida norma do Cód. Proc. Trabalho encontra a sua razão de ser na circunstância das nulidades serem, em primeira linha, dirigidas à apreciação pelo juiz pelo tribunal da 1ª instância e para que o possa fazer. Radica no “princípio da economia e celeridade processuais para permitir ao tribunal que proferiu a decisão a possibilidade de suprir a arguida nulidade” (v., por todos, Ac. Relação do Porto e 20-2-2006, in www.dgsi.pt. proc. n° 0515705 e jurisprudência ali citada).

O Ac. do Tribunal Constitucional n° 304/2005, DR, II Série de 05.08.2005 confirma esta doutrina: em processo do trabalho, o requerimento de interposição de recurso e a motivação deste, no caso de arguição de nulidades da sentença, deve ter duas partes, a primeira dirigida ao juiz da 1ª instância contendo essa arguição e a segunda (motivação do recurso) dirigida aos juízes do tribunal para o qual se recorre.

Por conseguinte, uma vez que o procedimento utilizado pela ré apelante, para a arguição da nulidade da sentença, não está de acordo com o legalmente exigido em processo de trabalho, a sua arguição deverá ser considerada extemporânea o que implica o seu não conhecimento, o que se decide.

Da prova dos factos levados à nota de culpa:

Conforme já houve oportunidade de referir, a materialidade dada por provada foi assim considerada por aplicação do disposto no artigo 71º nº 2 que determina “se alguma das partes faltar injustificadamente e não se fizerem representar por mandatário judicial, consideram-se provados os factos alegados pela outra parte que forem pessoais do faltoso”.

Por factos pessoais, segundo Leite Ferreira, “in” Cód. Proc. Trabalho[1] anotado, 4ª edição, págª432 “deve entender-se aqueles que a parte não ignora ou de que não pode, razoavelmente, alegar ignorância ...)

Compete à entidade patronal fazer a prova dos factos susceptíveis de integrar a justa causa de despedimento, não lhe sendo lícito na acção de impugnação invocar outros que não constem da decisão de despedimento.

Assim sendo, lê-se na citada obra de Leite Ferreira, págª 431[2]ao autor trabalhador caberá apenas alegar que foi despedido sem justa causa, sem necessidade de invocar os factos que, em seu entender, a caracterizam.

A asserção é correcta, todavia a prudência aconselha que se não siga o princípio à risca”.

Ora, não obstante, confrontando a materialidade provada com a narrada na petição inicial logo se alcança que aquela se ateve a esta; e porque os factos articulados na p.i eram, na definição acima referida, pessoais da ré, outra alternativa não houve que não fosse dá-los como provados em obediência ao estipulado na lei processual do trabalho em face da constatação de que a ré faltou injustificadamente ao julgamento não se tendo feito representar.

Não merece, pois, a decisão recorrida qualquer censura nesta parte.

Da prova dos factos relativos ao não pagamento dos subsídios de férias e de Natal:

Alega a ré que o tribunal “quo” não valorou a prova documental junta aos autos – recibos quitação donde consta a seguinte declaração; “declaro que recebi a quantia constante neste recibo, nada mais tendo a receber até à data”.

Estes recibos constam de fls 238 a 300, mostram-se assinados com o nome do autor, nalguns deles consta a declaração citada e as quantias deles constantes encontram-se descritas sob as rubricas “vencimento”, “subsídio de alimentação”, “subsídio de férias”, “subsídio de Natal[3] e “ajudas de custo”.

Acontece que na petição inicial o autor alegou nos artigos 62 a 68 da p.i. que “a R efectuava o pagamento dos vencimentos do A, única e exclusivamente com base nas horas de trabalho efectivamente prestadas, sendo certo que nunca efectuou qualquer pagamento, efectivo, a título de subsídios de alimentação, de férias ou de Natal. Como também. O A só entre 1 e 23 de Julho de 2007 é que gozou férias, num total de 16 dias, nunca antes tendo gozado férias. A R tinha o cuidado de, pelo menos formalmente camuflar a fuga aos seus deveres legais, mediante processamento, nos recibos de vencimento, do alegado pagamento dos subsídios supra referidos, como se efectivamente pagos fossem e para "acertar" os valores que pagava ao A, a R processava o "excedente" sob a rubrica "ajudas de custo", evitando assim os legais descontos sobre a retribuição efectiva do A. Daí que, só o valor final ("total pago") que constava dos recibos é que correspondia à realidade. Quanto aos demais dizeres, designadamente a distribuição dos valores sob as rubricas "vencimento", "subsídios de alimentação" "subsídio de férias", "subsídio de natal" e "ajudas de custo" eram efectuados pela R, conforme os seus desígnios melhor o ditavam, sem que o A neles tivesse qualquer tipo de intervenção”.

E, na resposta à contestação alegou o autor que “assinava os recibos que lhe eram apresentados, não tendo qualquer intervenção na elaboração do teor dos mesmos. Não se recorda de que alguma vez tivessem constado dos recibos os dizeres referidos em 31º da contestação. Aliás, nenhum dos recibos que tem na sua posse, e são praticamente todos desde o início da sua actividade junto da R , ostenta tais dizeres. Pelo que, tal alegação certamente se deverá, em exclusivo, à imaginação fértil da R, ou esta, ou alguém por ela, terá “carregado na tinta”. No que se refere aos documentos juntos pela R. vão os mesmos, todos à cautela e expressamente impugnados”.

Desta alegação não resulta que o autor tenha impugnado a autoria do documento ou a assinatura neles aposta e que lhe é atribuída. Aliás, é o próprio a reconhecer de forma expressa que “assinava os recibos que lhe eram apresentados”, ou seja, reconhece a autoria da sua assinatura.

O que o autor faz é insurgir-se contra o teor das declarações constantes dos próprios documentos - recibos - dizendo que as quantias neles referidas não foram para pagamento das rubricas nele inscritas e, neste sentido, deve ser interpretada a afirmação de que “No que se refere aos documentos juntos pela R. vão os mesmos, todos à cautela e expressamente impugnados”.

Contudo, não se pode olvidar que, por falta de impugnação, a autoria da assinatura do autor nos recibos se deve considerar como verdadeira “ex vi” nº 1 do artigo 374º do Cód. Civil; e estando, como está, reconhecida a autoria do documento, este faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor e que lhe sejam desfavoráveis nos termos do disposto no artigo 376º nºs 1 e 2 do mesmo código.

A propósito desta questão pode ler-se no Ac do STJ de 07.05.09, processo 09A0664 “inwww.dgsi.pt/jstj, que “os documentos particulares assinados pelo seu autor, se não existir a impugnação a que aludem os arts. 374º e 375º, fazem prova plena em relação às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo, porém, da arguição e prova da sua falsidade. Fica, assim, plenamente provado que o autor proferiu essas declarações.

Como resulta do nº 2 do art. 376º, os factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que sejam contrários aos interesses do declarante, sendo, todavia, indivisível a declaração, nos termos prescritos para a prova por confissão.

Os factos objecto da declaração que forem contrários aos interesses do declarante apresentam-se como factos objecto de confissão e, por isso, consideram-se provados nos termos gerais da confissão (vide a este propósito Vaz Serra in RLJ, ano 110º, pág. 85).

Isto não significa que o declarante não possa provar que essa declaração não correspondeu à verdade. Porém só o poderá fazer se invocar que a declaração foi inquinada por algum vício de consentimento, não tendo sido verdadeiramente querida por si. Como diz Vaz Serra “a regra do nº 2 do art. 376º constitui uma presunção fundada na regra de experiência de quem afirma factos contrários aos seus interesses o faz por saber que são verdadeiros; essa regra não tem, contudo, valor absoluto, pois pode acontecer que alguém afirme factos contrários aos seus interesses apesar de eles não serem verdadeiros e que essa afirmação seja divergente da sua vontade por se ache inquinada de algum vício de consentimento: o facto declarado no documento considera-se verdadeiro embora o não seja, por aplicação das regras da confissão podendo, porém, o declarante, de acordo com as regras desta, valer-se dos respectivos meios de impugnação. Pode, por isso, provar o declarante que a sua declaração não correspondeu à sua vontade ou que foi afectada por algum vício de consentimento (cfr. art. 359º)” (mesma revista, pág. 85).

Ainda no mesmo sentido em anotação ao art. 376º referem Pires de Lima e Antunes Varela que “o nº 1 deste artigo deve ser interpretado em harmonia com o disposto no nº 2. Só as declarações contrárias aos interesses do declarante se devem considerar plenamente provadas e não as favoráveis, como no caso de se declarar que se emprestou a alguém determinada quantia. A força probatória do documento não impede que as declarações dele constantes sejam impugnadas com base na falta de vontade ou nos vícios de vontade capazes de a invalidarem” (in Código Civil Anotado, 4ª edição, Volume I, pág. 332).

Assim, num documento particular cuja autoria não seja colocada em causa nos termos acima referidos, a declaração nele contida considera-se plenamente provada, na medida em que seja contrária aos interesses de quem a profere, a não ser que o declarante refira que não correspondeu à sua vontade ou que foi afectada por algum vício de consentimento, o que terá que expressamente arguir. Naquela conformidade, a declaração é equiparada a uma confissão, aplicando-se-lhe o respectivo regime.

Em relação à confissão extrajudicial (em causa no caso vertente) estabelece o art. 358º nº 2 que a “confissão extrajudicial, em documento autêntico ou particular, considera-se provada nos termos aplicáveis a estes documentos e, se for feita à parte contrária ou a quem a represente, tem força probatória plena”, sendo que a “confissão judicial ou extrajudicial pode ser declarada nula ou anulada, nos termos gerais, por falta ou vícios de vontade, mesmo depois do trânsito em julgado da decisão, se ainda não tiver caducado o direito de pedir a sua anulação”.

Como refere Manuel de Andrade, a confissão “ quando exarada em documento com força probatória plena e for feita à parte contrária ou a quem a represente, tem força probatória plena (art. 358º nº 2 do Cód. Civil)” (in Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1976, pág. 247).

Ainda em relação ao valor probatório da confissão extrajudicial, este mesmo autor sustenta que uma vez estabelecida a sua autenticidade, essa confissão (escrita) “só vincula o confitente (e através dele o juiz) quando dirigida à parte interessada ou seu representante; se for feita a um terceiro ou ainda se contida em testamento o juiz apreciá-la-á livremente (Cód. Civil art. 358º nº2 e 4)” (obra citada, pág. 255).

De sublinhar também que nos termos do art. 359º nº 1 “a confissão, judicial ou extrajudicial, pode ser declarada nula ou anulada, nos termos gerais, por falta de vícios de vontade, mesmo depois do trânsito em julgado da decisão, se ainda não tiver caducado o direito de pedir a sua anulação”.

Quer isto dizer que a confissão pode declarada ser nula ou anulada nos termos gerais dos arts. 240º e seguintes quanto à falta e aos vícios de vontade, e 285º e seguintes, quanto ao regime de nulidade ou anulabilidade (vide Pires de Lima e Antunes Varela, obra referida, pág. 318)”.

No caso em análise, deve concluir-se que, uma vez que o A. não impugnou a autoria nem a assinatura do documento (recibos), não arguiu a sua falsidade e nem invocou que as afirmações nele constantes haviam sido efectuadas com qualquer vício de vontade, devem ter-se como plenamente provadas essas declarações, na medida em que são contrárias a quem as proferiu, aproveitando à parte contrária, ao R.

Por isso, deve ter-se como plenamente provado o recebimento, por parte do autor, das quantias insertas no documento, ou seja, a afirmação exarada nos recibos pelo autor de que recebeu as quantias nele indicadas, a título de férias e subsídio de férias, faz prova plena dessa afirmação, equivalendo a uma confissão extrajudicial.

E chegados a este ponto outra questão se nos depara.

Como compaginar o regime substantivo relativo à força probatória das declarações constantes do documento particular com a norma processual que manda, no caso de uma das partes faltar injustificadamente à audiência de julgamento e não se fizer representar por mandatário judicial, considerar provados os factos alegados pela outra parte que forem pessoais do faltoso?

Em primeiro lugar, entendemos que as normas de índole substantivo devem prevalecer sobre as normas processuais ou de simples procedimento sob pena de se estar a dar mais importância ou primazia à forma do que à substância.

Ao que cremos, não faz sentido que por força da mera aplicação da norma processual se dê como provados factos contrários àqueles que já se encontram plenamente provados por documento.

Assim, tendo em conta a unidade do sistema jurídico, impõe-se que se faça uma interpretação restritiva[4] do nº 2 do artigo do artigo 71º do Cód. Proc. Trabalho no sentido de que se deverão dar como provados os factos alegados pela outra parte que forem pessoais do faltoso, salvo se estes factos já se encontrarem provados plenamente.

Na interpretação agora perfilhada, não podia o tribunal “a quo” ter dado como provado que os subsídios de férias e de Natal se encontram por pagar impondo-se, neste particular, a alteração da matéria de facto ao abrigo do disposto no artigo 712º nº 1 alínea a) do Cód. Proc. Civil.

Assim, altera-se a decisão de facto pela seguinte forma:

Ponto 41. A ré nunca efectuou qualquer pagamento efectivo, a título de subsídios de alimentação, tendo procedido ao pagamento dos subsídios de férias e de Natal nos montantes referidos nos recibos juntos a fls.238 a 300 dos autos

Suprime-se o Ponto 43 dessa matéria.

Compulsados os recibos verifica-se (ressalvando qualquer lapso devido à má qualidade das cópias que, em alguns casos, dificulta a percepção daquilo que se encontra escrito nos documentos) que durante a vigência contratual o autor recebeu da ré, a título de subsídios de férias e de Natal a quantia global de € 5.482,26, a qual deve ser abatida à quantia objecto da condenação.


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VI Termos em que se delibera julgar a apelação parcialmente procedente em função do que se decide revogar em parte a sentença impugnada indo o réu condenado a pagar ao autor a quantia de € 3.825,30 a título de subsídio de férias e igual quantia a título de subsídio de Natal, no mais se confirmando a sentença recorrida.

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Custas a cargo do autor e da ré na proporção da sucumbência.


[1] Aprovado pelo Dec. Lei nº 272-A/81 de 30/09.
[2] Com referência à legislação anterior ao Cód. do Trabalho, mas que continua a manter actualidade em face do regime neste código consignado.
[3] Subsídio de férias e de natal que, segundo a ré, eram pagos em duodécimos.
[4] Esta interpretação, como refere Francesco Ferrara “in” Interpretação e Aplicação da Lei, 3º edição, 1978, tem lugar quando se reconhece, como é o caso, que o texto, entendido no modo tão geral como está redigido, viria a contradizer outro texto da lei.