Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
222/10.6TBNLS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS GIL
Descritores: CONVERSÃO DO ARRESTO EM PENHORA
REGISTO PREDIAL
Data do Acordão: 06/07/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: NELAS
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.622, 818 CC, 56, 821, 846 CPC, 9, 34, 101 CRP
Sumário: Não tendo ocorrido qualquer fenómeno de sucessão ou habilitação dos executados na posição jurídica da requerida no procedimento de arresto, deve ser recusada a conversão do arresto em penhora quando sejam diversos o requerido no arresto registado e os executados na acção executiva para que é pretendida a conversão do arresto em penhora.
Decisão Texto Integral:             Acordam, em audiência, os juízes abaixo-assinados da segunda secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

            1. Relatório

            A 23 de Março de 2010, na Conservatória do Registo Predial de ..., M (…) na qualidade de solicitadora, requereu a conversão do arresto em penhora da Ap. 5 de 23 de Outubro de 2002, incidente sobre o prédio descrito sob o nº ..., da freguesia e concelho de ..., relativamente às fracções autónomas A2, A3, A4, A5, A6, A9, B2, C1, C2, C4, C5, C6, C7, C8, C9, D1, D2, D3, D4, D7, D8, D9, E1, E2, E3, E4, E5, E6, E7, E8, F3, F7, F8, G2, G3, G4, G8, H3, H4, cabendo a esse requerimento para registo a apresentação nº 894, instruindo o requerimento com duas certidões judiciais, uma alegadamente datada de 25[1] de Novembro de 2009 e outra datada de 20 de Novembro de 2003.

            A 07 de Abril de 2010, a Sra. Conservadora do Registo Predial de ... recusou a conversão do arresto em penhora requerida por M (…) fundando-se, em síntese, no seguinte:

            - divergência entre os sujeitos passivos do arresto e os que constam como executados na acção executiva em que se pretende operar a conversão do arresto em penhora;

            - as pessoas indicadas como executadas não eram os proprietários inscritos à data do registo do arresto, até porque se o fossem o registo teria sido lavrado como provisório por natureza nos termos previstos no artigo 92º, nº 2, alínea a), do Código do Registo Predial;

            - a ser admissível a conversão requerida, sempre a mesma deveria ser recusada relativamente às fracções G2 e G3, inscritas a favor de (…) Lda. e D8, D9 e E2, inscritas a favor de (…) Lda., em virtude destas sociedades não serem executadas no processo para que se pretende a conversão do arresto em penhora;

            - na eventualidade de ser viável a conversão requerida, sempre a identificação dos executados se mostraria incompleta, não se relacionando cada executado com cada fracção indicada, nem se identificando o nome do cônjuge e o regime de bens de cada um dos executados, além de não ter sido junto documento comprovativo da nomeação de solicitadora de execução no processo em causa e de se ter juntado certidão de um termo de arresto que se reporta a inscrição diversa daquela cuja conversão é requerida;

- estando em causa a pretensão do registo de um acto que enquanto tal não pode ingressar definitivamente no registo, tem o mesmo que ser recusado.

            Inconformada com a decisão de recusa do registo, M (…) e a Sra. Dra. C (..:) em representação de F (…) e M (…), exequentes no processo para que era pretendida a conversão do arresto em penhora objecto de recusa, deduziram impugnação judicial da decisão da Sra. Conservadora do Registo Predial de ....

            A Sra. Conservadora do Registo Predial de ... manteve a sua recusa em despacho de 17 de Maio de 2010.

            Remetidos os autos ao Tribunal Judicial da Comarca de Nelas, a Digna Magistrada do Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência da impugnação.

            A 27 de Setembro de 2010 foi proferida sentença que indeferiu “o recurso apresentado por (…) mantendo-se válida a decisão de recusa do registo sob o nº 894 de 23 de Março de 2010.

            De novo inconformados, M (…), F (…)e M (…) interpuseram recurso de apelação contra a sentença proferida no Tribunal Judicial da Comarca de Nelas, oferecendo as seguintes conclusões:

“1. Pela apresentação n.º 894 de 23 de Março de 2010, a ora recorrente, solicitadora de execução, no exercício das funções que lhe são confiadas pelos artigos 838º do Código de Processo Civil e 48º do Código de Registo Predial, requereu a conversão em penhora dos arrestos decretados por apenso aos autos de processo ordinário n.º 598/2002 que correram termos por este Tribunal, processo ordinário esse que deu origem à execução ordinária n.º 598-B/2002, também apensa ao mesmo.

2. Por despacho proferido em 07 de Abril de 2010, a Ex.ma Sra. Conservadora do Registo Predial de ... recusou o registo.

3. Os impugnantes não se conformaram com tal decisão, tendo deduzido impugnação, todavia o recurso foi indeferido, daí o presente recurso.

4. Inexiste fundamento para a recusa do pedido de registo da conversão do arresto em penhora.

5. Na verdade não existe nenhuma divergência que obste ao registo da conversão do arresto em penhora.

6. Quanto aos sujeitos passivos a substituição resulta do facto de os mesmos terem já após os arrestos decretados e registados adquirido os bens onerados, sendo que a lei prevê expressamente que a execução seja instaurada contra os mesmos, pelo que a decisão em apreço viola o disposto nos artigos 622º e 818º e seguintes do Código Civil, 56º, 821º e seguintes e 846º do Código de Processo Civil.

7. Sendo que tal substituição não configura nenhuma ampliação do objecto ou qualquer facto novo.

8. Não houve qualquer violação do princípio do trato sucessivo, mas mesmo que, por hipótese se admita existir, tal violação está legalmente prevista no caso de arresto ou penhora, para além de outros, pelo que a decisão violou o disposto no artigo 9º do Código de Registo Predial.

9. O Tribunal “a quo” não analisou as restantes questões levantadas pela Ex.ma Sr.ª Conservadora, não obstante e para os efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 715º do CPC, sempre se dirá que, tais questões também não são motivo de recusa do registo em apreço. Na verdade,

10. Na decisão impugnada, a Ex.ma Sra. Conservadora começa poralegar que o acto de registo em preço “não pode assumir carácter de provisoriedade” pelo que “ existindo obstáculos ao seu ingresso definitivo no registo, tem o mesmo que ser recusado”.

11. O n.º 3 do artigo 101º do Código de Registo Predial não preceitua que o registo de conversão de arresto em penhora não possa ser feito provisoriamente por duvidas.

12. O que resulta do disposto no artigo 101º, no caso que ora interessa, é que a penhora e o arresto são registados por averbamento e que a conversão do arresto em penhora é registada nos mesmos termos, podendo-se concluir que podendo a penhora o registo de penhora ser feito provisoriamente por dúvidas também o poderá ser o registo de conversão do arresto em penhora, pelo que a decisão em apreço viola tal disposição legal.

13. Não obstante e caso se entendesse que o registo de conversão do arresto em penhora não poderia ser efectuado provisoriamente por dúvidas, certo é que as deficiências apontadas no despacho em apreço não existem ou poderiam ser oficiosamente supridas, ou através de notificação à apresentante para o efeito, porquanto as deficiências invocadas a existirem não envolvem novo pedido de registo nem motivo de recusa nos termos das alíneas c) a e) do n.º 1 do artigo 69º do Código de Registo Predial (artigo 73º do Código de Registo Predial), pelo que foi violado o disposto em tal preceito legal.

14. Na verdade e, conforme se referiu, não existe nenhuma divergência que obste ao registo da conversão do arresto em penhora.

15. Quanto aos sujeitos passivos a substituição resulta do facto de os mesmos terem já após os arrestos decretados e registados adquirido os bens onerados, sendo que a lei prevê expressamente que a execução seja instaurada contra os mesmos, pelo que a decisão em apreço viola o disposto nos artigos 622º e 818º e seguintes do Código Civil, 56º, 821º e seguintes e 846º do Código de Processo Civil.

16. Sendo que tal substituição não configura nenhuma ampliação do objecto ou qualquer facto novo.

17. Os sujeitos passivos estão identificados, mas mesmo que se entendesse que a identificação era deficiente poderia ser suprida oficiosamente ou através de notificação à apresentante para o efeito, a decisão de recusa sem aplicação prévia de tais procedimentos violou o disposto no artigo 73º do Código de registo Predial.

18. Ainda quanto aos sujeitos passivos os executados são todos titulares inscritos de fracções do prédio inscrito sob o 0 ... da freguesia de ....

19. Quanto aos não inscritos houve habilitação dos mesmos na acção executiva.

20. E quanto às fracções D8, E9 e E2, a aquisição posterior a favor de terceiro é ineficaz relativamente aos exequentes.

21. Não houve qualquer violação do princípio do trato sucessivo, mas mesmo que, por hipótese se admita existir, tal violação está legalmente prevista no caso de arresto ou penhora, para além de outros, pelo que a decisão violou o disposto no artigo 9º do Código de Registo Predial.

22. Também não é motivo de recusa a falta de documento comprovativo da nomeação da solicitadora de execução, na medida em que entendendo-se que o mesmo é necessário sempre haveria que notificar a apresentante para o juntar, em obediência ao disposto no artigo 73º n.º 2 do Código de Registo Predial.

24. A decisão em apreço violou assim, além do mais e das disposições supra invocadas, o disposto nos artigos 622º e 818º e seguintes do Código Civil, 56º, 821º e 846º do Código de Processo Civil, 9º, 48º, 69º, 73º, 93º n.º 2, 102º n.º 2 e 101º do Código de Registo Predial.

25. Viola ainda o caso julgado formado no que respeita às decisões anteriormente proferidas, nomeadamente a que ordenou que a solicitadora de execução procedesse à conversão do arresto em penhora.

26. Termos em que deve dar-se provimento ao presente recurso ser julgada provada e procedente, anulando-se a decisão impugnada e substituindo-a por outra que proceda ao registo da conversão do arresto em penhora, devendo a Ex.ma Sr.ª Conservadora dar cumprimento à decisão, ou, caso se entenda que não podem ser apreciadas as restantes questões não conhecidas pelo Tribunal recorrido, deve darse

provimento ao recurso, anulando-se a decisão impugnada e substituindo-a por outra que julgue a recusa do registo, pelos motivos apreciados, infundada, ordenando-se a baixa do processo ao Tribunal recorrido para apreciar os restantes “vícios paralelos” invocados.

            A Digna Magistrada do Ministério Público “respondeu” ao recurso interposto, pugnando pela sua total improcedência.

Colhidos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

            2. Questões a decidir tendo em conta o objecto do recurso delimitado pelos recorrentes nas conclusões das suas alegações (artigos 684º, nº 3 e 685º-A nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, na redacção aplicável a estes autos), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil

2.1 Da violação do caso julgado pela decisão sob censura por atentar contra decisão judicial anterior que determinou a conversão do arresto em penhora;

2.2 Da inexistência de divergência nos sujeitos passivos obstativa da conversão do registo do arresto em registo da penhora por força do disposto nos artigos 622º e 818º e seguintes do Código Civil, 56º, 821º e seguintes e 846º do Código de Processo Civil;

2.3 Da inaplicabilidade do princípio do trato sucessivo à conversão do arresto em penhora, por força do disposto no artigo 9º do Código do Registo Predial;

2.4 Da viabilidade legal da efectivação da conversão do registo do arresto em penhora provisoriamente e por dúvidas quando não sejam coincidentes os sujeitos passivos no arresto e na penhora;

2.5 Da sanabilidade das insuficiências nas identificações dos requeridos, bem como da comprovação da qualidade de solicitadora de execução por parte da requerente do registo impugnado.

3. Fundamentos de facto resultantes do processo


3.1

A 23 de Março de 2010, na Conservatória do Registo Predial de ..., M (…), na qualidade de solicitadora, requereu a conversão do arresto em penhora da Ap. 5 de 23 de Outubro de 2002, incidente sobre o prédio descrito sob o nº ..., da freguesia e concelho de ..., relativamente às fracções autónomas A2, A3, A4, A5, A6, A9, B2, C1, C2, C3, C4, C5, C6, C7, C8, C9, D1, D2, D3, D4, D7, D8, D9, E1, E2, E3, E4, E5, E6, E7, E8, F3, F7, F8, G2, G3, G4, G8, H3, H4, cabendo a esse requerimento para registo a apresentação nº 894, instruindo o requerimento com duas certidões judiciais, uma alegadamente datada de 25[2] de Novembro de 2009 e outra datada de 20 de Novembro de 2003.

3.2

            No Tribunal Judicial da Comarca de Nelas foi instaurada acção executiva sob forma comum, com o nº 598-B/2002, em que são exequentes (…) e executados (…) visando-se a execução de sentença que condenou (…) Imóveis, Lda. a pagar aos exequentes a quantia de € 99.759,58, acrescida de juros à taxa legal desde a citação até integral pagamento e a quantia de € 6.400,00, acrescida de juros à taxa legal, desde a notificação da ré da ampliação do pedido, tendo os exequentes requerido a 02 de Outubro de 2009 que seja deferida a conversão dos arrestos em penhora, sendo proferido despacho no sentido da conversão do arresto em penhora não depender de decisão judicial, ordenando-se a notificação da Sra. Solicitadora de Execução para proceder em conformidade.

3.3

            No âmbito do procedimento cautelar nº 452/2002, do Tribunal Judicial da Comarca de Nelas, em que é requerente J (…)e outros e requerida (…)Imóveis, Lda., no dia 15 de Outubro de 2002, para garantia do pagamento da quantia de vinte mil euros, foram arrestados quatro prédios urbanos descritos na Conservatória do Registo Predial de ... sob os nºs 0 ...1, 0 ...2, 0 ...3 e ....

3.4

            A 23 de Outubro de 2002, sob a Ap. 5, na Conservatória do Registo Predial de ..., foi registado provisoriamente por natureza o arresto decretado a 21 de Outubro de 2002, para garantia do pagamento da quantia de quinze mil euros, a favor de (…) sobre o prédio descrito sob o nº ..., na Conservatória do Registo Predial de ..., omisso na matriz, com a área descoberta de 2377,8 m2, composto de parcela de terreno para construção, a confrontar do norte com ..., do nascente e sul com estrada e do poente com ..., Lda., então da titularidade da sociedade ..., Lda. e pela Ap. 13, de 06 de Janeiro de 2003, foi registada a Constituição de Propriedade Horizontal do mesmo imóvel, estando inscrita a aquisição do direito de propriedade da fracção A9 a favor (…).

3.5

            Por decisão proferida a 28 de Setembro de 2009, no processo nº 598-C/2002, transitada em julgado, foi julgada improcedente a oposição à acção executiva deduzida pela C... por apenso à acção executiva instaurada por (…) contra, entre outros, a opoente, decidindo-se assistir “legitimidade aos exequentes para demandar a C... e requerer a conversão dos arrestos decretados em penhora”, sendo que o arresto que nestes autos poderia afectar a opoente era o que havia sido decretado no processo nº 479/02 e respeitava ao prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº ...3.

3.6

            Por decisão proferida a 20 de Maio de 2009, no processo nº 598-B/2002, transitada em julgado, foram julgados habilitados como sucessores da executada (…)

4. Fundamentos de direito

4.1 Da violação do caso julgado pela decisão sob censura por atentar contra decisão judicial anterior que determinou a conversão do arresto em penhora

Os tribunais são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo” (artigo 202º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa).

            “Na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados” (artigo 202º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa).     

            “As decisões dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades” (artigo 205º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa).

            O principal corolário da obrigatoriedade e da prevalência das decisões dos tribunais, ainda que nele se não esgote, é o instituto do caso julgado, decorrendo da Constituição da República Portuguesa a exigência de que as decisões judiciais sejam, em princípio, aptas a produzir caso julgado[3].

            Enquanto instância de resolução de conflitos de interesses, a actividade jurisdicional, em ordem a obter a pacificação social, exige que a decisão proferida pelo tribunal sobre a questão colocada seja definitiva, requer, dizendo-o por outras palavras, a atribuição da força de caso julgado à decisão final do caso. O prestígio dos tribunais impõe também que a decisão final proferida, ressalvados casos especiais e excepcionais legalmente tipificados, não possa ser contrariada ou desautorizada por ulteriores decisões.

            A definitividade na resolução do conflito de interesses, a força do caso julgado atribuída à decisão judicial que já não admite recurso ordinário ou reclamação (artigo 677º do Código de Processo Civil), determina, por um lado, que a questão decidida não possa ser de novo reapreciada (trata-se do campo próprio de actuação da excepção dilatória de caso julgado ou do efeito negativo do caso julgado) e, por outro lado, impõe o posterior respeito do conteúdo da decisão anteriormente adoptada (nisso se traduz a denominada autoridade do caso julgado ou o efeito positivo do caso julgado)[4].

            “Transitada em julgado a sentença ou despacho saneador que decida o mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 497º e 498º, sem prejuízo do disposto nos artigos 771º a 777º” (artigo 671º, nº 1, do Código de Processo Civil). Trata-se do caso julgado material que se contrapõe ao caso julgado formal que opera apenas dentro do processo e respeita a decisões que apenas incidam sobre a relação processual (artigo 672º, nº 1, do Código de Processo Civil).

            “A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga: se a parte decaiu por não estar verificada uma condição, por não ter decorrido um prazo ou por não ter sido praticado determinado facto, a sentença não obsta a que o pedido se renove quando a condição se verifique, o prazo se preencha ou o facto se pratique” (artigo 673º, do Código de Processo Civil).

            A excepção dilatória de caso julgado visa evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior (artigo 497º, nº 2, do Código de Processo Civil).

No entanto, a contradição que se visa evitar não é uma mera antinomia teórica de decisões, mas antes uma contradição prática que leve a que a decisão posterior inutilize ou inviabilize, na prática, a pretensão salvaguardada na primeira decisão[5].

A excepção dilatória de caso julgado depende da verificação de uma tripla identidade: de sujeitos, do ponto de vista da sua qualidade jurídica, do pedido, isto é da identidade dos efeitos jurídicos peticionados e da causa de pedir, ou seja da identidade do facto jurídico em que se baseiam as pretensões deduzidas (artigo 498º do Código de Processo Civil).

Analisando toda a factualidade provada, nomeadamente a que consta dos fundamentos de facto exarados sob os números 3.2 e 3.5 verifica-se, em primeiro lugar, que não foi proferida qualquer decisão judicial a determinar a conversão do arresto decretado a 21 de Outubro de 2002 e registado a 23 de Outubro de 2002 em penhora e, em segundo lugar, que a única decisão judicial que se pronunciou sobre a viabilidade da conversão de um arresto em penhora teve por objecto um imóvel distinto daquele a que respeita o registo que nestes autos foi recusado, ou seja, o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº ...3.

Neste circunstancialismo, é patente que a decisão recorrida não violou qualquer caso julgado.

4.2 Da inexistência de divergência nos sujeitos passivos obstativa da conversão do registo do arresto em registo da penhora por força do disposto nos artigos 622º e 818º e seguintes do Código Civil, 56º, 821º e seguintes e 846º do Código de Processo Civil

Os recorrentes pugnam pela revogação da decisão sob censura argumentando que a sua pretensão tem arrimo no disposto nos artigos 622º e 818º e seguintes do Código Civil, 56º, 821º e seguintes e 846º do Código de Processo Civil e que por força de tais previsões legais, irrelevaria a divergência subjectiva dos requeridos no procedimento cautelar de arresto e na acção executiva para que é pretendida a conversão do arresto em penhora.

Apreciemos.

            Por força do disposto no artigo 622º, nº 1, do Código Civil, os actos de disposição dos bens arrestados são ineficazes em relação ao requerente do arresto, de acordo com as regras próprias da penhora. Além disso, são extensivos ao arresto, na parte aplicável, os demais efeitos da penhora.

            O arresto, é assim uma verdadeira penhora antecipada, constituindo uma providência cautelar que se destina à conservação da garantia patrimonial do credor requerente do arresto.

            A ineficácia dos actos de disposição dos bens arrestados relativamente ao arrestante é uma ineficácia relativa, não contendendo com a validade do acto em causa entre os respectivos outorgantes, permitindo ao requerente do arresto a manutenção de preferência relativamente ao restantes credores do devedor e, obtida que seja a conversão do arresto em penhora, poderá a acção executiva prosseguir sobre os bens arrestados, como se não tivessem saído da esfera jurídica do executado[6].

            Porque a sanção dos actos de disposição dos bens arrestados é a ineficácia relativa, relativamente ao requerente do arresto, tudo se passa como se não tivesse ocorrido qualquer acto de disposição.

            Ora, os recorrentes pretendem fazer letra morta da sanção legalmente prevista para os actos de disposição dos bens arrestados, pois pretendem que passem a responder os adquirentes dos bens arrestados, ainda que somente pelas forças dos bens que adquiriram e previamente arrestados. Esta responsabilização dos adquirentes dos bens arrestados, tal como é pretendido pelos recorrentes, é a negação da ineficácia relativa legalmente prevista[7].

            Os recorrentes invocam em abono da sua pretensão o disposto no artigo 818º do Código Civil que permite que a execução possa incidir sobre bens de terceiro, quando estejam vinculados à garantia do crédito, ou quando sejam objecto de acto praticado em prejuízo do credor que haja sido procedentemente impugnado.

            Os adquirentes dos bens arrestados não estão vinculados à garantia do crédito, pois não prestaram qualquer garantia pessoal ou real a favor dos recorrentes. O que sucede é que o acto de disposição dos bens arrestados em que foram intervenientes não é oponível ao arrestante, tudo se passando, para este, como se tais bens não tivessem saído da esfera jurídica do arrestado.

A segunda parte do normativo a que se acaba de aludir é de todo impertinente ao caso em apreço, pois respeita à impugnação pauliana (artigos 610º e seguintes do Código Civil).

            Invocam os recorrentes o disposto no artigo 56º do Código de Processo Civil para ancorar a sua pretensão de conversão do registo do arresto em penhora.

            Salvo o devido respeito, no caso em apreço, nem sequer é necessário determinar se o arresto constitui ou não uma garantia real, porquanto, para poder operar este normativo, careceriam sempre os recorrentes de ter título executivo contra os adquirentes das fracções arrestadas[8]. Ora, pelo que resulta dos documentos com que instruíram estes autos (vejam-se os fundamentos de facto exarados em 3.2), demandaram como executados pessoas que não foram demandadas na acção declarativa, não tendo assim título exequível contra estas.

            O artigo 821º, nº 2, do Código de Processo Civil, limita-se a prever que nos casos especialmente previstos na lei, possam ser penhorados bens de terceiro, desde que a execução tenha sido movida contra ele. Claro está, que esta previsão legal, pressupõe que, como é imprescindível em qualquer acção executiva, que exista título executivo que permita essa demanda (artigos 45º e 46º do Código de Processo Civil).

            Finalmente, o disposto no artigo 846º do Código de Processo Civil, nenhum contributo fornece à tese dos recorrentes, pois limita-se a prever a forma como se efectiva a conversão do arresto em penhora.

Assim por tudo quanto precede, verifica-se que, ao invés do que sustentam os recorrentes, inexiste qualquer preceito legal de ordem substantiva ou processual que permita que em caso de disposição dos bens arrestados possa ser convertido o arresto em penhora em acção executiva movida contra os adquirentes dos bens arrestados. Pelo contrário, a sanção de ineficácia relativa dos actos de disposição de bens arrestados aponta em sentido radicalmente inverso, determinando que tudo se passe como se não tivesse ocorrido o acto de disposição.

4.3 Da inaplicabilidade do princípio do trato sucessivo à conversão do arresto em penhora, por força do disposto no artigo 9º do Código do Registo Predial

Nos termos do disposto no artigo 9º, nº 1, do Código do Registo Predial, “os factos de que resulte transmissão de direitos ou constituição de encargos sobre imóveis não podem ser titulados sem que os bens estejam definitivamente inscritos a favor da pessoa de quem se adquire o direito ou contra a qual se constitui o encargo.”

“Exceptuam-se do disposto no número anterior:

a)A partilha, a expropriação, a venda executiva, a penhora, a declaração de insolvência e outras providências que afectem a livre disposição dos imóveis;

b) Os actos de transmissão ou oneração praticados por quem tenha adquirido no mesmo dia, os bens transmitidos ou onerados;

c) Os casos de urgência devidamente justificada por perigo de vida dos outorgantes” (artigo 9º, nº 2, do Código do Registo Predial).

Ao contrário do que pretendem os recorrentes, o normativo em apreço, apenas permite a titulação do arresto ou da penhora sobre bens que não estão definitivamente inscritos a favor da pessoa sobre a qual se constitui o encargo[9], mas em caso algum permite que possa ser convertido um arresto com certo sujeito passivo numa penhora com diferentes sujeitos passivos.

O artigo 34º, nº 1, do Código do Registo Predial confirma que o registo definitivo da constituição de encargos, quando não tenha por fonte negócio jurídico, não depende da prévia inscrição dos bens em nome do titular dos bens onerados. Porém, deste normativo, não se pode retirar que o arresto se possa converter numa penhora com sujeitos passivos distintos, questão que se analisará no ponto seguinte.

4.4 Da viabilidade legal da efectivação da conversão do registo do arresto em penhora provisoriamente e por dúvidas quando não sejam coincidentes os sujeitos passivos no arresto e na penhora

Nos termos do disposto no artigo 101º, nº 2, alínea a), do Código do Registo Predial, a conversão do arresto em penhora é registada por averbamento à respectiva inscrição.

Porém, de acordo com o disposto no artigo 100º, nº 2, do mesmo diploma legal, “salvo disposição legal em contrário, o facto que amplie o objecto e os ónus ou encargos, definidos na inscrição, apenas poderá ser registado mediante nova inscrição.”

No procedimento de arresto foi requerida a sociedade ..., Lda., enquanto na acção executiva para que é requerida a conversão do arresto em penhora são executadas as pessoas mencionadas nessa qualidade no ponto 3.2 dos fundamentos de facto. Não há notícia de que tenha havido qualquer habilitação ou sucessão dos executados na posição jurídica que era da requerida no arresto, pelo que os sujeitos num e noutro procedimento são física e juridicamente distintos e diferentes.

No caso dos autos, a divergência de sujeitos passivos no arresto e na acção executiva para que é requerida a conversão do arresto em penhora, não constitui propriamente uma ampliação do objecto ou dos ónus ou encargos, mas, na nossa perspectiva, constitui um ónus distinto, pois que a identificação dos sujeitos passivos da inscrição é um dos elementos que dela deve constar (artigo 93º, nº 2, do Código do Registo Predial).

Por isso, por identidade ou até por maioria de razão, nunca poderá ser lavrado um averbamento a uma inscrição que envolva alteração dos sujeitos passivos, devendo antes em tal caso proceder-se a nova inscrição, não sendo por isso legalmente viável o averbamento requerido pelos recorrentes.

Além do mais, no caso dos autos, ainda que o obstáculo legal não fosse o que antes se mencionou, nunca o registo se poderia efectuar provisoriamente por dúvidas, porquanto legalmente tal apenas é permitido para os averbamentos previstos no nº 1, do artigo 101º, do Código do Registo Predial (artigo 101º, nº 3, do Código do Registo Predial), entre os quais não se enquadra a conversão do arresto em penhora, que vem prevista na alínea b), do nº 2, do artigo 101º, do Código do Registo Predial.

Neste quadro normativo, não podendo o registo requerido pelos recorrentes ser efectuado provisório por dúvidas, outra solução não restava à Sra. Conservadora do Registo Predial que não fosse a da recusa do registo, ex vi artigo 69º, nº 2, do Código do Registo Predial.

A solução dada a esta questão prejudica necessariamente o conhecimento da questão enunciada para ser conhecida em último lugar.

Assim, por tudo quanto precede, conclui-se que bem andou a Sra. Conservadora do Registo Predial em recusar o registo requerido pelos recorrentes, bem como a Sra. Juíza que confirmou essa recusa, improcedendo o recurso interposto por (…)

Pelo exposto, em audiência, os juízes abaixo-assinados da segunda secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra acordam em julgar improcedente o recurso de apelação interposto por (…) e, em consequência, em confirmar a decisão sob censura proferida a 27 de Setembro de 2010. Custas do recurso de apelação a cargo dos recorrentes, sendo aplicável a secção B, da tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais.


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Carlos Gil ( Relator )
Fonte Ramos
Carlos Querido


[1] A menção do dia que consta do requerimento para registo enferma de erro, porquanto se verifica que a certidão data efectivamente de 23 de Novembro de 2009 (folhas 77).
[2] A menção do dia que consta do requerimento para registo enferma de erro, porquanto se verifica que a certidão data efectivamente de 23 de Novembro de 2009 (folhas 77).
[3] Neste sentido veja-se, Constituição da República Portuguesa Anotada, Tomo III, Coimbra Editora 2007, Jorge Miranda e Rui Medeiros, páginas 77 e 78, anotação XII. 
[4] Neste sentido veja-se, Constituição da República Portuguesa Anotada, Tomo III, Coimbra Editora 2007, Jorge Miranda e Rui Medeiros, página 78, anotação XII, alínea a).
[5] A propósito vejam-se, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora 1979, Manuel A. Domingues de Andrade, com a colaboração do Prof. Antunes Varela, nova edição revista e actualizada pelo Dr. Herculano Esteves, páginas 317 a 318 e Manual de Processo Civil, 2ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora 1985, Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, página 709.
[6] A este propósito vejam-se, com interesse: Código Civil Anotado, Volume I, 4ª edição revista e actualizada, Pires de Lima e Antunes Varela, com a Colaboração de M. Henrique Mesquita, Coimbra Editora 1987, páginas 639 e 640; Código Civil Anotado, Volume II, 4ª edição revista e actualizada, Pires de Lima e Antunes Varela, com a Colaboração de M. Henrique Mesquita, Coimbra Editora 1997, páginas 91 e 92.
[7] Em sede de motivação das alegações, os recorrentes invocam o disposto no artigo 154º, nº 3, do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e da Falência para justificar a instauração da acção executiva directamente contra os adquirentes dos bens arrestados. Porém, o normativo em causa, tem que ser interpretado e aplicado tendo em conta a sua teleologia que é a de permitir que a falência seja a execução universal do património do falido. Ora, no caso em apreço, por definição, o bem arrestado transmitido saiu fora da esfera jurídica da devedora, só que tal acto não é oponível aos credores requerentes do arresto. Por isso, não está em causa uma execução de um bem integrante da massa falida. Aliás, se assim sucedesse, a preferência dos credores arrestantes, por paridade com o que sucede com a penhora nem sequer seria atendida (artigo 200º, nº 3, do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e da Falência). Note-se que no caso dos autos, nem sequer existe prova da declaração de falência da requerida no arresto.
[8] Neste sentido veja-se, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1º, Coimbra Editora 2008, José Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, página 120, anotação 4.
[9] O artigo 9º do Código do Registo Predial dirige-se às entidades que titulam factos e não propriamente e directamente ao Conservador do Registo Predial (assim veja-se, Código do Registo Predial Anotado e Comentado, 17ª edição 2009, Almedina, Isabel Pereira Mendes, página 191.