Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | EMÍDIO FRANCISCO SANTOS | ||
Descritores: | MODIFICABILIDADE DA DECISÃO DE FACTO DEVER DE REAPRECIAÇÃO PELA RELAÇÃO FACTOS NÃO DECIDIDOS ANULAÇÃO DA DECISÃO | ||
Data do Acordão: | 05/10/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | JUÍZO LOCAL CÍVEL DA FIGUEIRA DA FOZ DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | ANULADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 662.º, N.ºS 1 A 3, E 607.º, N.º 4, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL | ||
Sumário: | I – O dever de reapreciação, pela Relação, da prova produzida, sindicando a decisão de facto, só existe em relação aos factos objeto de pronúncia pelo tribunal recorrido.
II – Se o tribunal de 1.ª instância não se pronunciou sobre uma determinada questão de facto, cuja resposta seja indispensável para a decisão da causa, a consequência de tal omissão é a da anulação da decisão recorrida, seguida da repetição do julgamento sobre tal questão. III – Esta é a solução que resulta da conjugação das als. c) do n.º 2 e c) do n.º 3 do art. 662.º do CPCiv., só assim não sendo se a matéria em questão estiver admitida por acordo, provada (plenamente) por documentos ou por confissão reduzida a escrito. | ||
Decisão Texto Integral: | Processo n.º 1932/19.8T8FIG-C1
Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra
AA, residente na Rua ..., ... ..., ..., propôs a presente acção declarativa com processo comum contra MC...Lda com sede na Rua ..., em ..., ..., e BB, residente na Rua ..., em ..., ..., pedindo: Para o efeito alegou em síntese Os réus contestaram, pedindo: Para o efeito alegaram: Na audiência prévia realizada em 2 de Julho de 2021, as partes declararam que os réus procederam à entrega do locado. Em consequência, a Meritíssima juíza do tribunal a quo considerou que se verificava inutilidade parcial da lide e declarou, nessa parte, extinta a instância. O processo prosseguiu os seus termos e após a realização da audiência foi proferida sentença que decidiu: Os réus não se conformaram com a sentença e interpuseram o presente recurso de apelação, pedindo: Os fundamentos do recurso expostos nas conclusões foram em síntese os seguintes: Não houve resposta ao recurso. * Síntese das questões suscitadas pelo recurso: A primeira questão suscitada pelo recurso é uma questão de facto e consiste em saber se é de aditar à matéria assente os factos indicados pelos recorrentes. A segunda - que pressupõe resposta afirmativa à primeira - é a de saber se, aditados tais factos, é de substituir a decisão recorrida por outra que absolva os réus de todos os pedidos. A terceira – que pressupõe resposta negativa à primeira – é a de saber se a decisão proferida em 1.ª instância é de anular ao abrigo da alínea c) do n.º 2 do artigo 662.º do CPC. A quarta – que pressupõe resposta negativa à questão anterior – é a de saber se a sentença enferma da causa de nulidade prevista na 1.ª parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC. * Objecto do recurso: Antes de entramos na resolução das questões enunciadas, importa precisar o objecto do recurso. A precisão impõe-se pelo seguinte. A sentença compreende as seguintes decisões desfavoráveis aos recorrentes: No requerimento com que interpuseram o recurso, os mesmos não o restringiram a nenhuma das decisões pelo que, de acordo com o n.º 3 do artigo 635.º do CPC, era de entender que o recurso abrangeu tudo o que na parte dispositiva a sentença era desfavorável aos recorrentes. Sucede que as conclusões – como de resto o corpo da alegação – visam exclusivamente o segmento da sentença que condenou os recorrentes a pagar as rendas vencidas depois da propositura da acção até à entrega do locado. Considerando esta restrição e o n.º 4 do artigo 635.º do CPC, segundo o qual “nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso”, precisa-se que o objecto do recurso é constituído exclusivamente pelo segmento da sentença que condenou os recorrentes a pagar as rendas vencidas depois da propositura da acção até à entrega do locado. Está em causa a condenação no pagamento das rendas vencidas desde Janeiro de 2020 até 30 de Junho de 2021. Com efeito, tendo a acção sido proposta em 19-12-2019, a primeira renda que se venceu depois de tal data foi a de Janeiro de 2020. E foi esta a primeira renda a vencer-se porque, nos termos do contrato de arrendamento junto com a petição, as partes acordaram que a renda vencia-se no 1.º dia útil do mês a que dissesse respeito. Quanto à última renda a considerar ser a de Junho de 2021, atendeu-se aos seguintes elementos do processo. Na audiência prévia realizada em 2-07-2021, as partes declararam que o imóvel já havia sido entregue ao autor. Em consequência o tribunal a quo julgou extinta a instância, por inutilidade superveniente, na parte em que era pedida a condenação da ré a despejar imediatamente o imóvel dado de arrendamento e a entregá-lo livre e desocupado ao autor. Apesar de não constar da acta da audiência prévia a data em que tal entrega foi feita, ouvimos as declarações dos mandatários em tal diligência e, se bem as interpretámos, tal entrega ocorreu no dia 30 de Junho de 2021. * Modificação da decisão de facto Anulação da decisão proferida em 1.ª instância Precisado o objecto do recurso, estava naturalmente indicado passar à resolução da questão de saber se era de aditar à matéria assente os seguintes factos: Não cabe, no entanto, a este tribunal reapreciar a prova produzida e julgar tais factos provados ou não provados. Vejamos. Resulta do n.º 1 do artigo 662.º do CPC combinado com a parte final da alínea c) do n.º 2 do mesmo preceito que o dever de a Relação reapreciar a prova produzida, formar a sua convicção e julgar provados ou não provados os pontos de facto indicados pelo recorrente só existe em relação aos factos sobre os quais se tenha pronunciado o tribunal a quo. Na verdade, só em relação a esta pronúncia é que tem sentido dizer, como faz o n.º 1 do artigo 662.º, do CPC, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Depõe a favor desta interpretação o artigo 640.º do CPC, relativos aos ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, ao impor ao recorrente o ónus de especificar os pontos de facto que considera incorrectamente julgados. Se o tribunal de 1.ª instância omitir a pronúncia sobre uma determinada questão de facto e se a resposta a ela for indispensável para a decisão da causa, a consequência de tal omissão será a anulação da decisão proferida em 1.ª instância, seguida da repetição do julgamento sobre tal questão. É a solução que resulta da alínea c) do n.º 2 do artigo 662.º do CPC, na parte em que dispõe que a Relação deve mesmo oficiosamente anular a decisão proferida em 1.ª instância, quando considere indispensável a matéria de facto, combinada com a alínea c) do n.º 3 do mesmo diploma. Só assim não será se a matéria em questão estiver admitida por acordo, provada por documentos ou por confissão reduzida a escrito. Nestas hipóteses, cabe ao tribunal da Relação tomar em consideração tais factos, sem necessidade de anulação do julgamento. É o que resulta da 2.ª parte do n.º 4 do artigo 607.º do CPC – aplicável ao acórdão da Relação por remissão do n.º 2 do artigo 663.º do CPC. Precise-se que quando o n.º 4 do artigo 607.º fala em factos provados por documentos quer dizer factos provados plenamente por documentos. No caso, o caminho a seguir é a anulação da decisão recorrida. Com efeito: Segue-se do exposto que há fundamento para anular a decisão recorrida, a fim se se proceder a julgamento sobre a questão de saber se a ré pagou as vencidas depois de Fevereiro de 2020 até 30 de Junho de 2021. Observe-se que fora do julgamento ficará a questão da emissão dos recibos. Na verdade, a resposta a tal questão é irrelevante para a decisão sobre a questão do pagamento das rendas. Com a anulação da decisão recorrida, fica prejudicado o conhecimento da questão de saber se a sentença era nula por omissão de pronúncia. * Decisão: Anula-se a decisão proferida em 1.ª instância que condenou os réus a pagarem ao autor as rendas vencidas na pendência da acção até à entrega do local arrendado e determina-se a repetição do julgamento sobre a questão de saber se a ré pagou as vencidas depois de Fevereiro de 2020 até 30 de Junho de 2021. * Responsabilidade quanto a custas: Considerando a 1.ª parte do n.º 1 do artigo 527.º do CPC e o n.º 2 do mesmo preceito e a circunstância de o recorrido ter ficado vencido no recurso, condena-se o mesmo nas respectivas custas. Coimbra, 10 de Maio de 2022 |