Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1566/05.4TAVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: RIBEIRO MARTINS
Descritores: LIVRE CONVICÇÃO DO JULGADOR
PROVA INDICIÁRIA
PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO REO
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 06/23/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 124º,125º, 127º, 374º,428º,431º, 379º DO CPP,1732º,1733º DO CC E 4º DO DL158/2002, DE 2/7
Sumário: 1.No artigo 127º do CPP consagra-se o princípio de que a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador; convicção que sendo pessoal é motivada em elementos que a tornem credível na base das regras da experiência, da lógica e da razoabilidade.
2. Não raramente, é da prova de factos que não fazendo parte dos factos concretos integradores do tipo objectivo de ilícito que o tribunal por inferência, no respeito das regras da lógica e da experiência, dará como provados os factos integradores do tipo objectivo de ilícito em questão (prova indiciária).
3.O princípio do in dubio pro reo tem aplicação no domínio probatório e significa que em caso de falta de prova sobre um facto, a dúvida se resolve a favor do arguido; ou seja, será dado como «não provado» se desfavorável ao arguido e como «provado» se lhe for favorável.
4.A violação princípio in dubio pro reo só será de atender se resultar da sentença que o tribunal num estado de dúvida sobre algum ou alguns dos pontos da matéria de facto sobre eles optou por entendimento decisório desfavorável.
5.Sendo a demandante e demandado casados um com o outro em regime de comunhão geral de bens, carece de fundamento o pedido de pagamento do montante do resgate formulado em seu exclusivo favor pela primeira contra o segundo, por este último ter resgatado em provento próprio o montante aplicado num Plano de Poupança e Reforma, na constância do matrimónio
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Criminal de Coimbra –
I-
1- No processo comum 1566/05 da comarca de Viseu, AC foi condenado na pena única de 300 dias de multa à taxa diária de €7,50 resultante do cúmulo jurídico de duas penas de 200 dias de multa pela prática, respectivamente, dum crime de falsificação p. e p. pelo art.º 256/1 alínea a Nas circunstâncias enunciadas a violação do princípio só será de atender se resultar da sentença que o tribunal num estado de dúvida sobre algum ou alguns dos pontos da matéria de facto sobre eles optou por entendimento decisório desfavorável ao arguido.) e 3 e dum outro de burla p. e p. pelo art.º 217/1, ambos do Código Penal.
Foi ainda condenado a pagar a M a quantia de €5.531,41 com juros de mora contados desde a notificação do pedido até integral e efectivo pagamento, a título de danos patrimoniais. 
2_ O arguido recorre concluindo –
1) O arguido foi acusado de três crimes de falsificação de documento, um crime de falsificação de documento e um crime de burla.
2) Pela queixosa/ofendida foi deduzido pedido de indemnização cível.
3) O tribunal entendeu julgar a acusação procedente e condenar o arguido como autor material dum crime de falsificação de documento na pena de 200 dias de multa à taxa diária de € 7,50 e um crime de burla na pena de 200 dias de multa à taxa diária de € 7,50. Efectuando o cúmulo jurídico das penas impostas, foi o arguido condenado na pena de 300 dias de multa à taxa diária de €7,50.
4) Foi julgado procedente o pedido cível e condenado o demandado/recorrente a pagar à demandante a quantia de € 5.531,41 a título de danos patrimoniais sofridos, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a notificação do pedido cível até integral pagamento.
5) É desta decisão, com a qual não se concorda, que se recorre porquanto,  
6) Não foi produzida qualquer prova que permita concluir pela condenação do arguido. Ao invés,
7) As testemunhas arroladas foram parciais, nada isentas, confusas, bem como o seu depoimento e, muitas vezes, entram em contradição, seja umas com as outras, seja com os documentos juntos.
8) Em nosso entender, mal andou o tribunal ao interpretar a prova no sentido de dar como provados os factos constantes dos pontos 1), 3), 4), 5), 6), 7), 8), 9), 10), 11), 12), 13), 14), 16), 17), 18) e 24).
9) Na verdade, atendendo a toda a prova produzida em audiência de discussão e julgamento deve o tribunal de recurso proceder à alteração da decisão de facto,
10) Devendo considerar como «não provada», por falta de prova, a matéria constante dos pontos 1), 3) a 14), 16) a 18) e 24).
11) De modo algum se provou que o arguido tenha praticado qualquer dos factos que lhe são imputados.
12) Esta falta de prova resulta de toda a documentação e depoimentos prestados como passaremos a analisar. Assim,
13) Do ofício do Millenium BCP resulta que a conta bancária onde foi depositado o cheque não pertence nem nunca pertenceu ao arguido.
14) Do documento interno da seguradora pode retirar-se que alguém que não foi possível apurar fez-se passar, intitulando-se "ACR", telefonando dum telemóvel que não é nem nunca foi pertença do arguido, mas sim de uma empresa, podendo ter sido utilizado por qualquer um dos seus sócios, funcionários ou colaboradores,
15) Da certidão do assento de casamento retira-se que este se encontra divorciado e não separado, como conclui a sentença.
16) Do teor do relatório de exame pericial retira-se apenas como «provável» que as escritas suspeitas sejam da autoria do arguido. Não concluído que sejam, ou sequer que sejam muito provável que sejam.
17) E o facto do relatório pericial concluir que "a assinatura do tomador do seguro (a aqui queixosa) ... resulta da utilização de um carimbo", também não permite concluir que essa carimbo tenha sido utilizado ou aposto pelo recorrente.
18) Mas a alteração da decisão de facto também se impõe por força dos depoimentos probatórios prestados pelas testemunhas. Nomeadamente,
19) O depoimento da testemunha M (…): Advogado - Ver, a senhora nunca viu o senhor AC… falsificar a sua assinatura, nomeadamente aquelas que a senhora diz que não são suas? Testemunha: Não, nunca vi. Testemunha: Não vi".
20) O depoimento da testemunha AM (…): " Juiz - É capaz de reconhecer nessa assinatura algum traço que a mesma pudesse ter sido feita pelo seu pai? Testemunha – Não( ...)  O meu pai levava a letra a casa, ao almoço ou ao jantar e a minha mãe assinava. Pelo menos, que eu tenha presenciado, foi sempre isto que aconteceu. Advogado - Teve conhecimento de em alguma dessas letras seu pai ter feito a assinatura da sua mãe? Testemunha – Não. Advogado - O senhor presenciou várias vezes em que o seu pai pedia à sua mãe para assinar? Testemunha – Exactamente. Era à hora do almoço que ele levava e a minha mãe assinava".
21) O depoimento de AB (…)Testemunha – (…) É uma mera suposição minha. Advogado - O que lhe peço é que me diga se viu, alguma vez, o senhor AC fazer a assinatura da sua irmã? Testemunha - Ver, não".
22) O depoimento de L (…). Testemunha É uma mera suposição minha .... Testemunha – Deve ter sido, presumo eu ... a quem isso não sei". Testemunha - Não exigimos nada de especial porque como está assinado só tem que levar o bilhete de identidade, mas isso consta aqui uma cópia e a assinatura é parecida. Não exigimos nada de especial. Mas, portanto, o cheque é cruzado e só pode ser depositado na conta do beneficiário. Que foi. Segundo nos disse o Banco, que foi .... presumo eu".
23) Assim fica claro, e melhor ficará com a audição integral da prova testemunhal, que não é possível concluir pela prática de qualquer facto pelo arguido.
24) Não pode o princípio da imediação prevalecer perante esta realidade sob pena de não ser efectivamente admissível às partes recorrer, de muito pouco valendo a gravação da prova.
25) As testemunhas fundamentam o seu depoimento em suposições.
26) As mesmas suposições que estão na base da condenação.
27) E entre as testemunhas são várias as contradições que permitem pôr em causa a credibilidade dos depoimentos.
28) Mas ainda que dúvidas existissem, sempre o tribunal teria de absolver o arguido, sob pena de violação do principio "in dubio pro reo".
29) Pois todo o arguido se presume inocente por força do principio constitucionalmente consagrado ( art.º 32 da CRP).
30) Não só porque não se provou qualquer intervenção do arguido, nomeadamente na feitura das assinaturas em questão, como também porque não se provou qualquer enriquecimento ilegítimo do arguido.
31) E quanto à parte cível, a sentença padece de um outro vício,
32) É que por força do regime patrimonial do então casal à data dos factos, sempre o dinheiro do PPR era bem comum do casal e não bem próprio da demandante.
33) Violando a decisão os artigos 1722 e 1724 do Código Civil.
34) Quanto à medida da pena, é manifesto que não foi tido em consideração o caso concreto.
35) De facto, nesta parte, padece a sentença de lapsos manifestos. Senão vejamos: o arguido não vem acusado nem sequer é dado como provada a matéria constante de a fls. 19 e 20 da sentença: «… falsificação, forjando documento, através de “montagem"e decalque da assinatura, fazendo-lhe juntar o rosto de cópia do bilhete de identidade do queixoso, que detinha consigo, derivada de relações comerciais que com o mesmo tinha tido, visando conseguir € 2.000 a partir da conta do mesmo, através da ordem forjada de transferência que fabricou, e fez remeter por "fax" para a CGC conseguindo induzir aquela instituição a proceder à sua visada obtenção fraudulenta daquela quantia"; “…falsificando e construindo aquela ordem falsa de transferência, valendo-se de documentos que detinha"… construtor civil", “ … o seu não arrependimento, traduzido na sua não admissão dos factos, contra todas as evidências, designadamente de o dinheiro ter sido transferido para uma sua conta" “…não ultrapassa a culpa da arguida”, “…apropriação da quantia de € 2.000, que logrou obter através de falsificação de um documento, titulando falsa ordem de transferência de tal quantia da conta do queixoso para uma sua conta, induzindo em erro a entidade bancária depositária, o que fez sem dar conhecimento e contra a vontade do seu legitimo titular, “…o seu não arrependimento, traduzido na sua não admissão dos factos, contra todas as evidências, designadamente de o dinheiro ter sido transferido para uma sua conta".
36) Assim, manifestamente, o tribunal de modo a apurar da medida da pena não considerou a situação em discussão nos autos,
37) Sendo que este facto fere de nulidade a sentença, determinando a sua revogação.
38) Termos em que deve a sentença ser revogada por violação das disposições legais invocadas e substituída por outra que determine a absolvição do arguido por falta de prova.
39) Em todo o caso, deve determinar-se a nulidade da sentença por fazer assentar a medida da pena em factos que não são os do caso concreto.
3- Responderam o Ministério Público junto do tribunal recorrido e a demandante [quanto à indemnização arbitrada] pela improcedência do recurso.
O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer em que dum modo geral subscreve as alegações do Ministério Público junto da 1ª instância, embora admitindo a possibilidade “do reenvio parcial do processo, ou correcção do lapso, quanto à fundamentação da medida da pena”.
4- Colheram-se os vistos. Cumpre apreciar e decidir!
II-
1- Decisão de facto inserta no acórdão recorrido - 
a) Factos provados -
1) O arguido AC e a denunciante foram casados entre si, encontrando-se, presentemente, separados;
2) A denunciante M era titular de um PPR na Companhia de Seguros Global, titulada pela Apólice n.º 20….
3) Em 17 de Maio de 2005, o arguido, sendo conhecedor da existência desse PPR, redigiu uma carta que dactilografou, apondo-lhe o nome da queixosa, de modo a imitar a sua assinatura. Essa carta é o original do documento de fls. 6 dos autos;
4) Fazendo-se passar pela titular do PPR, o arguido pretendia o rápido resgate do montante seguro e, de acordo com o mesmo plano que traçou, o arguido indicou uma morada para recepção do capital referente à referida apólice. Assim, indicou a morada que então tinha e que era diferente da [morada] da  queixosa, para que esta não se apercebesse das suas intenções;
5) A morada indicada pelo arguido para recepção do capital, no documento referido em 3) e 4) foi “Rua do Arrabalde, …. Viseu”;
6) Após a prática dos factos referidos em 4), e na sequência da mesma resolução, o arguido subscreveu ainda o documento n.º 2, de fls. 7, dirigido à Companhia de Seguros Global, no qual apôs um carimbo, como se da assinatura da M se tratasse, e onde, fazendo-se passar por esta, confirmava que pretendia resgatar, totalmente, a apólice em causa;
7) Igualmente, quando se apercebeu que a companhia de seguros iria entregar à queixosa o montante do reembolso, logo tratou de sonegar o recibo, de modo a que não fosse transferido o montante para a conta bancária da queixosa;
8) Simultaneamente, o arguido solicitou uma segunda via de recibo que foi por si preenchida com uma suposta assinatura da queixosa, por imitação, com a utilização de carimbo, como se do próprio se tratasse, manuscrevendo também a data e o número do documento de identificação;
9) Os factos ocorridos em 7) e 8) ocorreram -
a) O pedido da 2.ª via do recibo, em 14 de Junho de 2005, tendo sido feito pelo arguido, por contacto telefónico, para a Global Seguros, ocasião em que solicitou, mais uma vez, que a 2.ª via fosse enviada para a “Rua do Arrabalde,…. Viseu”;
b) O preenchimento da 2.ª via do recibo em 20 de Junho de 2005, tendo o mesmo sido pago pela Companhia de Seguros, na mesma data, através do cheque n.º 180---, do Banco Totta, ao qual se refere em 10);
10) O arguido, já na posse do cheque de reembolso, mais uma vez, através da utilização do mesmo carimbo, endossou o cheque no montante de € 5.531,41 proveniente do tal resgate, sendo certo que, o cheque vinha emitido a favor da queixosa, a qual não deu qualquer consentimento a que o arguido o depositasse numa conta sua, nem o endossasse a favor de outra entidade;
11) Tal cheque foi depositado em 20 de Junho de 2005 pelo arguido ou por alguém a seu mando, na conta n.º 196.. do Millenium BCP, da titularidade da sua então companheira e hoje esposa, MI e do filho desta, AR;
12) O arguido sabia que não era o beneficiário do reembolso ou “resgate” do seguro e que não era o portador legítimo do cheque remetido pela companhia de seguros;
13) Apesar disso, o arguido fez crer à Companhia de Seguros que o pedido de reembolso, o recibo, bem como a assinatura do verso do cheque foi efectuado pela legítima interessada e beneficiária, preenchendo os documentos e assinando-os como se da própria beneficiária se tratasse, imitando a sua assinatura ou através de escrita ou mesmo recorrendo a carimbo;
14) O arguido ao proceder do modo descrito quis locupletar-se com o valor do resgate do seguro que sabia não ter direito a receber e que o pagamento só lhe foi feito por a Companhia de Seguros por se convencer que estava a receber documentos assinados por quem tinha o direito de o fazer por ser o titular do prémio seguro;------
15) O arguido não era o beneficiário do seguro, nem tinha mandato da respectiva titular para poder emitir recibos ou dar quaisquer ordens de reembolso ou de liquidação, usando, para tanto a assinatura da queixosa;
16) Sabia o arguido que actuando da forma descrita causava prejuízo para a fé pública atribuída aos documentos que emitiu, nomeadamente quanto à oposição da assinatura imitada no verso de cheque enquanto meio de pagamento;
17) Ao actuar da forma descrita, o arguido pretendia obter o reembolso do seguro, o que conseguiu, obtendo, dessa forma, um benefício ilegítimo, e causando prejuízo à sua legítima titular que se viu privada de o receber;
18) Conhecia ainda a natureza e finalidade dos documentos acima referidos, tendo agido de forma livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que praticava actos proibidos por lei;
19) O arguido tem os antecedentes criminais que constam do seu C.R.C., junto a fls. 264 a 265, contando uma condenação pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, na pena de 250 dias de multa, à taxa diária de € 7,50, por factos de 2003, sentença datada de 17-12-2008;
20) O arguido é casado;
21) É reformado;
22) Aufere a pensão mensal de € 1.100;
23) Tem despesas mensais no montante global de € 600, em gás, água, electricidade e alimentação), e de € 315, de renda de casa;
24) A requerente, com a actuação do arguido ficou privada da quantia de € 5.531,41, desde 20/06/2005;
25) A requerente vive numa situação de grande carência já que não tem rendimentos próprios;
26) Encontra-se divorciada do arguido e aquele dinheiro fez-lhe (e continua a fazer) muita falta para poder sobreviver.
b) Fundamentação –
A convicção do Tribunal para considerar provados os factos acima referidos resultou:
a) Do teor dos documentos juntos a fls. 6-16, 37-40, 203-205, 210-211 (ofício do Millenium BCP, remendo cópia da ficha de assinatura da conta n.º 196203065, titulada pela actual esposa do arguido e seu filho – MI e A ), 216 (junto a solicitação do Ministério Público e que estava em poder da testemunha L como documento interno da seguradora, o qual foi escrito pela funcionária da seguradora M H [ouvida como testemunha], do qual resulta que a pessoa que telefonou para a “Global, S.A.”, se identificou como “A.. C..” (aqui arguido), telefonava do telemóvel n.º 962668-- (número atribuído à empresa “JC, Ld.ª”, com sede …, Viseu, endereço indicado pelo arguido [fls. 243 e 159]), o qual solicitava que lhe fosse remetida 2.ª via do recibo de indemnização, que deveria ser remetida para o endereço aí anotado, “Rua do Arrabalde…. (que corresponde a endereço indicado pelo arguido [fls. 158]), sendo que o n.º “20150…” corresponde à apólice a que respeita o PPR cujo resgate se requeria e o n.º 2050650..” corresponde ao n.º do recibo do resgate do referido PPR), 220-223/232-233 (ofício do Millenium BCP remendo cópia do talão de depósito do cheque titulando o montante do resgate do PPR que era titulado pela queixosa/ofendida, no montante de € 5.531,41, em 2005-6-20, o qual foi depositado na conta n.º 196203065, titulada pela actual esposa do arguido e seu filho – MI e A), 237-239/242 (resposta do Millenium BCP, segundo o qual o arguido nunca foi titular, co-titular ou procurador da conta n.º 196203065, titulada pela actual esposa do arguido e seu filho – MI e A – [onde foi depositado o cheque titulando o montante do resgate do PPR que era titulado pela queixosa/ofendida]), 243 (resposta da TMN, do qual resulta que o n.º 962668922, é titulado pela sociedade “J, Ld.ª”, com sede na…, Viseu), 259-261/266-267 (do qual resulta que, documentos cuja genuinidade e fidedignidade não foi posta em causa;
b) Da certidão do assento de casamento da queixosa/ofendida e arguido, junta a fls. 186-187, na qual se encontra averbado o divórcio entre ambos, decretado por sentença de 3-10-2008, cuja genuinidade e fidedignidade não foi posta em causa;
c) Do teor do Relatório de Exame Pericial de fls. 69-76, que conclui que «Admite-se como provável que as escritas suspeitas constantes da assinatura aposta na carta e do preenchimento dos campos referentes à data e elementos do BI do recibo de indemnização, de fls. 38 e 40 (docs 1 e 2 deste relatório), sejam da autoria de AC.» (aqui arguido), numa escala de “SER; MUITO PROVÁVEL; PROVÁVEL; PODE TER SIDO, NÃO CONCLUIR; PODE NÃO TER SIDO; PROVÁVEL NÃO; MUITO PROVÁVEL NÃO e NÃO SER”, sendo que “o juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador” (artigo 163.º/1 do Código de Processo Penal);
d) Do teor do Relatório de Exame Pericial, de fls. 84-89, que conclui que «A assinatura do tomador do seguro (a aqui queixosa), presente nos documentos recebidos para exame e descritos nas alíneas 01 e 02 (juntas a fls. 88 e 89), resulta da utilização de um carimbo.», sendo que “o juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador” (artigo 163.º/1 do Código de Processo Penal);
e) O arguido, usando de direito que lhe é legalmente facultado, não quis prestar declarações;
f) As testemunhas MI e A, actual mulher do arguido e filho da mesma, à data dos factos companheira do arguido e ambos titulares da conta na qual foi depositado o cheque do montante titulando o resgate do PPR titulado pela queixosa/ofendida, cuja inquirição foi requerida pelo Ministério Público e judicialmente deferida, as quais usando de direito que lhes é legalmente facultado, recusaram prestar declarações;
g) Das declarações da queixosa/ofendida MC ex-mulher do arguido, a qual referiu estar divorciada do arguido desde Outubro de 2008, sendo que o PPR em questão era por si titulado e para ser resgatado em Abril, quando perfazia os 65 anos, tendo escrito à seguradora para proceder ao levantamento do PPR, tendo-lhe sido remetidos pela seguradora vários documentos para assinar, que foram preenchidos e devolvidos. O tempo passou e não recebeu o dinheiro do PPR, o qual não estava depositado na sua conta, já que queria que o mesmo lhe fosse entregue por transferência bancária. Foi à “Global” de Viseu, onde lhe disseram que o dinheiro do PPR já tinha sido levantado, tendo logo deduzido que só o podia ter sido pelo ex-marido, aqui arguido, sendo que o mesmo sabia quando o PPR se vencia. Naquela altura a sua correspondência ia para o apartado da empresa do marido “J., Ld.ª”, não residia na “Rua do Arrabalde, onde vivia então o arguido. Até à data nada recebeu do montante relativo ao PPR;
h) Do depoimento da testemunha MC filho da queixosa/ofendida e do arguido, o qual referiu que a pedido da mãe remeteu pelo correio à “Global” um recibo que a mãe assinou (fls. 11 e 12, sendo que as demais assinaturas apostas nos documentos juntos com a queixa não são da mãe terão sido apostas por carimbo, assinatura que a mãe não usava, nem nunca usou), que havia sido remetido pela seguradora para preencher, assinar e devolver, a fim de receber o montante titulado pela mãe no PPR. Como o tempo passasse e a mãe nada recebesse da seguradora, juntamente com o tio (testemunha AC) foram à “Global”, onde souberam que o cheque do pagamento já tinha pela mesma sido entregue e recebido, por pessoa que não a mãe, o qual tinha sido depositado numa conta que não a mãe, desconhecendo a quem a mesma pertencia. A mãe e o arguido estavam já separados e o arguido vivia com a companheira (testemunha Isabel). Depôs com conhecimento directo dos factos, de forma clara, isenta e convicta;
i) Do depoimento da testemunha AC, irmão da queixosa/ofendida, o qual confirmou as declarações da queixosa/ofendida e do seu sobrinho (testemunha AM), acrescentando que a assinatura constante da 2.ª via do recibo foi colocada por carimbo. Referiu que a irmã e o arguido já estavam separados desde 2005. Depôs com conhecimento directo dos factos, de forma clara, isenta e convicta;
j) Do depoimento da testemunha L, profissional de seguros da “Global, S.A.”, o qual referiu que na “Global Vida” foi recebido um requerimento solicitando o resgate do PPR em causa nos autos, através de documento junto aos autos, com uma assinatura da queixosa/ofendida, como titular daquele PPR. Em sequência do pedido, foram remetidos à titular do PPR os documentos e recibo para a mesma assinar, tendo-o sido para o endereço constante da seguradora, “R. ..– Viseu”. Alguns dias depois foi solicitada a remessa de 2.ª via do recibo, por parte do marido, que se identificou como AC tudo conforme documento junto a fls. 216 (junto a solicitação do Ministério Público e que estava em poder da testemunha L, como documento interno da seguradora, o qual foi escrito pela funcionária da seguradora MH [ouvida como testemunha], do qual resulta que a pessoa que telefonou para a “Global, S.A.”, se identificou como “AC” (aqui arguido), telefonava do telemóvel n.º 96266.. (número atribuído à empresa “J Ld.ª”, com sede na Rua …, Viseu, endereço indicado pelo arguido [fls. 243 e 159]), o qual solicitava que lhe fosse remetida 2.ª via do recibo de indemnização, que deveria ser remetida para o endereço aí anotado, “Rua do Arrabande… (que corresponde a endereço indicado pelo arguido [fls. 158]), sendo que o n.º “201500…” corresponde à apólice a que respeita o PPR cujo resgate se requeria e o n.º 20506500..” corresponde ao n.º do recibo do resgate do referido PPR). Tal foi feito pela seguradora, convicta que estava que tudo estava a processar-se com regularidade. Quanto ao cheque, referiu que o mesmo terá sido entregue pessoalmente, sendo que quando remetido pelo correio existe cópia do ofício que o remete, sendo que para a entrega – à data – não era exigido cópia da identificação da pessoa que se apresentasse para receber o cheque, mas tão só cópia do Bilhete de Identidade do beneficiário. Depôs com conhecimento directo dos factos, de forma clara, isenta e convicta;
k) Do depoimento da testemunha MH, escriturária, funcionária da “Global, S.A.”, a qual confirmou que a letra constante do documento junto a fls. 216 – junto a solicitação do Ministério Público e que estava em poder da testemunha L, como documento interno da seguradora – era de sua autoria, referindo que o que consta de tal documento lhe foi transmitido pela pessoa que telefonou para a “Global, S.A.”, identificando-se como “AC ” (aqui arguido), telefonava do telemóvel n.º 962668.... (número atribuído à empresa “J C, Ld.ª”, com sede na Rua…, Viseu, endereço indicado pelo arguido [fls. 243 e 159]), o qual solicitava que lhe fosse remetida 2.ª via do recibo de indemnização, que deveria ser remetida para o endereço que aí anotou, “Rua do Arrabalde… (que corresponde a endereço indicado pelo arguido [fls. 158]), sendo que o n.º “201500..” corresponde à apólice a que respeita o PPR cujo resgate se requeria e o n.º 20506500..” corresponde ao n.º do recibo do resgate do referido PPR. Tal documento foi depois remetido aos colegas da “Global Vida”, a fim de serem emitidos os documentos. Depôs com conhecimento directo dos factos, de forma clara, isenta e convicta;------
l) Efectuando uma “leitura conjunta” de toda a fundamentação supra expedida, e recorrendo às normais “regras da experiência”, dúvidas não existem de que se terá de concluir que o arguido cometeu – e sé ele podia cometer e ter o interesse em cometer – toda a factualidade descrita em II.1.1) a II.1.18), factualidade que integra a prática dos ilícitos criminais infra referidos, pelo quais será condenado;
m) No teor do C.R.C. do arguido, junto a fls. 264-265, cuja genuinidade e fidedignidade não foi posta em causa;
n) No teor da “informação policial”, junta a fls. 197, solicitada oficiosamente pelo Tribunal, relativamente à situação pessoal, familiar, profissional e social do arguido, cuja genuinidade e fidedignidade não foi posta em causa
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2- Apreciação –
2.1- Diga-se, antes do mais, que o âmbito do recurso se encontra delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente. Consequentemente não está em causa nem o enquadramento típico, o número de crimes de falsificação perpetrados ou a dosimetria das penas.
O recorrente impugna a decisão de facto, negando a prática dos factos delituosos, para o que faz apelo a alguns dos depoimentos e ao princípio «in dubio pro reo».
Quanto à condenação no pedido cível alega que o montante do PPR é um bem comum do casal.
E nas conclusões 34) a 37) refere nulidade da sentença por nela se encontrarem inseridos considerandos que «extravasam do caso concreto».
2.2- Começaremos pela abordagem da impugnação apresentada sobre a decisão de facto por violação do princípio «in dubio pro reo». Resolvido este ponto abordaremos a mesma impugnação na perspectiva de violação do princípio da livre apreciação da prova consagrado no art.º 127º do CPP.
 A violação do princípio «in dubio pro reo» corresponde a uma das variantes do erro notório, vício que terá de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.
A violação do referido princípio traduz-se na violação de “leges artis” e resulta de dois postulados, a saber, o de que o juiz terá de decidir sempre e o da inadmissibilidade de condenação quando o juiz tiver dúvidas sobre a efectiva responsabilidade do arguido.
Decorre do princípio que todos os factos relevantes para a decisão desfavoráveis ao arguido que não possam ser subtraídos à dúvida dos julgadores não podem dar-se como provados.
O princípio tem aplicação no domínio probatório e significa que em caso de falta de prova sobre um facto a dúvida se resolve a favor do arguido, ou seja, será dado como «não provado» se desfavorável ao arguido e como «provado» se justificar o facto ou for excludente da culpa.
Nas circunstâncias enunciadas a violação do princípio só será de atender se resultar da sentença que o tribunal num estado de dúvida sobre algum ou alguns dos pontos da matéria de facto sobre eles optou por entendimento decisório desfavorável ao arguido.
Ora não é isso que resulta da sentença, sendo patente na fundamentação da decisão de facto que o tribunal não manifesta dúvidas sobre a autoria dos factos a que o recorrente diz ser alheio.
2.3- Quanto à apreciação da matéria de facto à luz do art.º 127º do CPP diremos o seguinte –
2.3.1- Não pode exigir-se que o tribunal de recurso faça nesta matéria um segundo e novo julgamento ignorando por completo o decidido pela 1ª instância.
A prova não é repetida na 2ª instância, sendo o recurso remédio a aplicar a pontos manifestamente mal julgados ou porque não assentam em qualquer prova [por inexistência dos dados objectivos que se apontem na motivação] ou porque os dados existentes a contrariam ou porque se violaram regras legais na sua aquisição. Em suma, quando se suscitem sérias dúvidas quanto à correcção da decisão face à prova produzida, valorada à luz das regras da experiência comum.
O tribunal de recurso não tem a imediação da prova oral nas mesmas condições em que esta ocorreu no tribunal recorrido. Pelo que a decisão só será alterada quando for evidente que a prova oral referida na fundamentação não conduz à decisão obtida. Não quando havendo duas ou mais versões sobre os factos o tribunal optou por uma fundamentando-a racionalmente.
Não basta, pois, que o recorrente diga que determinados factos estão mal julgados. Terá de evidenciá-lo, nomeadamente face às regras da experiência comum. Note-se que a alínea b) do n.º3 do art.º 412º do CPP refere que o recorrente deve especificar as concretas provas que imponham diferente decisão.
Se o juízo recorrido for compatível com os critérios de apreciação devidos isso significa que o julgamento da matéria de facto não merece censura.
O CPP [art.º 127º] consagra o princípio de que a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador. Convicção que sendo pessoal é motivada em elementos que a tornem credível na base das regras da experiência, da lógica e da razoabilidade.
A prova é submetida ao crivo do contraditório, sob a égide dos princípios da oralidade e da imediação e demais regras processuais que asseguram as garantias de defesa ao arguido.
O seu valor enquanto elemento reconstituinte dos factos imputados ao arguido depende decisivamente da sua credibilidade, ou seja, da sua idoneidade e autenticidade. Daqui dizer-se que a prova necessária para a convicção do julgador não resida tanto na quantidade como na qualidade dos meios de prova produzidos.
A credibilidade da prova oral depende essencialmente da probidade moral de quem a presta, sendo que em princípio esta não é apreensível por quem não esteve no julgamento. Razão por que o tribunal de recurso, salvo casos de excepção, adopte o juízo valorativo do tribunal recorrido.
A apreciação da prova processa-se segundo as regras da experiência e a livre convicção [excepção feita à prova vinculada] a significar que a prova deve ser analisada através da formulação de juízos assentes no bom senso e experiên­cia de vida, temperados pela capacidade crítica, o distanciamento e a ponderação adquiri­dos na experiência quotidiana do julgar.
E em sede de apreciação, a prova testemunhal é objecto dum tratamento cognitivo mediante operações de cotejo com os restantes meios de prova podendo a mesma, tal como a prova indiciária, ser objecto de deduções ou de induções baseadas na correcção do raciocínio.
A propósito do art.º 127º refere-se em Ac. de 9/11/95 do TC [citado no Ac. n.º 197/97 do TC com publicação no DR. IIª Série de 29/12/98] que o juiz pressuposto pelo legislador é o juiz responsável, capaz de pôr o melhor da sua inteligência e conhecimento das realidades da vida na apreciação do material probatório que lhe é fornecido.
O que move o recorrente é uma aparente debilidade da prova em que assentou a convicção do tribunal, levando-o a insurgir-se contra provas que pretende ver desvalorizadas, bem como os implícitos raciocínios lógico/dedutivos do julgador firmados em regras da experiência comum.
Apesar de nem sempre resultar explícita a intervenção das presunções judiciais, elas constituem um mecanismo necessário para levar o tribunal a afirmar a verificação de factos controvertidos servindo-se de indícios para deles inferir a verificação de outros factos carecidos de prova directa.
A lei processual não proíbe o uso destes raciocínios nem faz qualquer referência a requisitos especiais no uso da prova indiciária.
2.3.2- No caso dos autos a prova testemunhal conjugada com a prova documental junta consente tais raciocínios.
E confirmada na sua essência a correcção da fundamentação apresentada em confronto com os depoimentos e documento juntos, nada há a alterar.
Efectivamente, a compreensão da decisão não prescinde da prova indiciária pois, como refere o Ministério Público, são dados objectivos que a titular do PPR não o recebeu e o cheque emitido pela seguradora para o seu pagamento foi depositado numa conta bancária que é da titularidade da actual esposa do arguido e á data já sua companheira.
Não seria, por certo, nem a queixosa, nem o seu filho que depositariam tal quantia na conta da companheira do arguido.
Restam, pois, os próprios titulares da conta ou o arguido. Ora aqueles (os titulares da conta) não saberiam da existência do PPR da queixosa de modo a solicitar o seu resgate conforme carta elaborada a fls. 6 onde, claramente, é identificada a apólice do PPR, sendo solicitado o seu envio para uma morada que era a do arguido e não a da queixosa.
A então companheira do arguido e o filho desta também não estariam na posse dos dados relativos ao BI da queixosa, nem dos elementos necessários para «imitarem» a assinatura desta, como aconteceu nos vários documentos juntos a fls. 6,7 e 13.
Submetidos tais documentos a exame pericial, o LPC não afastou a suspeita de ser o arguido o autor dos factos, antes concluiu ser provável que a assinatura do documento junto a fls. 6 seja da autoria do arguido; assim como concluiu não ser de excluir ter sido ele o autor da aposição no escrito de fls. 13 dos elementos referentes á data e dados do BI da queixosa.
Acresce que o documento de fls.13 (2ª via do recibo) resultou dum pedido feito á Global Seguros, via telefónica, através dum telemóvel pertencente á sociedade “J Lda.” (fls. 243) de que nem a então companheira do arguido nem o seu filho eram sócios, mas sim o arguido, sendo este e não aqueles que teriam acesso ao mesmo.
Aliás quem fez esse telefonema identificou-se nele com o nome do arguido (cfr. ainda fls. 216, relativo ao apontamento feito pela funcionária da Global que recebeu o telefonema).
Todos estes dados apreciados à luz das regras da experiência e da lógica levam à conclusão de que foi o arguido o autor dos factos considerados assentes na decisão de facto.
2.3.3- Contudo, porque esta decisão reproduz a descrição factual constante da acusação sem qualquer adaptação ao momento em que foi prolatada, há que adaptar a descrição do facto elencado sob o n.º1) ao momento dessa prolação.
Consequentemente, porque a acusação é de 19/2/2008, altera-se a redacção do referido n.º1 para o seguinte «O arguido AC e a denunciante foram casados entre si, encontrando-se à data dos factos narrados na acusação separados de facto».
E porque nos parece também ter relevo quanto ao pedido de indemnização formulado pela demandante, saber qual o regime de bens do casamento, deve ter-se em conta que casaram entre si a 18/9/1966 sem convenção antenupcial e que o divórcio foi decretado por sentença de 3/10/2008 com trânsito em julgado a 31/10/2008 -, tudo conforme a certidão do assento de casamento de fls. 187 que se releva como prova destes factos por se tratar-se de documento  autêntico.
Consequentemente, adita-se ao provado sob o n.º 1-a) o seguinte: «Tendo a 18/9/1966 contraído entre si casamento católico, sem convenção antenupcial». E sob o n.º1-b) o seguinte: «E tendo-se divorciado por sentença de 3/10/2008 transitada em julgado a 31/10/2008».   
2.4- Quanto à invocada nulidade da sentença diremos o seguinte: Nos considerandos que se fazem na sentença sobre a «determinação da medida da pena» é manifesto que o tribunal se serviu de texto já programado que adaptou ao caso por se tratar duma situação muito similar.
Todos sabem que com a introdução dos computadores no uso diário dos serviços, a que não escaparam os tribunais, se faz uso corrente de textos já programados que se vão adaptando a cada caso concreto.
Contudo, no caso, o M.mo Juiz não teve o cuidado de extirpar os considerandos factuais espúrios. E assim -,
- Quanto ao crime de falsificação
a) Ao referir-se ao elevado grau de ilicitude do facto deixou entre parênteses a expressão «(falsificação, forjando documento, através de “montagem” e decalque da assinatura, fazendo-lhe juntar o rosto de cópia do Bilhete de Identidade do queixoso, que detinha consigo, derivada de relações comerciais que com o mesmo tinha tido, visando conseguir € 2.000 a partir da conta do mesmo, através de ordem forjada de transferência que fabricou, e fez remeter por “fax” para a C.G.D., conseguindo induzir aquela instituição a proceder à sua visada obtenção fraudulenta daquela quantia)»;
b) Ao reportar-se ao modo de execução do crime deixou consignado entre parênteses a expressão « (falsificando e construindo aquela ordem falsa de transferência, valendo-se de documentos que detinha)»;
c) Ao reportar-se às condições pessoais do arguido e à sua situação económica deixou entre parênteses a expressão « (construtor civil)».
- Quanto ao crime de burla
a) Ao referir-se ao elevado grau de ilicitude deixou entre parênteses a expressão - «(apropriação da quantia de € 2.000, que logrou obter através de falsificação de um documento, titulando falsa ordem de transferência de tal quantia da conta do queixoso para uma sua conta, induzindo em erro a entidade bancária depositária, o que fez sem dar conhecimento e contra a vontade do seu legítimo titular)»;
b) E ao reportar-se à falta de confissão e à ausência de aparente arrependimento deixou consignada a expressão: «designadamente de o dinheiro ter sido transferido para uma conta sua».
Ora, é evidente que se trata de lapsos na adaptação ao caso concreto dum anterior texto. Mas vista na sua globalidade o que esteve no pensamento do julgador ao fixar as penas aplicadas foram os factos que constam da factualidade dada por provada e que também constam da parte relativa à motivação de direito.
É ostensivo que estas inapropriadas transcrições nada têm a ver com a decisão e que terão ficado a constar da sentença por manifesta desatenção do juiz, havendo que proceder à sua eliminação ao abrigo do art.º 380º n.º1 alínea b) e n.º2 do Código de Processo Penal.
O tribunal não condenou o arguido pelos factos que erradamente menciona e acima transcritos, mas pelos factos que enunciou na decisão de facto, não existindo a apontada nulidade, antes pelas razões expostas tratando-se de lapso de escrita que importa corrigir.
2.5- Quanto ao pedido de indemnização civil teceremos as seguintes considerações –
O arguido e a demandante eram casados entre si no regime da comunhão geral de bens uma vez que o seu casamento é de 1966 e foi celebrado sem convenção antenupcial.
Nos termos do art.º 1732º do Código Civil o património comum é constituído por todos os bens presentes e futuros dos cônjuges, que não sejam exceptuados por lei.
E não nos parece que o PPR em causa caiba no elenco dos bens incomunicáveis constante do art.º 1733º do Código Civil.
Assim, o valor do PPR era um valor integrado no património comum do casal.
Tanto que foi a própria demandante que no seu isento depoimento deixou claro que se tratou duma aplicação de dinheiro feita no período de casados, com dinheiro do casal.
Aliás, no regime dos «planos de poupança» regulados no Dec-Lei nº 158/2002, de 2/7, está prevista a situação em que por força do regime de bens do casal o PPR seja um bem comum. Neste sentido podem ver-se os n.ºs 6, 7 e 9 do art.º 4º do dito Dec-Lei nº 158/2002[1].
Os bens comuns do casal integram a chamada «comunhão de mão comum», um “património colectivo” em que o direito cabe a cada uma das pessoas por completo sem que se verifique a sua divisão em quotas ideais.
O pedido de indemnização, que é de 12/3/2008 ou seja de data em que ambos ainda se encontravam casados entre si, é de condenação do demandado a pagar à demandante o valor do PPR e respectivos de mora.
Mas a nosso modesto ver o pedido não pode proceder por se tratar dum valor integrado no património comum do casal, isto apesar de se tratar de PPR em nome da demandante.
Decretado que foi o divórcio, esse valor do PPR terá de ser levado em conta na partilha do património comum dos ex-cônjuges.
Nos termos do art.º 1862/4 do Código Civil «Quando um dos cônjuges, sem o consentimento do outro, alienar ou onerar, por negócio gratuito, móveis comuns de que tem a administração, será o valor dos bens alienados ou a diminuição do valor dos bens levado em conta na sua meação, salvo tratando-se de doação remuneratória ou de donativo conforme aos usos sociais».
Parece-nos que uma das formas de reparação do dano conhecido será a fixada neste preceito, a saber, a atribuição à meação do cônjuge administrador (dos bens móveis comuns alienados gratuitamente sem consentimento do outro) do «valor dos alheados».
Ante a «reconstituição natural» configurada por esta disposição legal, parece-nos dispensável a indemnização em dinheiro (art.º 566/1 do CC).          
E não nos parece que seja este processo/crime meio processual próprio para, salomonicamente e sob a capa duma “condenação de pagamento” inviamente se proceder a uma partilha.
A questão é melindrosa mas parece-nos que um pedido cível ainda viável seria, quiçá, o da obtenção duma condenação de restituição ao património comum do casal do valor do PPR [que o arguido ilicitamente dele subtraiu]. Isto porque obnubilado o horizonte temporal em que eventualmente se procederia à partilha do património comum.
Por um pedido deste género poder-se-ia ainda vir a dar cumprimento ao art.º 562º do CC o qual estatui que «Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação».
Mas a reparação seria ainda a favor do património comum e não em favor exclusivo da demandante.  
Tal quantia deverá a nosso ver ser relacionada ou considerada na partilha do património comum. E se partilha já houve, terá que efectuar-se numa partilha adicional.
Não nos repugna admitir que a demandante tenha sofrido outros danos para além do desfalque do património comum do casal com a ilícita conduta do arguido. Contudo, quanto ao desfalque no património comum a reparação consistirá na reintegração do valor do PPR nesse património ou então no funcionamento do mecanismo consagrado no referido art.º 1684/4.   
Com todo o devido respeito por opinião adversa, não é o valor do PPR que poderá integrar aqueles outros danos que não se alegaram. O valor consubstanciado no PPR preexiste aos factos delituosos do arguido no património comum.
Em suma, não nos parece que possa ter-se por procedente o pedido da demandante nos termos em que foi formulado, sabido que o tribunal não pode condenar em objecto diverso do que se pedir (cfr. art.º 661/1 do CPC).
III-
Decisão –  Termos em que –
a) Se altera a decisão de facto nos termos que se deixaram consignados em II/2.3.3;
b) Se absolve o arguido do pedido de condenação cível;
c) Se eliminam as referências expressamente mencionadas em II/2.4, por espúrias ao caso dos autos e que só por manifesta desatenção do M.mo Juiz sentenciador se deixaram vertidas na sentença;
d) No mais confirma-se a sentença.
Sem custas (cfr. art.º 513 do CPP na sua nova redacção).   

                  Coimbra,


[1] No preâmbulo do diploma refere-se que nele se “consagram regras específicas para os casos em que os planos sejam bens comuns do casal por força do regime do casamento”.
No n.º6 do art.º 4º estipula-se que «(…) nos casos em que por força do regime de bens do casal o PPR/E seja um bem comum(…)».
No n.º7 alínea b) do mesmo artigo refere-se em caso de morte que «Quando o autor da sucessão tenha sido o cônjuge do participante e, por força do regime de bens do casal, o PPR/E seja um bem comum pode ser exigido pelo cônjuge sobrevivo ou demais herdeiros o reembolso da quota-parte respeitante ao falecido».
No n.º9 estatui-se que «Ao reembolso do valor do PPR aplicam-se todas as disposições dos números anteriores, com excepção da alínea f) do n.º1».