Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2485/09.0TBCLD-A.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS CRAVO
Descritores: ALIMENTOS DEVIDOS A FILHO MENOR
PAGAMENTO PELO FGDAM EM SUBSTITUIÇÃO DO PROGENITOR
REINÍCIO DO PAGAMENTO PELO PROGENITOR
MONTANTE DA PRESTAÇÃO
Data do Acordão: 02/28/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE FAMÍLIA E MENORES DAS CALDAS DA RAÍNHA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 3.º, C) E D); 12.º E 48.º, DO RGPTC
ARTIGOS 615.º, 1, B) E D); 986.º, 2 E 988.º, 1, DO CPC
Sumário: I – O progenitor (devedor originário), cuja obrigação de pagamento de prestação de alimentos a filho menor havia sido objeto de substituição pelo FGADM, reinicia o pagamento da prestação que lhe foi judicialmente fixada – e não outra (nomeadamente a de montante superior que estivesse a ser paga pelo FGDAM).

II – Isto porque ao progenitor (devedor originário) apenas pode ser exigido o que foi judicialmente fixado como sendo devido (pelo mesmo).

Decisão Texto Integral:
Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]

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            1 – RELATÓRIO

Por apenso aos autos de regulação das responsabilidades parentais relativo ao  menor AA, nascido a .../.../2001, filho de BB e de CC, no âmbito do qual havia sido homologado acordo dos progenitores, em .../.../2010, para o que ora releva, no sentido de que o dito menor ficava à guarda e cuidados da mãe, sendo que «3 - O pai contribuirá com a quantia mensal de 75,00 € a título de pensão alimentos devidos ao menor, a entregar à mãe por depósito bancário bacário para a conta com o NIB  ...51, até ao dia 8 de cada mês a que respeitar», foi processado incidente de Incumprimento das responsabilidades parentais contra o dito progenitor, na vertente alimentar, deduzido pela Exma. Magistrada do Ministério Público, sendo que no decurso do incidente, por decisão judicial de 01.10.2010, foi o mesmo julgado integralmente procedente e fixados «em dívida as prestações de alimentos relativas aos meses de Fevereiro de 2010 a Setembro de 2010, no valor total de 600,00 € (seiscentos euros)».

Sucedeu que, por se ter mostrado ser inviável o cumprimento coercivo do correspondente pagamento, e mediante promoção da mesma Exma. Magistrada do Ministério Público, foi determinado, por decisão judicial proferida em 17.02.2011, a intervenção do Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores[2], em substituição do devedor, mais concretamente fixando-se a quantia a pagar por este «(…) em € 100,00 € (cem euros), sendo tal prestação actualizada anualmente, a partir de janeiro de 2012, de acordo com o índice de inflação publicado pelo I.N.E., mas nunca em menos de 5%, a suportar pelo Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, até este atingir a maioridade, ao abrigo do disposto no art.º 3.º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 75/98, de 19.11.», logo se advertindo que a mãe deveria fazer prova anual da subsistência dos pressupostos, intervenção essa que foi sucessivamente renovada, através de despachos judiciais oportunamente proferidos, em que, invariavelmente, se determinava «(…) a renovação da obrigação do pagamento da prestação pelo FGADM nos seus precisos termos.» [cf. fls. 68, 89, 123, 160, 182, 200 e 233].

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De referir que foram igualmente processados uns autos de incumprimento relativamente ao mesmo progenitor [apenso “B” dos presentes], invocando o incumprimento por este das prestações de alimentos ao menor desde o mês de Outubro de 2010 a Fevereiro de 2011, nos quais, em 06.11.2013, veio a ser proferido despacho julgando verificado esse incumprimento, no total de 500,00 € (5 meses x 100,00 €) [cf. fls. 281 vº e também correspondente apenso, conforme comprovado por consulta acedida pelo sistema informático Citius, onde o dito despacho figura com a refª 4061797 do P.E.].

                                                           *

Acontece que no final do ano de 2020, face a novo pedido de renovação, por despacho judicial, foi determinada a averiguação prévia sobre «(…) se ao requerido são conhecidos rendimentos/pensões/subsídios», o que resultou na descoberta de que o mesmo auferia uma pensão por invalidez e complemento solidário de idoso [cf. fls. 254].

Nessa sequência, em 05.11.2020 foi proferido o seguinte despacho:

«O artigo 48.º, do R.G.P.T.C., ocupa-se da cobrança coerciva da prestação de alimentos através de meios que usualmente se designam de pré-executivos, no sentido de que têm em vista tornar efetiva a prestação de alimentos à margem de uma execução de alimentos propriamente dita, e não no sentido de que necessariamente a precedem. A adoção dos mecanismos previstos em tal preceito normativo depende, porém, da verificação conjunta das seguintes condições:

a) ter sido a obrigação alimentar fixada judicialmente;

b) não ter sido paga a prestação alimentar dentro de dez dias após o seu vencimento;

c) que a pessoa obrigada judicialmente a prestar alimentos seja funcionário público, empregado ou assalariado, ou que receba rendas, pensões, subsídios, comissões, percentagens, emolumentos, gratificações, comparticipações ou rendimentos semelhantes.

Nos termos do seu n.º 2, as quantias deduzidas abrangerão também os alimentos que se forem vencendo e serão diretamente entregues a quem deva recebê-las.

No caso sub judice, encontram-se preenchidos os pressupostos supra elencados, a saber:

- o requerido está obrigado a pagar uma pensão de alimentos ao seu filho AA, no valor mensal de €75,00, na sequência de sentença proferida nos autos principais, em 19/01/2010;

- encontra-se em dívida, a título das prestações de alimentos referentes aos meses de fevereiro de 2010 a setembro de 2010, o valor global de €600,00;

- aufere uma pensão por invalidez e complemento solidário do idoso (cfr. relatório antecedente).

Atendendo ao montante mensal dos rendimentos que o requerido aufere, ao disposto nos artigos 738.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, e 18.º, da portaria n.º 28/2020, de 31/01, nada impede que se dê cumprimento ao disposto no artigo 48.º, do R.G.P.T.C., entendendo-se ser ajustado o valor mensal de €20, por conta dos alimentos vencidos.

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Assim, atendendo ao teor da douta promoção que antecede, e ao abrigo do disposto no artº 48º, n.º 1, c) e n.º 2, do R.G.P.T.C.., bem como ao rendimento do requerido, determina-se que o I.S.S. proceda ao desconto mensal da quantia de €95,00 nos valores que lhe são pagos (sendo €20 para liquidar a quantia em dívida, até perfazer €600,00 e os restantes €75,00 quanto à prestação mensal de alimentos fixada).

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Os descontos iniciam-se logo que se vençam os pagamentos ao pai do jovem, após a notificação desta decisão, sendo a quantia entregue pela entidade processadora à mãe, para conta bancária a indicar pela secção, observando-se, ainda, o prescrito no art.º 773.º do C.P.C. para a penhora de créditos (ex vi art.º 33.º, n.º 1, da O.T.M.), isto é, a entidade que processa os pagamentos poderá dizer o que se lhe oferecer em 10 dias, sobre o que lhe é ordenado pelo tribunal, sob pena de ficar responsável pelos descontos ordenados.

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Notifique (com cópia do relatório apresentado pelo I.S.S.), sendo a entidade processadora para comprovar nos autos o primeiro desconto, após o que deverá ser aberta conclusão de modo a fazer cessar a intervenção do Fundo.

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A progenitora deverá informar os autos quando o jovem cessar a sua formação educacional.»

                                                           *

Através de requerimento apresentado na imediata sequência, em 26.11.2020, a progenitora requereu a retificação de “erros materiais, de cálculo ou inexatidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto”, argumentado, em síntese, que a pensão a suportar pelo FGADM havia sido fixada por sentença judicial de 17.02.2011 em € 100,00 mensais (atualizável anualmente) e que a pensão que lhe estava a ser processada pelo FGADM, no mês de Outubro de 2020, havia sido de € 110,25, donde o despacho reclamado representava uma redução não justificada de € 35,25, acrescendo que o FGADM só havia cumprido a exigência de atualização anual nos dois primeiros anos (2012 e em 2013), donde um saldo creditício a seu favor de € 2.049,60, sendo certo que na medida em que o valor corrigido (atual e mensal) da prestação de alimentos a atribuir pelo FGADM relativamente ao ano de 2020 era, na verdade, de € 155,14, daí resultava que o desconto mensal que havia sido determinado no rendimento do requerido progenitor [no valor de € 95,00] deveria ser antes de € 175,14 [€ 155,14 referente à prestação de alimentos fixada, e € 20,00 para liquidar a quantia em dívida, até perfazer € 600,00].

                                                           *

Apreciando e decidindo este requerimento, foi proferido o seguinte despacho judicial em 05.01.2021:

«Requerimento 26/11/2020:

A alusão no despacho antecedente à “douta promoção antecedente” trata-se de mero lapso, a que não é alheia a utilização de meios informáticos, pelo que deverá considerar-se como não escrita.

Quanto ao demais invocado no requerimento referente a lapsos/inexatidões, não existe qualquer outro lapso de escrita/inexatidão, não estando fixada na decisão que regulou as responsabilidades parentais qualquer atualização da pensão, nem valor superior a €75 mensais a título de pensão de alimentos, sendo essa a que o tribunal terá de tomar em consideração e não a que determinou a intervenção do Fundo.

Por fim, no que concerne às atualizações por pagar pelo Fundo, caberá, antes de mais, conferir o contraditório, determinando-se a notificação ao Fundo do requerimento apresentado e conferindo-se o prazo de 10 dias para pronúncia.

(…)»

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Inconformada com essa decisão, dela interpôs recurso a dita progenitora CC, a qual finalizou as suas alegações com as seguintes conclusões:

«1 – CC, mãe do jovem AA, nascido em .../.../2001, atualmente com 19 (dezanove) anos de idade, estudante universitário do Curso de ... junto da Escola Superior ... (...), instituição de ensino superior integrada no Politécnico de ..., sito em ..., não de conformando com a Douta Sentença proferida pelo Tribunal recorrido em 05-01-2021 e assinada em 04-01-2021, vê-se obrigada a recorrer para Vossas Excelências, a fim de proteger os superiores interesses do filho.

2 – O recurso apresentado pretende ver declarada nula e de nenhum efeito a Douta Sentença proferida em 05-01-2021, assinada em 04-01-2021 (notificada pela Ref.ª 95696865 elaborada em 11-01-2021), na parte em que determinou que “não existe qualquer outro lapso de escrita/inexatidão” e que “não estando fixada na decisão que regulou as responsabilidades parentais qualquer atualização da pensão nem valor superior a €75 mensais a título de pensão de alimentos” é essa Decisão “que o tribunal terá de tomar em consideração e não a que aplicou a intervenção do Fundo” e, assim, em consequência, fazendo tábua raza e à revelia das conclusões do Inquérito Social constantes do Relatório elaborado em 15-10-2010 pelo NIS-UDS do Centro Distrital de ... do I.S.S., I.P., de onde decorre que a Requerente, ora Recorrente, “reúne as condições legalmente previstas para beneficiar da prestação social do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores” mantendo-se os pressupostos previstos no art.º 1.º da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, na redação dada pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro e no art.º 3.º do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio, na redação dada pela Lei n.º 64/2012, de 20 de Dezembro mas, que, ao invés, não determinou, a renovação da obrigação daquele pagamento pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores (FGADM) no valor de € 110,25 e, em vez disso, para além do mais, determinou o desconto mensal da quantia de € 75,00 no valor das pensões por invalidez e complemento solidário do idoso auferidas pelo Requerido-progenitor, com vista à cessação da intervenção do Fundo.

3 – Pela Douta Sentença de 05-11-2020, proferida no presente incidente de incumprimento, foi determinado ao abrigo do disposto no art.º 48.º, n.º 1, c) e n.º 2, do RGPTC e, atendendo ao rendimento do Requerido-progenitor, “que o I.S.S. proceda ao desconto mensal da quantia de €95,00 nos valores que lhe são pagos (sendo €20 para liquidar a quantia em dívida, até perfazer €600,00 e os restantes €75,00 quanto à prestação mensal de alimentos fixada)”.

 “Os descontos iniciam-se logo que se vençam os pagamentos ao pai do jovem, após a notificação desta decisão, sendo a quantia entregue pela entidade processadora à mãe, para conta bancária a indicar pela secção (...)”.

“(...) Notifique (com cópia do relatório apresentado pelo I.S.S.), sendo a entidade processadora para comprovar nos autos o primeiro desconto, após o que deverá ser aberta conclusão de modo a fazer cessar a intervenção do Fundo”,

4 – em abandono, à revelia e fazendo tábua raza do teor do Relatório Social elaborado em 15-10-2020 pelo NIS-UDS do Centro Distrital de ... do I.S.S., I.P. junto aos presentes autos em 22-10-2020 no qual consta, para além do mais, a fls. 3/3, que:

“A requerente reúne as condições legalmente previstas para beneficiar da prestação social do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores” [Sublinhado nosso].

5 – Por Requerimento apresentado em 26-11-2020, a Progenitora ora Recorrente veio requerer a retificação de erros materiais subjacentes à Douta Sentença de 05-11-2020, ao abrigo do disposto nos n.ºs 2 e 3 do art.º 613.º e n.ºs n.º 1 do art.º 614.º do Código de Processo Civil, ex vi, do n.º 1 do art.º 33.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC), aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 8 de Setembro,

6 – sendo que pela Douta Sentença proferida pelo Tribunal recorrido em 05-01-2021 e assinada em 04-01-2021 faz-se constar que:

(…)

“Quanto ao demais invocado no requerimento referente a lapsos/inexatidões, não existe qualquer outro lapso de escrita/inexatidão, não estando fixada na decisão que regulou as responsabilidades parentais qualquer atualização da pensão, nem valor superior a €75 mensais a título de pensão de alimentos, sendo essa a que o tribunal terá de tomar em consideração e não a que determinou a intervenção do Fundo”.

(…)

“Solicite ao C.N.P. o comprovativo do primeiro pagamento, a fim de poder ser cessada a intervenção do Fundo”.

7 – Posteriormente, a Progenitora ora Recorrente é notificada nos termos da Ref.ª 95657238 elaborada em 06-01-2021, a qual anexa a Informação do NAJ-Núcleo de Apoio Jurídico do Centro Nacional de Pensões do I.S.S., I.P. enviada via email ao Tribunal em 04-12-2020, com o seguinte teor:

 “(...) as deduções na pensão do beneficiário acima referido, a título de alimentos, irão ser efetuadas a partir do mês de janeiro/2021 (processamento em curso), nos termos e conforme v/notificação, sendo:

. 75,00 €, referente a pensão de alimentos vincendas.

. 20,00 € referente a pensão de alimentos vencidas até perfazer o montante de 600,00 €.

Estas importâncias serão enviadas, mensalmente, à requerente CC, por transferência bancária”,

8 – e cujo contraditório foi exercido pela ora Recorrente em 11-01-2021, manifestando e justificando a sua oposição.

9 – Posteriormente, pela Notificação com a Ref.ª 95696865 elaborada em 11-01-2021, é a ora Recorrente notificada da Douta Sentença proferida pelo Tribunal recorrido em 05-01-2021 e assinado em 04-01-2021, a qual, eventualmente, por lapso, não havia sido anexada à Notificação com a Ref.ª 95657238, da qual se recorre.

10 – Efetivamente, nos autos principais de Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais foi estabelecido o acordo entre os progenitores relativamente ao AA, filho de ambos, ficando este à guarda e cuidados da mãe, contribuindo o pai com a quantia mensal de € 75,00 a título de pensão de alimentos devidos ao menor, conforme Acta de Conferência de Pais do dia 19-01-2010 que se junta como Doc. 1.

11 – Posteriormente, no presente incidente de incumprimento, foi proferida a Douta Sentença de 17-02-2011, que se junta como Doc. 2, constando da 1.ª parte da alínea a) do Ponto III, a decisão de:

“(...) fixar definitivamente a pensão de alimentos a atribuir ao menor AA, nascido a .../.../2001, em 100,00€ (cem euros), sendo tal prestação actualizada anualmente, a partir de Janeiro de 2012, de acordo com o índice de inflação publicado pelo I.N.E., mas nunca em menos de 5% (...)” [Sublinhado nosso],

12 – sendo que é na 2.ª parte da alínea a) do Ponto III da mesma Sentença que se determina:

“(...) a suportar pelo Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, até este atingir a maioridade, ao abrigo do disposto no art.º 3.º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 75/98, de 19.11 (...)”.

13 – Neste contexto, em nosso entender e salvo o devido respeito, a prestação de alimentos a suportar pelo Progenitor, inicialmente atribuída no montante de € 75,00 pela Douta Sentença de 01-10-2010, foi posteriormente alterada e definitivamente fixada em € 100,00 pela Douta Sentença de 17-02-2011, aliás, sem que o Progenitor houvesse oferido qualquer oposição,

14 – entendimento este que, aliás, encontra suporte material e substantivo no texto e na fundamentação produzidos pela Douta Sentença de 06-11-2013 (Apenso B - Inc. Resp. Parentais) que se junta como Doc. 3, com o seguinte teor:

“Veio a progenitora do menor intentar o presente incidente de incumprimento das responsabilidades parentais relativamente a BB, invocando o incumprimento, por parte deste, das prestações de alimentos ao menor desde o mês de outubro de 2010 a fevereiro de 2011.

(...)

Atento o silêncio do requerido, mostra-se por este confirmado que, efetivamente, não entregou os montantes peticionados, computando, neste momento, a dívida de alimentos ao seu filho menor, no total de 500,00€ (5 meses x 100,00€).

Nesta conformidade, julgo verificado o incumprimento das prestações de alimentos devidas ao menor AA, no total de 500,00€ (...)” [Sublinhado nosso].

15 – Neste mesmo sentido, foi também a ora Recorrente notificada pela Ref.ª 94690685 elaborada em 18-09-2020 para a Renovação da Prova Anual que se junta como Doc. 4 com o seguinte teor:

“(...) nos termos do nº 5, artº9º, do DL 164/99, de 13 de maio, para no prazo de 10 dias, fazer prova nos autos supra identificados, de que a situação económica do agregado familiar do(s) menor(s): AA (...) se mantém precária, nomeadamente através de declaração da Segurança Social, sob pena de cessação da prestação de alimentos”.

“Mais fica notificada para, no início de cada ano letivo, vir comprovar que o seu processo de educação ou formação profissional não se mostra ainda concluído ou livremente interrompido, designadamente que a mesma se encontra matriculada em estabelecimento de ensino e que obteve aproveitamento e teve efetiva frequência no ano anterior, sob pena de, não o fazendo ser determinada a cessação da prestação ora atribuída a partir de tal data”.

“Fica ainda notificada, para DE FUTURO, e enquanto durar o processo de educação ou formação profissional, e até que complete os 25 anos, fazer prova nos autos de tal facto, juntando, relativamente ao ano letivo então em curso, os documentos acima referidos”.

“Caso a produção de prova não seja realizada, no prazo legal, será determinada a cessação da intervenção do FGADM” [Sublinhado nosso],

16 – sendo notória, pelo teor desta notificação, a continuidade da intervenção do FGADM em substituição do progenitor inadimplente, desde que a produção da prova seja realizada no prazo legal.

17 – A ora Recorrente apresentou a Renovação da Prova Anual em 01-10-2020, atempadamente, havendo produzido toda a prova e havendo requerido a manutenção da atribuição da prestação de alimentos a suportar pelo FGADM,

18 – prestação esta que foi garantida pelo FGADM até ao mês de Outubro de 2020, inclusive, no valor de € 110,25 (Cento e dez euros e vinte e cinco cêntimos), conforme Doc. 5.

19 – Porém, nos meses de Novembro e de Dezembro de 2020, nenhuma quantia a título de pensão de alimentos foi entregue ao jovem AA, havendo recebido a título de pensão de alimentos referente ao mês de Janeiro de 2021, a quantia de € 75,00 (Setenta e cinco euros), conforme Doc. 6 que se junta, e, havendo recebido a título de prestações de alimentos vencidas, a quantia de € 20,00 (Vinte euros), conforme Doc. 7,

20 – fixando-se agora na esfera dos rendimentos do agregado familiar uma concreta redução do valor de € 35,25 mensais e de € 423,00 anuais, redução esta com a qual a ora Recorrente não pode concordar nem aceitar, por ilegal e injusta, violando o próprio trânsito em julgado das Doutas Sentenças prolatadas em 17-02-2011 e em 06-11-2013.

21 – O valor anual de € 423,00 assume crucial importância no agregado familiar do AA, que, atualmente, se confronta com um acréscimo exponencial de despesas, necessárias, regulares e imprevisíveis ou extraordinárias, inerentes à frequência universitária em ..., entre outras, respeitantes ao custo das propinas, da alimentação e da deslocação, apresentando-se como consequência direta e necessária desta redução do valor da prestação de alime ntos, bem como pela falta de pagamento por parte do FGADM da pensão durante os meses de Novembro e Dezembro de 2020, a confrontação do jovem AA com graves dificuldades por forma a marcar presença nas aulas e a frequentar os exames próprios desta época, os quais ocorrem agora uns a seguir aos outros, em horários díspares, quer diurnos, quer noturnos, em que não há transporte público disponível, conforme calendários de avaliação e frequências que se juntam como Doc.'s 8 a 12, pelo que,

22 – por forma a que o AA cumpra as suas responsabilidades académicas, a Progenitora, ora Recorrente, tem-se visto forçada a lançar mão do uso de transporte em veículo próprio, gerando um elevadíssimo acréscimo das despesas de deslocação, sendo que, quando os autocarros se tornam disponíveis e lhes é permitido circular atentas as exigências atuais da pandemia Covid-19, o título de transporte “SUB

23”-Passe Rodoviário já com desconto de estudante, tem um valor de aquisição de € 85,25 (Oitenta e cinco euros e vinte e cinco cêntimos), conforme Doc. 13,

23 – o que, naturalmente, tem levado o agregado familiar a reduzir a qualidade e regularidade da alimentação, comprometendo-se serissimamente ao nível da subsistência condigna, a saúde e o bem-estar do jovem, por forma a que o AA possa e consiga dar continuidade aos seus estudos universitários.

24 – A educação e o bem-estar, físico e psicológico do AA, estão seriamente comprometidos, pois, exige uma maior disponibilidade financeira por parte da mãe, único elemento do agregado familiar, que, sozinha e por si só, não consegue dar resposta às necessidades do AA, as quais, mais do que nunca, têm de ser asseguradas, sob o risco de se ver forçada a retirar o AA da Universidade e constituindo este um grau de sacrifício que ao jovem não deve ser assacado, em estreita ligação com o direito irrenunciável do jovem ver satisfeitas as suas necessidades básicas e essenciais.

25 – Neste contexto, ao Estado cabe assumir-se como garantia do direito irrenunciável do jovem ao sustento, atento o princípio da igualdade, consagrado na CRP (art.º 13.º), ou seja, de que os menores em iguais circunstâncias de ausência de sustento por parte de um dos progenitores, não tenham tratamento diferenciado por parte do Estado.

26 – E é essa exigência de igualdade, de equilíbrio e de defesa intransigente do direito ao sustento por parte dos menores/jovens que justifica que o Estado, na sua política social, de defesa de direitos consagrados na CRP, assuma essa obrigação plenamente e de forma clara, implicando a consagração expressa no normativo citado de que o Estado deve ser em última instância, o garante de direitos constitucionalmente consagrados (in A Tutela Cível do Superior Interesse da Criança, Tomo II, Coleção de Formação Contínua, CEJ, Julho 2014), subjacente que está à ideia de sustento um pressuposto de satisfação imediata das necessidades reais e concretas do jovem, sempre tendo em vista o momento atual, obrigação que deverá ser assumida pelo Estado (idem).

27 – A Lei 75/98, de 19 de Novembro, instituiu um mecanismo de garantia de alimentos, a suportar pelo Estado, como modo de consagração do direito das crianças e jovens à proteção, consagrado constitucionalmente, fixando-se o encargo de através do Fundo de Garantia de Alimentos se assegurar a satisfação dos alimentos a menores residentes em território português quando a pessoa judicialmente obrigada a prestá-los não satisfaça as quantias em dívidas e o alimentando não disponha de rendimento líquido superior ao ordenado mínimo nacional, nem beneficie, na mesma medida, de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre – como é o caso do AA (art.º 1.º da Lei 75/98).

28 – As prestações atribuídas nestes termos só podem ser alteradas ou cessadas nos termos previstos no art.º 4.º da Lei 75/98 de 19/11, ou seja, mediante a comunicação da Progenitora ao Tribunal ou à entidade responsável pelo pagamento das prestações, da cessação ou qualquer alteração da situação de incumprimento ou da situação do menor, sendo certo que nenhuma delas ocorreu, mantendo-se inalteradas todas as condições de atribuição, havendo sido feita a revisão anual obrigatória dos pressupostos da decisão judicial que ordenou substituição do devedor pelo FGADM , a qual, concluiu, pela reunião das condições legalmente previstas para que a ora Recorrente pudesse continuar a beneficiar da prestação social do Fundo

de Garantia de Alimentos – e sobre a qual a Mm.ª Juiz do Tribunal a quo fez tábua raza!,

29 – Com efeito, como vem sendo traduzido em diversa jurisprudência (entre outros, cfr. Ac. TRE de 25-01-2018, Ac. TRG de 22-02-2018, Ac. TRP de 23-04-2018, in dgsi.pt) “o que se visa com tal regime jurídico é que, nas situações dos jovens até aos vinte e cinco anos, o Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores assegure uma prestação, no lugar do progenitor, impossibilitado de pagar, desde que o jovem ainda não tenha autonomia económica e esteja em curso um processo educativo ou de formação profissional” e isso porquanto, quando em tal norma se referem as prestações a que o Estado está obrigado, tal expressão significa não uma prévia declaração judicial dessa obrigação, mas sim a presença das circunstâncias em razão das quais essa mesma obrigação deve ser reconhecida (cfr. Ac. TRP de 30-05-2018, in dgsi.pt).

30 – Quanto ao conceito de Superior Interesse do Menor e do Jovem, destacam-se os n.ºs 1 e 2 do art.º 3.º da Convenção sobre os Direitos da Criança, assinada em Nova Iorque, a 26 de Janeiro de 1990, o n.º 1 do art.º 69.º da CRP, e, ainda, in casu, as disposições conjugadas do n.º 1 do art.º 4.º do RGPTC e do art.º 4.º da LPCJP, e deve ser entendido como um direito essencial, inerente a toda a criança e jovem, tendo sempre em vista os bens e interesses prioritários do jovem, a sobrevivência, a integridade física e psíquica, o seu bem-estar e a proteção que merece, e, agora mais do que nunca, em consequência das sucessivas exigências económicas que a frequência universitária do AA tem acarretado.

31 – O interesse da criança ou jovem constitui um conceito vago e genérico utilizado pelo legislador precisamente por forma a permitir ao juiz alguma discricionariedade, bom sendo e alguma criatividade e cujo conteúdo deve ser apurado em cada caso concreto (cfr. Maria Clara Sottomayor, in Regulação do Exercício do Poder Paternal nos Casos de Divórcio, 2.ª ed., pp. 36-37)[Sublinhado nosso].

32 – No caso em apreço, com o devido respeito, ao Tribunal a quo não faltou discricionariedade nem criatividade, porém, utilizou estes poderes no sentido contrário e em franca oposição àqueles que deveria ter salvaguardado, ancorados no bom senso e aferidos pelas circunstâncias gritantes que o caso concreto do AA evidencia.

33 – O interesse superior da criança e do jovem só será respeitado quando esteja salvaguardado o exercício efetivo dos seus direitos. O que significa que no confronto dos vários interesses em presença, porventura legítimos, deve prevalecer “o superior interesse da criança e do jovem”, deve dar-se preferência e prevalência à solução que melhor garanta o exercício dos seus direitos (cfr. Tomé d'Almeida Ramião, Juiz

Desembargador, Regime Geral do Processo Tutelar Cível) [Sublinhado nosso].

34 – Neste contexto, e, no confronto dos vários interesses em presença, porventura legítimos, da prevalência da proteção do erário público pela determinação do pagamento da pensão de alimentos com recurso às pensões auferidas pelo Progenitor no valor de €75 mensais (e já não a suportar pelo Fundo no valor de €110,25 mensais), mas em que o Superior Interesse do Jovem fica ferido na sua integralidade, pela redução na sua vida prática da possibilidade de exercer condignamente os seus direitos constitucionalmente consagrados, na prossecução de um vetor importantíssimo como o é a sua preparação através dos estudos universitários para o Homem de amanhã que se quer pela Nação apetrechado dos devidos instrumentos que o capacitem ao trabalho condigno e à dignidade da pessoa humana.

35 – E, não restam dúvidas, de que o Tribunal a quo não atendeu a esta essencialidade, a esta imposição normativa que, por si só, aponta e assenta num radical a prosseguir sempre que se trata das nossas crianças e dos nossos jovens e, que, assim, nas circunstâncias do caso concreto, preparam e constróiem O Futuro de Portugal!

36 – No mesmo sentido apontam as Diretrizes do Comité de Ministros do Conselho da Europa sobre a justiça adaptada às crianças e jovens, adotadas pelo Comité de Ministros do Conselho da Europa em 17 de novembro de 2010 que elenca as linhas mestras, referindo em III-B) “Interesse Superior da Criança”.

37 – Compete, pois, ao Tribunal, tomar medidas, sempre com a bitola da proporcionalidade, nomeadamente, limitando-se, apenas e só, àquilo que for estritamente necessário, e em caso algum pode afetar uma série de direitos essencialíssimos como são os direitos à vida, o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis que constituem o fundamento da Liberdade, da Justiça e da Paz no mundo, cfr. Preâmbulo da Convenção sobre os Direitos da Criança, dispondo o n.º 8 do art.º 1906.º do Código Civil que o tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor.

38 – Assim, as circunstâncias determinantes da fixação e atribuição da pensão de alimentos a suportar pelo Fundo não sofreram qualquer alteração (vd. Relatório Social de 15-10-2020), pelo que, não podem os alimentos em causa sofrer uma redução do seu valor, como se faz na Douta Sentença de 05-11-2020, reiterada em 05-01-2021, nos presentes autos, em franca violação do disposto no n.º 1 do art.º 2013.º do Código Civil com falência do sistema judicial e da rede de apoio social, mormente quando o jovem mais deles carece e, porquanto, merecem maior cautela, com evidente retrocesso na missão protetora do Estado relativamente ao bem-estar das suas crianças e jovens, abrindo um grave precedente em matéria de defesa dos direitos dos menores e de proteção das suas famílias.

39 – Com todo o respeito, o Tribunal a quo não se lembrou que este jovem está com uma necessidade superior e os progenitores com uma capacidade inferior, pelo que, o Fundo de garantia de Alimentos deve rapidamente ser chamado a retomar a sua obrigação legal de pagamento, sendo que a situação do jovem já está devidamente certificada nos presentes autos (vd. Relatório Social de 15-10-2020), pois, o Fundo de Garantia de Alimentos deve ser a entidade chamada a ter uma atuação ativa, com um procedimento simplificado, e, deve ser chamado a assumir uma responsabilidade que tem ao nível dos apoios sociais.

40 – A Douta Sentença ora colocada em crise colide frontalmente com o Princípio da Intervenção Precoce, constante da alínea c) do n.º 4 da LPCJP, consubstanciado no facto de que, apesar de constar do Relatório Social a certificação da situação de perigo em que o jovem AA se encontra, ainda assim, a Douta Sentença dela fez tábua raza, e, não só não interviu precocemente por forma a evitar danos irreparáveis como sejam o abandono da universidade pelo AA, como também a sua intervenção resultou num aumento do risco, potenciando-o, em confronto com a diminuição dos seus direitos e garantias essenciais.

41 – Ao agir como agiu, o Tribunal a quo deixou cair o jovem AA, desde logo porque para além da tomada de uma decisão ilegal e injusta, não a tomou de forma atempada e com a celeridade processual devida, com eficácia na decisão que o interesse do jovem aconselha e reclama, pois, durante 2 meses seguidos, de Novembro a Dezembro de 2020, nenhuma prestação foi entregue ou paga ao AA, havendo permanecido NO VAZIO!!, no montante de € 220,50, e, assim, à exceção da mãe, ninguém se preocupou nem ocupou com as necessidades efetivas e reais do AA, e, durante esse período de tempo, o AA não foi gente, não existiu, e, com ele, a falência do ordenamento jurídico e social de quem tem o dever, o poder-dever, de proteger, de segurar, de garantir!

42 – Do mesmo modo, o Tribunal a quo também violou o Princípio da Intervenção Mínima estatuído na alínea d) da LPCJP, na medida em que, se queria fazer prevalecer o interesse do erário público do Estado em detrimento do Superior Interesse do Jovem, podia e devia tê-lo feito assegurando, sempre e em qualquer caso, a continuidade do pagamento da pensão de alimentos, sem quebras nem faltas, e, no valor então auferido (€110,25), por forma a não provocar qualquer instabilidade na vida do jovem estudante – como provocou!, tendo criado no AA um turbilhão de diferentes estados emocionais e psicológicos que o estão a prejudicar pela falta de tranquilidade e serenidade que agora tanto necessita para a realizão dos seus exames, com êxito!

43 – Encontra-se igualmente violado o Princípio da Proporcionalidade e Atualidade constante da alínea e) da LPCJP, na medida em que “a intervenção deve ser necessária e adequada à situação de perigo em que a criança ou o jovem se encontram no momento em que a decisão é tomada e só pode interferir na sua vida e na da sua família na medida do que for estritamente necessário a essa finalidade”, sendo que, de facto, a providência assim decidida, nos termos em que o foi, se se afigurava necessária ?, haveria que adotar e lançar mão, de forma prévia e segura, de um conjunto de mecanismos essenciais à salvaguarda dos interesses superiores do AA e à consolidação da satisfação das suas necessidades básicas no tempo presente (até porque os Serviços Sociais já haviam certificado nos autos a reunião das condições necessárias à continuidade do pagamento da pensão de alimentos pelo Fundo), tão pouco se mostra tal decisão adequada à situação do jovem no momento da decisão, havendo interferido na vida deste e da sua família para além do estritamente necessário.

44 – Assim, a intervenção operada não é necessária nem é a adequada, havendo colocado o AA em situação de perigo, sem a atribuição de qualquer pagamento alimentício durante 2 meses seguidos, no montante de € 220,50, recondicionando-se o Fundo (que sobre o assunto já se havia posicionado positivamente) a acionar o Centro Nacional de Pensões com vista ao pagamento de uma pensão de alimentos reduzida para €75 mensais [com um corte mensal de € 35,25 e anual de € 423,00], com grave interferência na vida deste Jovem, muito para além daquilo que seria estritamente necessário a uma finalidade que, de todo, se desconhece e não se adivinha!!, carecido que está o leit motiv e da devida fundamentação, inerente à redução operada, aliás,

45 – o que nos leva à franca violação do disposto na alínea i) da LPCJP correspondente ao Princípio da Obrigatoriedade da Informação, perante o qual, a criança e o jovem, os pais, o representante legal ou a pessoa que tenha a sua guarda de facto, têm direito a ser informados dos seus direitos, dos motivos que determinaram a intervenção e da forma como esta se processa,

46 – com igual violação do Princípio consagrado na alínea j) da LPCJP que estatui a Audição Obrigatória e Participação e, perante o qual, a criança e o jovem, em separado ou na companhia dos pais ou de pessoa por si escolhida, bem como os pais, representante legal ou pessoa que tenha a sua guarda de facto, têm direito a ser ouvidos e a participar nos actos e na definição da medida de promoção dos direitos e de proteção, sendo este um dos mecanismos essenciais e inerentes ao Estado de Direito e Democrático em que todos vivemos,

47 – sendo certo que a ora Recorrente sempre auferiu a pensão de alimentos fixada definitivamente pelo VALOR BASE DE € 100,00 (Doc. 5), pelo que, salvo o devido respeito, não se vislumbra qualquer necessidade nem justificação para fazer operar esta redução alimentícia, ferida que está de suporte legal.

48 – Pelo exposto, o montante de referência para as prestações de alimentos vincendas deverá situar-se, em qualquer dos casos, no valor base de €100,00, acrescidas das atualizações anuais de acordo com o índice de inflação publicado pelo I.N.E., mas nunca em menos de 5%, pois, que, assim se determinou, definitivamente, pelas Doutas Sentenças de 17-02-2011 (Apenso A) e de 06-11-2013 (Apenso B), ambas já transitadas em julgado.

49 – E ainda que o Tribunal a quo venha agora pretender que seja o pai a suportar as despesas com os alimentos, certo é que este Tribunal é dotado de todos os poderes- deveres, discricionários e criativos, de forma a que da sua atuação não derivem quaisquer prejuízos para a esfera patrimonial do agregado familiar do jovem com consequências ao nível físico, psicológico e académico do AA.

50 – E, caso, efetivamente, Vossas Excelências venham a decidir manter a pensão de alimentos a deduzir do montante das pensões do progenitor, com todo o respeito, que é muito, deverá sempre ser de considerar a atualização anual do seu valor, a partir de Janeiro de 2012, de acordo com o índice de inflação publicado pelo I.N.E., mas nunca em menos de 5%, em conformidade com a ratio contida nas Sentenças de 17-02-2011 (Apenso A) e de 06-11-2013 (Apenso B), pelo que, a ser integralmente suportado pelo pai, tal valor mensal atual é de € 122,18 (Cento e vinte e dois euros e dezoito cêntimos), e não de € 75,00 como a Douta Sentença de que ora se recorre pretende fazer valer, em conformidade com o Anexo I que se junta.

51 – Acresce, que, reportando-se o último pagamento do FGADM a Outubro/2020 (Doc. 5), deve levar-se em consideração os meses durante os quais o AA não auferiu qualquer prestação de alimentos, designadamente, Novembro e Dezembro de 2020, devendo ser determinado este pagamento, no montante de € 220,50 (Duzentos e vinte euros e cinquenta cêntimos).

- Quanto à Dedução na pensão do progenitor, a partir do mês de Janeiro/2021, da quantia de € 20,00 referentes às prestações de alimentos VENCIDAS, até perfazer o montante de € 600,00 -

52 – Consta da Douta Sentença prolatada em 01-10-2010 nos presentes autos o seguinte teor, atendido e levado em consideração pela Douta Sentença de que ora se recorre:

“(...)

a) Julgo integralmente procedente o presente incidente de incumprimento e, consequentemente,

b) Fixo em dívida as prestações de alimentos relativas aos meses de Fevereiro de 2010 a Setembro de 2010, no valor total de 600,00€ (seiscentos euros),

(...)”.

53 – Porém, consta igualmente da Douta Sentença prolatada em 06-11-2013 no Apenso B (Inc. Resp. Parentais) – Doc. 3, não considerada pela Douta Sentença de que ora se recorre, o seguinte teor:

“Veio a progenitora do menor intentar o presente incidente de incumprimento das responsabilidades parentais relativamente a BB, invocando o incumprimento, por parte deste, das prestações de alimentos ao menor desde o mês de outubro de 2010 a fevereiro de 2011.

(...)

Atento o silêncio do requerido, mostra-se por este confirmado que, efetivamente, não entregou os montantes peticionados, computando, neste momento, a dívida de alimentos ao seu filho menor, no total de 500,00€ (5 meses x 100,00€).

Nesta conformidade, julgo verificado o incumprimento das prestações de alimentos devidas ao menor AA, no total de 500,00€ (...)” [Sublinhado nosso].

54 – Assim, contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo, o incumprimento do progenitor fixado por Sentença, abrange não só o valor de € 600,00 na mesma consignados, mas, abrange também o valor de € 500,00, totalizando a quantia de €1.100,00, aos quais são aplicáveis os correspondentes juros de mora à taxa legal de 4%, vencidos e vincendos, pelo que, ao valor de € 600,00 acresce o montante de € 246,90, o que perfaz o total de € 846,90 calculados desde 01-10-2010 até à presente data, e ao valor de € 500,00 acresce o montante de € 143,73, o que perfaz o total de € 643,73 calculados de 06-11-2013 até à presente data,

55 – sendo o valor total respeitante ao incumprimento do Progenitor, atualmente em dívida, no montante total de € 1.490,63 (Mil quatrocentos e noventa euros e sessenta e três cêntimos).

56 – Pelo exposto, a quantia de € 20,00 (vinte euros) a deduzir a partir de Janeiro/2021 pelo Centro Nacional de Pensões na pensão do Progenitor, a título de alimentos vencidos, deverá abranger todo o valor em dívida fixado em anterior Sentença e calculado em € 1.490,63 (e não € 600,00 como Doutamente se determina).

57 – Por último mas não menos importante, sempre cabe referir o caráter de excelência que carateriza todo o percurso do AA, não só enquanto estudante mas também no exercício da cidadania. De facto, o AA nunca reprovou, tem apresentado excelentes resultados académicos, frequenta atualmente o Curso de ... junto do ... cujos custos de frequência acarretam e exigem um maior esforço financeiro por parte do seu agregado familiar. Ao cercear-se esta disponibilidade económica ao AA estar-se-á a colocar em risco a continuidade dos seus estudos e, consequentemente, o seu êxito universitário e profissional, conforme projeto de vida e desejo do jovem.

Nestes termos e nos mais de Direito que Vossas Excelências Doutamente suprirão, requer que seja admitido o presente Recurso, ao abrigo das disposições conjugadas do art.º 32.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC), aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 8 de Setembro e do art.º 644.º e ss. Do Código de Processo Civil ex vi do art.º 33.º do RGPTC, e, em consequência:

a) que seja declarada a nulidade da Sentença datada de 05-01-2021, que veio reiterar o teor da anterior Sentença datada de 05-11-2020:

- por violação do Trânsito em Julgado das Doutas Sentenças prolatadas em 17-02-2011 no Apenso A e em 06-11-2013 no Apenso B, através das quais foi definitivamente fixado o valor da pensão de alimentos no montante de € 100,00 mensais, com posterior determinação do incumprimento do progenitor

precisamente nesta quantia, devendo ser este o valor base a ser aplicado às prestações vincendas, acrescidas das atualizações anuais de acordo com o índice de inflação publicado pelo I.N.E., mas nunca em menos de 5%, em conformidade com o teor das Sentenças acima indicadas,

- por violação dos Princípios Orientadores de Intervenção estabelecidos na Lei, inerentes à proteção dos direitos e interesses das crianças e jovens, nomeadamente, entre outros, o Superior Interesse do Menor e do Jovem, a Igualdade, a Intervenção Precoce, a Intervenção Mínima, a Proporcionalidade e Atualidade, a Obrigatoriedade da Informação, a Audição Obrigatória e Participação, a Necessidade e Adequação,

- por violação do disposto na alínea b) do art.º 615.º do Código de Processo Civil, na medida em que, para além do mais, não especifica os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, e, ainda,

- nos termos da alínea e) do mesmo normativo legal, uma vez que, ao devolver a pensão de alimentos a ser suportada pelo pai, no valor reduzido de €75,00 mensais, com vista à cessação da intervenção do Fundo, decidiu em objeto diverso constante do Pedido de Renovação da Prova Anual, requisito cumprido de forma atempada pela ora Recorrente, havendo sido requerida a continuação da pensão de alimentos a ser suportada pelo Fundo de Garantia de Alimentos e cujas condições do agregado familiar se encontram já devidamente certificadas nos presentes autos pelo NIS-UDS do Centro Distrital de ... do I.S.S., I.P. em cujo Relatório Social se afere que a ora Recorrente “reúne as condições legalmente previstas para beneficiar da prestação social do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores”;

b) que o Fundo de Garantia de Alimentos seja rapidamente chamado a retomar a sua obrigação legal de pagamento;

- com reposição do valor da pensão de alimentos referente aos meses de Novembro e de Dezembro de 2020, no montante de € 220,50 (€ 110,25 x 2) ecom reposição do valor pago a menos nos meses subsequentes (€ 35,25/mês),

c) em alternativa, vindo a pensão de alimentos vincenda a ser integralmente suportada pelo pai, deverá sê-lo levando em consideração o valor base de € 100,00 mensais, acrescidas das atualizações anuais de acordo com o índice de inflação publicado pelo I.N.E., mas nunca em menos de 5%, em conformidade

com o teor das Sentenças acima indicadas, no montante atual mensal de € 122,18 (e não de € 75,00 como a Douta Sentença de que ora se recorre pretende determinar) – Anexo I;

d) no que concerne à dedução na pensão do Progenitor, a partir do mês de Janeiro de 2021, da quantia de € 20,00 referente às prestações de alimentos vencidas, até perfazer o montante de € 600,00 tal como o determina a Douta Sentença de que ora se recorre, requer que esta dedução passe a abranger todo o valor que, efetivamente, se encontra em dívida, calculado no montante de € 1.490,63 (Mil quatrocentos e noventa euros e sessenta e três cêntimos), (e não no montante de € 600,00), acrescido de juros de mora à taxa legal de 4% até efetivo e integral pagamento.

ASSIM DECIDINDO FARÃO VOSSAS EXCELÊNCIAS A HABITUAL E COSTUMADA

JUSTIÇA »

                                                                          *

Não foram apresentadas quaisquer contra-alegações.

                                                           *

            Nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

                                                                       *

            2QUESTÕES A DECIDIR, tendo em conta o objeto do recurso delimitado pela Recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 635º, nº4 e 639º, ambos do n.C.P.Civil), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608º, nº2, “in fine” do mesmo n.C.P.Civil), face ao que é possível detetar o seguinte:

(des)acerto da decisão de 5.11.2020

- no segmento em que não determinou a renovação da obrigação do pagamento pelo FGADM, no valor de € 110,25, e, em vez disso, para além do mais, determinou o desconto mensal da quantia de € 75,00 no valor das pensões por invalidez e complemento solidário do idoso auferidas pelo Requerido-progenitor (com vista à cessação da intervenção do FGADM);

- no segmento em que determinou a dedução na pensão do progenitor, a partir do mês de Janeiro/2021, da quantia de € 20,00, somente e apenas até perfazer o montante de € 600,00 [isto é, referentes às prestações de alimentos vencidas relativamente ao período de Fevereiro de 2010 a Setembro de 2010, desconsiderando que a tal acrescia o incumprimento pelo progenitor das prestações de alimentos desde o mês de Outubro de 2010 a Fevereiro de 2011, no total de 500,00 € (5 meses x 100,00 €), e bem assim juros moratórios].  

                                                                       *

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A matéria de facto a ter em conta para a decisão do presente recurso é, no essencial, a que consta do relatório que antecede.

                                                                       *

4 - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Importa no presente recurso começar por aferir e decidir do acerto da decisão que não determinou a renovação da obrigação do pagamento pelo FGADM, no valor de € 110,25, e, em vez disso, para além do mais, determinou o desconto mensal da quantia de € 75,00 no valor das pensões por invalidez e complemento solidário do idoso auferidas pelo Requerido-progenitor (com vista à cessação da intervenção do FGADM).

Para bem se compreender o que está verdadeiramente em causa e o sentido da decisão que se vai tomar, importa antes de mais rememorar os factos na sua linearidade, a saber:

- em 19.01.2010 foi homologado acordo dos progenitores no sentido de que o progenitor contribuiria com a quantia mensal de 75,00 € a título de pensão alimentos devidos ao menor;

- por se ter mostrado ser inviável o cumprimento coercivo do correspondente pagamento, através de decisão judicial proferida em 17.02.2011, foi determinada a intervenção do FGADM, em substituição do devedor, fixando-se a quantia a pagar em € 100,00 € (sendo tal prestação atualizada anualmente, a partir de janeiro de 2012, de acordo com o índice de inflação publicado pelo I.N.E., mas nunca em menos de 5%);

- tendo-se apurado que o progenitor estava a auferir rendimentos/pensões do I.S.S., por decisão judicial de 5.11.2020, foi determinado o desconto mensal da quantia de € 75,00 nos valores pagos pelo I.S.S. ao progenitor, para ser entregue diretamente à progenitora;

- em Outubro de 2020, último mês em que teve lugar o pagamento pelo FGADM, foi processado o valor de € 110,25.

De referir que a decisão judicial de 5.11.2020 foi fundamentada no art. 48º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (aprovada pela Lei nº 141/2015, de 8 de Setembro)[3], considerando-se verificados os respetivos pressupostos.

A progenitora/recorrente preliminarmente questiona o uso/aplicação deste mecanismo/procedimento especial de cobrança coerciva da prestação de alimentos do art. 48º do RGPTC, também argumentando que a decisão recorrida incorreu em nulidade por violação do disposto na alínea b) do art. 615º do n.C.P.Civil [«na medida em que, para além do mais, não especifica os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão»] e, ainda, nos termos da alínea e) do mesmo art. 615º do n.C.P.Civil [«uma vez que, ao devolver a pensão de alimentos a ser suportada pelo pai, no valor reduzido de €75,00 mensais, com vista à cessação da intervenção do Fundo, decidiu em objeto diverso constante do Pedido de Renovação da Prova Anual»].

Que dizer?

Salvo o devido respeito, não assiste qualquer razão à progenitora/recorrente quanto a este particular.

É certo que a decisão recorrida foi proferida quando a mesma havia suscitado um pedido da renovação anual da obrigação do pagamento da prestação pelo FGADM.

Só que o tribunal oficiosamente podia e devia proferir uma decisão no quadro previsto pelo art. 48º do RGPTC, desde que verificados os pressupostos deste normativo – o que nem sequer é questionado!

Na verdade, fixada a prestação a cargo do “Fundo de Garantia”, esta mantém-se enquanto se verificarem as circunstâncias subjacentes à sua concessão (ou até que cesse a obrigação a que o devedor está obrigado), o que, além do mais, significa que o Estado (por via do FGADM) não se substitui incondicionalmente ao devedor originário dos alimentos, «(…) apenas assegura o pagamento efetivo duma prestação, desde que o menor deles careça e enquanto o devedor não inicie o seu pagamento, (…)».[4]

Aliás, a renovação anual em causa não é seguramente um procedimento de resultado positivo automático – com o sentido de o deferimento ser a consequência fatal e incontornável.

Antes pelo contrário, a circunstância de ser necessário formular um tal pedido de renovação ao Juiz titular do processo, tem ínsita e pressuposta uma avaliação/apreciação por este último, o que naturalmente pode contemplar uma averiguação mais ou menos aprofundada.

Nesse sentido, s.m.j., depõe a circunstância de se estar, como se estava, no domínio dum processo de “jurisdição voluntária” [cf. arts. 3º, als. c) e d), e 12º do mesmo RGPTC].

Ora, consabidamente, os processos de jurisdição voluntária, têm também outras características singulares de que se destaca a predominância do princípio do inquisitório na investigação dos factos e na obtenção das provas (art. 986º, nº2 do n.C.P.Civil) e a alterabilidade das decisões com base em alteração superveniente das circunstâncias que as determinaram (art. 988º, nº1 do mesmo n.C.P.Civil), face ao que, nestes processos (de jurisdição voluntária), as decisões, ao invés do que sucede nos outros tipos de processo, não são, após o seu trânsito em julgado, definitivas e imutáveis. Elas são alteráveis sempre que se alterarem as circunstâncias em que se fundaram. Trata-se duma espécie de caso julgado, sujeito a uma cláusula “rebus sic stantibus” ou seja um caso julgado com efeitos temporalmente limitados.[5]

Face ao vindo de dizer, também por aqui já se está a dar resposta [negativa, já se vê!] ao que também foi alegado pela progenitora/recorrente no sentido de que a decisão recorrida não havia respeitado o caso julgado da decisão judicial anteriormente proferida nos autos fixando a prestação mensal em € 100,00…

Por outro lado, igualmente improcede nesta base a invocação recursiva de que a decisão recorrida incorreu em nulidade por ter decidido em objeto diverso [cf. al.e) do nº1 do art. 615º do n.C.P.Civil].

Como igualmente improcede a invocação recursiva de que a decisão recorrida incorreu em nulidade por falta de fundamentação.

Desde logo porque quando se fala, a tal propósito, em “falta de fundamentação” – isto para que se considere verificado o vício da nulidade da falta de fundamentação da decisão [cf. al.b) do nº1 do art. 615º do n.C.P.Civil] – está-se a aludir à falta absoluta e não às situações em que a fundamentação é deficiente, incompleta ou não convincente.

Temos presente que se constitui como mais completo e rigoroso o entendimento de que também e ainda ocorre essa nulidade «quando a fundamentação de facto ou de direito seja insuficiente e em termos tais que não permitam ao destinatário da decisão judicial a percepção das razões de facto e de direito da decisão judicial»[6].

Sem embargo do vindo de dizer, importa não olvidar que a fundamentação numa decisão como a que está em causa [no quadro do art. 48º do RGPTC], não tem naturalmente o mesmo grau/medida do que numa sentença de mérito numa ação declarativa…

Sendo certo que, como flui da transcrição supra efetuada, a decisão recorrida contém os fundamentos de facto e os fundamentos de direito suficientes para se compreender a justificação e o sentido da decisão.

Termos em que, sem necessidade de maiores considerações, improcede a arguição de nulidade em apreciação.

De seguida, a mesma progenitora/recorrente questiona o valor/montante que foi em concreto determinado, isto é, o valor de € 75,00 mensais [objeto do inicial acordo dos progenitores que foi homologado judicialmente], por entender que devia respeitar-se o valor de € 100,00 mensais pagos pelo FGADM [determinado pela subsequente decisão judicial que determinou a intervenção do dito FGADM, em substituição do progenitor], ou melhor, que devia ter lugar o pagamento pelo I.S.S. do valor de € 122,18 (resultante das atualizações anuais de acordo com o índice de inflação publicado pelo I.N.E., mas nunca em menos de 5%, em conformidade com as sentenças proferidas nos autos, pois que o valor pago no último mês pelo FGADM, de € 110,25, estava desatualizado).

Que dizer da argumentação, central e nuclear, de que a decisão recorrida violou o trânsito em julgado da sentença prolatada em 17-02-2011[7] através da qual foi “definitivamente fixado” o valor da pensão de alimentos no montante de € 100,00 mensais?

Salvo o devido respeito esta afirmação encerra um equívoco.

Temos presente que sobre a questão da quantia a pagar pelo FGADM havia uma grande divergência na jurisprudência, sem embargo de existir uma forte corrente no sentido de considerar não ser legalmente admissível ultrapassar o montante da prestação alimentar fixada judicialmente a cargo do devedor.[8]

Entretanto, o Supremo Tribunal de Justiça veio uniformizar jurisprudência no seu Acórdão n.º 5/2015, de 19/3/2015[9], nos termos seguintes:

«Nos termos do disposto no artigo 2º da Lei n. 75/98, de 19 de Novembro, e no artigo 3º nº 3 do DL n.º 164/99, de 13 de Maio, a prestação a suportar pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores não pode ser fixada em montante superior ao da prestação de alimentos a que está vinculado o devedor originário».

Mais recentemente, e de certa forma reforçando e clarificando este entendimento, o legislador, através da Lei nº 71/2018, de 31/12 [Lei que aprovou o Orçamento de Estado para 2019], veio no seu art. 327º, aditar à Lei nº 75/98, de 19/11, o art. 4º-A, com a seguinte redação:

«1 - O montante da prestação de alimentos a cargo do Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores não pode exceder o montante da pensão de alimentos estabelecida no acordo ou na decisão judicial de regulação do exercício das responsabilidades parentais ou de fixação de alimentos.

2 - Caso tenham sido fixados coeficientes de atualização da pensão de alimentos, devem estes ser considerados na determinação da prestação a atribuir pelo Fundo desde que a operação de liquidação possa ser realizada através de simples cálculo aritmético e com o recurso a coeficientes de conhecimento público.

3 - A atualização da prestação de alimentos é efetuada oficiosamente pelo Fundo de Garantia aquando da renovação dos pressupostos para a respetiva atribuição e tendo como referência a variação positiva em vigor no termo do ano anterior ao da renovação.» [sublinhado nosso]

Neste quadro, pode-se dizer que, quer por força do citado AUJ, quer pela introdução da citada disposição legal à Lei nº 75/98, (em vigor desde 1 de janeiro de 2019, aplicável aos processos pendentes), a prestação a fixar a cargo do FGADM não pode exceder o montante da pensão de alimentos estabelecida no acordo ou na decisão judicial de regulação do exercício das responsabilidades parentais.

Não obstante este entendimento e quadro normativo, na situação vertente foi tendo aplicação uma solução diversa, pois que em vez da prestação mensal no valor de € 75,00 objeto do acordo homologado judicialmente em 19.01.2010, houve efetivamente uma decisão judicial proferida em 17.02.2011, que determinou a intervenção do FGADM, em substituição do devedor, fixando-se a quantia a pagar em € 100,00 € (sendo tal prestação atualizada anualmente, a partir de janeiro de 2012, de acordo com o índice de inflação publicado pelo I.N.E., mas nunca em menos de 5%).

Não se pode agora questionar a opção que teve lugar nos autos [e os pagamentos correspondentes!], nem, aliás, tal é objeto do recurso.

Mas daí não decorre que se possa ou deva considerar que existia ou existe uma tutela para a situação ad eternum.

Isto é, na medida em que está agora novamente em causa e a ser operante a prestação de alimentos a cargo do progenitor, não é de acolher o entendimento recursivo de que estava “definitivamente fixado” o valor da pensão de alimentos no montante de € 100,00!

É que o progenitor (devedor originário) reinicia o pagamento da prestação que lhe foi judicialmente fixada – e não outra!

De outro modo, abria-se a porta para os incumprimentos, incentivando-os até, caso houvesse a garantia de que se mantinha a prestação a cargo do FGADM em montante superior [enquanto não tivesse lugar o pagamento pelo progenitor].

            A este propósito já foi doutamente sublinhado o seguinte:  

«(…) não iniciando intencionalmente o pagamento voluntário continuará o menor a auferir uma prestação superior, cujo remanescente não poderá ser exigido ao devedor e, desse modo, é manifesto o interesse do progenitor/devedor em manter esse incumprimento.»[10]

Como quer que seja, ao progenitor (devedor originário) apenas pode ser exigido o que foi judicialmente fixado como sendo devido (pelo mesmo)!

Merece-nos, assim, acolhimento o que foi aduzido na decisão que indeferiu o pedido de retificação da decisão, mais concretamente que «(…) não estando fixada na decisão que regulou as responsabilidades parentais qualquer atualização da pensão, nem valor superior a €75 mensais a título de pensão de alimentos, sendo essa a que o tribunal terá de tomar em consideração e não a que determinou a intervenção do Fundo.»

A não concordar a progenitora/recorrente com um tal montante, nomeadamente por estar desatualizado e/ou ser insuficiente, competir-lhe-á suscitar o correspondente pedido de alteração através do meio processual próprio, sendo disso caso.

Improcede nestes termos a primeira questão recursiva.

                                                           ¨¨

E que dizer relativamente ao outro segmento da decisão recorrida alvo do recurso, a saber, no sentido do desacerto do segmento em que se determinou a dedução na pensão do progenitor, a partir do mês de Janeiro/2021, da quantia de € 20,00, somente e apenas até perfazer o montante de € 600,00 [isto é, referentes às prestações de alimentos vencidas relativamente ao período de Fevereiro de 2010 a Setembro de 2010, desconsiderando que a tal acrescia o incumprimento pelo progenitor das prestações de alimentos desde o mês de Outubro de 2010 a Fevereiro de 2011, no total de 500,00 € (5 meses x 100,00 €), e bem assim juros moratórios]?

Neste particular assiste-lhe parcial razão.

Vejamos.

Decorre dos dados dos autos que para além de estar judicialmente apurado e determinado que o progenitor incorreu em incumprimento das prestações de alimentos vencidas relativamente ao período de Fevereiro de 2010 a Setembro de 2010 [no montante de € 600,00], que igualmente foi judicialmente apurado e determinado que o mesmo incorreu em incumprimento das prestações de alimentos relativamente ao (subsequente) período de Outubro de 2010 a Fevereiro de 2011 [no montante de € 500,00].

Incorreu assim em desacerto a decisão que tal desconsiderou, não determinando o pagamento pelo progenitor deste acrescido montante de € 500,00 de prestações de alimentos já vencidos e igualmente em dívida.

Pelo que, no acolhimento do recurso nesta parte, importa determinar que o I.S.S. proceda ao desconto mensal da quantia de €95,00 nos valores que são pagos ao progenitor (sendo €75,00 quanto à prestação mensal de alimentos fixada, e os restantes €20 para liquidar a quantia em dívida, nesta parte até perfazer o total de € 1.100,00[11]).

Já quanto ao pedido de que igualmente deve ter lugar o pagamento de juros moratórios, não se pode dar razão à progenitora/recorrente: é que esses juros moratórios não foram pedidos nos incidentes de incumprimento em causa, nem, aliás, consta das decisões respetivas qualquer condenação nos mesmos.

                                                           ¨¨

De referir que quanto ao que consta no final das “conclusões” recursivas no sentido de que o «Fundo de Garantia de Alimentos seja rapidamente chamado a retomar a sua obrigação legal de pagamento; - com reposição do valor da pensão de alimentos referente aos meses de Novembro e de Dezembro de 2020, no montante de € 220,50 (€ 110,25 x 2) e com reposição do valor pago a menos nos meses subsequentes (€ 35,25/mês)», tal é pretensão que não merece qualquer acolhimento, pois que a decisão recorrida nada versou sobre esse particular[12], sendo que, tanto quanto é possível extrair da decisão judicial proferida em 05.01.2021, particularmente do segmento «Por fim, no que concerne às atualizações por pagar pelo Fundo, caberá, antes de mais, conferir o contraditório, determinando-se a notificação ao Fundo do requerimento apresentado e conferindo-se o prazo de 10 dias para pronúncia», o Tribunal de 1ª instância perspetivava pronunciar-se oportunamente sobre tal, pelo que, a não o ter ainda feito, será agora tempo de o fazer.

                                                           *

Procedem, assim, nestes moldes mais restritos os argumentos recursivos e o recurso.

                        (…)

 

                                                           *

6 - DISPOSITIVO

Pelo exposto, concede-se parcial provimento ao recurso e, em consequência, revoga-se em parte o despacho recorrido, o qual deverá ser substituído por outro que determine que o I.S.S. proceda ao desconto mensal da quantia de €95,00 nos valores que são pagos ao progenitor (sendo €75,00 quanto à prestação mensal de alimentos fixada, e os restantes €20 para liquidar a quantia em dívida, nesta parte até perfazer o total de € 1.100,00).

Sem custas.

                                                                       Coimbra, 28 de Fevereiro de 2023

Luís Filipe Cravo

Fernando Monteiro

Carlos Moreira

                                              





[1] Relator: Des. Luís Cravo
  1º Adjunto: Des. Fernando Monteiro
  2º Adjunto: Des. Carlos Moreira
[2] Doravante “FGADM”.
[3] Doravante “RGPTC”.
[4] Citámos TOMÉ D'ALMEIDA RAMIÃO, in “Regime Geral do Processo Tutelar Cível”, Anotado e Comentado, Ed. Quid Juris, 2015, a págs. 182.

[5] Cfr. J.P. REMÉDIO MARQUES, in “Algumas notas sobre alimentos (devidos a menores)” – Centro de Direito de família – vol. 2 , a págs. 106.
[6] cf., “inter alia”, o ac. do TRC de 17-04-2012, no processo nº 1483/09.9TBTMR.C1, acessível in www.dgsi.pt/jtrc, com entendimento que persiste como perfeitamente válido no presente quadro normativo.
[7] Assim como a prolatada em 06-11-2013 no Apenso B…
[8] Neste sentido se pronunciaram, inter alia, os acórdãos do TRC Coimbra de 6/6/2006 proferido no proc. n.º 0533453, e no de 19/02/2013, proferido no proc. n.º 3819/04.0TBLRA-C.C1; bem assim o do TRE de 08/11/2012, proferido no proc. n.º 1529/03.4TCLRS-A.L2-6, e o de 16/01/2014, proferido no Agravo nº 306/06.5TBAGH-A.L1; em sentido contrário se pronunciou, inter alia, o acórdão do STJ de 04/06/2009, proferido no proc. n.º 91/03.2TQPDL.S1 e o acórdão do TRL de 11.07.2013, proferido no proc. n.º 5147/03.9TBSXL-B.L1-2,; todos estes arestos estão acessíveis em www.dgsi.pt.
[9] publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 85, de 4 de maio de 2015.
[10] Neste sentido o já anteriormente referido TOMÉ D'ALMEIDA RAMIÃO, in “Regime Geral do Processo Tutelar Cível”, Anotado e Comentado, Ed. Quid Juris, 2015, a págs. 182.
[11] Em vez do valor de “€ 600,00” que constavam da decisão recorrida…
[12] Consabidamente, e como enfaticamente sublinhado quer pela doutrina quer pela jurisprudência, os recursos ordinários são, entre nós, recursos de reponderação e não de reexame, visto que o tribunal superior não é chamado a apreciar de novo a ação e a julgá-la, como se fosse pela primeira vez, indo antes controlar a correção da decisão, proferida pelo tribunal recorrido, face aos elementos averiguados por este último. Donde, não cabe aos tribunais de recurso conhecer de questões novas (o chamado ius novarum), mas apenas reapreciar a decisão do tribunal a quo, com vista a confirmá-la ou revogá-la [Vide LEBRE DE FREITAS / RIBEIRO MENDES / ISABEL ALEXANDRE, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 3º, 3ª Ed., Livª Almedina, 2022, nota 5 ao art. 627º, a págs. 15, e jurisprudência aí mencionada; idem por ABRANTES GERALDES, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Livª Almedina, 2013, a págs. 87-88].