Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
225/12.6 GCSCD. C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISABEL VALONGO
Descritores: COMPETÊNCIA HIERÁRQUICA; TRIBUNAL DA 1.ª INSTÂNCIA; TRIBUNAL DA RELAÇÃO;
NULIDADE INSANÁVEL
Data do Acordão: 06/13/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU (JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE SANTA COMBA DÃO – JUIZ 1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 202.º E 203.º E 210.º DA CRP; ART. 4.º E 42.º DA LOTJ; ART. 119.º, AL. E), DO CPP
Sumário:
I - Tendo sido determinado, em anterior acórdão do Tribunal da Relação, a elaboração de outra decisão final para que nela fosse avaliada toda a prova produzida em julgamento, com inclusão da prova por reconhecimento, a prolação de nova sentença sem acatamento do decidido por aquele tribunal superior, consubstanciando violação de competência hierárquica, é geradora da nulidade prevista na al. e) do artigo 119.º do CPP.
II – Tal nulidade implica a invalidade da sentença, impondo-se o regresso do processado à fase processual adequada ao cabal cumprimento do acórdão da Relação.
Decisão Texto Integral:
I - Relatório
Pelo Tribunal Judicial da Comarca de VISEU - Instância Local de Santa Comba Dão – Sec. Comp. Gen. – J1, sob acusação do Ministério Público, foram submetidos a julgamento em processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, os arguidos:
- A1, filho de --- e de --- , nascido a 19-06-1966, residente no Bairro -------,
- A2, filho de --- e de ----, nascido a 25-09- 1974, residente na Rua ------,
- A3, conhecido por “---”, solteiro, desempregado, filho de ---- e de ---, nascido a 06.02.1980, residente na Rua -----------,
- A4, filho de --- e de ---, nascido a 04.08.1986, residente em Caminho --------------,
- A5, solteiro, --, filho de ----- e de ---- , nascido a 21.07.1958, residente na Rua -----------,
Imputando aos arguidos A1, A2, A3 e A4, a prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo artigo 204º, nº2 al. e) e 26º, todos do C.P
E imputando ao arguido A5, a prática em autoria material de um crime de receptação, p. e p. pelo disposto no artigo 231.º, n.º 1 do C.P.
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Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal a quo, por sentença proferida a 11-07-2016, decidiu:
“- Absolver os arguidos A2, A3 e A4, da prática em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo artigo 204º, nº2, al. e), do Código Penal;
- Absolver o arguido A5, da prática como autor material de um crime de recetação, previsto e punido pelo art. 231º, nº1 do Código Penal.
- Julgar totalmente improcedente o pedido de indemnização civil deduzido por ASS, a fls. 248 e ss. e, consequentemente absolver do mesmo os demandados A2, A3, A4 e A5.”
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Foi ordenada a separação do processo em relação ao arguido A1 - cfr acta da audiência de julgamento.
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Inconformada com a sentença dele interpôs recurso a assistente ASS, que por acórdão desta Relação foi julgado provido tendo sido declarada nula a sentença recorrida e determinada a sua substituição por outra que suprisse a nulidade apontada.
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Proferida nova sentença, com o mesmo desfecho, novamente inconformada com a decisão dela interpôs recurso a assistente ASS, concluindo a sua motivação do modo seguinte:
“1. A recorrente discorda da decisão do Tribunal a quo que absolveu os arguidos A2, A3 e A4, da prática em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo artigo 204º, nº2, al. e), do Código Penal; absolveu o arguido A5, da prática como autor material de um crime de receptação, previsto e punido pelo art. 231º, nº1 do Código Penal e julgou totalmente improcedente o pedido de indemnização civil deduzido por ASS, a fls. 248 e ss. e, consequentemente absolver do mesmo os demandados A2, A3, A4 e A5.
2. O Tribunal a quo não fez uma correcta qualificação jurídico-penal dos factos carreados para os autos, na medida em que, com o devido respeito, a correcta subsunção dos mesmos levaria à condenação dos arguidos.
3. A recorrente põe em causa o julgamento das alíneas a) a v) da factualidade dada como não provada, assim como o julgamento dos pontos 12 e 19 da factualidade dada como provada, na medida em que considera que a prova carreada para os autos, foi idónea a provar que a recorrente provocou os danos no veículo da assistente.
3. A apreciação da prova feita pelo tribunal, que conduziu à matéria provada e não provada, com especial relevo para a apreciação da prova constituída pelos autos de reconstituição do crime, na sua conjugação com os demais elementos de prova produzidos, deveria merecer uma diferente conclusão.
4. Considerou o tribunal recorrido, em 11.07.2016, no que respeita à reconstituição do facto, que esta só teve lugar após a tomada de declarações aos arguidos, nessa qualidade e que a ser valorado na parte confessória era uma forma de ludibriar a proibição de prova pelo que não poderia ser atendido, nem valorado.
5. Dessa sentença proferida, a recorrente interpôs o competente recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra onde, para além do mais, discordou da conclusão alcançada pelo tribunal a quo, mormente, sobre a validade probatória do auto de reconstituição juntos aos autos a fls 32 e ss., isto atendendo ao silêncio do arguido A3 em sede de audiência de julgamento.
6. Foi proferido douto Acórdão, onde, para além do mais, foi decidido o seguinte: “Defendendo nós que os esclarecimentos prestados pelo arguido na reconstituição de facto são contribuições que se integram no meio de prova autónomo a que alude o art. 150º do C.P.P., com este se confundindo, e que nada obsta a que os órgãos de polícia criminal prestem depoimento sobre os termos e o modo como decorreu a reconstituição do facto, não podemos concordar com a parte da fundamentação da matéria de facto da sentença recorrida. A reconstituição do facto com a contribuição de alguém que assume ter praticado um crime, para poder ser considerada livre, deve ser realizada com a constituição dela como arguido – como foi – pois só assim está informado dos direitos que lhe assistem e que integram o seu estatuto processual. Impunha-se assim que o tribunal recorrido valorasse os autos de reconstituição de factos e por consequência valorasse os depoimentos prestados pelos elementos da GNR, - testemunhas GNR1, GNR2 e GNR3, em conjugação com as declarações da assistente e do arguido A5 e os autos de apreensão, o que não fez pela via da não valoração do meio de prova constituído pelos autos de reconstituição”, realizados nos termos do art. 150º do Código de Processo Penal. A não valoração daquele meio de prova, levou a desconsiderar a restante prova e consequentemente à aplicação do princípio in dubio pro reo. O que necessariamente vem a integrar uma omissão que acarreta a nulidade da sentença, nos termos do disposto no art. 379º nº 1 al. a) do CPP. Impõe-se que o tribunal recorrido reavalie toda a prova, conjugadamente, valorando os autos de reconstituição e elabore nova sentença.”
7. Os autos foram, novamente, apreciados pelo tribunal recorrido que, a nosso entender, incorreu, novamente – e com respeito se diga – teimosamente, no mesmo erro de não valoração do auto de reconstituição, o que, inevitavelmente, conduzirá a nova decisão de nulidade da sentença recorrida, pelo mesmo motivo.
8. Isto porque, resulta da sentença, agora proferida – cujo conteúdo é o mesmo da anterior, com excepção de mais, extensas, considerações, ali, inseridas, quanto à apreciação do auto de reconstituição – o seguinte: “Ora do auto de reconstituição dos autos o que temos é o arguido, sem a presença de defensor, a descrever, a indicar aos agentes de autoridade o que ele fez, pelo que não podemos ter-se por bem elaborado e de acordo com o que refere o art. 150º, nº 1 do CPP esta diligência de reconstituição dos factos”.
9. Quanto a este segmento de sentença, ter-se-á que referir que não se entende a consideração feita ao facto de o arguido não estar acompanhado de defensor, no acto de reconstituição de facto, quando em sede de questão prévia, precisamente, quanto à ausência de defensor, dando essa questão por ultrapassada, não sendo susceptível de por em causa a validade dessa diligência. Tendo sido feita essa consideração, não se entende a referência a esse facto, neste segmento.
10. Analisando a sentença de que se recorre, o tribunal a quo mais não faz do que inserir na sentença mais considerações acerca do auto de reconstituição, mas que, resumidamente, embocam, novamente, no facto de considerar que dali resultam declarações do arguido, raciocínio com o qual não concordamos e que não vai de encontro ao Acórdão proferido do recurso interposto da “primeira” sentença.
11. Aliás, o que, na sentença anterior, já havia sido, pelo tribunal, concluído, veja-se: “no caso em apreço a reconstituição teve por base as declarações prestadas pelo arguido A3 pelo que atento o disposto no art. 133º do C.P.P., não a podemos valorar.”
12. É, de facto, claramente insuficiente esta conclusão, alcançada pelo tribunal a quo, razão pela qual, demonstraremos a razão de o auto de reconstituição, junto ao autos, dever ser apreciado e valorado, como meio de prova, totalmente, independente das declarações prestadas pelo arguido, em sede de inquérito.
13. E não se diga, como fez o tribunal a quo, que do auto de reconstituição retira-se somente indicações dadas pelo arguido. Na verdade, a realidade que dali resulta consubstancia a validade do auto de reconstituição do facto, uma vez que desta diligência se pretende retirar que determinada situação poderia, ou não, ter ocorrido de determinada forma.
14. Tal foi traduzido na reportagem fotográfica que resultou dessa reconstituição e que, sem margem de dúvidas, é susceptível de demonstrar, e elucidar, que o furto aqui em causa era apto a ter ocorrido do modo e locais que resultam desse auto de reconstituição.
15. Se por si só este auto de reconstituição é susceptível de demonstrar o envolvimento do arguido na participação do furto, a verdade é que este auto, conjugado com a demais prova, é passível de colocar os demais arguidos no caso em questão.
16. Transpondo, agora, a posição que, nesta matéria assumimos, para o caso concreto, e observando o auto que documentou a diligência, bem como as fotografias que lhe seguem, constatamos que elas traduzem a repetição do caminho percorrido pelos arguidos, desde o local donde furtaram as peças em questão, até ao local onde as venderam, peças que, atendendo à sua dimensão e peso não eram susceptíveis de serem transportadas somente pelo arguido que participou no auto de reconstituição do facto.
17. Na diligência em causa, o arguido interveniente não se limitou a fazer declarações, antes conduziu os elementos da GNR ao local específico de onde furtaram as peças do alambique, para onde as levaram e aonde, e a quem as venderam.
18. Trata-se, pois, de auto de «reconstituição dos factos», um meio de prova legalmente permitido, nos termos definidos pelos artigos 125° e 126°, e processualmente admissível, a valorar, nos termos do artigo 127°, segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador.
19. O facto do arguido A3 ter optado pelo silêncio durante o julgamento, usando de um direito que lhe assiste, faz com que a leitura de declarações suas, em audiência, seja proibida, mas não obsta a que uma testemunha que participou e presenciou os factos constantes do auto de reconstituição, sobre o mesmo não possa prestar declarações em audiência.
20. Se entendemos que não pode o arguido ser confrontado com as declarações que prestou, já o mesmo não acontece relativamente aos factos percepcionados pelos elementos da GNR, que colaboraram na diligência, e que deles podem dar conta ao Tribunal.
21. Ou seja, «já é de aceitar tudo o que os Senhores Inspectores saibam ou possam saber da sua investigação quer sobre os factos quer sobre a vida do próprio arguido com interesse para os autos, que lhe tenha advindo da sua percepção directa, aqui incluindo vários factos emergentes da realização do auto de reconhecimento - neste sentido, Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 24.2.2003, in CJ. AST J, Ano I, Tomo I, fls. 202 e segs.
22. Estes elementos deverão ser apreciados pelo Tribunal, por si só ou conjugados com outros, segundo o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no artigo 127° do CPP.
23. Nesta medida, o auto de reconstituição não pode deixar de ser entendido como meio probatório, legalmente, admissíveis.
24. Pode, pois, dizer-se que o tribunal “a quo” violou as regras de aquisição e valoração probatória.
25. Ora, o meio de prova previsto art. 150.º do CPP, tendo um valor de prova permitida em julgamento, com autonomia, pode contar com a colaboração do arguido e pode seguir-se à confissão deste. Tem ainda a vantagem de materializar e objectivar o carácter pessoal da confissão, prevenindo alterações de estratégia de defesa em audiência. (Simas Santos e Leal Henriques, no CPP anotado, 2.ª edição,1999,I Vol., pag.794).
26. O Supremo Tribunal de Justiça tem considerado a reconstituição do facto como um meio de prova autonomizado que não impondo a participação do arguido, não a exclui, quando este se disponha a participar, não estando os órgãos de polícia criminal que tenham acompanhado a diligência pode prestar declarações sobre o modo como decorreu e os termos em que decorreu. Tais declarações do arguido ou de outros intervenientes no acto não estão abrangidos na proibição do art.356.º, n.º7 do C.P.P. (Ac STJ de 5-1-2005, proc. n.º 04P#”/&, in www.dgsi.pt).
27. No mesmo sentido se pronunciou o Supremo Tribunal, em, acórdão de 20-4-2006, proc. n.º 06P363, in www.dgsi.pt, especificando que os contributos verbais do arguido, para o modo como a reconstituição é feita, não se reconduz ao estrito conceito processual de declarações, por serem instrumentais em relação à recriação do facto. Mesmo que prestadas a solicitação de órgão de polícia criminal não são informações prestadas pelo arguido à margem do processo, nem conversas informais, pois que se destinam a esclarecer o auto de reconstituição, meio de prova previsto no art.150.º do CPP, de acordo com o mesmo acórdão.
28. Não podia o tribunal recorrido considerar que o depoimento prestado pelos Cabos GNR, em audiência, não podiam ser valorado sob pena de estar a valorar um meio de prova proibido nos termos do art. 356.º, n.º 7 do CPP, nem por esta via desvalorizar o meio de prova dos autos constituído pelos autos de reconstituição, realizados nos termos do art. 150º do CPP.
29. À luz das regras da experiência comum a realização de um auto de reconstituição, com contributos do arguido, sempre corresponderá a uma certa e determinada confissão a apreciar pelo tribunal de acordo com as regras do art. 127.º do CPP.
30. Nos autos foram apresentados como meios de prova dois autos de reconstituição, a fls. 32 e segs. feitos com a colaboração do arguido A3.
31. Tais autos foram confirmados e explicitados pelas testemunhas GNR1, GNR2, GNR3, em audiência. Nas transcrições que, seguidamente, se indicam.
32. Da análise do auto de reconstituição, conjugada com o depoimento prestado pela assistente e com as declarações do arguido A5, verifica-se uma total coincidência com referido nos autos de reconstituição.
33. Desse modo, da conjugação das diversas provas apresentadas em audiência, quer entre si, quer com as regras da experiência comum, evidencia-se a veracidade da reconstituição do crime efectuada pelo arguido, não estando o tribunal em presença de autos de reconstituição de factos que não ocorreram ou que não podiam sequer ter ocorrido.
34. Por acórdão de 2-4-2008, proc. n.º 154/|06.1PBAVR, o Tribunal da Relação de Coimbra aceitou depoimentos de órgãos de polícia criminal que tinham recolhido declarações, cuja leitura não seja permitida, quando estes tenham também participado em auto de reconstituição e o depoimento se reporte a este meio de prova, pois que a participação do arguido no auto de reconstituição não envolve a repetição de declarações do arguido.
35. Os autos de reconstituição, tendo sido legalmente realizados, nos termos do art.150.º do CPP e não tendo sequer sido questionado pela defesa que os arguidos tivessem sido determinados “a participar por qualquer forma de condicionamento ou perturbação da vontade, seja por meio de coacção física ou psicológica, que se possa enquadrar nas fórmulas referidas como métodos proibidos enunciados no art.126.º do C.P.P.”. (Ac. STJ de 5-1-2005 atrás citado), não estamos perante provas que não sejam permitidas em audiência, nos termos dos artigos 355.º, n.º 2 e 356.º, n.º 1 al. b) do CPP.
36. Os depoimentos das testemunhas, nomeadamente dos Cabos da GNR, ao depor sobre a matéria constante dos autos de reconstituição, bem como sobre a participação do arguido A3 nos mesmos autos, não é uma forma de contornar ou de ludibriar a prova proibida.
37. Ao valorar de forma diferente o Tribunal recorrido violou o que dispõem as referidas normas processuais penais e ainda o disposto nos artigos 150.º e 127.º do mesmo diploma legal.
38. O tribunal na sua motivação apresenta um raciocínio que, ao fazer a apreciação das provas para obter os factos provados e não provados, exclui o valor dos autos de reconstituição por ter sido feito apenas após a tomada de declarações ao arguido, nesta qualidade, bem como do depoimento do elemento de polícia criminal que neles participou, o que, a ser valorado na parte confessória consubstanciaria uma violação de prova proibida.
39. Não fez, a nosso ver, o tribunal uma correcta apreciação ou exame crítico da prova, sempre na conjugação dos autos de apreensão e dos autos de reconstituição com a globalidade da demais prova produzida, em violação as normas citadas em conjugação com o disposto nos art. 374.º, n.º 2 do CPP, sendo nulo a sentença nos termos do art. 379.º, n.º 1 al. a) do diploma legal.
40. Assim decidindo, impõe-se, ainda a seguinte consideração. Resulta do despacho de acusação, deduzida nos presentes autos, que foi imputado ao arguido A4 um crime de furto qualificado, nos termos do artº 204 nº 1 al. e) do CP.
41. Todavia, decorreu, inequivocamente, de toda a prova produzida em audiência de julgamento (e, igualmente, de toda a factualidade, indiciária, reunida em sede de inquérito) que os factos apontados ao arguido A4 configuram a prática de um crime de receptação p. e p. no artº 231º nº 2 do CP, e não um crime de furto qualificado.
42. Tal decorre, como se demonstrará, e desde logo, da confissão do próprio arguido, que menciona que comprou as colunas de destilação, em causa nos presentes autos, ao arguido A5.
43. Nessa medida, sendo considerada nula a sentença proferida, como atrás peticionado, deverá proceder-se à alteração da qualificação jurídica do crime imputado ao arguido A4, sendo-lhe imputado um crime de receptação, p. e p. nos termos do art.º 231º nº 2 do CP, devendo proceder-se à notificação prevista no art. 358º do CPP. Caso assim não se entenda, e conjugado com o que se acabou de expor, dir-se-á, ainda, o seguinte:
44. Atente-se nas declarações prestadas pelo arguido A4 cujo, depoimento, reproduzido em sede de audiência de discussão e julgamento, ficou gravado através do sistema de gravação integrado em uso no tribunal, com a referência 20160512112849_2614707_2871967, com início às 11:28:49 horas e terminus às 11:55:55 horas (duração - 00:00:01 até 00:27:05), por referência à acta de Audiência de discussão e Julgamento de 12.05.2016, nas concretas passagens que supra se indicam; nas declarações prestadas pelo arguido A5 cujo, depoimento, reproduzido em sede de audiência de discussão e julgamento, ficou gravado através do sistema de gravação integrado em uso no tribunal, com a referência 20160512115558_2614707_2871967, com início às 11:55:58 horas e terminus às 12:17:49 horas (duração - 00:00:01 até 00:21:50), por referência à acta de Audiência de discussão e Julgamento de 12.05.2016, nas concretas passagens que supra se indicam; nas declarações prestadas pela assistente ASS cujo, depoimento, reproduzido em sede de audiência de discussão e julgamento, ficou gravado através do sistema de gravação integrado em uso no tribunal, com a referência 20160512121849_2614707_2871967, com início às 12:18:49 horas e terminus às 12:44:34 horas (duração - 00:00:01 até 00:25:44), por referência à acta de Audiência de discussão e Julgamento de 12.05.2016, nas concretas passagens que supra se indicam; nas declarações prestadas pela testemunha GNR5 cujo, depoimento, reproduzido em sede de audiência de discussão e julgamento, ficou gravado através do sistema de gravação integrado em uso no tribunal, com a referência 20160602102926_2614707_2871967, com início às 10:29:27 horas e terminus às 10:35:15 horas (duração - 00:00:01 até 00:05:47), por referência à acta de Audiência de discussão e Julgamento de 02.06.2016, nas concretas passagens que supra se indicam; nas declarações prestadas pela testemunha GNR1 cujo, depoimento, reproduzido em sede de audiência de discussão e julgamento, ficou gravado através do sistema de gravação integrado em uso no tribunal, com a referência 20160602103541_2614707_2871967, com início às 10:35:41 horas e terminus às 10:53:48 horas (duração - 00:00:01 até 00:18:06), por referência à acta de Audiência de discussão e Julgamento de 02.06.2016, nas concretas passagens que supra se indicam; nas declarações prestadas pela testemunha GNR2 cujo, depoimento, reproduzido em sede de audiência de discussão e julgamento, ficou gravado através do sistema de gravação integrado em uso no tribunal, com a referência 20160602105422_2614707_2871967, com início às 10:54:22 horas e terminus às 11:35:38 horas (duração - 00:00:01 até 00:40:45), por referência à acta de Audiência de discussão e Julgamento de 02.06.2016, nas concretas passagens que supra se indicam; nas declarações prestadas pela testemunha GNR3 cujo, depoimento, reproduzido em sede de audiência de discussão e julgamento, ficou gravado através do sistema de gravação integrado em uso no tribunal, com a referência 20160602113824_2614707_2871967, com início às 11:38:24 horas e terminus às 12:10:23 horas (duração - 00:00:01 até 00:31:58), por referência à acta de Audiência de discussão e Julgamento de 02.06.2016, nas concretas passagens que supra se indicam; nas declarações prestadas pela testemunha T1 cujo, depoimento, reproduzido em sede de audiência de discussão e julgamento, ficou gravado através do sistema de gravação integrado em uso no tribunal, com a referência 20160602121633_2614707_2871967, com início às 12:16:33 horas e terminus às 12:34:01 horas (duração - 00:00:01 até 00:17:27), por referência à acta de Audiência de discussão e Julgamento de 02.06.2016, nas concretas passagens que supra se indicam.
45. Dos depoimentos prestados em julgamento, mormente, no que respeita às transcrições supra indicadas, constata-se que, em conjugação com a ponderação crítica do auto de reconstituição, o tribunal a quo deveria ter alcançado uma decisão condenatória dos arguidos.
46. As colunas que foram apreendidas, e que constam dos autos, foram reconhecidas pelo assistente, como parte dos bens que lhe foram furtados. Tais bens estivavam na posse dos arguidos A3 e A2, antes destes as venderem ao arguido A5, sucateiro.
47. A verdade é que, devendo ser atendido o auto de reconstituição, como prova legal e válida, em conjugação com os depoimentos das testemunhas, supra transcritos, e decorrente daquela diligência de reconstituição, em conjugação do facto de terem sido os arguidos A5 e A2 que venderam ao arguido A5, parte dos bens que foram furtados à recorrente, não poderão restar dúvidas da prática do furto do alambique em causa por esses dois arguidos.
48. É certo que a convicção do tribunal tanto pode assentar em prova directa do facto como em prova indiciária da qual se infere o facto a provar. Todavia, é legítimo o recurso a presunções simples ou naturais, uma vez que são admissíveis em processo penal as provas que não forem proibidas por lei (artigo 125.º do Código de Processo Penal).
49. A prova indiciária é uma prova indirecta, de suma importância no processo penal, pois são mais frequentes os casos em que a prova é essencialmente indirecta do que aqueles em que se mostra possível uma prova directa.
50. Da prova indiciária induz-se, por meio de raciocínio alicerçado em regras de experiência comum ou da ciência ou da técnica, o facto probando. A prova deste reside fundamentalmente na inferência do facto conhecido – indício ou facto indiciante – para o facto desconhecido a provar, ou tema último da prova. É do facto indiciante que se infere um facto conclusivo quanto ao facto probando, juridicamente relevante no processo.
51. Daí que, ainda que o furto não tenha sido presenciados por ninguém, certo é que existe matéria probatória suficiente para alicerçar um raciocínio de que os arguidos A3, A2 e A1 praticaram o crime de que vinham acusados, razão pela qual, deverá a sentença de que se recorrer ser alterada e os arguidos condenados pelo crime de furto qualificado.
52. Quanto ao arguido A5, sucateiro, o tribunal a quo, com o devido respeito, erroneamente, absolveu-o do crime de receptação de que vinha acusado. As colunas foram aprendidas na sucata que o arguido A4 explora, tendo este adquirido as mesmas ao arguido A5 que as havia comprado aos arguidos A2, A1 e A3.
53. Aliás, os mesmos factos decorrem do alcançado no auto de reconstituição, assim como da própria confissão do arguido A5, que descreveu que, de facto, os arguidos A3 e mais dois se dirigiram à sua sucateira, com a intenção de vender duas colunas em cobre, colunas estas de um alambique.
54. A verdade é que o arguido mencionou que teve o cuidado de perguntar aos restantes arguidos acerca da proveniência dessas colunas. Por ele foi afirmado que um deles era o proprietário dessas colunas, que se encontravam incompletas porque haviam furtados as restantes peças, o que, conjugado com o facto de ir para França, tinha interesse em desfazer-se delas.
55. Seria, portanto, este o motivo justificador para que o arguido A5 não tivesse desconfiado da proveniência daqueles artigos.
56. Contudo, e como se constata na al. w) dos factos não provados, o tribunal a quo não deu como provada esta justificação, falindo, deste modo a razão daquela venda.
57. Além do mais, e como o próprio arguido A5 admitiu nas suas declarações, os arguidos A2, A1e A3, aquando do pagamento em cheque, disseram que não queriam em cheque, mas sim dinheiro. Razão pela qual lhe possibilitou que fossem trocar esse cheque numas bombas de gasolina por si frequentadas.
58. Ademais, o arguido A5 desenvolve a actividade de sucateiro. Não é crível, nem aceitável, que, desenvolvendo essa actividade, não lhe seja exigível que tenha conhecimento dos furtos de cobre que se tornaram frequentes, sendo-lhe, nessa medida, exigível um cuidado e certeza maior daquele que teve na aquisição daquelas colunas.
59. Por fim, o raciocínio crítico de toda esta factualidade não pode ficar alheio ao facto de o arguido A5 ter comprado as colunas em questão por 320€ e, logo de seguida as ter vendido por igual valor ao arguido A4, isto sem ter para si qualquer lucro. Ou seja, pretendeu o arguido, sim, dispersar aqueles bens de modo a não serem, para si, rastreados, o que viria a acontecer.
60. No caso em apreço, quanto ao arguido A5, o tribunal dispunha de elementos que permitiam concluir que, pela sua qualidade, pela condição de quem lhe oferece, o arguido estivesse em condições de, razoavelmente, suspeitar que aqueles objectos provinham de facto ilícito típico contra o património.
61. Pelo que deverá ser a decisão recorrida alterada e o arguido condenado por um crime de recepção, nos termos do art. 231º, mas, ao contrário do decidido pelo tribunal a quo, nos termos previstos no nº2 do Código Penal.
62. Posto isto, decorre de todos os elementos probatórios dos autos, complementados pelos depoimentos da assistente, assim como das testemunhas, cabos da GNR, que viram, e descreveram o interior do alambique, que o mesmo se encontrava com diversas tubagens cortadas, devido ao furto ali perpetrado.
63. De igual modo, e como a testemunha T1 mencionou, as colunas em questão, sem as restantes peças, servem somente para sucata. Do mesmo modo, esta testemunha, que já havia vendido o alambique à assistente, arbitrou o custo, actual, de 20.000€ para colocar, novamente em funcionamento o alambique da assistente, preço actualizado de acordo com as novas tabelas, em relação ao orçamente, anteriormente, dado à assistente, e junto aos autos.
64. A verdade é que, foi a acção dos arguidos que causa directa da destruição, e total inutilização, do alambique da assistente que, por via disso, se viu impossibilitada de o usar, de produzir aguardente, como vinha a fazer até ao furto.
65. Por esse emotivo, deverão os arguidos serem condenados no pagamento, à assistente, aqui recorrente, de indemnização, nos termos melhor peticionados no pedido de indemnização formulado.
66. Deverá, deste modo, a sentença de que se recorre ser alterada, condenando-se os arguidos A2 e A3, em co-autoria, por um crime de furto qualificado, p. e p. pelo art. 204º nº 2 al. e), e o arguido A5 como autor de um crime de receptação, p. e p. no art. 231º nº 2 do CP.
Termos em que, deve o presente recurso merecer provimento em toda a sua extensão. Assim decidindo, farão Justiça.
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Respondeu o Ministério Público concluindo no sentido da improcedência do recurso.
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Também o arguido A5 respondeu ao recurso, pugnando pela improcedência, concluindo:
“1 - A Reconstituição levada a cabo pela GNR, com a intervenção do arguido A3, não tem qualquer valor probatório, desde logo, porque tal meio de prova foi levado a cabo, com o fim de obter as declarações do arguido e não de reconstituir a forma como os factos ocorreram;
2 - A “reconstituição do facto”, identificada a fls. 32 e seg. dos autos, não constitui uma verdadeira reconstituição. Limita-se a uma reportagem fotográfica, onde surge o Arguido A3, a indicar, “o edifício”; “o aceso às traseiras do edifício”, “o portão de acesso ao edifício”; “o interior do alambique”; “indicar o local”. De facto, a reconstituição encontra-se mal feita, não configura o meio de prova previsto pelo art.º 150º do CPP.
3 - E, citando o Prof. Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, II, 196, “a reconstituição dos factos, como meio de prova, tem por finalidade verificar se um facto poderia ter ocorrido nas condições em que se afirma ou supõe a sua ocorrência e na forma e na forma da sua execução”.
4 - “através da reconstituição do facto visa-se conseguir a reprodução, tão fiel quanto possível, das condições em que se afirma (arguido, assistente, testemunhas, partes civis) ou supõe (Tribunal, MP e advogados) ter ocorrido um determinado facto. Trata-se de comprovar se um dado acontecimento histórico poderá ter ocorrido de determinada forma e, já não de comprovar a existência do facto histórico, em si mesmo, podendo estar em causa circunstâncias de tempo, modo ou lugar.
5 - Para tal mostra-se necessário que haja sido recolhida prova indiciária bastante, pois de outro modo não se estará em condições de afirmar ou supor, de que modo é que determinado facto poderá ter ocorrido.
6 - Dito de outro modo, não deverá a investigação alicerçar-se neste elemento de prova” – Cfr. Código do Processo Penal – Comentário e Notas Práticas dos Magistrados do MP do Distrito Judicial do Porto, a acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 9/09/2009, P.º 230/08.7PDVNG.P1 (www.dgsi.pt).
7-Impõe-se concluir que a reconstituição do facto não tem por finalidade apurar a existência de factos em si, mas se podiam ter ocorrido de determinada forma.
8 - Tal como resulta do Ac. Relação de Coimbra de 25 de Setembro de 2013, citado na douta motivação do Ministério Público, I “ não refutando in limine a posição de a reconstituição do fato, quando feita com a colaboração do arguido, não dever ser confundida com as declarações por este, então prestadas, gozando por isso de autonomia, como específico meio de prova que efetivamente é, tornando-se contudo indispensável que, em substância, se possa assentar sem sofismas, estarmos perante prova por reconstituição, tal como legalmente definido no art.º 150 do CPP, característica que há-de advir não por via da semântica, a que aqui e ali se recorre, mas pelo contrário, pelo conteúdo do ato revelador da diligência; II Quer se adote a posição mais restrita…. Que a posição mais alargada, não pode a mesma servir finalidades de obtenção, conservação da prova, designadamente confissão, sob pena de a consideração/ valoração do respetivo auto conduzir à violação do disposto nos art.º 355º e seg. do CPP, por aquele apenas conter verdadeiras “declarações”.
9 - A diligência de fls. 32 e seg. não configura o meio de prova de reconstituição de facto, mas antes um expediente para, a partir das declarações do arguido, obtidas na ausência de defensor ou de qualquer entidade judiciária independente, ficcionar uma versão que não tem qualquer acolhimento em qualquer outro meio de prova.
10 - Mesmo que o Tribunal pretendesse valorar a reconstituição efetuada com o arguido A3, como meio de prova, segundo as regras da experiência comum e nos termos do disposto no art.º 127º do CPP, tal reconstituição, como meio de prova, não tem consistência bastante para poder sustentar uma condenação, pois é manifestamente insuficiente para poder suportar com certeza jurídica a condenação de qualquer dos arguidos, pois que, as condições humanas e sociais do arguido em que o arguido A3, vivia à data dos factos, encerram muitas dúvidas, já que, tal arguido era toxicodependente, vivia na rua, e no dia em que acompanhou os militares da GNR, estava em condições frágeis, não dispunha de dinheiro para comer, tal como decorre dos depoimentos dos militares da GNR, que infra se referenciam, tendo sido estes militares que lhe ofereceram o almoço, sendo que a diligência decorreu da parte da manhã e da tarde, tal como resulta do depoimento da testemunha GNR1, militar da GNR, através das declarações reproduzidas em sede de audiência de julgamento, gravado através de sistema de gravação integrado em uso no Tribunal com referência 20160602103541_2614707_2871967, com início às 10:35:41 e terminus 11:53:48, por referência à ata de julgamento de 02.06.2016, às rotações: “00:06:26 a 00:06:42”.
11 - Resulta dos depoimentos das testemunhas GNR5, militar da GNR, através das declarações reproduzidas em sede de audiência de julgamento, gravado através de sistema de gravação integrado em uso no Tribunal com referência 20160602102926_2614707_2871967, com início às 10:29:27 e terminus 10:35:15, por referência à ata de julgamento de 02.06.2016, às rotações “00:00:50 a 00:05:40”; GNR1, às rotações “00:00:56 a 00:18:05”, GNR2, através das declarações reproduzidas em sede de audiência de julgamento, ficou gravado através de sistema de gravação integrado em uso no Tribunal com referência 20160602105422_2614707_2871967, com início às 10:54:22 e terminus 11:35:08, por referência à ata de julgamento de 02.06.2016, às rotações: “00:07:29 a 00:07:59”; “00:11:47 a 00:12:12”; “00:16:44 a 00:17:08”, e GNR3, através das declarações reproduzidas em sede de audiência de julgamento, ficou gravado através de sistema de gravação integrado em uso no Tribunal com referência 20160602113824_2614707_2871967, com início às 11:38:24 e terminus 12:10:23, por referência à ata de julgamento de 02.06.2016, às rotações de “00:12:57 a 00:16:00”; “00:28:26 a 00:31:56”, e “00:28:26 a 00:29:05”, que reconstituição, é demasiado frágil para poder sustentar com algum rigor a condenação dos arguidos que se encontram acusados pelo crime de furto.
12 - Debilidade humana, social e económica do arguido A3, é tão acentuada que não existe um mínimo de segurança que possa servir para suportar uma condenação.
13 - O Alambique da recorrente, aqui em discussão, foi-lhe vendido pela empresa Henrique Vieira e Filhos, Lda., com a marca “Costa do Valado” e com a inscrição “Costa Henriques e Filho”, conforme resulta do depoimento de T1, através das declarações reproduzidas em sede de audiência de julgamento, ficou gravado através de sistema de gravação integrado em uso no Tribunal com referência 20160602121633_2614707_2871967, com início às 12:16:33 e terminus 11:34:01, por referência à ata de julgamento de 02.06.2016, às rotações de “ 00:12:01 a 00:13:05”, o certo é que, nenhuma da duas colunas encontradas em poder do arguido A4, apresentavam aquela identificação, tal como resulta de fls 2 e 66 dos autos;
14 - Acresce que, a fls. 80 dos autos encontra-se o exame efetuado ao objeto – o APARADOR- que o Arguido A3, na reconstituição considerou ter sido retirado das instalações da recorrente. Porém, na perícia realizada e que consta dos autos a fls. 80, dos autos à pergunta efetuada ao Sr. perito, indicado que é um representante da empresa Henrique Vieira e Filhos, Lda., “De que objeto se trata? Trata-se de um aparador de aguardente? resposta: NÃO É NOSSO, É DA CONCORRÊNCIA” : Isto é, não foi retirado do local, porque não pertencia à empresa forneceu e equipou o alambique da recorrente (a empresa Henrique Vieira e Filhos, Lda.,). Porém, o A3 sugestionou na “reconstituição de facto”, que o APARADOR foi retirado daquele local, o que se conclui ser falso. Donde, a credibilidade deste arguido é nula.
15 - O arguido A3, afirmou na reconstituição que o aparador foi retirado do alambique da recorrente, quando na verdade, tal é falso, pois na perícia realizada por um representante da referida empresa Henriques Vieira e Filhos, Lda., foi respondido, que tal objeto não é da empresa que vendeu o alambique à recorrente, “ TRATA-SE DE UM APARADOR DE AGUARDAENTE. NÃO É O NOSSO MODELO. É DA CONCORRÊNCIA.
16- Mais, os objetos descritos na participação da recorrente, não coincidem com os objetos que a mesma recorrente descreveu no chamado auto de reconhecimentos dos objetos, de fls. 66. Com efeito, a recorrente identificou como sua propriedade, o APARADOR, quando é certo e seguro, tal como resulta de fls. 80, que tal objeto não pertence ao seu alambique. Nem as declarações da assistente ajudam a suportar qualquer versão credível que possa responsabilizar o arguido A3, pelo cometimento do crime de furto.
17 - E, ainda, na descrição que a recorrente faz das colunas, a fls. 66, dos autos, refere haver uma fita junto à “boca” com uma lista pintada de cor vermelha e que uma coluna possui uma mossa. Porém, tal referência não corresponde à descrição que a recorrente fez das caldeiras na participação crime, de fls. 2.
18 - Acresce ainda que, as duas colunas que o arguido A3 refere terem sido retiradas do alambique da recorrente, de acordo com o referido a fls. 70, dos autos, pesariam 58 km cada uma, perfazendo um total de 116kg.
19 - Porém, o arguido A5, quando adquiriu as 2 colunas, onde se encontrava presente o arguido A3, acompanhado por mais duas pessoas, quando foram pesadas verificou-se que o seu peso era de 52 kg cada uma, num total de 104 kg, sem qualquer acessório (sem capacete, sem argolas e sem apoios em ferro fundido). Tal como resulta das declarações do A5, através das declarações reproduzidas em sede de audiência de julgamento, ficou gravado através de sistema de gravação integrado em uso no Tribunal com referência 20160512115558_2614707_2871967, com início às 11:55:58 e terminus 12:17:49, por referência à ata de julgamento de 12.05.2016, às rotações de “00:01:16 a 00:01:55”.
20 - Mais ainda, o arguido A3, a fls. 23 e 41 dos autos, refere que o pagamento foi de 900€, sendo que o A5, afirmou na sua contestação e na audiência de julgamento, que pagou 320€. A fls. 31 o arguido A3 refere que o portão de acesso ao local onde se situava o alambique, terá sido arrombado por alguém que desconhece. Isto é, não foi aberto nem pelo A3, nem pelos seus supostos companheiros, o que constitui mais um facto estranho.
21 - Acresce também, que o valor apresentado pela denunciante na participação (40000€) às colunas, não é compatível com o valor que a perícia atribuiu a fls. 69 dos autos.
22 - Às rotações de “00:11:47 a 00:12:12”, a testemunha GNR2, refere que o arguido A3, tinha à data da reconstituição, pendentes outros processos crime, por furto de cobre, o que pode originar alguma confusão das declarações prestadas durante o inquérito ou durante a suposta reconstituição.
23 - Não foi possível determinar uma data da aquisição das 2 colunas, pelo arguido A5, que possa ajudar a compreender a tese das 2 colunas apreendias, ao arguido A4, eram as colunas que o arguido A5 adquiriu ao trio composto pelo A3 e mais dois homens.
24 - Há, seguramente, pelo menos, enormes dúvidas de que as 2 colunas apreendidas ao arguido A4, sejam as 2 colunas que o arguido A5, adquiriu ao trio composto pelo arguido A3, acompanhado por mais dois homens.
25 - A Certidão emitida pela autoridade Tributária, em 16 de Maio de 2016, junta aos autos em 20/05/2016, e evidencia que atividade principal do arguido A5 é a “ atividade dos serviços relacionados com a silvicultura e a exploração florestal, outras culturas permanentes, comércio por grosso de madeira em bruto e produtos derivados, cunicultura, construção de Edifícios e outras atividades especializadas de construção diversas”.
26 - O arguido A5, angaria sucata, que vende, mas esta não é a sua principal atividade, GNR3, às Rotações de “00:12:57 a 00:16:00”, e da testemunha T2, através das declarações reproduzidas em sede de audiência de julgamento, ficou gravado através de sistema de gravação integrado em uso no Tribunal com referência 20160701151043_2614707_2871967, com início às 15:11:07 e terminus 15:15:09, por referência à ata de julgamento de 01.07.2016, às rotações de “00:02:06 a 00:02:30”.
27 - O arguido A5, não comercializa em cobre, e por isso, telefonou ao arguido A4, a perguntar-lhe se pretendia “ficar”, com as duas colunas, Tal resulta do depoimento do A5, às Rotações de “00:00:04 a 00:00:45” e das declarações do arguido A4, reproduzidas em sede de audiência de julgamento, ficou gravado através de sistema de gravação integrado em uso no Tribunal com referência 20160512112849_2614707_2871967, com início às 11:24:46 e terminus 11:26:43, por referência à ata de julgamento de 12.05.2016, às rotações de “00:00:29 a 00:00:49”.
28 - O exercício, pelo arguido A5, da atividade profissional relacionada com a silvicultura e a exploração florestal, outras culturas permanentes, comércio por grosso de madeira em bruto e produtos derivados, cunicultura, construção de Edifícios e outras atividades especializadas de construção diversas resulta igualmente do depoimento da testemunha GNR3, às Rotações de “00:12:57 a 00:16:00”, e da testemunha T2, às Rotações de “00:02:06 a 00:02:30”.
29 - O Alambique da assistente é composto por 3 colunas, 3 refrigeradoras, 1 caldeira e os acessórios, tal como resulta do depoimento da testemunha T1, às rotações de “00:02:48 a 00:03:21”. O arguido A5, por mera hipótese académica, adquiriu as 2 colunas incompletas. Contudo falta saber o que aconteceu com 1 coluna, de 3 refrigeradores, de 1 caldeira e todos os acessórios. Isto é, falta saber o que aconteceu com cerca de 90% dos elementos que compõem o alambique.
30 - Mesmo que se admitisse, por mera hipótese, que as 2 colunas, que foram adquiridas pelo arguido A5, pertenciam ao alambique da recorrente, o que não se aceita, não existe qualquer notícia, prova ou indício, que o arguido A5, teve conhecimento das restantes peças que integram o alambique, designadamente, de 1 coluna, de 3 refrigeradores, de 1 caldeira e dos acessórios. Isto é, mesmo que se admitisse, o que não se aceita, haver algum tipo de responsabilidade para o arguido A5, a mesma restringir-se-ia a 2 colunas incompletas, isto é, sem capacete, sem argolas e sem apoios em ferro fundido, com valor de sucata, no valor de 3€ por cada kg, num total 320€, tal como resulta da avaliação efetuada pelo representante da firma fornecedora do equipamento, T1, rotações: “00:09:15 às 00:09:38”.
31 - No contexto em que o arguido A5, teve conhecimento das 2 colunas incompletas, pertencessem elas a terceiros ou à recorrente, não praticou qualquer ilícito criminal, previsto pelo art.º 231º/2 do Código Penal.
32 - As 2 colunas incompletas que foram apresentadas ao arguido A5, só têm valor de sucata, tal como resulta do depoimento das testemunhas T1, rotações: “00:09:15 às 00:09:38”; A5, rotações: “00:00:04 às 00:04:45”; A4, rotações: “00:01:51 a 00:02:21”; T3, através das declarações reproduzidas em sede de audiência de julgamento, ficou gravado através de sistema de sistema de gravação integrado em uso no Tribunal com referência 20160701151520_2614707_2871967, com início às 15:15:44 e terminus 15:22:06, por referência à ata de julgamento de 01.07.2016, rotações: “00:03:13 a 00:04:10”, T4, Rotações: “00:02:47 a 00:03:50”.
33 - O arguido A5, procurou assegurar a proveniência das 2 colunas incompletas e a qualidade, condição ou preço, não faziam suspeitar que a sua proveniência, não resultasse de facto lícito, tanto mais que nem sequer teve qualquer benefício com a aquisição das 2 colunas incompletas, (independentemente de as mesmas pertencerem ou não ao alambique da recorrente, uma vez que as destinou diretamente ao arguido A4, sem qualquer lucro)., tal como resulta das suas declarações, das rotações A5, rotações: “00:05:14 a 00:05:48”.
34 - O Tribunal valorou as declarações do arguido A5, quando refere “estamos em crer que atento o facto do arguido A5 nada saber sobre o furto em causa nos autos, não saber da proveniência dos objetos que adquiriu, pelo que valoramos as suas declarações prestadas de forma espontânea, coerente naquilo sabia.
35 - O arguido A5, adotou os procedimentos cautelares normais de um comerciante, ocasional, de sucata e de quem não comercializa sucata relacionada com cobre.
36 - O arguido A5, quando adquiriu as 2 colunas incompletas, procedeu ao pagamento das mesmas através de cheque, tal como resulta das suas declarações das rotações “00:02:45 a 00:03:38”, o que evidencia a conduta deste arguido no negócio, pois que, quem participa ilícitos desta natureza não efetua pagamentos através de cheque.
37 - A descrição do momento em que foi efetuada a aquisição das 2 colunas incompletas pelo arguido A5, para lá das suas próprias declarações, que prestou, só pode ser esclarecido pelo arguido A3, e pelos outros dois homens que o arguido A5, refere nas suas declarações.
38 - Arguido A3, na audiência de julgamento, optou pelo silêncio. Os outros dois homens que se deslocaram à residência do arguido A5, não se encontravam na sala de audiência.
39 - O facto do arguido A3 ter optado pelo silêncio, e dos dois outros homens que o acompanhavam não se encontrem na sala de audiências, não pode prejudicar o arguido A5, que explicou a dinâmica dos factos, e que é alheio a tal estratégia de silêncio, ou de ausência em Tribunal.
40 - As 2 colunas incompletas em que o arguido A5, teve intervenção, ainda que não se aceite que as mesmas pertenciam ao alambique da recorrente, foram recuperadas por esta, pelo que, não sofreu a assistente, mesmo que hipoteticamente, qualquer prejuízo com a atuação deste arguido A5.
41 - Não existe prova nos autos que sustente a alteração dos pontos 12 e 19, do factos provados, bem assim, as alíneas a) a V) dos factos não provados, tal como resulta das declarações reproduzidas em sede de audiência de julgamento, ficou gravado através de sistema de sistema de gravação integrado em uso no Tribunal, por referência à ata de julgamento de 12.05.2016, 02.06.2016 e 01.07.2016, assim: A5, através das declarações reproduzidas em sede de audiência de julgamento, ficou gravado através de sistema de gravação integrado em uso no Tribunal com referência 20160512115558_2614707_2871967, com início às 11:55:58 e terminus 12:17:49, por referência à ata de julgamento de 12.05.2016, às rotações “00:00:04 a 00:06:42”; “00:00:04 a 00:04:45”; “00:05:14 a 00:05:48”; “00:06:50 a 00:08:46”; “00:09:31 a 00:10:08”; “00:04:01 a 75/78 Jorge Veigas Advogado RL- Responsabilidade Limitada Rua Dr. Francisco Beirão, Edif. Ómega IV, Sala M, 3420-325 Tábua, tel. 235 413 705-jorgeveigas-2396c@adv.oa.pt 74 00:04:25”; “00:01:14 a 00:02:46”; “00:02:45 a 00:03:38”, e “00:01:16 a 00:01:55”; A4, através das declarações reproduzidas em sede de audiência de julgamento, ficou gravado através de sistema de gravação integrado em uso no Tribunal com referência 20160512112849_2614707_2871967, com início às 11:24:46 e terminus 11:26:43, por referência à ata de julgamento de 12.05.2016, às rotações “00:00:34 a 00:06:25”; GNR5, militar da GNR, através das declarações reproduzidas em sede de audiência de julgamento, ficou gravado através de sistema de gravação integrado em uso no Tribunal com referência 20160602102926_2614707_2871967, com início às 10:29:27 e terminus 10:35:15, por referência à ata de julgamento de 02.06.2016, às rotações “00:00:50 a 00:05:40”; GNR1, militar da GNR, através das declarações reproduzidas em sede de audiência de julgamento, ficou gravado através de sistema de gravação integrado em uso no Tribunal com referência 20160602103541_2614707_2871967, com início às 10:35:41 e terminus 11:53:48, por referência à ata de julgamento de 02.06.2016, às rotações “00:00:56 a 00:18:05”; “00:06:26 a 00:06:42”; GNR2, através das declarações reproduzidas em sede de audiência de julgamento, ficou gravado através de sistema de gravação integrado em uso no Tribunal com referência 20160602105422_2614707_2871967, com início às 10:54:22 e terminus 11:35:08, por referência à ata de julgamento de 02.06.2016, às rotações “00:07:29 a 00:07:59”, “00:11:47 a 00:12:12”, “00:16:44 a 00:17:08”; T2, através das declarações reproduzidas em sede de audiência de julgamento, ficou gravado através de sistema de gravação integrado em uso no Tribunal com referência 20160701151043_2614707_2871967, com início às 15:11:07 e terminus 15:15:09, por referência à ata de julgamento de 01.07.2016, às rotações “00:02:06 a 00:02:30”, GNR3, através das declarações reproduzidas em sede de audiência de julgamento, ficou gravado através de sistema de gravação integrado em uso no Tribunal com referência 20160602113824_2614707_2871967, com início às 11:38:24 e terminus 12:10:23, por referência à ata de julgamento de 02.06.2016, às rotações “00:12:57 a 00:16:00”, “00:28:26 a 00:31:56”; “00:28:26 a 00:29:05”; T1, através das declarações reproduzidas em sede de audiência de julgamento, ficou gravado através de sistema de gravação integrado em uso no Tribunal com referência 20160602121633_2614707_2871967, com início às 12:16:33 e terminus 12:34:01, por referência à ata de julgamento de 02.06.2016, às rotações “00:12:01 a 00:13:05”, “00:09:15 a 76/78 Jorge Veigas Advogado RL- Responsabilidade Limitada Rua Dr. Francisco Beirão, Edif. Ómega IV, Sala M, 3420-325 Tábua, tel. 235 413 705-jorgeveigas-2396c@adv.oa.pt 75 00:09:38”; “00:11:07 a 00:11:43”; “00:03:24 a 00:05:19”; T3, através das declarações reproduzidas em sede de audiência de julgamento, ficou gravado através de sistema de gravação integrado em uso no Tribunal com referência 20160701151520_2614707_2871967, com início às 15:15:44 e terminus 15:22:06, por referência à ata de julgamento de 01.07.2016, às Rotações de “00:03:13 a 00:04:10”, T4, através das declarações reproduzidas em sede de audiência de julgamento, ficou gravado através de sistema de gravação integrado em uso no Tribunal com referência 201600701152215_2614707_2871967, com início às 15:22:39 e terminus 15:30:46, por referência à ata de julgamento de 01.07.2016, rotações de “00:02:47 a 00:03:50”; ASS, através das declarações reproduzidas em sede de audiência de julgamento, ficou gravado através de sistema de gravação integrado em uso no Tribunal com referência 20160602105422_2614707_2871967, com início às 12:18:49 e terminus 12:44:34, por referência à ata de julgamento de 15.05.2016, às rotações: “00:02:22 a 00:02:37”; “00:03:26 a 00:03:53”; “00:11:35 a 00:11:53”; “00:12:35 a 00:13:06”; “00:17:00 a 00:17:12”; “00:20:05 a 00:20:15”.
42 - Não existe qualquer elemento de prova minimamente seguro, que possa sustentar a alteração da decisão proferida pelo Tribunal, no que tange à acusação que sobre o arguido A5 recai.
43 - E, não existe, também, qualquer elemento de prova que sustente alteração da decisão, no que tange ao pedido de indemnização civil, relativo ao arguido A5, sendo certo que, a recorrente recuperou as 2 colunas incompletas (admitindo que lhe pertenciam) que foram adquiridas pelo arguido A5, que cedeu ao arguido A4, pelo que, não sofreu a recorrente, qualquer prejuízo que o arguido A5, tivesse de reparar.
44 - E, falta saber o que aconteceu com 1 coluna, com 3 refrigeradores, com 1 caldeira e todos os acessórios. Isto é falta saber o que aconteceu com cerca de 90% dos elementos que compõem o alambique, parte na qual arguido A5, não teve qualquer intervenção.
45 - O Ministério Público, pediu em alegações finais, a absolvição do arguido A5.
46 - O arguido A5, tem uma escolarização baixa, tem 61 anos e não tem averbado qualquer infração penal no seu CRC.
47- Não praticou o arguido A5, o crime previsto e punido pelo artº 231º/2 do Código Penal, nem qualquer outro.
Termos em que e nos melhores de direito e com o Mui Douto Suprimento de V. Ex:º deve ser negado provimento ao presente recurso, confirmado a douta sentença proferida em primeira instância, que absolveu o arguido A5, da acusação e do pedido de indemnização civil, e assim farão a habitual JUSTIÇA!”
*
Também o arguido A2 respondeu ao recurso, pugnando pela improcedência, concluindo:
“1. Não invoca a Recorrente razões que inquinem a convicção do Julgador a quo formada durante a audiência de discussão e julgamento.
2. A convicção do Tribunal a quo quanto aos factos provados e não provados, resultou da análise crítica da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, segundo as regras da experiência comum e a livre convicção da entidade competente (artigo 127.º do Código de Processo Penal), não tendo o arguido A3 prestado declarações e o arguido A2 foi julgado na sua ausência.
3. Face ao silêncio dos arguidos e a ausência de prova testemunhal nada se provou contras os arguidos A2, A3 e A4, nenhuma prova foi feita no sentido de terem praticado os factos que lhe são imputados na acusação.
4. Manifestamente a prova produzida foi insuficiente ou até nenhuma, para afirmar que o arguido A2 praticou os actos de que estava acusado.
5. Face ao princípio geral da presunção da inocência, cabia ao Ministério Público a prova dos factos da acusação para preencherem o tipo de crime de furto, prova que não foi realizada.
6. O princípio da livre apreciação da prova tem como limite o principio do “ in dúbio pro reo “ o qual determina que o julgador em caso de dúvida, deve decidir favoravelmente ao arguido.
7. Atento o que dito ficou concluiu o Tribunal a quo pela impossibilidade de imputação aos arguidos A2, A3 e A4 dos factos que consubstanciamos elementos objectivo e subjectivo do tipo de crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 204.º, n.º 2 al. e) e n.º 1 al. a), todos do CPP.
8. Assim por não estarem preenchidos, verificados os elementos objectivo e subjectivo do crime de furto qualificado, não se podia senão absolver os arguidos A2. A3 e A4, do crime pelos quais vêm acusados.
9. A ausência de provas válidas e legais produzidas e constantes no processo, ou a dúvida sobre as mesmas, no que respeita à prática dos factos pelo arguido só pode conduzir em processo penal à absolvição do arguido, observando – se o artigo 32,º da Constituição da República Portuguesa.
10. A reconstituição do facto, prevista no artigo 150.º do CPP, constituindo prova autónoma – ou seja, valendo por si própria em relação às contribuições individuais de quem nela haja participado e das informações e esclarecimentos que tenham co-determinado os seus termos e resultado – não pode ser confundida com prova por declarações.
11. Acresce que no caso em apreço a reconstituição teve por base as declarações prestadas pelo arguido A3, pelo que atento o disposto no artigo 150.º do CPP não pode ser valorada.
12. O arguido interveniente no auto de reconstituição exerceu o seu direito ao silêncio em sede de audiência de discussão e julgamento, salvaguardando a faculdade que a lei lhe concede de não se auto – incriminar.
13. Em lado algum da acta resulta que o arguido A3 tivesse solicitado a leitura de quaisquer declarações que, eventualmente tivesse prestado ao longo do processo.,
14. Assim não podem os autos de reconstituição dos presentes autos ser valorados enquanto meio de prova válida e eficazmente obtida
15. Por maioria de razão as declarações de um co – arguido na reconstituição não podem ser valoradas contra outro co-arguido que não participou nela, sob pena de violação do disposto no artigo 345.º do CPP, consubstanciando um meio de prova proibido, salvo se outros meios de prova vierem corroborar esses factos, o que não aconteceu nestes autos, isto por óbvio se a reconstituição fosse considerada válida o que desde já não se concede.
16. No que respeita ao pedido de indemnização civil, analisada a factualidade que integra a causa de pedir do mesmo e compulsado todo o atrás dito, surge evidente a inexistência de qualquer facto que integre a pretensão indemnizatória da demandante civil, mormente um facto voluntário ilícito do arguido A2, o que implica a preclusão dos restantes pressupostos da responsabilidade civil.
Termos em que, e nos melhores de Direito, deve o presente Recurso ser considerado Improcedente, em toda a sua extensão, confirmando e mantendo – se assim a Douta Sentença Absolutória recorrida inalterada, De todo o modo, sempre farão Vossas Excelências a costumada JUSTIÇA.”
*
O Ex.mo Procurador-geral-adjunto neste Tribunal da Relação emitiu o seguinte parecer:
“(…)
2. - A assistente ASS veio, a fls. 1264 a 1293 v dos presentes autos de processo comum n ° 225/12.6GCSCD, do Juízo de Competência Genérica de Santa Comba Dão, Comarca de Viseu, interpor recurso da nova sentença, proferida a fls. 1211 a 1249, que absolveu, de novo, os arguidos A2, A3 e A4, da prática de 1 crime de furto qualificado, p. e p. pelo art. 204 °, nº 2, al. c), do Cód. Penal, cometido em co-autoria material e forma consumada, e absolveu, de novo, o arguido A5, da prática de 1 crime de receptação, p. e p. pelo art. 231 °, nº 1, al. c), do Cód. Penal, julgando, de novo, a acusação improcedente, apesar do acórdão do Tribunal da Relação, de fls. 1161 a 1185, tendo a sentença recorrida usado uma argumentação e fundamentação em tudo idêntica à da sentença, de fls. 878 a 911, que o Tribunal da Relação, no acórdão de fls. 1161 a 1185, considerou incorrecta e ordenou a reavaliação da prova, com a valorização dos autos de reconstituição, que a 1ª Instância parece recusar-se a valorar como prova admissível e válida (cfr. fls. 1183 a 1185 e 1224 a 1239).
3. - Alega a Assistente-recorrente, na sua motivação de recurso, de fls. 1264 a 1293, que não foi correctamente valorada a realidade factual apurada, existindo erro de julgamento, e que deviam ter sido dados como provados os elementos objectivos e subjectivos dos crimes imputados na acusação deduzida, condenando os arguidos pela prática dos crimes de furto qualificado e receptação, respectivamente, tendo ainda arguido a nulidade de falta de exame crítico da prova e incorrecção na apreciação da prova, alegando que esta é suficiente para fundamentar um juízo condenatório, com base na prova documental e testemunhal produzida nos autos e dada como provada, referindo não ter sido cumprida a orientação do Tribunal Superior.
Alega ainda dever a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra, que condene os arguidos pela prática dos crimes de que vinham acusados.
Após explicitar as razões da discordância e da interposição do recurso, termina, pedindo a revogação da sentença e a substituição por outra, com a condenação dos arguidos, ou, caso se considere a existência da nulidade invocada, de novo a anulação do julgamento e a sanação da mesma nulidade.
4. - Ora, examinando os elementos probatórios, quer os de proveniência pessoal, quer os documentais, e interligando-os com os demais elementos objectivos disponíveis, tudo parece indicar que se deveria ter concluído pela responsabilidade criminal dos arguidos e pela condenação destes pelos crimes por que se encontram acusados.
4. a) - Efectivamente, tratando-se de uma situação idêntica à do 1º recurso, parecem-me pertinentes as considerações do meu Exmo Colega, no seu douto parecer, de fls. 1144 a 1145, com que concordamos, dando-as aqui como reproduzidas, remetendo para o referido parecer, reportando-o à sentença ora recorrida.
4. b) - Também se nos afigura que, no que diz respeito à reconstituição dos factos, a mesma não pode ser confundida com as declarações do arguido, pois, aquela acrescenta a estas elementos significativos e decisivos, que levam à sua autonomização destas, configurando, assim, uma descrição dos factos, vivenciada no seu local, e que, como tal, deve ser valorada autonomamente.
4. c) - Como se refere no Parecer do MºPº, nesta Relação, de fls. 1144 a 1145, "o arguido, ao esclarecer livremente o modo como foram praticados os factos, fornece elementos de actuação, que vão para além das declarações, relativamente ao modo de entrada, à localização do subtraído e como foram retirados os bens furtados.
Assim, deverá ser valorado o auto de reconstituição, o que impõe uma versão fáctica diferente da que foi dada como provada na decisão recorrida, já que daquele se extrai a autoria do furto, nos termos referidos na acusação, por parte dos arguidos, como pretendido pela Assistente, com a consequente condenação destes pela prática de tal facto, como aí referido, e a consequente revogação do decidido, pois, não se justifica a sua absolvição
5.- No que respeita ao crime de receptação, por parte do arguido A5, a prova produzida permite configurar, pelo menos, o crime previsto no nº 2 do art. 231 ° do Cód. Penal (receptação negligente), devendo ser cumprido o disposto no art. 424 °, nº 3 do C.P.P., pois, os elementos de prova, devidamente apreciados e conjugados, analisando o modo como se desenrolou o negócio, impõem que se altere a matéria de facto, com a consequente imputação, ao arguido A5, do crime de receptação supra aludido e a sua condenação pela prática do mesmo, como também pretende a Assistente e se defende no parecer de fls. 1144 a 1145, a que voltamos a reportar-nos.
6. - Pelas razões expostas no recurso da Assistente, com as quais genericamente se concorda, afigura-se-nos poder merecer provimento o recurso referido, impondo-se seja modificada a decisão recorrida, quanto à matéria de facto dada como não provada, e condenar os arguidos pelos crimes imputados, ou anular-se a sentença, a fim de ser sanada a nulidade, arguida pela Assistente, de novo, nos termos já decididos a fls. 1185.”
*
Foi dado cumprimento ao disposto no art. 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, tendo o arguido A5 respondido ao parecer do Exmo. Procurador-geral-adjunto, nos termos seguintes:
1 - Dão -se por reproduzidas as alegações e conclusões de recurso apresentadas nos autos:
2 - No que concerne ao crime de furto, as únicas referências a tal crime são prestadas pelo arguido A3.
3 - A Reconstituição levada a cabo pela GNR, com a intervenção do arguido A3, não tem qualquer valor probatório, desde logo, porque tal meio de prova foi levado a cabo, com o fim de obter as declarações do arguido e não de reconstituir a forma como os factos ocorreram;
4 - A “reconstituição do facto “, identificada a fls 32 e seg. dos autos, não constitui uma verdadeira reconstituição. Limita-se a uma reportagem fotográfica, onde surge o Arguido A3, a indicar, “ o edifício”; “ o aceso à traseiras do edifício”, “ o portão de acesso ao edifício”; “ o interior do alambique” ; “ indicar o local” De facto, a reconstituição encontra-se mal feita, não configura o meio de prova previsto pelo art° 150° do CPP. 
5 - E, quer se considere que estamos no âmbito das declarações do arguido, quer no âmbito da reconstituição, a fragilidade e insegurança que resulta das suas declarações é tal, que não nos parece que possa oferecer o mínimo de segurança e certeza jurídicas suficientes para poder sustentar uma condenação.
6 - A sua condição frágil, pois vive na rua, que não dispõe de dinheiro para se alimentar, sendo certo que os Sr. Militares providenciaram pela sua alimentação no dia em que foi ouvido; a falta de coerência entre o que o arguido A3 e o que resulta de outros elementos de prova, designadamente:
a) Afirmou o arguido A3 aos Sr. Militares da GNR, que o aparador de fls 80, pertencia ao alambique propriedade da assistente. Porém, foi solicitada uma perícia à empresa que vendeu o alambique aos antecessores da assistente, e de tal perícia, resulta de forma clara e inequívoca que tal aparador não foi vendido por quem forneceu o alambique ao antecessores da assistente, pelo que, o arguido A3 declarou algo que é FALSO, pois da perícia realizada a fls 80, esclarece que tal aparador, é da concorrência e não do fornecedor do lambique da assistente;
b) Ouvida a testemunha T1, representante da firma Henrique Vieira e Filhos, Lda, indicada pela assistente, e que procedeu à peritagem, confirmou que o aparador não corresponde ao que foi fornecido aos antecessores da assistente, e
c) Não conseguiu garantir ao Tribunal, esta testemunha, de que as duas colunas encontradas em poder do arguido A4 fossem as colunas propriedade da assistente.
d) De fls 23 resulta que o arguido A3 terá declarado que vendeu TRES colunas ao arguido A5. Provou-se que foram vendidas apenas DUAS e não Três.
e) De fls. 23, o arguido A3 terá declarado, que o preço de cada coluna foi de 300€, num total de 900€, Provou-se que o valor pago por DUAS colunas foi de 320€, isto 160€, cada uma;
f) De fls. 70, resultará que cada coluna pesava 58 kg. Provou-se que cada coluna pesava 52kg.
g) A testemunha, T1, no seu depoimento explicou que o alambique da assistente tinha a seguinte composição: 3 colunas. 3 refrigeradoras. 1 caldeira e os acessórios. Mesmo que se admitisse, em tese, que as 2 colunas compradas pelo arguido A5, pertenciam ao alambique, porque será que o arguido A3 não esclareceu o destino dado aos restantes componentes do alambique ??? E que, para lá das duas colunas, falta saber o pardeiro de: 1 coluna. 3 refrigeradoras: 1 caldeira e de todos os acessórios. E, este material cujo paradeiro o arguido A3 não explica, nem sequer de forma imperfeita, corresponde a cerca de 90% das peças e do valor do alambique. Efetivamente as 2 colunas, que o A5 negociou para o arguido A4, de acordo com o relatório de perícia, de fls 68 e 69, no estado em que se encontram, isto é, faltando-lhes o capacete, a argola e os apoios em ferro fundido, valem, cada uma, cerca de 800€. Porém, tal como a mesma testemunha T1, referiu no seu depoimento, em audiência de julgamento, a recuperação das colunas é desinteressante, pelo que o valor das colunas, é o valor de sucata, que tal testemunha situou no valor 3€, por Kg, exatamente, o valor que foi pago pelo arguido A5. E, registe-se que mesmo que as colunas fossem novas, a fls 69, foi-lhe atribuído o valor de 2520€( dois mil quinhentos e vinte euros)
7 - As DUAS colunas, incompletas, foram recuperadas pela GNR que as restituiu à assistente, tal como resulta do facto provado 32).
8 - Nem a assistente ofereceu ao Tribunal contributo claro e inequívoco de que as duas colunas encontradas ao arguido A4, fossem as que se encontravam na sua propriedade.
De facto há diversas discrepâncias:
a) A descrição de fls 2, dos autos, não corresponde ao que refere a fls 66.
b) O valor atribuído a fls 2, não é compatível com a perícia de fls 69;
c) As declarações da assistente oferecem incongruências várias, que fazem aumentar o grau de incerteza quanto ao facto de as colunas apreendidas ao arguido A4, serem as colunas do alambique de que é proprietária.
9 - São por isso, inexistente ou pelo menos muito débeis os elementos de prova carreados para os autos, para poder sustentar uma condenação dos arguidos pelo crime de furto.
10 - No que tange ao A5, sustenta o Ministério Público a sua condenação nos termos do nº 2 do art° 231º do CP. Porém, salvo o devido respeito, não tem suporte probatório tal pedido do MP. Sendo certo que, mesmo que se admitisse, em tese, o que não se aceita, que as colunas negociadas pelo arguido A5, para o arguido A4, correspondem às que foram retiradas do alambique da assistente, o certo é que, as duas colunas correspondem a cerca de 10% da totalidade do alambique furtado. Falta saber o que aconteceu com 1 coluna, com 3 refrigeradoras, com 1 caldeira e com todos os acessórios, que correspondem a cerca de 90% do alambique, parte na qual o arguido A5, não teve qualquer intervenção. Isto é. mesmo que se admitisse, o que não se aceita, haver algum tipo de responsabilidade para o arguido A5. a mesma restringir-se-ia a 2 colunas incompletas, isto é. sem capacete, sem argolas e sem apoios em ferro fundido, com valor de sucata, no valor de 3€ por cada kg. num total 320€. tal como resulta da avaliação efetuada pelo representante da firma fornecedora do equipamento. T1, rotações: “00:09:15 às 00:09:38”.
11 - Resulta dos autos, conforme certidão da autoridade Tributária, emitida em 16 de Maio de 2016, junta em 20-05-2016, que a atividade económica do arguido é a de “ atividade dos serviços relacionados com a silvicultura e a exploração florestal outras culturas permanentes...”
12 - A testemunha GNR3 às rotações “00: 12: 27 a 00: 16:00 que o arguido A5 é um angariador de sucata. A testemunha T2, refere que o arguido A5, desenvolve uma atividade regular na atividade de limpeza de mata e abertura de poços.
13 - Quando ao arguido A3, surgiu em casa do arguido A5, este informou aquele que não comercializava em cobre, e que quem se dedicava ao comércio de cobre, era o arguido A4.
14 - O A5, telefonou para o arguido A4, tendo sido este arguido, A4, a fixar o preço de 3kg, tendo solicitado ao arguido A5 para pagar o valor e lhe guardar as colunas, cfr. facto provado 19), 20).
15 - O arguido A5, não teve qualquer benefício económico com a compra das DUAS colunas, que se destinavam ao arguido A4, cfr. facto provado 21), 22), 23), 24), 25), 27), 29) e 30).
16 - As declarações do arguido A5, foram consideradas coerentes, espontâneas e credíveis;
17 - Antes de adquirir as duas colunas para o A4, o arguido A5, perguntou aos vendedores a razão pela qual procediam à venda, tendo-lhe sido informado, pela pessoa que se intitulava proprietário das colunas, que a venda estava relacionada com o facto de as tampas e demais acessórios terem desaparecido.
18 - O arguido A5. emitiu um cheque bancário para pagar as duas colunas, que posteriormente foi “trocado”, nas bombas da Alves Bandeira, Lda, tal como resulta das suas declarações prestadas em audiência de julgamento. Não é por isso verdade que o pagamento tenha sido efetuado em numerário.
19 - Num meio rural como aquele em que se situa o Concelho de Tábua, especialmente, em atividades agrícolas, florestal ou de sucata, onde as pessoas, pouco utilizam os cheques e raramente utilizam o pagamento eletrónico, é habitual que procedam ao pagamento em numerário. Porém, o arguido emitiu um cheque para proceder ao pagamento. Por isso, a troca do cheque nas Bombas de combustível “ Alves Bandeira “ posteriormente solicitada pelo vendedores, depois do arguido A5, aceitar como verdadeira a explicação que lhe foi dada para a venda das DUAS colunas, não pode merecer qualquer censura, sendo que, agiu de boa-fé, sendo que de nada lucraria com o negócio, já que o verdadeiro beneficiário da aquisição das colunas era o arguido A4, que aliás, comandou e fixou preço.
20 - Sendo que o arguido não comercializa em cobre e por isso telefonou ao arguido A4.
21 - Sendo que, tal como resulta do facto provado 32), repete-se, foram recuperadas pela GNR, que as restituiu à assistente.
22 - Isto é, ainda que se considere que as duas colunas em causa eram propriedade da assistente, o que salvo melhor entendimento, não resulta provado, nem se admite, sendo certo que resulta provado que o arguido A5, procurou saber a legítima proveniência das colunas, o preço de 3€, por kg, foi fixado pelo A4, sendo que coincide com o preço fixado pela testemunha T1, indicada pela assistente, procedeu ao pagamento através de cheque bancário, não há, salvo o devido respeito, qualquer elemento que fizesse suspeitar que a sua proveniência não tivesse origem legítima, tanto mais que a intervenção do arguido A5, não provocou qualquer prejuízo à assistente, que viu as duas colunas recuperadas, sendo que, o arguido A5, não teve qualquer benefício com a compra das duas colunas, já que as mesmas foram adquiridas para o arguido A4, tal como resulta dos factos provados 12), 14), 15), 16), 17), 18), 19), 20), 21), 22), 23), 24), 25), 26), 27), 28), 29), 30), 31) e 32).
23 - No que tange ao transporte das duas colunas, por duas vezes, salvo melhor entendimento, não poderá resultar para o arguido qualquer censura ou falta de ponderação. Com efeito, as colunas pesam 104 kg, têm, tal como resulta do depoimento da testemunha T1, cerca de 1 metro de altura, por cerca de 30/40 cm de diâmetro, o que inviabiliza que fossem transportadas de uma só vez em qualquer veículo ligeiro.
24 - Aliás, se fossem transportadas de uma só vez, em veículo adequado, é que poderia exigir ao arguido A5, outra ponderação.
25 - Num meio rural, como é o Concelho de Tábua, onde a economia informal, como a venda de produtos agrícolas e até a venda de sucata se faz utilizando os meios de transporte de que se dispõe, utilizando um meio disponível, como é o transporte em veículo ligeiro, demonstra falta de organização e um modus operandi, normal, que não faz levantar qualquer suspeita.
26 - De todo o modo, não havendo prova da prática do crime de furto, não haverá possibilidades de responsabilizar o arguido pelo crime de recetação, previsto pelo n° 2 do art° 231° do CP. E, mesmo que houvesse prova do crime de furto, o que não se admite, não há prova de que o arguido A5, tenha praticado o crime de recetação, previsto no art° 231/2, do CP, pois que, a sua atuação sem fins lucrativos, foi ponderada, cuidadosa, diligente e adequada, devendo ser confirmada a sua absolvição.
Termos em que se reafirma o teor da resposta ao recurso, confirmando a decisão de que se recorre, julgado improcedente o recurso interposto pela assistente farão V. Ex.as JUSTIÇA!”
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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II - Fundamentação
A sentença recorrida:
A- Factos provados
“1) Em momentos não concretamente apurados, mas situados entre o dia 13 de junho de 2012, pelas 10h00 e o dia 21 de junho de 2012, foram retirados em momentos não concretamente apurados, nas instalações de um alambique/destilaria, sito em -----, área da comarca de ---, os seguintes bens e valores:
- Três caldeiras de alambique em cobre.
- Uma torneira “bico de papagaio” para alambique.
- Um acessório de aperto em cobre para tubagens de alambique. 2) Bens estes de valor global não inferior a 4.000,00€ e pertença da ofendida ASS
3) Na posse destes bens e valores, o arguido A3, também conhecido pelo “---” dirigiu-se à localidade de ---, onde contatou o arguido A5.
4) O arguido A5 é comerciante de sucata, desenvolvendo a sua atividade de compra e venda de sucata, designadamente de metais não preciosos, em ----
5) A requerente é proprietária de um alambique/destilaria, sito em -----.
6) O acima identificado alambique/destilaria encontrava-se fechado/trancado em instalações próprias para o seu funcionamento, sem ninguém no seu interior e sem que alguém ali tivesse acesso, sem estar prévia e devidamente autorizado pela sua proprietária.
7) O referido alambique/destilaria corresponde a um equipamento de alta qualidade e de preço superior a 21.000,00€.
8) Trata-se de um alambique em cobre, constituído por diversas peças.
9) Não foram restituídas a totalidade das peças que foram retiradas das instalações onde se encontrava a funcionar o dito alambique/destilaria.
10) As peças apreendidas não correspondem à totalidade das peças pertencentes ao alambique/destilaria propriedade da requerente e sem as quais o mesmo não poderá funcionar.
11) O referido alambique/destilaria estava a funcionar em plenas condições.
Contestação:
12) O arguido A5 desconhecia a proveniência dos produtos.
13) E não conhecia os arguidos A1, A2 e A3.
14) Conhecia o arguido A4 como comerciante de sucata.
15) Quando os proponentes compareceram na sua residência e lhe propuseram comprar duas colunas para alambique, tais colunas estavam incompletas, pois faltava-lhe a cabeça ou capacete e as argolas e apoios em ferro fundido.
16) Faltava-lhe também a máquina de destilação com caldeira de refrigeração.
17) Nessa altura o A5 perguntou pelas tampas e restantes acessórios.
18) Um dos três proponentes respondeu que pretendia vender as colunas porque as tampas e demais acessórios tinham desaparecido.
19) Para o arguido A5, os objetos não suscitaram interesse quer estivessem completos ou incompletos por isso comunicou aqueles que não estava interessado em comprar as colunas.
20) Disse aos três proponentes que quem costumava comprar a sua sucata era o arguido A4.
21) Os proponentes pediram ao A5 para telefonar para o A4 para ver se estava interessado.
22) O A5 ligou para o A4 a quem perguntou se estava interessado nas duas colunas incompletas.
23) O A4 disse ao A5 que uma vez que as colunas se encontravam incompletas, apenas tinham utilidade para sucata.
24) Transmitiu-lhe ainda que o preço daquele produto para sucata era de 3€ por kg.
25) Os proponentes disseram ao A5 que aceitavam a proposta do A4.
26) As colunas foram pesadas e pesavam 52kg cada uma, o que perfazia 104kg no total de sucata.
27) Via telemóvel o A5 comunicou ao A4 que o peso do material era 104kg, o que multiplicado por 3€ perfazia a quantia de 312,00€.
28) O A4 disse para arredondar para os 320,00€, e entregar esse valor aos vendedores das colunas.
29) O A5 solicitou ao A5, para guardar nas suas instalações as colunas incompletas. 30) Uns dias mais tarde, o A4 foi buscar as colunas às instalações do A5 e restituiu-lhe 320,00€ que havia despendido para pagar aos vendedores das colunas.
31) As duas colunas em questão tinham mais de 20 anos e estavam incompletas, não tinham capacete, argolas e apoios.
32) As duas colunas incompletas foram apreendidas pela GNR de Santa Comba Dão que as restituiu à demandante.
Mais se provou que:
33) Do C.R.C. do arguido A3, constam as seguintes condenações transitadas em julgado:
- Por sentença proferida em 21/06/2012, transitada em julgado em 11/07/2012, no âmbito do processo sumario nº204/12.3GCSCD, do Tribunal Judicial de Santa Comba Dão, 1º Juízo, condenado, pela prática em 09/06/2012, de um crime de furto simples, p. e p. pelo art. 203º do C.P., na pena de 5 meses de prisão, suspensa por 1 ano.
- Por sentença proferida em 14.09.2012, transitada em julgado em 15.10.2012, no âmbito do processo sumario nº323/12.6GCSCD, do Tribunal Judicial de Santa Comba Dão, 2º Juízo, condenado pela prática em 24.08.2012, de um crime de introdução em lugar vedado ao público, p. e p. pelo art. 191º do C.P., na pena de 35 dias de multa;
- Por sentença proferida em 28.01.2013, transitada em julgado em 18.04.2013, no âmbito do processo sumário nº146/12.2GDSCD, do Tribunal Judicial de Santa Comba Dão, 1º Juízo, condenado pela prática em 06.11.2012, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo art. 204º do C.P., na pena de prisão de 1 ano e 2 meses, substituída por 420 horas de prestação de trabalho a favor da comunidade;
- Por sentença proferida em 16.10.2013, transitada em julgado em 15.11.2013, no âmbito do processo comum singular nº55/12.5GCSCD, do Tribunal Judicial de Santa Comba Dão, 1º Juízo, condenado pela prática em 08.03.2012, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo artigo 204º, nº2, al. e) do C.P., na pena de 2 anos e 7 meses de prisão, suspensa por igual período de tempo, tendo por decisão de 07.03.2014, transitada em julgado em 12.05.2014 feito o cúmulo de penas neste processo e no referido Pº146/12.2DDSCD, na pena de 3 anos e 2 meses de prisão.
34) Dos CRCs dos arguidos A4 e A5, não constam condenações.
35) Do CRC do arguido A2, consta a seguinte condenação: - na pena de 150 dias de multa à taxa diária de 5,00€, pela prática em 03.06.2012, de um crime de furto simples, p. e p. pelo art. 203º do C.P., por decisão de 28.06.2012, transitada em julgado em 18.02.2013, no âmbito do processo sumário nº187/12.0GCSCD, do Tribunal Judicial de Santa Comba Dão, 1º Juízo.
36) O arguido A2 é operário da construção civil.
37) O seu agregado é composto por 4 elementos e tem o rendimento líquido anual de 5.000,00€.
38) Vive em apartamento arrendado.
39) O arguido A3 é empregado de mesa e aufere cerca de 650,00€.
40) Tem uma filha de 14 anos.
41) Vive só.
42) Tem o 6º ano de escolaridade.
43) O arguido A4 é casado e tem uma filha com 1 ano.
44) Vive com a esposa e a filha.
45) É comerciante e ganha cerca de 500,00€ mês.
46) A esposa é sua empregada e aufere cerca de 500,00€ mês.
47) Tem o 7º ano de escolaridade.
48) O arguido A5 é casado.
49) Dedica-se ao comércio de sucata e corta madeira.
50) Vive com a esposa, que é domestica. 51) Ganha cerca de 500,00€ mês.
52) Encontra-se bem integrado e aceite no meio onde vive, sendo respeitado.
53) Tem o 4º ano de escolaridade.
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B - Factos não provados
a) Em momentos não concretamente apurados, mas situados entre o dia 13 de junho de 2012, pelas 10h00 e o dia 21 de junho de 2012, pelas 10h25, os arguidos A2, A3, também conhecido pelo “---” e A4, todos em comunhão de ideias e de esforços, dirigiram-se às instalações de um alambique / destilaria, sito em -----, área da comarca de ----, o qual durante o supra referido período de encontrava devidamente fechado e trancado e sem ninguém no seu interior.
b) Os arguidos A2, A3, também conhecido pelo “---” e A4, em comunhão de ideias e de esforços e levando a cabo a sua tarefa por pelo menos três etapas, acederam ao interior das referidas instalações pelas traseiras, partira e abriram um cadeado que trancava o portão, que deste modo abriram, entrando deste modo no seu interior.
c) Uma vez no interior das referidas instalações, com o auxílio de ferramentas que para o efeito levaram consigo, estes arguidos, sempre em comunhão de ideias e de esforços, desmontaram e levaram consigo várias peças em metal não precioso, designadamente cobre, que ali se encontravam.
d) Estes arguidos lançaram deste modo, fizeram seus e levaram consigo os seguintes bens e valores:
- Três caldeiras de alambique em cobre.
- Uma torneira “bico de papagaio” para alambique.
- Um acessório de aperto em cobre para tubagens de alambique.
e) Na posse destes bens e valores, que deste modo lançaram mão, fizeram seus e passaram a dispor em proveito comum de todos, os arguidos A2 e A4 dirigiram-se à localidade de ---, onde contactaram o arguido A5.
f) Os arguidos A2, e A4 deslocaram-se a ----, onde contactaram o arguido A5.
g) Propuseram ao mesmo a venda dos objetos em cobre acima mencionados.
h) O arguido A5 conhecia os arguidos A2, A3, também conhecido pelo “---” e A4, sabia perfeitamente que estes não tinham qualquer atividade profissional lícita conhecida, nem rendimentos pessoais.
i) Sabia também e perfeitamente que os objetos em cobre que estes apresentavam tinham sido retirados de um alambique / destilaria, sendo que nenhum deles possuía tal tipo de instalações.
j) Apercebeu-se por isso e perfeitamente que os bens em cobre que os arguidos A2, A3, também conhecido pelo “---” e A4 lhe estavam a apresentar tinha sido retirado aos seus legítimos donos, sem e contra a vontade destes.
l) O arguido A5, perfeitamente ciente de tal, aceitou o material de cobre que lhe estava a ser entregue pelos arguidos A2, A3, também conhecido pelo “---” e A4, tendo-lhes entregue, em troca, um total de 900€ em numerário, valores monetários estes que estes últimos arguidos receberam, fizeram seus, dividiram em partes iguais entre si e usaram e gastaram em proveito comum de todos.
m) O arguido A5 recebeu o cobre que sabia não pertencer a quem lho vendeu, ficando com o mesmo por valor inferior ao que teria de pagar se o fosse comprar a um legítimo dono, pretendendo depois vendê-lo a terceiros não apurados e obter assim a diferença patrimonial para mais entre o que gastou com a compra ilícita e o que iria auferir com a venda a terceiros, valor este que pretendia lançar mão e usar e gastou em proveito próprio.
n) Os arguidos A2, A3, também conhecido pelo “---” e A4, ao agirem como o descrito, queriam e conseguiram lançar mão e fazer seus bens e valores que bem sabiam não lhes pertencer, a eles não tinham direito e que agiam sem e contra a vontade dos seus donos.
o) Para a concretização dos seus intentos criminosos, queriam e conseguiram partir o cadeado do portão, que deste modo abriram acedendo ao interior das instalações da ofendida, sem e contra a vontade desta.
p) Os arguidos A2, A3, também conhecido pelo “---” e A4 agiram sempre em comunhão de ideias e de esforços, de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas lhes estavam vedadas por lei.
q) O arguido A5, ao agir como o descrito, bem sabia que os bens estavam na posse das pessoas a quem os comprou sem e contra a vontade do seu legítimo dono, pretendendo e conseguindo comprá-los deste modo por preço inferior ao que teria de despender se os fosse adquirir de modo lícito, pretendendo desta forma aumentar o seu património em, pelo menos, a diferença entre o valor pago e o valor real dos bens por si adquiridos, tendo absoluta consciência que quem lhe estava a vender os bens os tinha retirado ao seu dono sem e contra a vontade deste.
r) Este arguido agiu de modo livre, deliberado e consciente, bem sabendo que a sua conduta lhe estava vedada por lei.
s) Os arguidos só não tinham levado, ainda, a caldeira, atentas as suas dimensões e se encontrar fixada, mas tudo indicia que a sua remoção iria acontecer.
t) Que os arguidos tenham levado as peças apreendidas nos autos.
u) Que os arguidos tenham danificado o referido alambique/destilaria.
v) Que o referido alambique/destilaria tinha o valor de 26.000,00€.
w) Um dos três proponentes informou também que a outra razão para as vender estava relacionado com o facto de pretender ausentar-se para o estrangeiro e por isso as colunas deixavam de ter utilidade.
x) Nessa altura um dos proponentes disse que era pouco e o arguido A5 comunicou para se irem embora.
y) Que as colunas foram pesadas pelos arguidos A1, A2 e A3.
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C – Motivação da decisão sobre a matéria de facto
A convicção do Tribunal quanto aos factos provados e não provados resultou da análise crítica da prova produzida em audiência de julgamento, segundo as regras de experiência comum e a livre convicção da entidade competente (artigo 127.º do Código de Processo Penal), não tendo o arguido A3 prestado declarações e o arguido A2 foi julgado na sua ausência.
O arguido A4 negou a prática dos factos lhe vinham imputados, tendo referido que comprou em 2012, no verão, ao arguido A5 duas colunas de cobre em estado de sucata por 320,00€, confirmando os factos constantes em 12 a 32.
O arguido A5, prestou declarações, dizendo que comprou 2 colunas a três indivíduos, que não conhecia e que lhe disseram que as colunas eram de um deles e que lhe tinham roubado partes das peças, que não duvidou deles, precisando que isto ocorreu há cerca de 4 anos.
Admitiu ser comerciante de sucata e a factualidade constante em 3, 4 e 12 a 32.
Referiu ainda que o arguido A3, não se apresentou como o dono das colunas, que foi o condutor do carro que se apresentou como tal.
A ofendida ASS, relatou de uma forma espontânea quais os bens que lhe foram retirados, a data em que tal ocorreu, bem como qual o seu valor, pelo que valoramos o seu depoimento para prova de tais factos.
Desconhece quem foram os autores do furto. Precisou que o seu alambique tinha uma pancada e pensa que tinha placas identificadoras da marca e que o fornecedor do mesmo foi Costa Vieira.
A testemunha GNR4, militar da GNR nada sabia sobre os factos em causa, pois apenas recebeu a queixa da lesado no posto da GNR, pelo que não relevamos o seu depoimento.
Em relação à testemunha GNR5, cabo da GNR, este presente aquando da apreensão dos bens ao arguido A4, que referiu que os adquiriu a um sucateiro em ---, pelo que tendo conhecimento direto sobre os factos que depôs valoramos o seu depoimento para prova dos factos constantes em 4.
Por sua vez, as testemunhas GNR1, Cabo da GNR e GNR2, cabo da GNR e GNR3, militar da GNR participaram na reconstituição dos factos com o arguido A3, referindo que este assumiu a prática dos factos e após isso para confirmarem a veracidade da confissão fizeram a reconstituição que consta dos autos.
Não presenciaram a prática dos factos pelos arguidos, tendo participado na reconstituição dos factos, tendo os seus depoimentos prestados de uma forma consistente versado sobre aquela reconstituição. Verificamos assim ter o arguido A3 exercido o seu direito ao silêncio em sede de audiência de discussão e julgamento, salvaguardando a faculdade que a lei lhe concede de não se auto-incriminar.
Vejamos em que medida é que, não obstante o seu direito ao silêncio e à não auto-incriminação, pode o auto de reconstituição dos presentes autos ser valorado enquanto meio de prova válida e eficazmente obtida.
Dos autos consta um auto de reconstituição, a fls. 32 e ss., o qual coloca o arguido A3 no local da ocorrência dos factos. Com efeito, a reconstituição do facto mostra-se prevista no art. 150.º do C.P.P. e está previsto com a finalidade de determinar se um facto poderia ter ocorrido de certa forma. Esta consiste na reprodução, tão fiel quanto possível, das condições em que se afirma ou se supõe ter ocorrido o facto e na repetição do modo de realização do mesmo. No dizer de Paulo Pinto de Albuquerque, “Comentário do Código de Processo Penal”, trata-se de uma encenação de uma versão provável do facto.
Com efeito, “através da reconstituição do facto visa-se conseguir a reprodução, tão fiel quanto possível, das condições em que se afirma (arguido, assistente, testemunhas, partes civis) ou supõe (Tribunal, MP e advogados) ter ocorrido um determinado facto.
Trata-se de comprovar se um dado acontecimento histórico poderá ter ocorrido de determinada forma e, já não de comprovar a existência do facto histórico, em si mesmo, podendo estar em causa circunstâncias de tempo, modo ou lugar.
Lateralmente pode ainda servir a finalidade de se perceber, se por exemplo, determinada testemunha poderá ou não ter presenciado os factos a partir do local onde diz que se encontrava.
Para que a reconstituição adquira valor probatório consistente impõe-se que parta de um máximo possível de premissas comprováveis.
Para tal mostra-se necessário que haja já sido recolhida prova indiciária bastante, pois de outro modo não se estará em condições de afirmar ou supor, de que modo é que determinado facto poderá ter ocorrido.
Dito de outro modo, não deverá a investigação alicerçar-se neste elemento de prova”. – Cfr. Código do Processo Penal – Comentário e Notas Práticas dos Magistrados do MP do Distrito Judicial do Porto, apud acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 9/09/2009, P.º 230/08.7PDVNG.P1 (www.dgsi.pt).
Assim, impõe-se concluir que a reconstituição do facto não tem por finalidade apurar a existência de factos em si, mas se podiam ter ocorrido de determinada forma.
Pela sua própria configuração e natureza – reprodução tão fiel quanto possível, das condições em que se afirma ou supõe ter ocorrido o facto – a reconstituição do facto embora não imponha nem dependa da intervenção do arguido, também a não exclui, sempre que este se disponha a participar na reconstituição e tal participação não tenha sido determinada por qualquer forma de condicionamento ou perturbação da vontade, seja por meio de coação física ou psicológica, que se possa enquadrar nas fórmulas referidas como métodos proibidos enunciado no artigo 126.º.
E, como tem sido jurisprudência unânime dos nossos tribunais, “as informações” prévias ou contemporâneas do arguido, a postura, as hesitações, o real comportamento e estado de espírito, mantido na ocasião, que tenham possibilitado ou contribuído para recriar as condições em que se supõe ter ocorrido o facto, diluem-se nos próprios termos da reconstituição, confundindo-se nos seus resultados e no modo como o meio de prova foi processualmente adquirido. Assim, a autonomia da reconstituição determina que se não tiver sido inquinada nos seus pressupostos, formais ou de execução, nem tiver sido utilizado qualquer método proibido de condicionamento da vontade de algum interveniente, vale por si só e pode ser processualmente adquirida como meio de prova, a valorar segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, nos termos do artigo 127.º. – neste sentido, vide, a título de exemplo, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4/05/2005, P.º 04P3276, do Tribunal da Relação do Porto de 27/06/2012, P.º 96/10.7GCVPA.P1 e do Tribunal da Relação de Coimbra de 15/09/2010, P.º 79/07.4GCSRT.C1 (todos em www.dgsi.pt).
Nessa medida, o posterior direito ao silêncio do arguido que nela participou não pode ser utilizado para colocar em causa o efeito probatório da reconstituição em que, validamente haja participado.
Temos assim que a reconstituição constitui prova autónoma, que contém contributos do arguido, mas que não se confunde com a prova por declarações, podendo ser feita valer em audiência de julgamento, mesmo que o arguido opte pelo direito ao silêncio, sem que tal configure violação do artigo 357°. “Isto porque a verbalização que suporta o ato de reconstituição não se reconduz ao estrito conceito processual de ”declarações”, pois o discurso ou “declarações” produzidos não têm valor autónomo, dado que são instrumentais em relação à recriação do facto e se destinam no geral a esclarecer o próprio ato de reconstituição, com ele se confundindo, ensinamento que se retira do invocado na decisão recorrida” – cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20/04/2006 (www.dgsi.pt).
Isto é assim, independentemente de o arguido em audiência falar, assumir ou negar, ou se remeter ao silêncio.
Acontece, que no caso em apreço a reconstituição teve por base as declarações prestadas pelo arguido A3, conforme auto de reconstituição de fls. 32 e ss., do qual consta designadamente o seguinte: “Aos 20 dias do mês de Julho de 2012, pelas 15H35, compareceu perante mim, GNR3 Cabo n.---- nas instalações do Núcleo de Investigação Criminal da Guarda Nacional Republicana em ---, o arguido A3, residente em rua ----, para nos termos do nº1 do art. 150º do CP, proceder a uma reconstituição dos factos e ser fotografado, sendo-lhe ainda dada a faculdade de ter na sua presença um defensor, que o mesmo (arguido) dispensou, conforme assinou.
Iniciou-se então a presente diligência pelas 15.40h, isto depois do arguido ter sido interrogado nessa qualidade, assim na presença da testemunha, GNR1, cabo nº -- e GNR2, cabo nº -- todos a desempenhar funções neste NIC, sendo que o arguido se prontificou a indicar os locais, o modo e a forma como ocorreram os factos.
Conforme reconstituição fotográfica onde está fotografado o arguido em reconstituição dos factos em que foi interveniente. Foto 1 – trata-se do suspeito A3, também conhecido por “---” a indicar o edifício (…) Foto 2 - trata-se do suspeito A3, também conhecido por “---” a indicar o acesso às traseiras do edifício (…) Foto 3 - trata-se do suspeito A3, também conhecido por “---” a indicar o portão de acesso ao edifício (…)
Foto 4 - trata-se do suspeito A3, também conhecido por “---” a indicar no interior do alambique (…)
Foto 5 - trata-se do suspeito A3, também conhecido por “---” a indicar no interior do alambique (…)
Foto 6 - trata-se do suspeito A3, também conhecido por “---” a indicar no interior do alambique (…)
Foto 8 - trata-se do suspeito A3, também conhecido por “---” a indicar o local (…)
Foto 9 - trata-se do suspeito A3, também conhecido por “---” a indicar o armazém (…)
Foto 10 - trata-se da entrada do armazém, sita (…) indicada pelo suspeito A3.
Foto 11 - trata-se do suspeito A3 a indicar duas das três colunas (…)
Foto 12 - trata-se do suspeito a indicar algumas das marcas (…)
Foto 13 - trata-se do suspeito a indicar um dos acessórios (…)”.
Impõe-se ver em que medida é que, não obstante o seu direito ao silêncio e a não autoincriminação, pode e deve o auto de reconstituição dos autos ser valorado enquanto meio de prova valida e eficazmente obtida.
Com efeito, a prova por reconstituição não se reconduz a prestação de declarações por parte do arguido.
Supõe assim uma demonstração da dinâmica ocorrida aquando da comissão da factualidade criminosa que prevê a colaboração expressa e livre do arguido.
Antes de mais temos e a fim de valorar o auto de reconstituição temos de verificar se estamos perante prova por reconstituição, tal como se encontra definida no art. 150º do CPP, caraterística que lhe há-de advir, não por via da semântica, mas pelo conteúdo do auto revelador da diligência.
A reconstituição dos factos de acordo com o que determina o art. 150º, nº1 do CPP consiste na reprodução, tão fiel quanto possível, das condições em que se afirma ou se supõe ter ocorrido o facto e na repetição do modo de realização do mesmo.
Ora do auto de reconstituição dos autos o que temos é o arguido, sem a presença de defensor, a descrever, a indicar aos agentes de autoridade o que ele fez, pelo que não podemos ter-se por bem elaborado e de acordo com o que refere o art. 150º, nº1 do CPP esta diligência denominada reconstituição dos factos.
O denominado “auto de reconstituição dos factos”, mostra-se assinado pelo arguido A3 e pelos militares da GNR, GNR2 e GNR3, conforme fls. 32 e ss.. Citando o Prof. Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, II, 196, “a reconstituição dos factos, como meio de prova, tem por finalidade verificar se um facto poderia ter ocorrido nas condições em que se afirma ou supõe a sua ocorrência e na forma e na forma da sua execução. A reconstituição do facto é uma representação da realidade suposta e por isso para ter utilidade pressupõe que o facto seja representado, tanto quanto possível, nas mesmas condições em que se afirma ou supõe ter ocorrido e que se possam verificar essas condições”.
Por sua vez Manuel Simas Santos e Manuel Leal – Henriques referem que se dá «… a reconstituição quando se procura certificar a forma como determinado facto terá ocorrido, tentando repeti-lo nas mesmas circunstâncias de modo e lugar, a fim de se aquilatar do merecimento da descrição que dele é feita pelos intervenientes processuais» - [cf. Noções de Processo Penal, Rei dos Livros, 2010, pág. 213].
A reconstituição do facto é, pois, um processo de «controlo experimental de um dado acontecimento, relevante para fins processuais», desenvolvido de acordo com determinadas «condições de tempo e de topografia» - Costa Pimenta, Código de Processo Penal Anotado, 2.ª ed., pág. 426.
A temática tem sido objeto de tratamento jurisprudencial, destacando-se, entre outros, o acórdão do STJ 03.07.2008 e o acórdão do Supremo Tribunal de 05.01.2005, CJ, Ac. STJ XIII, 1, 15.
No caso concreto, entendemos que o auto denominado de reconstituição dos factos não pode reconduzir-se a tal meio de prova já que em substância mais não traduz do que a descrição (indicação), levada a efeito pelo arguido A3 aos agentes de autoridade, do que ele fez. Com efeito, não é o nomen juris que releva, mas antes a substância da coisa, não podendo, pois, a «reconstituição» ser confundida com meras declarações, ainda que a espaços, ilustradas, como, com o devido respeito, transparece do auto, que materializa a diligência em questão, ser o caso – neste sentido vide Ac. do TRC de 15.01.2014, in www.dgsi.pt.
Temos de analisar se o auto de reconstituição evidencia ou não um meio de prova autonomizado das declarações do arguido.
Salvo o devido respeito por opinião divergente, entendemos que não, pois deixando de lado qualquer abordagem acerca da sua conformidade (ou não) a nível formal, a nível material ou substancial, do auto em causa, como fonte de apuramento da verdade, subsistem única e exclusivamente as declarações do arguido que são o seu substrato, a sua fonte exclusiva de informação, sendo o espelho daquilo que pelo arguido é declarado e ali reduzido a escrito, por quem elaborou o auto.
Assim, sob a designação de auto de reconstituição, tal auto acaba por ser a recolha de declarações do arguido, na ausência de defensor e no decurso de uma diligência realizada com deslocação ao local nas quais o arguido relata aquela que terá sido a sua intervenção nos factos em investigação, o que permitiu ilustrar o seu conteúdo dessas declarações com registo fotográfico (onde consta o arguido a apontar para locais visualizados nessas fotografias) e gerar um auto em que essas declarações adquirem visibilidade. Para além disso, materialmente/substancialmente este auto de reconstituição não carreia para o processo qualquer outra forma de conhecimento que não seja a que provêm estritamente das declarações do arguido A3.
Por outro lado, e no seguimento dos Acs. do TRC de 01.04.2009 e de 26.05.2009, ambos in www.dgsi.pt, não se pode valorar os depoimentos dos OPC (GNR1, GNR2 e GNR3) sobre o que ouviram durante a reconstituição do facto, pois estes só podem depor sobre os outros factos que percecionaram diretamente na diligencia.
Como se refere no Ac. do TRC de 25.09.2013, in www.dgsi.pt: “Não é o nomen juris que releva, mas antes a substância da coisa, não podendo, pois, a reconstituição ser confundida com meras declarações, ainda que a espaços, ilustradas, como, com o devido respeito, transparece do auto (com teor acima reproduzido), que materializa a diligência em questão”.
Da análise do auto de reconstituição dos autos, tendo em conta que na reconstituição se reproduzem as condições e, em simultâneo, se repetem os factos, visando a comprovação da possibilidade empírica de determinadas circunstancias processualmente relevantes, teremos de concluir pelo vazio do mesmo no que diz respeito à substancia do especifico meio de prova, ou seja, a versão cénica que se pretendia ver reproduzida foi substituída pelas afirmações/relatos dos factos por parte do arguido A3, ou seja, a realidade dinâmica suposta por tal meio de representação dos factos não existe.
Assim quer se adote a posição mais restritiva, defendida, entre nós, por Germano Marques da Silva, que se traduz em negar à reconstituição do facto o poder probatório para atestar da existência ou inexistência de um determinado facto histórico, reservando a reconstituição para o campo da mera verificação do modo e condições em que hipoteticamente terá ocorrido o facto probando [cf. o acórdão do TRC de 16.11.2005, no sentido de não ter a reconstituição «por finalidade apurar a existência do facto em si, mas se podia ter ocorrido de determinada forma» ou «que serve para confirmar ou infirmar a veracidade ou possibilidade intrínseca de outros meios de prova … que não para provar o facto em si»], quer a posição alargada – a que melhor acolhimento tem merecido no seio da jurisprudência, designadamente do STJ [cf. acórdãos de 05.01.2005 e de 20.04.2006, sustentando que a reconstituição é um «meio válido de demonstração da existência de certos factos»] - o certo é que não pode a mesma servir finalidades de obtenção, conservação da prova, designadamente por confissão, circunstância a que a consideração/valoração do auto em questão, no caso conduziria, em violação do disposto nos artigos 355º e ss. do CPP, pois que de verdadeiras «declarações», e tão só «declarações» [detetando-se a preocupação na substituição da correspondente forma verbal do verbo «dizer» pela do verbo «indicar»] , se trata.
Assim razões de ordem material, que se prendem com a substância do meio de prova em referência, e quando nos encontramos a ver da possibilidade de valoração de tal meio de prova, nos levam a que se conclua que o mesmo não constitui meio de prova válido, sob pena de ao considerá-lo proceder à violação dos artigos 99º, 150º, 58º, 59º, 61º, 126º, 127º, todos do CPP.
Daqui decorre que o denominado auto de diligência “reconstituição” dos autos não pode ser acolhido como meio de prova, não podendo por isso ser valorado tal auto e não resultando pela análise da demais prova documental e testemunhal, elementos minimamente consistentes que o arguido A3 tivesse sido o autor dos factos, pelo que terá de se lançar mão do princípio in dúbio pro reo.
No caso concreto não se verifica uma relação direta e imediata com exclusão de qualquer outra possibilidade razoável e a prova produzida não permite, com o mínimo de segurança concluir se o arguido A3 foi o autor ou se teve alguma intervenção nos factos.
Tais factos conjugados com o facto de ninguém ter visto o arguido aquando da prática do ilícito, deixam-nos dúvidas.
E não se diga que o facto do co-arguido A5 ter referido que o arguido A3 como estando na posse dos alegados bens furtados o incrimina, pois este arguido A5 nada sabe sobre o furto em causa nos autos, não se tendo provado que o mesmo tinha conhecimento que tais bens que comprou seriam furtados.
Cumpre antes de mais referir que ressalta da inserção sistemática dos arts. 140º e seguintes do Código de Processo Penal que as declarações de arguido figuram entre os meios de prova, pelo que em via de princípio nada obsta à sua valoração pelo tribunal contra um co-arguido.
Não se ignoram porém os riscos e as especificidades deste meio de prova que vão sendo apontadas. É que subjacente à postura do arguido que confessa pode estar um genuíno e aberto espírito de colaboração e porventura de arrependimento, em qualquer caso fundado na verdade material dos factos; mas podemos também ter declarações prestadas exclusivamente na mira de alcançar uma vantagem pessoal, nomeadamente na determinação da medida da pena, sem preocupação alguma com a verdade material, e até inconfessadamente motivadas por algum tipo de vingança, maldade ou outro sentimento torpe para com os co-arguidos que implica.
E ao que vimos de dizer acresce, dirão alguns, que este meio de prova se presta também a alguns incómodos quando o co-arguido incriminado pretende exercer o direito ao silêncio, posto que ante as declarações contra si prestadas poderá ver-se obrigado, contra aquela que é a sua estratégia de defesa com assento constitucional, a prestar ele próprio declarações, na perspetiva de pôr em crise a credibilidade daquelas outras.
Dito isto, afigura-se-nos que esta problemática deve ser equacionada mediante duas sucessivas interrogações:
(a) se as declarações de arguido podem ser valoradas em prejuízo de um coarguido, ou seja, se as declarações de arguido constituem um meio de prova admissível no confronto com um co-arguido;
(b) se, podendo valorar-se as declarações do arguido, é ou não de exigir a corroboração de uma fonte autónoma que aponte no mesmo sentido.
Quanto à primeira questão, a orientação largamente maioritária que se foi perfilando, e a que aderimos, é no sentido afirmativo, desde logo pela inserção sistemática das declarações do arguido entre os meios de prova (Ac. STJ de 12/07/2006, CJSTJ 2006, t. II, pgs. 242 e Ac. do STJ de 7/12/2005, CJSTJ 2005, t. III, pgs. 226-7).
E corroborando esta ideia, o legislador veio entretanto, por via da Lei nº 48/2007, de 29/08, aditar um nº 4 ao art. 345º do Código de Processo Penal, dizendo que «não podem valer como meio de prova as declarações de um co-arguido em prejuízo de outro coarguido quando o declarante se recusar a responder às perguntas formuladas nos termos dos n.ºs 1 e 2».
É que desta redação resulta o sentido inequívoco de que as declarações de um co-arguido constituem meio de prova em prejuízo de outro co-arguido desde que aquele não se recuse a responder às perguntas que lhe forem feitas ou sugeridas pelos juízes, pelos eventuais jurados, pelo Ministério Público, pelo advogado do eventual assistente e pelos defensores. Cumprida que seja esta dimensão de contraditório, as declarações de arguido podem pois valer contra um coarguido (Ac. do TC nº 133/2010, www.tribunalconstitucional.pt e Ac. do STJ de 12/03/2008, www.dgsi.pt; vide ainda o Ac. da RG de 9/02/2009, relatado por Estelita de Mendonça, www.dgsi.pt).
E é esta aliás uma das dimensões sublinhadas também pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem do ponto de vista da afirmação da natureza equitativa do processo: que o arguido tenha tido a oportunidade, em algum momento, de desafiar as declarações do co-arguido (Ac. do TEDH Vaquero Hernández e outros c/Espanha, 2/11/2010, §§ 126- 134 – www.echr.coe.int).
Por outro lado, não vemos que seja estritamente essencial que as declarações do arguido sejam corroboradas por um outro meio de prova que aponte autonomamente no mesmo sentido. A partir do momento em que reconhecemos valia probatória às declarações de arguido na parte em que implicam os co-arguidos, a questão que se nos põe é de convicção, isto é, do que se trata é de saber se as declarações em apreço são de tal ordem esclarecidas, sólidas, convincentes para que apenas nelas possa o Tribunal assentar a sua posição.
Estamos em crer que atento o facto de o arguido A5 nada saber sobre o furto em causa nos autos, não saber da proveniência dos objetos que adquiriu, pelo que valoramos as suas declarações prestadas de forma espontânea, coerente naquilo que o mesmo sabia, ou seja, que adquiriu bens ao arguido A3.
Ainda se dirá que pelo facto do arguido A3 se encontrar na posse de dois objetos alegadamente furtados à ofendida, somos forçados a concordar com a jurisprudência que tem decidido que “do facto do arguido haver sido encontrado na posse de objetos furtados não se pode inferir, com suficiente segurança, pelas regras da lógica e da experiência comum, que ele foi autor do furto” – cfr. acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 28/01/2009, P.º 0846986 (www.dgsi.pt) e que “a simples detenção dos objetos furtados por parte do arguido, desacompanhada de qualquer outro indício, não permite induzir a forma como as coisas furtadas foram por ele obtidas, nem que ele as obteve nas condições requeridas pelo art. 203º do CP.
A experiência ensina que o arguido sempre poderia ter entrado na posse das coisas furtadas por as ter recebido de um terceiro sem ter tido qualquer participação no furto” – cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 19/01/2009, P.º 2025/08-2 (www.dgsi.pt).
E, de facto, as regras da experiência dizem-nos que é provável que o arguido tenha sido o autor do furto em apreço. Mas não deixa de ser razoável a dúvida de que tenha sido outro o autor do furto de objetos que possam ter vindo posteriormente a entrar na posse do arguido (eventualmente, até através da prática de crimes de recetação).
Há que notar, além do mais, que os bens foram subtraídos em data não concretamente apurada, mas entre 13 e 21 de junho de 2012, não se tendo apurado quando ocorreu a venda dos bens ao arguido A5, pelo que ficamos sem saber o tempo que mediou entre o furto e a venda dos bens, o que mais dúvidas nos deixam de como tais
No tocante ao arguido A5 não se provou de que aquele arguido tivesse representado como possível que os objetos que adquiria fossem produto de facto ilícito típico contra o património, pelo que se impõe a sua absolvição.
Face ao silêncio dos arguidos e a ausência de prova testemunhal nesse sentido, nada se provou que aquele arguido A5 tivesse representado necessariamente como possível que aqueles bens fossem produto de facto ilícito típico contra o património.
Quanto aos demais arguidos A2 e A4, nenhuma prova foi feita no sentido de terem praticado os factos que lhes são imputados na acusação pelo que se impõe a sua absolvição.
A testemunha GNR3 elaborou o auto de reconhecimento de objetos de fls. 60 e ss. e pediu o orçamento de fls. 68 e ss.
Há uma discrepância de valor muito grande entre o valor do orçamento de fls. 68 que refere a quantia de 3.200,00€ por cada coluna nova, e no total daria 9.600,00€ e o valor referido pela ofendida.
No entanto, atenta a explicação dada pelo militar GNR3 o valor dado pela ofendida será para colocar tudo de novo, enquanto que no valor de fls. 68 não estarão contemplados todos os elementos necessários para o seu funcionamento.
A testemunha T1, chefe de serviços administrativos da empresa Henrique Vieira & Filhos, S.A., empresa que vendeu o alambique à ofendida e elaborou o orçamento de fls. 83, datado de 24.04.2013, referindo que neste momento o mesmo trabalho fica por 21.000,00€. Precisou que as peças restituídas só servem para sucata pois faltam-lhe as tampas.
Prestou um depoimento sobre factos de que tinha conhecimento direto pelo que o valoramos para prova dos factos constantes em 2, 5, 7, 8, 9, 10.
Ouvimos T5, que conhece bem o prédio da ofendida pois a sua mulher amanha as terras da ofendida. Não sabe quando ocorreram os factos e não presenciou o furto. Descreveu que ficou tudo desmontado, cortado e que bens foram levados, pelo que tendo prestado um depoimento que se nos afigurou de sincero o valoramos para prova dos factos descritos em 1, 5, 6, 8, 9 e 10. Por sua vez, a testemunha T6, tratorista, conhece a ofendida pois lavrou o seu prédio, bem como trabalhou no alambique durante 3 ou 4 anos.
Descreveu como era o alambique antes do furto, o seu valor e o que sobrou depois do furto. Não presenciou o furto.
Porque falou de uma forma que se nos afigurou de consistente valoramos o seu depoimento para prova dos factos provados referidos em 1, 2, 5 a 11. Em relação às testemunhas T2, T3 e T4 depuseram, e forma que se nos afigurou de sincera, que o arguido A5 se encontra bem integrado socialmente, pelo que valoramos os seus depoimentos para prova dos factos constantes em 53 e 54.
Assim, a prova produzida é insuficiente para se afirmar que os arguidos A2, A3 e A4 praticaram os factos que lhes vinham imputados na acusação.
Com efeito, face aos depoimentos não podemos concluir que foram os referidos arguidos que subtraíram tais bens do alambique/destilaria da ofendida.
De resto, face ao princípio geral de presunção de inocência, cabia ao Ministério Público a prova dos factos da acusação para preencherem o crime de furto, prova que não foi realizada.
O mesmo se dizendo em relação ao arguido A5, pelas razões acima referidas. Em relação às condições pessoais dos arguidos valoramos as declarações dos mesmos, que nos mereceram credibilidade. Atendemos ainda aos documentos de fls. 5, 10 a 22, 31 a 47, 68 a 72, 80 a 83, 87 a 94, 119 a 121, 123 a 131.
Mais atendemos aos autos e relatórios de fls. 66 a 67, 97 e 98. Quanto aos antecedentes criminais, o Tribunal formou a sua convicção com base nos CRCs que antecedem. No que diz respeito aos factos não provados, sobre os mesmos não foi produzida qualquer prova ou a prova que se produziu foi insuficiente ou em sentido contrário.”
*
O âmbito do recurso é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação.

Assim, são apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso.

No caso dos autos, face às conclusões da motivação da assistente as questões a decidir são as seguintes:

- se a sentença recorrida é nula por ter incorrido no mesmo erro de não valoração do auto de reconstituição, não obstante a decisão do anterior acórdão;
- se a sentença recorrida é nula, nos termos dos artigos 379.º, n.º 1, al. a), e 374.º, n.º 2 , do C.P.P., porquanto o Tribunal a quo não fez uma correcta apreciação ou exame crítico da prova que resulta da conjugação dos autos de apreensão e da reconstituição do facto, com os depoimentos das testemunhas GNR1, GNR2, GNR3, as declarações da assistente e do arguido A5, para dar como não provados os factos que constam da acusação;
- erro de julgamento - impugnação dos factos dados como não provados nas alíneas a) a v), assim como dos pontos 12 e 19 da factualidade dada como provada;
- se, consequentemente, devem os arguidos ser condenados pela prática dos referenciados crimes;
- e na condenação no pedido de indemnização cível formulado.
*
Decidindo:
Questão prévia
Do anterior acórdão desta Relação resulta que após análise do recurso, foi decidido que devia proceder-se à valoração da reconstituição do facto efectuada, porquanto ( transcrição parcial):
“(…)
De todo o modo, só podem ser valoradas as declarações do arguido indispensáveis à reconstituição do facto. Quaisquer declarações do arguido que constem do auto de reconstituição ou de gravações da reconstituição que não sejam indispensáveis à reconstituição do facto merecem o tratamento das “ conversas informais”, isto é, são tratadas como se não existissem.
Defendendo nós que os esclarecimentos prestados pelo arguido na reconstituição de facto são contribuições que se integram no meio de prova autónomo a que alude o art.150.º do C.P.P., com este se confundindo, e que nada obsta a que os órgãos de polícia criminal prestem depoimento sobre os termos e o modo como decorreu a reconstituição do facto, não podemos concordar com a parte da fundamentação da matéria de facto da sentença recorrida.
A reconstituição do facto com a contribuição de alguém que assume ter praticado um crime, para poder ser considerada livre, deve ser realizada com a constituição dela como arguido – como foi - pois só assim está informado dos direitos que lhe assistem e que integram o seu estatuto processual.
Impunha-se assim que o tribunal recorrido valorasse os autos de reconstituição de factos e por consequência considerasse os depoimentos prestados pelos elementos da GNR, - testemunhas GNR1, GNR2 e GNR3, em conjugação com as declarações da assistente e do arguido A5 e os autos de apreensão, o que não fez pela via da não valoração do meio de prova constituído pelos autos de reconstituição, realizados nos termos do art. 150.º do Código de Processo Penal.
A não valoração daquele meio de prova, levou a desconsiderar a restante prova e consequentemente à aplicação do princípio in dúbio pro reo.
Impõe-se pois que o tribunal recorrido reavalie toda a prova, conjugadamente, valorando os autos de reconstituição e elabore nova sentença.
(…)”
Constata-se porém que a nova sentença elaborada, mantém a não valoração da reconstituição, distinguindo, em termos contraditórios, os dois meios de prova - reconhecimento e declarações do arguido.
Ora, o auto de reconstituição de facto é um meio de prova autónomo, inserido no Código de Processo Penal a par de outros meios de prova, como a prova testemunhal, as declarações do arguido ou a prova documental.
A indicação do “modus operandi” e do “modus faciendi” feita pelo arguido, decididamente constitui contribuição para a descoberta da verdade, desde que livremente efectuada e enquanto indispensável à compreensão da reconstituição de facto, não pode deixar de ser valorada, sob pena de este meio de prova se tornar frequentemente inútil, já que, como adverte o Acórdão da Relação de Coimbra de 15-09-2015 ( Rel. Des. Orlando Gonçalves) “ a reconstituição do facto não é um acto mudo, que possa realizar-se sem contribuições orais de sujeitos processuais”.
Veja-se a propósito o Ac STJ de 5 de Janeiro de 2005 onde se esclarece “…, o tribunal não aceitou determinados meios e prova, porque considerou que não podiam ser adquiridos e, consequentemente, administrados. Viu-se, porém, que não é assim. Os meios de prova referidos poderão, eventualmente, ser adquiridos para o processo (no caso da reconstituição se tiver decorrido segundo os pressupostos e condições do artigo 150º do CPP, e no que respeita às declarações se referidas aos termos da reconstituição) e, sendo validamente adquiridos, deverão ser utilizados na respectiva função probatória.”
A sentença ora recorrida manteve a tese defendida na sentença anterior, concluindo que a reconstituição não constitui meio de prova válido ( cfr fls 1232).
E afastando a valoração do reconhecimento, afecta a valoração da detenção dos objectos furtados na posse do arguido A3, e assim também a valoração das declarações do co-arguido A5 que referiu que o arguido A3 estava “na posse dos alegados bens furtados”.
De notar que o auto de reconstituição realizado nos presentes autos - não obstante a forma pouco erudita da sua redacção - não se limita ao relato de um facto probando, antes esclarece as condições e a dinâmica da ocorrência, iluminando a forma como foi possível retirar do local objectos de peso e dimensões assinaláveis, conforme aliás se percebe claramente da foto de fls 170 - colunas que tiveram que ser arrastadas aquando do furto, conforme marcas indicadas pelo arguido A3.
Ou seja, o arguido fornece elementos de actuação que vão para além das declarações, relativamente ao modo de entrada, localização dos objectos subtraídos, forma da retirada de tais bens, tudo percepcionado pelos militares da GNR.
Após a consideração de toda a referida prova devidamente conjugada entre si e com as regras da experiência, - numa apreciação crítica fundamentada - alcançará o tribunal a quo o resultado do julgamento de facto que, conforme o caso, justificará a absolvição ou condenação do ou dos arguidos.
A não valoração daquele meio de prova, - reconstituição do facto - levou a desconsiderar a restante prova.
Impõe-se pois que o tribunal recorrido reavalie toda a prova, conjugadamente, valorando os autos de reconstituição e elabore nova sentença.
Tem, pois, de se concluir que no Tribunal de 1.ª Instância não foi dado cumprimento ao decidido por este Tribunal, não sendo apreciadas e decididas as questões objecto do reenvio.
Esse não cumprimento da decisão proferida em recurso, põe em causa um dos princípios estruturantes do Ordenamento Jurídico do nosso Estado de Direito.
Concretizando:
Nos arts. 202° e 203° da nossa Constituição estabelece-se que os Tribunais são Órgãos de Soberania, independentes e apenas sujeitos à Lei:
“Artigo 202.º
(Função jurisdicional)
1. Os tribunais são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo.
2. Na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados.
(…)”
E art 203.º
“(Independência)
Os tribunais são independentes e apenas estão sujeitos à lei.
Traduzida no artigo 22.º da Lei 62/2013, de 26 de Agosto
A independência dos Tribunais, é garantida pela independência dos Juízes a quem compete a titularidade desses órgãos e o exercício da função jurisdicional.
Porém, não obstante serem os Tribunais e os Juízes seus titulares independentes, não devendo obediência entre si, decorre da ordem Constitucionalmente estabelecida que os mesmos se organizam segundo uma estrutura hierarquizada, referida no art. 210° da CRP, e sendo composta por Tribunais de 1.ª Instância, 2.ª Instância (os Tribunais da Relação), e Supremo Tribunal de Justiça – órgão superior da hierarquia.
Essa hierarquização dos Tribunais Judiciais consubstancia-se no dever de acatamento dos Tribunais de 1.ª Instância às decisões dos Tribunais da Relação e às do Supremo Tribunal de Justiça, e os segundos às deste.
A referida independência e estrutura hierarquizada, surgem concretizadas na legislação ordinária, mormente no art. 4° da Lei 62/2013, de 26 de Agosto (Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais), sob a epígrafe “ Independência dos juízes”:
“1 - Os juízes julgam apenas segundo a Constituição e a lei e não estão sujeitos a quaisquer ordens ou instruções, salvo o dever de acatamento das decisões proferidas em via de recurso por tribunais superiores.”
O art. 42º°, n.º 1, da Lei 62/2013, de 26 de Agosto define a finalidade da estrutura hierarquizada, sob a epígrafe – competência em razão da hierarquia: "os Tribunais Judiciais encontram-se hierarquizados para efeito de recurso das suas decisões"
Da conjugação destas normas, resulta um sistema inerente a qualquer Estado de Direito Democrático, segundo o qual a hierarquia em que os Tribunais se ordenam constitui uma hierarquia funcional, traduzindo uma vinculação entre os referidos órgãos, imprescindível para a estruturação dos recursos de modo que as decisões dos tribunais superiores têm de ser acatadas pelos inferiores quando proferidas em recurso .
Assinala-se ainda que a estrutura hierarquizada dos Tribunais está intrinsecamente conexa ao direito de recorrer das decisões judiciais, através do competente recurso, meio através do qual se remete o conhecimento de questão já decidida por um Tribunal de inferior Instância (Tribunal a quo), para um Tribunal de superior Instância (Tribunal ad quem).
A decisão proferida, em recurso, pelo tribunal de superior instância, confirmando, ou alterando a decisão recorrida, ordenando – se disso for o caso – a repetição total do Julgamento ou a repetição apenas parcial (delimitada às questões nela definidas), ou a elaboração de nova sentença expurgada dos vícios ou omissões detectados, vincula o Tribunal de hierarquia inferior, impendendo sobre o Juiz titular do mesmo o dever de cumprir e acatar essa decisão.
Não o fazendo – e analisada a questão, estritamente, do ponto de vista jurídico-processual –, viola as regras da hierarquia funcional em que os Tribunais se estruturam e, consequentemente, as regras da competência em razão dessa hierarquia.
A violação de tais regras, pela sua gravidade, põe em causa o fim último do Processo Penal: a realização da Justiça através da produção adequada à verdade material.
Assim, no processo foi cometida uma nulidade absoluta, tipificada no art. 119°, al. e) do CPP: violação das regras de competência hierárquica do Tribunal.
A comissão dessa nulidade determina a invalidade da Sentença recorrida, impondo-se que o processado regresse à fase de cumprimento do Acórdão por esta Relação proferido, efectuando-se nova sentença, sendo proferida a adequada decisão de Direito, com observância do decidido no anterior acórdão, ou seja a e consequente apreciação da prova de forma conjugada e tendo em consideração as regras da experiência,
Esta decisão prejudica a apreciação das restantes questões suscitadas, nomeadamente os invocados erros na apreciação da prova.
*
Nos termos relatados, decide-se declarar verificada a nulidade do art. 119°, al. e) do CPP – violação das regras da competência hierárquica do Tribunal e, em consequência, declarar a invalidade da Sentença recorrida determinando-se o envio do processo para o Tribunal da 1ª Instância, para cumprimento do Acórdão primitivamente proferido por este Tribunal, nos termos supra referidos.

III Dispositivo
Termos em que acordam os juízes que compõem este tribunal em conceder provimento ao recurso e em consequência declarar verificada a nulidade do art. 119°, al. e) do CPP – violação das regras da competência hierárquica do Tribunal - e, em consequência, declarar a invalidade da Sentença recorrida determinando-se o envio do processo para o Tribunal da 1ª Instância, para cumprimento do Acórdão primitivamente proferido por este Tribunal, nos termos supra referidos.
Recurso sem tributação.

Coimbra, 13 de Junho de 2108
(Certifica-se que o acórdão foi elaborado e revisto pela relatora, nos termos do art. 94.º, n.º 2 do C.P.P.).

Isabel Valongo (relator)

Jorge França (adjunto)