Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
26/14.7IDVIS-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS TEIXEIRA
Descritores: DECLARAÇÃO DE CONTUMÁCIA
CADUCIDADE DA DECLARAÇÃO DE CONTUMÁCIA
Data do Acordão: 12/04/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU (JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE TONDELA)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 335.º E 336.º DO CPP
Sumário: I - A declaração de contumácia, regulada no artigo 335.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, perdeu importância, tornando-se praticamente residual, com a Lei n.º 59/98, de 25-8 e sobretudo com o DL n.º 320-C/2000, de 15-12, sendo agora só aplicável nos casos excecionais em que os arguidos não tenham prestado TIR, nem tenha sido possível proceder à sua detenção ou prisão preventiva, se admissível, para proceder à sua notificação da data da audiência.

II - Não tendo o arguido prestado TIR nos autos, remetido o processo para julgamento e designada a respetiva data para a audiência, não sendo possível notificar o arguido desta data, que foi considerada sem efeito, tendo o tribunal realizado todas as diligências possíveis para apurar o paradeiro do arguido, de uma morada ou domicílio onde o mesmo pudesse legalmente ser notificado da nova data para julgamento, verificam-se os pressupostos legais para a sua notificação por éditos e consequente declaração de contumácia.

III – Resultando dos autos que o arguido tem conhecimento da pendência do processo, o qual chegou a informar telefonicamente a autoridade policial da sua não residência na morada que do mesmo consta mas não indicando outra onde pudesse efetivamente ser notificado, tendo constituído mandatário que apresentou contestação e juntou rol de testemunhas, agindo em atitude de pura fuga à notificação, não deve ser declarada cessada a contumácia a seu pedido com o fundamento de que não foram realizadas todas as diligências para o notificar, quando o mesmo pode pôr termo, a qualquer momento, à situação de contumácia com a sua apresentação em juízo e prestar o respetivo TIR.

Decisão Texto Integral:






Acordam em conferência, na 4ª Secção (competência criminal) do Tribunal da Relação de Coimbra.

I

1. Nos autos de processo supra identificados, por despacho judicial de 31.5.2019, foi o arguido JM declarado contumaz, em conformidade com o determinado no art.º 335.º/ 3, do Código de Processo Penal e determinado:

- A proibição do contumaz obter, renovar ou alterar o bilhete de identidade, passaporte e carta de condução, para além de quaisquer certidões ou registos junto de entidades públicas (art.º 337.º/3 do CPP).

C) Ordenar o arresto sobre as contas bancárias que o contumaz possua nas instituições de crédito que operem em Portugal (art.º 337.º/3 e 4, do CPP);

D) Decretar a separação do processo atinente ao arguido JM, determinando-se o prosseguimento dos autos contra os arguidos (...), nos termos e para os efeitos consignados no art.º 30.º/1, als. c) e d), do Código de Processo Penal;

2. Não se conformando com a decisão, dela recorre o arguido JM, formulando as seguintes conclusões:

            A – O Arguido encontra-se acusado da prática de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artigo 105º nº 1 do RGIT, sem que tenha sido interrogado como tal, assim como não prestou TIR.

            B - Inicialmente esteve marcada a audiência de julgamento para o dia14/02/2019, que porém foi dada sem efeito pela nulidade decorrente da omissão da notificação do Arguido da data do julgamento, designando-se em sua substituição odia 10/04/2019.

            C – Pese embora o Tribunal ter ordenado a tomada de determinadas diligências tendentes a apurar o paradeiro do Arguido, após ter sido a primeira data dada sem efeito e até à nova data agendada, o Tribunal apenas requereu à AT a informação sobre a morada do Arguido, tendo sido informada uma morada na qual se haviam frustrado as anteriores notificações.

            D – Neste quadro factual, o Tribunal não podia desde logo ter como frustrado o apuramento do paradeiro do Arguido, pois não tomou as diligências que tinha ao seu alcance para esse apuramento e fazê-lo comparecer em juízo.

            E – A declaração de contumácia pressupõe que estejam esgotadas as diligências exequíveis para conhecimento de paradeiro do Arguido, nos termos do art. 335º do CPP.

            F – Entre as inúmeras diligências que o Tribunal podia ter tomado, há que considerar que consta do processo o CRC do Arguido onde consta a identificação de vários processos em que o Arguido foi julgado e onde o Tribunal poderia encontrar informação acerca do paradeiro do Arguido.

            G – Além de que se o Tribunal tivesse ordenado a consulta dos processos pendentes, facilmente verificava que estava em fase de julgamento o processo n.º (...), e que o Arguido esteve presente nas sessões de 07/05/2019, 20/05/2019, 04/06/2019,14/06/2019 e 18/06/2019.

            H – A declaração de contumácia é para os casos em que é impossível encontrar o Arguido, e no caso tal não se verifica, sendo antes obrigatória a presença do mesmo no julgamento, sob pena de nulidade nos termos do artigo 119º al. c) do CPP.

            I – E violação dos direitos de defesa do Arguido, desde logo o direito de estar presente nos actos que lhe digam respeito, o que configura violação do artigo 32º da CRP.

            J – A execução do despacho que declarou o Arguido contumaz e ordenou a separação de processos não podia ser feita antes do trânsito em julgado do despacho que assim determinou, o que também configura nulidade por prejudicar os direitos de defesa do Arguido, com as desvantagens conhecidas decorrentes da separação.

            K - O Tribunal considerou erroneamente que foram realizadas todas as diligências pertinentes para a declaração de contumácia e violou o disposto no artigo 35° do C.P.P. e artigo 32º nº 5 da CRP, coarctando assim as garantias do processo criminal a que está vinculado, designadamente o exercício do direito de defesa do arguido.

            Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, deve o recurso interposto ser julgado procedente, e em consequência, ser declarado nulo o despacho que declarou o Arguido contumaz e que seja substituído por acórdão que ordene a realização de medidas tendentes à localização do Arguido e que dê sem efeito a separação de processos, com as legais consequências.

(...)

           

II
            O despacho recorrido tem o seguinte teor:           

            O Ministério Público promoveu que o arguido JM seja declarado contumaz e que se determine a separação de processos.


**

            Em consonância com o preceituado no art.º 335.º/1, do Código de Processo Penal, fora dos casos previstos no art.º 334.º/1 e 2, do referido código, se, depois de realizadas as diligências necessárias à notificação a que se refere o n.º 2 e a primeira parte do n.º 3 do art.º 313.º, não for possível notificar o arguido do despacho que designou dia para a audiência de julgamento, o mesmo é notificado por editais para se apresentar em juízo, num prazo de trinta dias, sob pena de ser declarado contumaz.

            A declaração de contumácia implica a suspensão dos termos ulteriores do processo até à apresentação ou à detenção do arguido, sem prejuízo da realização de actos urgentes nos termos do art.º 320.º, do Código de Processo Penal (art.º 335.º/3, do CPP).

            Ademais, em congruência com o plasmado no art.º 30.º/1, do Código de Processo Penal, oficiosamente, ou a requerimento do Ministério Público, do arguido, do assistente ou do lesado, o tribunal faz cessar a conexão e ordena a separação de algum ou alguns processos sempre que:

            a) Houver na separação um interesse ponderoso e atendível de qualquer arguido, nomeadamente no não prolongamento da prisão preventiva;

            b) A conexão puder representar um grave risco para a pretensão punitiva do Estado, para o interesse do ofendido ou do lesado;

            c) A conexão puder retardar excessivamente o julgamento de qualquer dos arguidos; ou

            d) Houver declaração de contumácia, ou o julgamento decorrer na ausência de um ou alguns dos arguidos e o

tribunal tiver como mais conveniente a separação de processos.

            Na situação sub judice, analisando-se os autos, certifica-se linearmente que o arguido JM não prestou TIR e não foi notificado do despacho de recebimento de acusação e de designação da audiência de julgamento, sendo que, após múltiplas e sucessivas diligências, o seu paradeiro afigura-se desconhecido.

            Acresce que o arguido, notificado editalmente nos termos do art.º 335.º/1 e 2, do Código de Processo Penal, não se apresentou em juízo, pelo que se afiguram perfectibilizados os pressupostos do decretamento da contumácia.

            Concomitantemente, atestando-se que a acusação pública foi proferida igualmente contra os arguidos (...), conclui-se que a manutenção da conexão é susceptível de retardar excessivamente o julgamento dos mesmos, em função da antedita declaração de contumácia, pelo que se postula a separação de processos.

            Pelo supra exposto, decide-se:

            A) Declarar que o arguido JM é contumaz, em conformidade com o determinado no art.º 335.º/ 3, do Código de Processo Penal;

            B) Determinar a proibição do contumaz obter, renovar ou alterar o bilhete de identidade, passaporte e carta de condução, para além de quaisquer certidões ou registos junto de entidades públicas (art.º 337.º/3 do CPP).

            C) Ordenar o arresto sobre as contas bancárias que o contumaz possua nas instituições de crédito que operem em Portugal (art.º 337.º/3 e 4, do CPP);

            D) Decretar a separação do processo atinente ao arguido JM, determinando-se o prosseguimento dos vertentes autos contra os arguidos (...), nos termos e para os efeitos consignados no art.º 30.º/1, als. c) e d), do Código de Processo Penal;

            E) Designa-se o dia 18 de Setembro de 2019, às 14 horas, para a efectivação da audiência de julgamento (inviabilizando-se a marcação para data anterior ante a indisponibilidade de agenda).

            Extraia-se certidão do processado com referência à separação enunciada em D), a qual deve ser remetida à distribuição.


*

            Emita mandados de detenção, para as forças policiais das residências conhecidas e para o SEF, para que o arguido JM, logo que se apresente ou seja detido, preste termo de identidade e residência (Código de Processo Penal.º 337.º/1, do Código de Processo Penal).

*

            Notifique-se o parente mais próximo do arguido e o seu defensor, nos termos do art.º 337.º/5 do CPP.

*

            Proceda ao registo da contumácia (art.º 337.º/6 do CPP).

*

            Comunique-se à DGSI, para os efeitos previstos no art.º 18.º/2, da Lei n.º 37/2015, de 05 de Maio.

             

III

Questão suscitada:

A verificação ou não verificação dos pressupostos para a declaração de contumácia do arguido recorrente.

IV

Cumpre apreciar:

1. A declaração de contumácia do arguido é regulada no artigo 335º, nº 1, do Código de Processo Penal, que dispõe o seguinte:

1 - Fora dos casos previstos nos nºs 1 e 2 do artigo anterior, se, depois de realizadas as diligências necessárias à notificação a que se refere o n.º 2 e a primeira parte do n.º 3 do artigo 313.º, não for possível notificar o arguido do despacho que designa o dia para a audiência, ou executar a detenção ou a prisão preventiva referidas no n.º 2 do artigo 116.º e no artigo 254.º, ou consequentes a uma evasão, o arguido é notificado por editais para se apresentar em juízo, num prazo até 30 dias, sob pena de ser declarado contumaz.


*

I. A declaração de contumácia pressupõe a prática de determinados trâmites com vista à sua declaração, nomeadamente a designação de data para julgamento e a realização subsequente das diligências exequíveis para conhecimento do paradeiro do arguido - Ac. TRE de 14-07-2015.

2. No ac. desta Relação de Coimbra de 24-05-2017, proferido no processo nº 857/13.5TACVL.C1, (mesmo relator e adjunto), afirmou-se a propósito da natureza e finalidade da declaração de contumácia, por referência ao AUJ n.º 5/2015 do STJ, in DR, I Série de 21-05-2014:

“Para evitar que a falta do arguido se convertesse num obstáculo insuperável à marcha do processo, o legislador conferiu ao tribunal o poder de “tomar as medidas necessárias e legalmente admissíveis”, nomeadamente a de ordenar a detenção do faltoso pelo tempo indispensável para a realização da audiência, ou ainda, se fosse legalmente admissível, a prisão preventiva.

Para a hipótese de não ser possível executar a detenção do arguido ou de notificá-lo do despacho a designar o julgamento, o arguido era notificado por editais para se apresentar em juízo, sob pena de ser declarado contumaz”.

Nessa situação, o processo ficava suspenso até à apresentação ou à detenção do arguido (art. 336º, nº 1, na versão originária do CPP).

A contumácia, ao suspender a marcha do processo, criava uma situação anómala e indesejável, mas tinha uma natureza provisória e instrumental e previa mecanismos para “encorajar” o contumaz a apresentar-se em juízo, pondo fim à suspensão do processo.

Mas a prática judiciária em breve veio desmentir tal convicção, revelando-se a contumácia, enquanto instituto dissuasor da “revelia”, manifestamente insuficiente para os fins visados, o que provocou profundos e notórios entraves à administração da justiça penal, que o legislador não podia ignorar, como de facto não ignorou.

Foi com a Lei nº 59/98, de 25-8, e sobretudo com o DL nº 320-C/2000, de 15-12, constatada a ineficácia do diploma anterior (como o revela abundantemente o preâmbulo deste último), que o legislador procedeu a uma reforma profunda do julgamento na ausência do arguido, mantendo o princípio da obrigatoriedade da sua presença em audiência, mas conferindo a essa presença mais o caráter de direito do que de obrigação do arguido, podendo portanto o tribunal realizar o julgamento na sua ausência, desde que considere que a presença dele não é absolutamente indispensável.

Na verdade, logo que constituído como tal, o arguido presta TIR, ficando notificado de que poderá ser julgado na sua ausência (arts. 196º, nº 3, d), e 333º do CPP).

Neste quadro, a contumácia perdeu importância, tornando-se praticamente residual. Ela agora só é aplicável nos casos excecionais em que os arguidos não tenham prestado TIR, nem tenha sido possível proceder à sua detenção ou à prisão preventiva, se admissível, para proceder à sua notificação da data da audiência”.

Ou seja, o legislador encontrou um mecanismo em que, desde que exista a constituição de arguido no processo, haverá necessariamente também a prestação de TIR[1]. E com esta prestação de TIR, os autos prosseguirão sempre para julgamento, com ou sem a presença do arguido[2]. E sendo a presença do arguido vista na perspetiva de um direito seu, ficará de algum modo no critério do arguido, exercê-lo. O que o Estado pretende é que o processo não fique suspenso, que a questão seja decidida, que o jus puniendi, se for o caso, seja também exercido.

3. No concreto caso, não tendo o arguido JM prestado, até ao momento, TIR nos autos, faz todo o sentido o instituto da contumácia.

Durante a investigação, pelo Ministério Público foram realizadas diligências várias no sentido de localizar o arguido, notificá-lo da acusação, bem como sujeitá-lo à prestação de TIR. Todas as diligências resultaram infrutíferas para estes fins.

Remetido o processo para julgamento e designada a respetiva data para a audiência, não foi possível notificar o arguido desta mesma data, que foi dada sem efeito, tendo o tribunal recorrido realizado várias diligências no sentido de apurar o paradeiro do arguido para notificação da nova data entretanto designada.

É certo que na decisão recorrida se afirma que “Na situação sub judice, analisando-se os autos, certifica-se linearmente que o arguido JM não prestou TIR e não foi notificado do despacho de recebimento de acusação e de designação da audiência de julgamento, sendo que, após múltiplas e sucessivas diligências[3], o seu paradeiro afigura-se desconhecido”, sem que todavia se pormenorizem as diligências efetivamente realizadas.

Mas tais diligências constam dos autos principais e correspondem às que o Ministério Público, junto deste Tribunal da Relação, enuncia no seu parecer.

Diligências que, não se encontrando totalmente documentadas na certidão remetida a estes autos, foram todavia verificadas e confirmadas no sistema Citius, em consulta ao processo principal.

E do mesmo consta respetivamente que, não tendo o arguido recorrente sido notificado da data que foi designada para julgamento por despacho judicial de 6.11.2018, por despacho de 15.1.2019 foi decidido se solicitasse à PSP a notificação do arguido da nova data para o domicílio profissional sito na Rua (...), tendo a entidade policial informado que esta morada correspondia à sede de outra empresa, (...), informação obtida junto do representante legal CM.

Mais diz a PSP que contatou telefonicamente o arguido JM, através do telemóvel nº (...), tendo o mesmo informado na altura que já não possuía residência na Rua (...), e que a sua nova sede profissional passaria a ser na citada na Rua (...), onde poderia ser notificado – v. certidão emitida pela PSP de (...), em 12 de Dezembro de 2018, junta a fls. 50 e 51.

Na sequência da promoção do Ministério Público em 1ª instância e por despacho de 21.1.2019, foi solicitado informação do paradeiro do arguido junto de várias operadoras móveis e fixas e através da base de dados, não tendo sido possível obter resultados positivos através destas diligências.

Por despacho judicial de 14.2.2019 foi ainda solicitado à AT o novo domicílio fiscal do arguido tendo sido indicado a Rua (...), ou seja, aquela que o próprio arguido já tinha informado telefonicamente à PSP de que não tinha aí residência.

Daquele despacho de 14.2.2019 foi notificado o ilustre mandatário do arguido, Sr. Dr. (...), em 18.2.2019, com procuração junta aos autos datada de 10 de Maio de 2018 e da qual consta como morada do arguido, a Rua (...).

Este ilustre mandatário foi igualmente notificado em 26.3.2019, do despacho judicial de 22.3.2019, em que foi ordenada a citação edital do arguido por não ser conhecido o seu paradeiro - para que pudesse ser notificado da data para julgamento -, uma vez que até então ainda não prestou TIR no processo.

            4. Conforme resulta abundantemente dos autos, foram feitas todas as diligências possíveis para apurar o paradeiro do arguido, de uma morada ou domicílio onde o mesmo pudesse legalmente ser notificado da data para julgamento.

            Resulta dessas mesmas diligências, que o arguido sabia e sabe da pendência deste processo, tendo mesmo informado a autoridade policial da sua não residência na Rua do (…) mas não indicando uma morada onde pudesse efetivamente ser notificado, pois aquela que indicou não se confirmou.

            E o caricato é que o arguido para além de ter conhecimento da existência dos autos, de que nestes se pretende apurar o seu paradeiro para prosseguimento do processo com a realização do julgamento, constituiu mandatário que apresentou contestação e juntou rol de testemunhas!!

            Decididamente, o arguido tem mantido uma atitude de pura fuga, dificultando o conhecimento do seu paradeiro para que se concretize a sua notificação.

            Por sua vez, o ilustre mandatário do arguido tem perfeito conhecimento do andamento do processo, das diligências realizadas pelo tribunal com vista ao apuramento da morada do arguido. Sabe que foram publicados editais com vista à declaração da sua contumácia. Atos de que foi notificado, conforme supra referido.

            Nos termos do artigo 7º, nº1, do Código de Processo civil, vigora o princípio da cooperação entre magistrados, mandatários e partes para a obtenção com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio.

            De onde se pode depreender que, segundo este princípio deveria o ilustre mandatário informar do eventual conhecimento do paradeiro do arguido.

            É certo que estamos no domínio do direito penal, cabendo ao ilustre advogado defender os interesses do arguido enquanto tal e também como cliente/mandante. E que esta informação poderia violar o disposto no artigo 97º Estatuto da Ordem dos Advogados, nomeadamente quando o nº 2 diz que “o advogado tem o dever de agir de forma a defender os interesses legítimos do cliente”.

            E a entender-se assim, não tendo o ilustre mandatário, de sua iniciativa, informado do conhecimento ou não conhecimento do paradeiro do arguido, quando o mesmo sabe que o tribunal procura, por todos os meios, apurar esse paradeiro, não se justificaria que o tribunal expressa e diretamente o notificasse, para dar essa informação. Pois sempre se poderia refugiar nessa norma e sigilo profissional, com legitimidade. E esta seria, em nosso entender, a derradeira diligência que o tribunal poderia realizar para obter a morada do arguido para o notificar e prestar TIR. Não o tendo feito, não legitima o arguido vir alegar que não foram realizadas todas as diligências ao alcance do tribunal.

            Uma coisa é certa e dela tem consciência o arguido: a declaração de contumácia causa-lhe alguma perturbação no exercício da sua vida e atividade diária, quer pessoal, quer profissional. Mas a declaração de contumácia tem precisamente essa finalidade.

            E podia o arguido, em momento anterior à declaração de contumácia, ter indicado uma morada ou domicílio onde pudesse ser notificado e pode agora, a todo o momento, fazer cessar essa situação jurídica, apresentando-se em juízo. Simples e óbvio.

            O que o arguido pretende é uma vez mais obstar ou pelo menos protelar a sua notificação segundo os requisitos legalmente exigidos, usando todos os expedientes ao seu alcance, ao mesmo tempo que pretende obstar aos efeitos perversos da situação de contumácia.

            Face a todas as diligências realizadas pelo tribunal a quo e à clara intenção do arguido em se furtar à sua notificação e prestação de TIR, dar sem efeito a declaração de contumácia, a que o mesmo pode pôr termo a qualquer momento, seria um meio ínvio de obter mais um prazo puramente dilatório no andamento do processo, com o risco de repetição de todos os atos que já foram praticados com o fim de o notificar. Pois uma coisa é certa, se o arguido entende que poderiam ser feitas mais diligências para obter a sua morada ou domicílio, as que indicou não se afiguram eficazes, como o demonstra toda a panóplia de diligências realizadas.

            Pelo que o único ato processual útil e eficiente a praticar neste momento para evitar a situação de contumácia, é a apresentação do arguido em juízo. Ato que pelos vistos o arguido não quer assumir e praticar.

            Por tudo o que se deixou exposto, podemos concluir que a notificação edital do recorrente JM, nos termos do citado art. 335º, nº 2, do Cod. Proc. Penal, podia efetivamente ser ordenada pelo Tribunal a quo, pelo que a declaração de contumácia do arguido é legalmente válida e apta a produzir todos os efeitos.

IV

Decisão

Por todo o exposto, decide-se julgar improcedente o recurso do recorrente JM, mantendo-se o teor da decisão recorrida.

 Custas a cargo do recorrente com a taxa de justiça que se fixa em 5 (cinco) UCs.

Coimbra, 4 de Dezembro de 2019

Texto processado em computador e integralmente revisto e assinado eletronicamente pelos signatários

           

Luís Teixeira (relator)

              

Vasques Osório (adjunto)


[1] Refere o disposto no artigo 196º, nº 1, do Código de Processo Penal o seguinte:
“A autoridade judiciária ou o órgão de polícia criminal sujeitam a termo de identidade e residência lavrado no processo todo aquele que for constituído arguido, ainda que já tenha sido identificado nos termos do artigo 250º”.
[2] A prestação de TIR facilita, processualmente, a notificação do arguido dos atos processuais.
[3] Sublinhado nosso.