Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4705/17.9T8VIS-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BARATEIRO MARTINS
Descritores: GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
CRÉDITOS DA SEGURANÇA SOCIAL
CRÉDITOS DO ESTADO
CRÉDITOS LABORAIS
PRIVILÉGIO MOBILIÁRIO GERAL
PRIVILÉGIO MOBILIÁRIO ESPECIAL
PENHOR
CONFLITO DE LEIS
PROIBIÇÃO DA REFORMATIO IN PEJUS
Data do Acordão: 05/21/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU - VISEU - JUÍZO COMÉRCIO - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.47, 97, 98, 129, 130, 140 CIRE, 666, 735, 747, 749, 750 CC, 333 CT, 204 RCSPSS, DL Nº 103/80 9/5
Sumário: 1 - O privilégio mobiliário geral, não incidindo sobre coisa certa e determinada, mas sobre o património do devedor, não é um verdadeiro direito real; mas uma mera preferência de pagamento, que assume a eficácia que lhe é própria aquando do acto da penhora, ou seja, que confere preferência no pagamento em relação aos credores comuns.

2 - O penhor é uma garantia real completa, que confere ao credor o direito à satisfação do seu crédito com preferência sobre os demais credores.

3 – Daqui decorre que o penhor prevalece contra e em relação aos privilégios mobiliários gerais de que gozam os créditos laborais e os créditos do Estado.

4 – E também seria assim em relação ao privilégio mobiliário geral de que gozam os créditos do ISS, se a lei – art. 204.º/2 do CRCSPSS – não determinasse, imperativamente, que este privilégio do ISS prevalece sobre qualquer penhor, ainda que de constituição anterior.

5 - Perante o conflito (de disposições legais) que assim se estabelece entre o art. 333.º/2/a) do C. T. (ao dizer que os créditos laborais tem preferência sobre os créditos com idêntico privilégio do Estado), o referido art. 204.º/1 do CRCSPSS (quando diz que os créditos do ISS se graduam logo após os referidos na alínea a) do n.º 1 do 747.º do CC), a prevalência do privilégio mobiliário geral do ISS sobre qualquer penhor (estabelecida imperativamente pela lei) e a também referida prevalência do penhor sobre o privilégio mobiliário geral, a solução está em efectuar (quando concorram na mesma graduação um credito garantido por penhor, um crédito do ISS, um crédito de Trabalhadores e um crédito do Estado, todos estes com privilégio mobiliário geral) a seguinte graduação: 1.º: O crédito do ISS; 2.º: O crédito garantido por penhor; 3.º: Os créditos laborais; e 4.º: Os créditos do Estado.

6 – E, identicamente, quando a estes 4 créditos se junta ainda um crédito do Estado, constituído após o penhor, que goze de privilégio mobiliário especial, situação em que deve efectuar-se a seguinte graduação: 1.º: O crédito do ISS; 2.º: O crédito garantido por penhor; 3.º: O crédito do Estado com tal privilégio mobiliário especial; 4.º: Os créditos laborais; e 5.º: Os créditos do Estado (com privilégio mobiliário geral).

7 – Efectivamente, os privilégios mobiliários especiais são verdadeiras garantias reais, em que vigora o princípio da prioridade (prior in tempore, potior in iure), por força do qual o privilégio goza da prevalência que lhe advém da sua anterioridade sobre os direitos de terceiro (cfr. art. 750.º do C. Civil), ou seja, se o direito real de garantia do terceiro for de constituição anterior, ficará à frente do privilégio mobiliário especial.

8 – Pretendendo o recorrente uma melhor graduação para o seu crédito e concluindo-se que ela é pior que a que lhe foi dada na sentença recorrida, há que, em obediência ao disposto no art. 635.º/5 do CPC, manter a graduação constante da sentença recorrida.

Decisão Texto Integral:







Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

I – Relatório

Por apenso à acção especial de insolvência – em que foi declarada em tal situação, em 17/11/2017, “D (…), Lda.”, com os sinais dos autos – veio a Administradora de Insolvência apresentar a lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos, nos termos do art. 129.º do CIRE.

A lista foi impugnada pelos credores: (…), com fundamento em terem-lhes sido reconhecidos créditos por montantes inferiores aos devidos, tendo tais impugnações, após a Sr.ª AI ter declarado nada ter a opor-lhes, sido julgadas procedentes (cfr. decisão de fls. 306 e verso).

A lista foi igualmente impugnada pela “C (…) CRL” em relação aos créditos de (…).

Realizada a tentativa de conciliação, identificado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova, procedeu-se a julgamento em que a “C (…), CRL” reconheceu os créditos (que havia impugnado) tal como estes foram reconhecidos (montante e natureza) na lista de créditos apresentada pela Sr.ª AI, com a correcção do montante reconhecido ao credor J (…) (€9.820,90).

Razão pela qual o Exmo. Juiz ordenou que lhe fossem concluídos os autos para prolação de sentença de Verificação e Graduação de todos os créditos (art. 140.º do CIRE), sentença em que, no que aqui interessa, expendeu a seguinte fundamentação:

Verificação dos créditos:

Por referência à lista de créditos reconhecidos rectificada de fls. 298 a 305, decido:

- Julgar verificados os créditos dos credores (…)nos termos da decisão de fls. 306 e verso.

- Julgar verificado o crédito de J (…) (nº93) pelo montante de €9.820,90, conforme resulta da acta de audiência de julgamento.

- Julgar verificados os créditos impugnados de (…) nos termos constantes da acta de discussão e julgamento, ou seja, tal como foram reclamados.

- Os demais créditos reconhecidos e constantes da lista de créditos apresentada pela Sra. Administradora da Insolvência não foram impugnados.

Nessa medida, e de acordo com o disposto no nº3 do art. 130º do CIRE, decide-se homologar a lista de créditos reconhecidos nesta parte.

Graduação dos créditos:

Para a massa insolvente foram aprendidos dois imóveis, vários móveis (entre os quais veículos), depósitos bancários e participações sociais.

Importa agora graduar os créditos reconhecidos, tendo em conta as eventuais garantias existentes e a natureza dos bens apreendidos.

(…)

Créditos garantidos para os efeitos do disposto na al. a) do nº4 do art. 47º do CIRE

(…)

Por privilégio mobiliário especial.

Créditos do Estado – Fazenda Nacional (nº68).

Os créditos do Estado por IUC gozam de privilégio mobiliário especial sobre o veículo tributável. - art. 22º, nº3 do Código do Imposto único de Circulação.

Por penhor.

Crédito de “C (…), CRL” (nº32).

A insolvente era proprietária de um estabelecimento comercial que incorporava bens móveis. Esses móveis foram apreendidos nos presentes autos.

O credor supra referido celebrou com a insolvente, a 24 de Fevereiro de 2011, um contrato de penhor mercantil, tendo como objecto esses bens móveis.

O penhor confere ao credor o direito à satisfação do seu crédito e juros com preferência sobre os demais credores. – art. 666º, nº1 do C. Civil.

No caso o crédito do credor acima referido está garantido pelo penhor que constituiu sobre os bens móveis apreendidos.

Crédito de “A (…), S.A.” (nº6).

As participações sociais são “o conjunto unitário de direitos e obrigações actuais e potenciais dos sócios” As participações sociais na “A(…), S.A.” encontram-se tituladas por acções. Titulam-se, portanto, direitos. É possível constituir um penhor sobre direitos, conforme resulta do disposto no art. 666º, nº1 e 679º e seguintes do C. Civil. Como se refere no Anteprojecto da autoria de Vaz Serra in B.M.J. nº99, pag. 93 “Para garantia da obrigação ainda que futura ou condicional, mas determinada ou determinável, constitui-se, pelo penhor, sobre coisas móveis, compreendidas as universalidades, ou sobre créditos ou outros direitos não susceptíveis de hipoteca, pertencentes ao devedor ou a outrem, um direito eficaz em relação a terceiros.” Ora, o penhor confere ao credor o direito à satisfação do seu crédito e juros com preferência sobre os demais credores. – art. 666º, nº1 do C. Civil.

O crédito do credor “A (…), S.A.” está garantido por penhor sobre os direitos supra referidos.

(…)

Por privilégio mobiliário geral.

A (…) (nº9), A (…) (nº10), C (…) (nº35), F (…) (nº66), F (…) (nº67), F (…) (nº71), J (…) (nº87), J (…) (nº93), L (…) (nº98), M (…) (nº100), M (…)(nº107), M (…) (nº110), O (…) (nº122) e V (…) (nº169).

As garantias dos créditos emergentes do contrato de trabalho ou da sua violação, designadamente decorrentes do não pagamento pontual da retribuição (aqui se englobando o salário propriamente dito, o subsídio de férias, o subsídio de Natal, as diuturnidades, e a remuneração devida pela prestação de trabalho extraordinário), da indemnização por despedimento ilícito pela entidade patronal e da caducidade do contrato de trabalho por extinção da entidade patronal encontram-se previstas no art. 333º Código do Trabalho.

Este normativo prescreve que tais créditos gozam de privilégio mobiliário geral. – art. 333º, nº1, al. a) do Código do Trabalho.

No caso em apreço, os créditos reclamados pelos trabalhadores acima referidos gozam do referido privilégio mobiliário geral sobre os bens móveis apreendidos.

Créditos do Estado – Fazenda Nacional (nº17).

Os créditos do Estado por IRS, IRC e IVA gozam de privilégio mobiliário geral (art. 733º, 735º, nº2 e 736º, nº1, do Código Civil; e art. 111º do CIRS e 116º do CIRC).

De acordo com o disposto no art. 97º, nº1, al. a), do CIRE, com a declaração de insolvência, extinguem-se os privilégios creditórios gerais que forem acessórios de créditos sobre a insolvência de que forem titulares o Estado, as autarquias e as instituições de solidariedade social constituídos mais de doze meses antes da data de início do processo.

Ora, no caso vertente, constatando-se que a declaração de insolvência ocorreu em 17-11-2017 (confrontar o nº2 do art. 4º do CIRE), temos que os privilégios creditórios mobiliários gerais constituídos antes de 18-05-2014 se encontram extintos.

Assim, apenas os montantes identificados no lugar do crédito da Fazenda Nacional por IVA, IRS e IRC são créditos privilegiados.

Crédito da Segurança Social (nº83)

Os créditos relativos a contribuições do regime geral da Segurança Social e os respectivos juros de mora também gozam de privilégio mobiliário geral (art. 204º, nº1 e 205º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema de Previdência de Segurança Social – Lei nº110/2009 de 16/9).

De acordo com o disposto no art. 97º, nº1, al. a), do CIRE, com a declaração de insolvência, extinguem-se os privilégios creditórios gerais que forem acessórios de créditos sobre a insolvência de que forem titulares o Estado, as autarquias e as instituições de solidariedade social constituídos mais de doze meses antes da data de início do processo.

Ora, no caso vertente, constatando-se que a declaração de insolvência ocorreu em 17-11-2017 (confrontar o nº2 do art. 4º do CIRE), temos que os privilégios creditórios mobiliários gerais constituídos antes de 17-01-2016 se encontram extintos.

Assim, os montantes indicados na lista de créditos como privilegiados serão considerados como tal.

Crédito de A (…) (nº3).

O credor A (…) foi o requerente da insolvência. O art. 98º, nº1 do CIRE prevê que o credor requerente, desde que o seu crédito não possa ser qualificado como subordinado, beneficia de privilégio mobiliário geral na parte correspondente a um quarto do valor do seu crédito (desde este resultado que não exceda as 500 U.C.. como é o caso).

Assim, um quarto do crédito do credor supra referido beneficia de privilégio mobiliário nos termos do referido art. 98º do CIRE.

(…)

Quanto à graduação propriamente dita.

(…)

Quanto aos veículos de matrícula NO (...) e ZB (...) .

Em primeiro lugar, será graduado o crédito do Estado por IUC, o qual por gozar de privilégio mobiliário especial é graduado com preferência sobre os créditos que não gozam de privilégio especial. – art. 22º, nº3 do CIUC.

Em segundo lugar gradua-se o crédito da Segurança Social, o qual prevalece sobre qualquer penhor. - al. b) do art. 7º do Decreto-Lei nº437/78 de 28/12 e art. 204º, nº2 do Código dos Regimes Contributivos do Sistema de Previdência de Segurança Social – Lei nº110/2009 de 16/9.

De seguida, o crédito do credor garantido por penhor sobre todos os bens móveis (“C (…), CRL”)

Depois, serão graduados os créditos laborais garantidos por privilégio mobiliário geral, já que eles são graduados “antes de crédito referido no nº1 do art. 747º do C. Civil”- art. 333º, nº2 al. a) do C. do Trabalho

A seguir serão graduados os créditos do Estado por IVA, IRC e IRS que gozam de privilégio mobiliário geral, nos termos “supra” expostos.

Após será graduado o crédito privilegiado da requerente da insolvência - A (...) -, o qual, nos termos do art. 98º do CIRE, é graduado em último lugar.

Depois, graduam-se, a par e rateadamente, todos os créditos comuns.

Por fim graduam-se os créditos subordinados de acordo com a ordem prevista no art. 177º, nº1 do CIRE.

Quanto às acções da “A (…), S.A.”

Em primeiro lugar, será graduado o crédito da Segurança Social, o qual prevalece sobre qualquer penhor. - art. 204º, nº2 do Código dos Regimes Contributivos do Sistema de Previdência de Segurança Social – Lei nº110/2009 de 16/9.

De seguida, o crédito do credor garantido por penhor sobre as participações em causa – a “A (…), S.A.”.

Depois, serão graduados os créditos laborais garantidos por privilégio mobiliário geral, já que eles são graduados “antes de crédito referido no nº1 do art. 747º do C. Civil”- art. 333º, nº2 al. a) do C. do Trabalho

A seguir serão graduados os créditos do Estado por IVA, IRC, e IRS, que gozam de privilégio mobiliário geral.

Após será graduado o crédito privilegiado da requerente da insolvência - A (...) -, o qual, nos termos do art. 98º do CIRE, é graduado em último lugar.

Depois, graduam-se, a par e rateadamente, todos os créditos comuns.

Por fim graduam-se os créditos subordinados de acordo com a ordem prevista no art. 177º, nº1 do CIRE.

Quanto aos demais bens móveis e direitos equiparados.

Em primeiro lugar, será graduado o crédito da Segurança Social, o qual prevalece sobre qualquer penhor. - art. 204º, nº2 do Código dos Regimes Contributivos do Sistema de Previdência de Segurança Social – Lei nº110/2009 de 16/9.

De seguida, o crédito do credor garantido por penhor sobre todos os bens móveis (“C (…), CRL”)

Depois, serão graduados os créditos laborais garantidos por privilégio mobiliário geral, já que eles são graduados “antes de crédito referido no nº1 do art. 747º do C. Civil”- art. 333º, nº2 al. a) do C. do Trabalho

A seguir serão graduados os créditos do Estado por IVA, IRC, e IRS, que gozam de privilégio mobiliário geral.

Após será graduado o crédito privilegiado da requerente da insolvência - A (...) -, o qual, nos termos do art. 98º do CIRE, é graduado em último lugar.

Depois, graduam-se, a par e rateadamente, todos os créditos comuns.

Por fim graduam-se os créditos subordinados de acordo com a ordem prevista no art. 177º, nº1 do CIRE.

Após o que o Exmo. Juiz, em termos decisórios:

- Julgou verificado o crédito de J (…) pelo montante de € 9.820,90.

- Homologou a relação de créditos reconhecidos apresentada pela Senhora Administradora de fls. 298 a 305.

 E, sem prejuízo do pagamento precípuo das dívidas da massa insolvente definidas no art. 51º do C.I.R.E., graduou os créditos verificados pela seguinte ordem:

(…)

C – Quanto ao produto da venda dos veículos de matrícula NO (...) e ZB (...) .

1º - Crédito do Estado por IUC relativamente a cada um dos veículos.

- O crédito da Segurança Social.

3º - Crédito da “C (…), CRL” garantido por penhor.

4º - Créditos de A (…) (nº9), A (…) (nº10), C (…) (nº35), F (…) (nº66), F (…) (nº67), F (…) (nº71), J (…) (nº87), J (…) (nº93), L (…) (nº98), M (…) (nº100), M (…) (nº107), M (…)(nº110), O (…) (nº122) e V (…) (nº169), a par e em rateio.

- Crédito do Estado por IVA, IRC e IRS.

- Crédito privilegiado de A (…)

- Todos os créditos comuns, a par e em rateio.

- Os créditos subordinados de acordo com a ordem prevista no art. 177º, nº1 do CIRE

D- Quanto ao produto da venda das acções da “A (…)S.A.”

1º - O crédito da Segurança Social.

2º - Crédito da “A(…)S.A.” garantido por penhor.

3º - Créditos de A (…) (nº9), A (…) (nº10), C (…) (nº35), F (…) (nº66), F (…) (nº67), F (…) (nº71), J (…) (nº87), J (…) (nº93), L (…) (nº98), M (…) (nº100), M (…) (nº107), M (…)(nº110), O (…) (nº122) e V (…) (nº169), a par e em rateio.

- Crédito do Estado por IVA, IRC e IRS.

- Crédito privilegiado de A (…)

- Todos os créditos comuns, a par e em rateio.

- Os créditos subordinados de acordo com a ordem prevista no art. 177º, nº1 do CIRE

E – Quanto ao produto da venda dos demais bens móveis e direitos equiparados.

1º - O crédito da Segurança Social.

2º - Crédito da “C (…) CRL” garantido por penhor.

3º - Créditos de A (…) (nº9), A (…) (nº10), C (…) (nº35), F (…) (nº66), F (…) (nº67), F (…) (nº71), J (…) (nº87), J (…) (nº93), L (…) (nº98), M (…) (nº100), M (…) (nº107), M (…)(nº110), O (…) (nº122) e V (…) (nº169), a par e em rateio.

- Crédito do Estado por IVA, IRC e IRS.

- Crédito privilegiado de A (…)

- Todos os créditos comuns, a par e em rateio.

7º - Os créditos subordinados de acordo com a ordem prevista no art. 177º, nº1 do CIRE.

Inconformadas com tal sentença/graduação, interpõem recurso as credoras “A (…), S.A.”“C (…)CRL”, visando a sua revogação e a sua substituição por outra que gradue os penhores de que beneficiam em 1.º lugar (nas 3 graduações acabadas de transcrever).

Terminou a “A (…), S.A.” a sua alegação com as seguintes conclusões:

(…)

Terminou a “C (…) CRL” a sua alegação com as seguintes conclusões:

(…)

Não foi apresentada qualquer resposta.

Dispensados os vistos, cumpre, agora, mantendo-se a instância regular, apreciar e decidir.


*

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II – Fundamentação

A – Os factos pertinentes (referidos na fundamentação transcrita da sentença recorrida) são os que já emergem do relatório precedente.

B – Quanto ao direito:

São dois os recursos (e as recorrentes), mas é essencialmente uma e a mesma questão/divergência suscitada em ambos.

Essencialmente, tudo se resume e circunscreve a saber o lugar que o pagamento dum crédito garantido por penhor deve ter quando concorre com créditos garantidos por privilégio mobiliário geral do Estado, da Segurança Social e dos Trabalhadores; e, ainda, adicionalmente (no caso da graduação respeitante ao produto da venda dos 2 veículos), quando a todos estes créditos garantidos se junta um crédito do Estado garantido por privilégio mobiliário especial (na hipótese do IUC que goza do privilégio mobiliário especial ter sido constituído em data posterior ao penhor).

E, antecipando a solução, diremos desde já que mantemos as graduações constantes da sentença recorrida: as efectuadas em “D” e “E” por com elas concordarmos e a efectuada em “C” por respeito ao princípio da proibição da “reformatio in pejus”.

A solução – seja ela qual for – não é pacífica nem indiscutível, fazendo notar a utilidade duma regra como a constante do art. 8.º/1/1.ª parte do C. Civil, segundo o qual “o tribunal não pode abster-se de julgar, invocando a falta ou obscuridade da lei”.

Vários preceitos legais dão resolução/solução para graduações “bilaterais” entre créditos garantidos com privilégio mobiliário geral e/ou especial e créditos garantidos por penhor; mas quando se agregam tais soluções “bilaterais” (e estão simultaneamente presentes um crédito da SS com tal privilégio e um crédito garantido por penhor) torna-se totalmente impossível, a nosso ver, encontrar uma solução/graduação que seja coerente com as graduações “bilaterais” resultantes dos vários preceitos legais.

Expliquemo-nos:

Num conflito “bilateral” entre créditos por impostos com privilégio mobiliário geral (referidos no art. 747.º/1/a) do C. Civil) e créditos laborais com privilégio mobiliário geral, estes são graduados antes dos créditos por impostos (cfr. art. 333.º/2/a) do C. Trabalho).

Num conflito “bilateral” entre créditos da Segurança Social com privilégio mobiliário geral e créditos por impostos com privilégio mobiliário geral (referidos no art. 747.º/1/a) do C. Civil), estes são graduados antes dos créditos da Segurança Social (cfr. art. 204.º/1 do C. Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social[1]).

O que significa que, num conflito “trilateral” entre créditos laborais com privilégio mobiliário geral, créditos por impostos com privilégio mobiliário geral e créditos da Segurança Social com privilégio mobiliário geral, a graduação é feita, sem qualquer dificuldade ou dúvida, pela ordem acabada de referir.

E o mesmo acontece num conflito “trilateral” em que haja créditos laborais com privilégio mobiliário geral, créditos por impostos com privilégio mobiliário geral (mas não créditos da Segurança Social com privilégio mobiliário geral) e créditos garantidos por penhor.

Aqui vale, a nosso ver sem qualquer dificuldade ou dúvida, o que os recorrentes expuseram nas suas alegações recursivas.

Como é por todos (na doutrina e jurisprudência) referido, o privilégio mobiliário geral, não incidindo sobre coisa certa e determinada, mas sobre o património do devedor, não é um verdadeiro direito real, mas de crédito (que confere ao seu titular a prevalência sobre os credores comuns do devedor); ou seja, os privilégios creditórios mobiliários gerais são meras preferências de pagamento, incidindo sobre a generalidade dos bens móveis do devedor e assumindo a eficácia que lhes é própria aquando do acto da penhora.

A constituição de tais privilégios mobiliários gerais ocorre quando se forma o direito de crédito que visam garantir, mas a sua eficácia (e oponibilidade a terceiros) depende do acto de penhora dos bens móveis.

E como o privilégio mobiliário geral não incide sobre bens determinados, não goza da sequela que é própria dos direitos reais de garantia e, em caso de conflito entre tal privilégio mobiliário geral e o direito real de gozo ou de garantia dum terceiro, oponível ao exequente, é o último que prevalece (cfr. art. 749.º do C. Civil, que se limita a resolver o conflito “bilateral” entre o privilégio geral e o direito real de gozo ou de garantia de terceiro).

Assim, no confronto dum direito de crédito garantido por privilégio mobiliário geral e um direito de crédito garantido por penhor, é este que prevalece na ordem de graduação (cfr. art. 666.º/1 do C. Civil), ou seja, num conflito “trilateral” em que haja créditos garantidos por penhor, créditos laborais com privilégio mobiliário geral e créditos por impostos com privilégio mobiliário geral, a graduação é feita, sem qualquer dificuldade ou dúvida, pela ordem acabada de referir.

Temos pois que no primeiro conflito “trilateral” enunciado o crédito da Seg. Social fica em 3.º (atrás dos Trabalhadores e do Estado) e que no 2.º conflito “trilateral” enunciado o crédito pignoratício fica em 1.º (à frente dos Trabalhadores e do Estado).

Pelo que passando o conflito a “quadrilateral” – integrando um crédito pignoratício e créditos dos Trabalhadores, do Estado e da Seg. Social, todos com privilégio mobiliário geral – a graduação a ser feita, respeitando a natureza, características e o disposto no referido no art 749.º do C. Civil, parecia dever ser pela ordem acabada de referir (1.º penhor, 2.º Trabalhadores, 3.º Estado e 4.º Seg. Social).

E dizemos “parecia dever ser” e não “deve ser”, em função do que se dispõe no art. 204.º/2 do CRCSPSS (idêntico ao anterior art. 10.º/2 do DL 103/80, de 09-05), segundo o qual o privilégio mobiliário geral da Seg. Social “prevalece sobre qualquer penhor, ainda que de constituição anterior”.

E não vislumbramos modo, num raciocínio linear, de conciliar o confronto entre tal art. 204.º/2 do CRCSPSS e os art. 333.º/2/a) do C. Trabalho, 204.º/1 do CRCSPSS e 749.º e 666.º, ambos do C. Civil.

Em hipótese de conflito “quadrilateral”, para o crédito da S.S. (que goza de privilégio mobiliário geral) ficar à frente do crédito que goza de penhor, isso significa uma de duas coisas: ou ficam os créditos dos Trabalhadores e do Estado (que gozam de privilégio mobiliário geral) atrás do penhor e, então, ficam também atrás do crédito da SS (que goza de privilégio mobiliário geral), o que não respeita o que resulta dos art. 333.º/2/a) do C. Trabalho e 204.º/1 do CRCSPSS; ou ficam os créditos dos trabalhadores e do Estado (que gozam de privilégio mobiliário geral) à frente do crédito da SS (que goza de privilégio mobiliário geral), o que, ficando o penhor em 4.º e último, não respeita o que resulta dos arts. 749.º e 666.º do C. Civil.

Para ultrapassar tal “imbróglio”, foram tentados vários caminhos:

 - a inconstitucionalidade do art. 10.º do DL 103/80 – idêntico ao actual art. 204.º do CRCSPSS – por violação dos princípios da igualdade e da confiança ínsitos no art. 2.º da CRP e decorrentes de Estado de Direito, o que assim não foi considerado pelo Tribunal Constitucional[2];

 - uma interpretação restritiva do art. 204.º/2 do CRCSPSS (ou, mais exactamente, do anterior art. 10.º/2 do DL 103/80), segundo a qual tal preceito apenas seria aplicável no caso de estarem em confronto créditos da SS e créditos garantidos por penhor; interpretação de imediata criticada por a posição relativa do crédito da SS ficar a depender de circunstância, aleatória, de também estarem ou não a concurso créditos do Estado ou dos Trabalhadores (com privilégio mobiliário geral);

 - e as mais variadas ordens de graduação em decisões jurisprudenciais[3], quando em simultâneo concorriam créditos do Estado, Trabalhadores, Seg. Social (todos garantidos por privilégio mobiliário geral) e créditos pignoratícios.

Sendo que o último Acórdão conhecido do STJ que se terá pronunciado sobre a graduação em que em simultâneo concorrem um penhor, um privilégio mobiliário geral da Seg. Social e outro provilégio mobiliário geral (seja do Estado ou dos trabalhadores) vai no sentido da graduação efectuada pela decisão recorrida[4].

Efectivamente, em tal Ac. STJ (de 16/12/2009, publicado in CJ Online), relatado pelo Conselheiro Costa Soares, firmou-se o seguinte entendimento:

 - O penhor prevalece contra e em relação aos privilégios creditórios mobiliários gerais de que gozam os créditos laborais (377.º, a), do C. T.) e os créditos do Fundo de Garantia Salarial;

 - Outro tanto, porém, não acontece em relação aos créditos do ISS que gozam de privilégio creditório mobiliário geral, uma vez que a lei – art. 10.º/2 do DL 103/80 – determina, imperativamente, que este privilégio prevalece sobre qualquer penhor, ainda que de constituição anterior;

 - Pelo que, perante o conflito (de disposições legais) que assim se estabelece entre o art. 377.º do C. T. (ao dizer que os créditos laborais tem preferência sobre os créditos do ISS), o art. 10.º/1 e 2 do DL 103/80 (quando diz que os créditos do ISS se graduam logo após os referidos na alínea a) do n.º 1 do 747.º do CC) e a referida prevalência do penhor sobre os créditos laborais e do FGS, a solução está em efectuar (quando concorram na mesma graduação os 3 créditos) a seguinte graduação: 1.º: O crédito do ISS; 2.º: O crédito garantido por penhor; 3.º: Os créditos laborais e do FGS.

Entendimento este que também tem a seu favor, conforme tem sido invocado[5], a importância social que cada vez mais reveste a garantia mobiliária (e imobiliária) dos créditos da Segurança Social (e que esteve na origem das disposições dos arts. 10.º do DL 103/80 de 9/05 e 204.º do CRCSPSS), ou seja, o valor extraordinariamente decisivo que hoje assume para o Estado e para os cidadãos a sustentabilidade da segurança social, a qual, pela sua enorme repercussão social, sobreleva aos direitos individuais decorrentes dos restantes créditos.

Enfim, a solução, como se começou por referir, não será nem pacífica nem alicerçável em argumentação robusta e indiscutível, uma vez que, repete-se, em face do imbróglio/conflito de disposições legais, é impossível estabelecer uma solução/graduação que seja totalmente coerente e isenta de críticas.

E não é mais fácil, a partir daqui, justificar a posição do crédito do Estado garantido por privilégio mobiliário especial, quando este concorra com créditos garantido por penhor e com créditos garantidos por privilégio mobiliário geral do Estado, da Segurança Social e dos Trabalhadores.

Os privilégios mobiliários especiais (art. 735/2/2ª parte/e 3 do CC), diversamente dos privilégios mobiliários gerais, compreendem o valor de determinados bens móveis; e porque são conferidos sobre um objecto individualizado são verdadeiras garantias reais e, por isso, vigora o princípio da prioridade (prior in tempore, potior in iure), por força do qual, se o privilégio se constituir e depois a coisa (sobre que incide) for alienada a terceiro, o credor goza do direito de sequela, ou seja, gozam da prevalência que lhes advenha da sua anterioridade sobre os direitos de terceiro, aos quais serão sempre oponíveis, estabelecendo-se em conformidade, no art. 750.º do C. Civil, que, “salvo disposição em contrário, no caso de conflito entre o privilégio mobiliário especial e um direito de terceiro, prevalece o que mais cedo se houver adquirido”.

Em suma, a prevalência, no seu concurso com outros direitos reais de garantia, é conferida ao direito real de garantia primeiramente constituído, ou seja, o privilégio mobiliário especial ficará à frente do penhor se se tiver constituído primeiramente e ficará atrás do penhor se tiver sido constituído posteriormente; o que significa, na hipótese de ficar atrás e de também haver créditos da SS com privilégio mobiliário geral, que temos mais um conflito inconciliável de disposições legais[6].

Tudo isto dito, em tese, é preciso agora, para completar o conhecimento do objecto dos recursos, confrontá-lo com os factos do processo; sendo que os factos – que, como é relativamente habitual em peças produzidas no âmbito do contencioso insolvencial, não estão autonomamente alinhados na sentença – não são inteiramente claros e evidentes.

Começando pela graduação de que a A(…) recorre (a que tem a letra “D”):

Como se referiu, o crédito da SS fica à frente do crédito da A (…) porém, nem todo o crédito da SS beneficia de crédito mobiliário geral e nem todo o crédito da A (…) beneficia de penhor.

Em face do disposto no art. 97.º/1/a) do CIRE, só os créditos da SS constituídos nos 12 meses anteriores à data do início do processo de insolvência gozam/mantêm o privilégio mobiliário geral, ou seja, segundo o AI refere na nota 11 da sua lista de créditos, o crédito da SS em tal graduação colocado em 1.º lugar é tão só no montante de € 44.384,01.

E, quanto à A(…), não há em rigor um penhor, mas sim dois penhores – um de 1.000 acções garantindo um crédito e outro de 2.000 acções garantindo outro crédito – sendo que, como consta da própria reclamação da A(…), o seu crédito só “parcialmente está garantido por penhor”, pelo que o crédito da A(…) em tal graduação colocado em 2.º lugar não inclui os créditos decorrentes das comissões vencidas e vincendas.

Passando à 2.ª graduação de que a C (…) recorre (a que tem a letra “E”):

Vale aqui, mutatis mutandis, o que se disse sobre a graduação com a letra “D”, ou seja, o crédito da SS em tal graduação colocado em 1.º lugar é tão só no montante de € 44.384,01; e sendo a totalidade do crédito reconhecido à C (…) garantido por penhor, o certo é que o mesmo incide apenas e só sobre a “relação de equipamentos industriais” (ver doc. junto à sua reclamação de créditos) anexa ao penhor mercantil inicialmente constituído em 24/02/2011 e depois “repetido” em 09/01/2015.

E terminando na 1.ª graduação de que a C (…)recorre (a que tem a letra “C”):

Aqui, a primeira observação é a de fazer notar que, incidindo o penhor mercantil sobre a “relação de equipamentos industriais” constante do doc. junto com a reclamação, o crédito reconhecido à C (…) não goza de penhor mercantil sobre qualquer veículo automóvel (mas apenas sobre a referida “relação de equipamentos industriais”), ou seja, a graduação que tem a letra “C” confere e gradua à C (…)um penhor (sobre dois veículos automóveis) que ela não tem e que não se encontra constituído.

E caso o penhor mercantil existisse (e incluísse os automóveis com as matrículas NO (...) e ZB (...) ) e tivesse sido constituído em 09/01/2015 (é a data do penhor sobre os equipamentos industriais) a favor da C (…), deveria a graduação ponderar o supra referido princípio da prioridade (prior in tempore, potior in iure) e o estabelecido no art. 750.º do C. Civil, segundo o qual, em caso de conflito entre o privilégio mobiliário especial e um direito de terceiro, prevalece o que mais cedo se houver adquirido.

Efectivamente, embora não conste da sentença recorrida, o certo é que resulta dos autos (das certidões da AT juntas com a respectiva reclamação de créditos), em termos factuais, que, de IUC, o Estado:

 - é credor de € 147,85, do veículo NO (...) , tendo-se tal crédito vencido em 31/03/2017; e

 - é credor de € 52,21, do veículo ZB (...) , tendo-se tal crédito vencido em 31/10/2017.

Ou seja, caso o penhor mercantil, constituído em 09/01/2015 a favor da C (…)incluísse os dois automóveis identificados, seria um tal penhor mais antigo e, por conseguinte, em obediência ao disposto no art. 750.º do C. Civil, teria, à primeira vista, que ficar à frente[7] do crédito garantido pelo privilégio mobiliário especial concedido aos IUCS[8].

Significa tudo isto, não havendo um tal penhor a concurso e graduável, que a graduação referida em “C” sofre uma profunda alteração, uma vez que, não havendo crédito garantido por penhor, deixamos de estar perante aquelas situações de imbróglio/conflito de disposições legais e, linearmente, a graduação correcta seria: 1.º - O crédito do Estado pelos IUCS; 2.º - Os créditos dos trabalhadores; 3.º - O Crédito do Estado pelo IVA, IRC e IRS; 4.º O crédito da segurança social; e depois os demais créditos como consta da sentença recorrida.

E dissemos “seria” e não “será”, uma vez que, de acordo com o art. 635.º/5 do CPC, “os efeitos do julgado na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso”, ou seja, pretendendo a recorrente C (…) um melhor lugar para o seu crédito, não pode com o presente acórdão ficar num pior lugar, o que aconteceria se, dizendo-se que não tem – ao contrário do que foi decidido em 1.º Instância – qualquer penhor (sobre os dois veículos automóveis), se se remetesse o seu crédito (a obter pagamento pelo produto da venda dos dois automóveis) para o lugar dos créditos comuns.

Assim, uma vez que a proibição da “reformatio in pejus” não pode ir ao ponto de considerar-se/ficcionar-se que a C (…) tem um penhor (constituído em 09/01/2015) que efectivamente não tem (sobre os dois automóveis), não há também que ponderar a aplicação do princípio da prioridade (prior in tempore, potior in iure) e o estabelecido no art. 750.º do C. Civil, razão pela qual – embora a graduação que seria correcta seja: 1.º - O crédito do Estado pelos IUCS; 2.º - Os créditos dos trabalhadores; 3.º - O Crédito do Estado pelo IVA, IRC e IRS; 4.º O crédito da segurança social; e depois os demais créditos como consta da sentença recorrida – se mantém, em obediência ao disposto no art. 635.º/5 do CPC, a graduação que tem a letra “C” (embora, repita-se, o crédito da C (…) não tenha penhor sobre os 2 veículos automóveis).


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III – Decisão

Pelo exposto, julgam-se improcedentes ambas as apelações e, em consequência, confirma-se (com as interpretações efectuadas sobre os créditos que foram graduados) a sentença recorrida.


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Custas das apelações, nesta instância, pelos respectivos recorrentes.

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Coimbra, 21/05/2019

Barateiro Martins ( Relator)

Arlindo Oliveira

Emídio Santos


[1] Preceito este que só pode querer dizer o mesmo que o anterior art. 10.º do DL 103/80, de 09-05, embora a substituição da anterior expressão “logo após os créditos referidos” por “nos termos referidos” seja, com todo o respeito, algo desajeitada, na medida em que a mera remissão para o art. 747.º/1/a) do C. Civil não diz/estabelece, em rigor, o lugar relativo (a graduação) dos créditos da Segurança Social com privilégio mobiliário geral.

[2] Chamado a pronunciar-se sobre a eventual desconformidade com a lei fundamental do art. 11.º do DL 103/80, de 9/05 – equivalente ao actual art.º 205 do CRCSPSS – interpretado à luz do art.º 751 do CC, veio o TC a declarar a respectiva inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por virtude da preferência ali estatuída (e no art.º 2º do DL 572/76 de 3 de Julho), fundando-se na violação do princípio da confiança ínsito no art.º 2º da CRP.

Outro tanto, porém, não fez quanto ao art. 10.º do DL 103/80, como resulta dos Ac. 64/09 de 10/02/2009 e nº108/09 de 10/03/2009, que sobre o tema se debruçaram, entendendo o TC que só há um desrespeito do princípio da confiança, estrutural do Estado de Direito democrático, quando se comprove ter existido uma afectação arbitrária ou demasiado onerosa de expectativas legitimamente fundadas dos cidadãos, o que não acontecerá com o art.º 204/2 do CRCSPSS (uma vez que há muito o privilégio mobiliário geral da Segurança Social por contribuições e respectivos juros está consagrado e claramente posicionado uma situação de primazia relativamente ao penhor anteriormente constituído; embora se suscitassem dúvidas sobre a vigências de tais diplomas com entrada em vigor o Cód. Civil de 1966 e com o disposto no artigo 8º do Decreto-Lei nº 47 344, de 25 de Novembro de 1966).

[3] Cfr. Acs do STJ, de 26/09/1995, in BMJ n.º 449, p. 339; de 29/04/1999, in BMJ 486, pág. 261; de 28/11/1990, in BMJ 401, pág. 585; e de 26/09/1995, in BMJ 449, pág. 339.

[4] Os acórdãos do STJ que os recorrentes citam em seu favor não versam sobre concretos concursos em que concorram, em simultâneo, um penhor, um privilégio mobiliário geral da Seg. Social e outro privilégio mobiliário geral (seja do Estado ou dos trabalhadores); e é apenas aqui, nesta hipótese, com todos a concurso, que, como resulta do referido no texto, o penhor ficará atrás do crédito da SS garantido por privilégio mobiliário geral.

E, já agora, na citação que é efectuada, de fls. 239, do livro do Conselheiro Salvador da Costa, está o mesmo tão só a referir-se ao concurso/confronto entre um direito de crédito do Estado garantido por privilégio mobiliário geral e um direito de crédito garantido por penhor; e tanto é assim que, quatro parágrafos a seguir, diz: “Há, porém, situações previstas em lei especial em que o crédito envolvido por privilégio mobiliário geral, como é o caso do da titularidade das instituições de segurança social, prevalece sobre o crédito garantido por penhor”.

Sem prejuízo de, mais à frente, a fls. 242/4, quando reflecte sobre um concurso como o sub-judice, defender, com fundamento na excepcionalidade das normas que estabelecem privilégios creditórios e em os mesmos deverem ser alvo duma interpretação restritiva que “no concurso entre o direito de crédito de particulares garantido por penhor, o direito de crédito derivados de impostos da titularidade do Estado ou das autarquias locais e o direito de crédito da titularidade de instituições de segurança social derivado das referidas contribuições, a a graduação é por esta ordem”.

[5] Cfr. Ac desta Relação de Coimbra proferido na Apelação nº 241/11.5TBNLS-B.C1 (e relatado pelo Desembargador Freitas Neto), o qual, em caso de idêntico concurso “quadrilateral”, procedeu a semelhante graduação de créditos/garantias.

[6] Uma vez que, estando, nesta hipótese, o crédito garantido da SS à frente do penhor e este à frente do crédito do Estado com privilégio mobiliário especial, é impossível respeitar ou a regra que coloca um privilégio mobiliário especial à frente dum privilégio mobiliário geral (como é o caso do da SS) ou a regra que manda colocar o privilégio mobiliário geral da SS à frente do penhor.

[7] A circunstância de não haver penhor a concorrer com o privilégio mobiliário especial (dos IUCS), dispensa-nos de estabelecer a solução do conflito inconciliável de disposições legais enunciado em 2.º lugar: em que o penhor (por ser de constituição anterior) parece dever ficar à frente do privilégio mobiliário especial; em que o crédito garantido da SS está à frente do penhor; e em que é impossível respeitar ou a regra que coloca um privilégio mobiliário especial à frente dum privilégio mobiliário geral (e temos 3, da SS, do Estado e dos Trabalhadores) ou a regra que manda colocar o privilégio mobiliário geral da SS à frente do penhor. Em todo o caso, por identidade de razões com a solução dada ao 1.º conflito, diríamos que, em tal hipótese, a graduação seria a seguinte: 1.º O crédito da SS com privilégio mobiliário geral; 2.º O penhor; 3.º o Crédito garantido por IUC (posterior ao penhor); 4.º os créditos dos Trabalhadores com privilégio mobiliário geral; 5.º os créditos do Estado com privilégio mobiliário geral.

[8] Em face da extinção dos privilégios mobiliários especiais vencidos em datas anteriores aos 12 meses que precederam a data do início do processo de insolvência (cfr. art. 97.º/1/b) do CIRE) e tendo a insolvência sido declarada em 17/11/2017, não se está sequer a ver que um privilégio mobiliário não extinto (ou seja, vencido nos 12 meses anteriores à data do início do processo de insolvência) pudesse ser anterior a um penhor constituído em 09/01/2015 (estamos a considerar esta data, uma vez que é este penhor que garante o crédito que foi reclamado).