Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1859/20.0T8CBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULA MARIA ROBERTO
Descritores: TRABALHADORES
SEUS FAMILIARES
ISENÇÃO DE CUSTAS PROCESSUAIS
Data do Acordão: 12/18/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – JUÍZO DO TRABALHO DE COIMBRA – JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 4º, Nº 1, AL. H) DO REGULAMENTO DE CUSTAS PROCESSUAIS.
Sumário: 1. Nos termos do disposto no artigo 4º, n.º 1, alínea h), do Regulamento das Custas Processuais, estão isentos de custas os trabalhadores ou familiares, em matéria de direito do trabalho, representados pelo Ministério Público ou pelos serviços jurídicos do sindicato gratuitos para os primeiros, sendo abrangidos apenas os familiares dos trabalhadores que exercem direitos próprios contra os empregadores.

2. Tendo os AA. intentado a presente ação na qualidade de herdeiros, em representação da herança aberta por morte do trabalhador sindicalizado (qualidade de sócio que é pessoal e intransmissível) e não no exercício de um direito próprio, não gozam da isenção subjetiva de custas prevista no citado normativo.

Decisão Texto Integral:











Acordam[1] na Secção Social (6ª secção) do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - Relatório

Herança aberta por óbito de A... e herdeiros, representados pela cabeça de casal O..., residente em ..., intentaram a presente ação de processo comum contra I..., SA, com sede em ...

alegando, além do mais, que:

“                                                            44º

O A. é a Herança aberta por óbito de A..., falecido em 19.01.2020, o qual se encontrava inscrito no Sindicato dos Trabalhadores de Transportes Rodoviários e Urbanos de Portugal e é patrocinado a titulo gratuito pelo contencioso do Sindicato onde se encontra inscrita (Cfr. Declaração sindical junta).

45º

Na presente data o A. aufere um rendimento ilíquido não superior a 200 UC, pelo que beneficia da isenção subjectiva de custas prevista na alínea h) do n.º1 do art.º4.º do RCP o que desde já se invoca para todos os devidos e legais efeitos (Cfr. declaração de rendimentos do ano de 2018)”.

Termina pedindo que:

NESTES TERMOS DEVE A PRESENTE ACÇÃO SER JULGADA PROVADA E PROCEDENTE E, CONSEQUENTEMENTE:

A) A R. ser condenada a pagar ao A. a importância de €418,42 a título de crédito de formação profissional não ministrada nem paga;

B) A R. ser condenada a pagar ao A. a importância de €11.583,16 a título de diferenças no acréscimo remuneratório por trabalho nocturno e suplementar prestado entre Janeiro 2012 e Outubro 2018;

C) A R. ser condenada a pagar ao A. a importância que se vier a apurar em liquidação/execução sentença a título de descanso compensatório não gozado nem pago por trabalho suplementar prestado correspondente a 25% das horas de trabalho suplementar prestado;

D) A R. ser condenada a pagar ao A. a importância de pelo menos €4.073,10 nas retribuições de férias e subsidio de férias dos anos de 2005 a 2018, a título de média das importâncias liquidadas mensalmente nesse mesmo período sob a rubrica “Horas extra (150%)” para pagamento de trabalho suplementar;

E) A ser condenada a pagar ao A., juros à taxa legal sobre as quantias peticionadas, desde a data do respectivo vencimento e até efectivo e integral pagamento.”

                                                             *

De seguida foi proferido o despacho de fls. 57 e v.º com o seguinte teor:

Da alegada isenção de Custas:

Nos termos melhor constantes dos artigos 45º e 46º da petição inicial, que se dão por integralmente reproduzidos, alegam os Autores estar isentos de custas nos termos do artigo 4º, nº1, alínea h) do RCP.

Como já referimos, em 9/6/20 - vd. ATA - os autores nos presentes autos, e como decorre da p.i., são a Herança Aberta por Óbito de A... e Herdeiros, sendo estes, O..., S... e P..., a primeira das quais é a cabeça de casal da, também Autora, Herança aberta por óbito de A...

O trabalhador sindicalizado, e que poderia beneficiar da alegada isenção de custas, faleceu, sendo que a qualidade de sócio do sindicato, é, segundo cremos e com o devido respeito, por opinião contraria, pessoal e intransmissível.

Para se pronunciar, a respeito, determinou-se a abertura de Vista, sendo que o Ministério Público, se pronunciou nos termos da douta promoção que antecede e se dá, por integralmente reproduzida, considerando não se verificar a alegada isenção e promovendo que se notificassem os Autores para pagarem a taxa de justiça devida.

Assim, na sequência do que já se referiu supra, em conformidade com a douta promoção que antecede, e porque se considera não se verificar, no caso, a alegada isenção de custas, notifiquem-se os Autores para pagarem a taxa de justiça devida.”

*

Os AA., notificados deste despacho, vieram interpor o presente recurso que concluíram da forma seguinte:

...

Deve o PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE REVOGANDO-SE O DESPACHO DE FLS.. QUE NÃO JULGOU VERIFICADA A ISENÇÃO DE CUSTAS PREVISTA NA ALINEA H) DO N.º 1 DO ART.º 4.º  DO REGULAMENTO DE CUSTAS PROCESSUAIS, INVOCADA PELOS AUTORES E, EM CONSEQUÊNCIA, JULGUE VERIFICADA ESSA MESMA ISENÇÃO ARA TODOS OS DEVIDOS E LEGAIS EFEITOS.

                                                             *

O Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que a apelação deverá ser julgada improcedente.

  Colhidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.

  II – Questões a decidir:

Como é sabido, a apreciação e a decisão dos recursos são delimitadas pelas conclusões da alegação do recorrente (artigo 639.º, n.º 1, do C.P.C. na redação da Lei n.º 41/2013 de 26/06), com exceção das questões de conhecimento oficioso.

Cumpre, então, apreciar a única e seguinte questão:

- Se a isenção de custas prevista na alínea h) do n.º 1 do artigo 4.º do RCP abrange e aproveita aos familiares do trabalhador falecido; se o direito a tal isenção se transmite aos familiares do trabalhador falecido.

  III – Fundamentação
a) Factos provados

Os constantes do relatório supra.

b) - Discussão

Apreciando a questão suscitada pelos AA. recorrentes:

Alegam os recorrentes que:

“A) A isenção subjectiva de custas prevista na alínea h) do nº 1 do art.º 4º do Regulamento das Custas Processuais, na parte em que refere “quando sejam representados (…) pelos serviços jurídicos do Sindicato” abrange e aproveita aos familiares dos trabalhadores em caso de falecimento destes desde que sejam os serviços Jurídicos do Contencioso do Sindicato onde o trabalhador estava inscrito a patrocinar gratuitamente os familiares;

B) O direito à isenção prevista na alínea h) do nº 1 do art.º 4º do Regulamento das Custas Processuais em caso de falecimento de trabalhador transmite-se aos familiares deste, não obstando a tal o facto de a condição de associado de um Sindicato ser pessoal e intransmissível;

Vejamos:

Conforme resulta do artigo 12.º do CPC, a herança jacente tem personalidade judiciária, ou seja, é dotada desta personalidade a herança aberta ainda não aceite ou declarada vaga para o Estado (artigo 2046.º do CC).

Por outro lado, os direitos relativos à herança já aceite mas indivisa (artigos 2050.º e segs.), só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros (artigo 2091.º do CC).

Fora dos casos excecionais previstos nos artigos 2075.º, 2078.º e 2087.º a 2089.º do CPC, situações de intervenção solitária do cabeça de casal ou de um qualquer herdeiro, as ações respeitantes ao acervo hereditário ainda por partilhar terão de ser intentadas por todos os herdeiros (litisconsórcio necessário ativo n.º 1 do artigo 33.º do CPC).

Na verdade, como se refere no acórdão desta RC de 24/09/2019, disponível em www.dgsi.pt:

<<1. A herança ilíquida e indivisa já aceite pelos sucessíveis (não jacente) não tem personalidade judiciária, pelo que terão que ser os herdeiros ou o cabeça-de-casal, se a questão se incluir no âmbito dos seus poderes de administração, a assumir a posição (activa ou passiva) no âmbito de uma acção judicial em que estejam em causa os direitos relativos à herança (art.ºs 2088º, 2089º e 2091 do CC).>> 

E, no acórdão da RP, de 19/10/2015, disponível em www.dgsi.pt :

<<I- A herança indivisa ou não partilhada apenas goza de personalidade judiciária enquanto se mantiver na situação de jacente.

II- A partir da cessação daquela situação, operada mediante a sua aceitação por parte dos sucessíveis chamados, passa a não dispor de tal prerrogativa processual pelo que não poderá, em seu próprio nome, desempenhar o papel de parte processual em lide forense, demandar e ser demandada.

III- Enquanto a herança permanecer na situação de indivisão, os seus herdeiros não têm qualquer direito próprio a qualquer dos bens que a integram, pelo que, os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros, nos termos prescritos no artigo 2091.º, n.º 1, do Código Civil.>>

Por outro lado, nos termos do disposto no artigo 4º, n.º 1, alínea h), do Regulamento das Custas Processuais:

<<1. Estão isentos de custas:

 (…)

h) Os trabalhadores ou familiares, em matéria de direito do trabalho, quando sejam representados pelo Ministério Público ou pelos serviços jurídicos do sindicato, quando sejam gratuitos para o trabalhador, desde que o respectivo rendimento ilíquido à data da proposição da acção ou incidente ou, quando seja aplicável, à data do despedimento, não seja superior a 200 UC;>>.

Estamos, assim, perante uma isenção subjetiva de custas, ou seja, estão isentos de custas os trabalhadores ou familiares, em matéria de direito do trabalho, representados pelo Ministério Público ou pelos serviços jurídicos do sindicato gratuitos para os primeiros.

Como refere Salvador da Costa, <<outrora, a isenção de custas dos trabalhadores e dos seus familiares apenas abrangia os processos relativos a acidente de trabalho e a doenças profissionais, mas sem qualquer condição. Agora também abrange as ações relativas a contratos de trabalho, mas sob as referidas apertadas condições.

Os sujeitos processuais a que este normativo se reporta são, pois, aparentemente os trabalhadores e os seus familiares em matéria do direito do trabalho, seja ela qual for, isto é, a relativa aos contratos de trabalho e à sua cessação e a acidentes de trabalho.

Mas os familiares dos trabalhadores a que este normativo se reporta são, em regra, os que têm direitos próprios contra os empregadores ou as respetivas seguradoras, conforme os casos, em regra no que concerne aos acidentes de trabalho com perecimento da vítima.

Uma das condições do seu funcionamento é, pois, a de os trabalhadores ou os seus familiares estarem representados pelo Ministério Público ou pelos serviços jurídicos do respetivo sindicato, ou seja, neste caso, se forem gratuitamente patrocinados por advogados que para aqueles sindicatos prestem serviços jurídicos.

Isso tem a ver com o facto de as associações sindicais terem legitimidade processual para a defesa dos direitos e interesses coletivos e para a defesa coletiva dos direitos e interesses individuais dos trabalhadores que representem.>>

Pois bem, dúvidas não existem (nem os recorrentes puseram em causa, nesta parte, a decisão recorrida) de que a qualidade de sócio de um sindicato é pessoal e intransmissível.

Acresce que, os AA. com a interposição da presente ação não se encontram a exercer um direito próprio[2] contra a Ré empregadora, antes intervêm na qualidade de herdeiros, em representação da herança aberta por morte do trabalhador sindicalizado e não como titulares de um direito próprio.

Por fim, também não acompanhamos os recorrentes quando alegam que o direito à isenção de custas, em caso de falecimento do trabalhador, transmite-se aos familiares deste, não obstando o facto de a condição de associado de um sindicato ser pessoal e intransmissível.

Na verdade, pelas razões já expostas, esta conclusão não tem qualquer suporte legal (processual ou substantivo), sendo que, não se transmitindo a qualidade de sócio de um sindicato para os seus herdeiros, não vemos como se possa concluir no sentido da transmissão do direito à isenção de custas previsto, precisamente, para a situação de representação do trabalhador pelos serviços jurídicos do sindicato quando gratuitos, sendo certo, também, que os AA. não vieram ocupar na ação o lugar do trabalhador.

Assim sendo, e em suma, a isenção de custas prevista na alínea h) do n.º 1 do artigo 4.º do RCP, abrange apenas os familiares dos trabalhadores que exercem direitos próprios contra os empregadores, o que não ocorre na situação presente.

Improcedem, assim, as conclusões dos recorrentes.

Na improcedência das conclusões do recurso, impõe-se a manutenção do despacho recorrido.

IV – Sumário[3]

1. Nos termos do disposto no artigo 4º, n.º 1, alínea h), do Regulamento das Custas Processuais, estão isentos de custas os trabalhadores ou familiares, em matéria de direito do trabalho, representados pelo Ministério Público ou pelos serviços jurídicos do sindicato gratuitos para os primeiros, sendo abrangidos apenas os familiares dos trabalhadores que exercem direitos próprios contra os empregadores.

2. Tendo os AA. intentado a presente ação na qualidade de herdeiros, em representação da herança aberta por morte do trabalhador sindicalizado (qualidade de sócio que é pessoal e intransmissível) e não no exercício de um direito próprio, não gozam da isenção subjetiva de custas prevista no citado normativo.

V - DECISÃO.

Nestes termos, na improcedência do recurso, acorda-se em manter o despacho recorrido

Custas a cargo dos recorrentes.

                                                                                     Coimbra, 2020/12/18

                                                                                     (Paula Maria Roberto)   

                                                                                           (Ramalho Pinto)

                                                                                                              (Felizardo Paiva)                                                                                                                                                     

   


***


[1] Relatora – Paula Maria Roberto
  Adjuntos – Ramalho Pinto
                         Felizardo Paiva

[2] Como o previsto no artigo 57.º da Lei n.º 98/2009, de 04/09 (LAT).
[3] O sumário é da exclusiva responsabilidade da relatora.