Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4990/17.6T8VIS-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA TERESA ALBUQUERQUE
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO – ESCRITURA PÚBLICA DE MÚTUO COM GARANTIA HIPOTECÁRIA.
FORMA DE PROCESSO EXECUTIVO APLICÁVEL.
Data do Acordão: 11/13/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU – JUÍZO DE EXECUÇÃO DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO DE APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Legislação Nacional: ARTºS 505, Nº 2, AL. C), E 703º, AL. B) DO NCPC
Sumário:
1- Uma escritura pública na qual se constitua em simultâneo um contrato de mútuo e uma hipoteca como garantia desse mútuo, mais ainda sendo tal mútuo destinado à aquisição de habitação própria permanente e concedido por uma institução de crédito autorizada a conceder crédito à habitação, como o é a aqui exequente, constitui título executivo à luz da al b) do art 703º CPC, porque importa a constituição e o reconhecimento de obrigação.

2 - E sem necessidade da complementação a que se refere o art 707º CPC - que se refere à exequibilidade dos documentos autênticos ou autenticados - visto que a dívida em causa não vem configurada nessas escrituras – na de 8/3/2017 ou na de alteração de 24/2/2015 - como resultante de obrigação futura ou condicional.

3 - Trata-se esse titulo executivo de um título extrajudicial de obrigação pecuniária garantida por hipoteca.

4 - Os documentos juntos com o requerimento executivo, em que avulta, para este efeito, uma livrança com vencimento à vista, e a invocação pela exequente de que tendo esta sido apresentada a pagamento aos executados, não foi paga, bem como a junção ao requerimento executivo das cartas de interpelação e da “Declaração” a que se reporta o ponto 11 da matéria de facto, de que resulta que o montante da dívida corresponde ao inscrito naquela livrança, permitem, ao abrigo do disposto no art 715º - tambem aplicavel à exigibilidade – que se conclua para efeitos liminares na execução que aquela obrigação pecuniária garantida por hipoteca se mostra vencida. De todo o modo, se o juiz assim o não entendesse, deveria ter potenciado o suprimento pelo exequente dessa insuficiência probatória, mediante outros meios probatórios, e não indeferir liminarmente a prossecução da execução com base na escritura pública de 8/3/2017.

5 - A exequente dispõe como base para a execução, para além da livrança, também do título previsto na al c) do nº 2 do art 550º CPC, pelo que esta deverá correr na forma sumária.

Decisão Texto Integral:
Proc nº 4990/17.6T8VIS-A.C1
Acordam na 3ª secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra
I – A C... intentou, em 27/10/2017, execução para pagamento de quantia certa, contra M... e F..., para deles haver a quantia de €67.246,60 (sendo €66.575,17 de capital), alegando, concretamente, que:
1 - No exercício da sua atividade creditícia, a Exequente concedeu aos Executados um mútuo com hipoteca no montante de 80.000,00€ (oitenta mil euros).
2 - O contrato de compra e venda e mútuo com hipoteca foi realizado em 08/03/2007 e o capital concedido foi utilizado pelos Executados nos termos em que haviam contratado com a Exequente - conforme documento n.º 1 que se junta e se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
3 - Para garantia das responsabilidades emergentes do contrato de mútuo, incluindo juros, encargos e despesas, os Executados M... e F... constituíram a favor da Exequente uma hipoteca, em 08/03/2007, que se encontra devidamente registada na Conservatória do Registo Predial de ... e que garante o bom, integral e pontual cumprimento das obrigações e responsabilidades decorrentes do contrato de mútuo até ao limite máximo de 109.000,00€, conforme documento n.1 e 2.
4 - Em 24 de Fevereiro de 2015 os executados celebraram um contrato de aditamento e alteração de empréstimo à habitação com hipoteca - conforme documento nº 3 que se junta e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
5- Para o reforço das garantias do mútuo identificado no ponto 4, a executada M... e a interveniente M..., em representação da Herança por Óbito de F..., constituíram hipoteca em 24/02/2015, mediante escritura de Reforço de Hipoteca - tudo conforme documentos n.º 3, 4 e 5 que ora se juntam e se dão por integralmente reproduzidos para os devidos efejtos legais.
6- O capital mutuado vence juros, contados dia a dia, em períodos mensais e postecipados, à taxa nominal anual que resultar da média aritmética simples das cotações diárias da taxa Euribor a seis meses, nos termos melhor descritos nos cláusula quarta do contrato de aditamento e alteração de empréstimo à habitação com hipoteca que ora se junta sob o documento n. º 3
7- Assim, as responsabilidades emergentes do presente contrato, incluindo capital, juros remuneratórios e moratórias, uns e outros capitalizáveis, calculados à taxa anual de 0,728% à qual em caso de mora acresce uma sobretaxa de 3%, além dos encargos e despesas, encontram-se garantidas pela hipoteca e o reforço da mesma que os Executados e interveniente constituíram a favor da Exequente como garantia geral.
8 - Acresce que os Executados entregaram ainda à ora Exequente uma livrança por si subscrita.
9- Assim sendo, a C... é legítima portadora de uma livrança, no montante de 66.246,60€, emitida em 17/10/2011 e com vencimento à vista, conforme documento n.º 6 que se junta e se dá por integralmente reproduzido.
10 - Apresentada a pagamento na data de respetivo vencimento, não foi a identificada livrança paga pelos subscritores, apesar dos Executados terem sido interpelados para e efeito - conforme aocumento nº 7 que se junta e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
11- A referida quantia deverá ser acrescida dos juros, juros de mora, comissões e respectivos impostos de selo no montante total de 66.246,60 €, quantia que se deixa melhor discriminada infra no campo destinado à liquidação da obrigação e que por esta via se peticiona e conforme doc nº 8 que se junta e se da por integralemnte reproduzido para todos os efeitos.
12- A livrança dada à execução é titulo executivo.
13 – A obrigação é certa, líquida e exigível.
14- Assim sendo, a C... é legítima portadora de uma livrança, no montante de 66.246,60€, emitida em 17/10/2011 e com vencimento à vista, conforme documento n.º 6 que se junta e se dá por integralmente reproduzida.
15 - Apresentada a pagamento na data de respetivo vencimento, não foi a identificada livranca paga pelos subscriitores, nem se presume pagamento, apesar dos Executados terem sido interpelados para o efeito - conforme documento nº 7 que se junta e se dá por integralmente reproduzido.
A exequente indicou à penhora a casa de habitação com dois andares correspondente ao prédio descrito sob o nº ... e casa de habitação de rés do chão e 1º andar correspondente ao prédio descrito sob o nº ... e juntou os documentos a que fez menção.

Sobre este requerimento foi proferido o seguinte despacho:
«Tendo a exequente apresentado como título executivo uma livrança no valor de €66.246,60, os autos terão de seguir a forma ordinária, tal como resulta do artigo 550º, n.º 2, a contrario do Código de Processo Civil.
Considerando, no entanto, que da análise do requerimento executivo não fica claro se a exequente dispõe, também, do título previsto na alínea c) do n.º 2 do artigo 550º do Código de Processo Civil e se, dele dispondo, o pretende accionar, determina-se que a mesma seja notificada para, querendo, se pronunciar sobre a questão ora suscitada - erro na forma de processo e, eventualmente, corrigir o seu RE em conformidade.
Notifique e comunique ao Exm.(a) Sr.(a) Agente de Execução».

Notificada deste despacho veio a Exequente expor o seguinte:
«Foi a aqui Exequente notificada, a 30 de Novembro de 2017, do Despacho Ref. n.º ..., no qual é interpelada a esclarecer da forma de processo do requerimento executivo apresentado.
No dito requerimento foi pela aqui Exequente junto como título executivo uma livrança, pelo que caso apenas este fosse tido em conta, estaríamos perante um processo sob a forma ordinária visto o valor peticionado ser superior ao dobro da alçada da primeira instância, de acordo com o artigo 550º/2 alínea d) do C.P.C
Contudo, da análise do requerimento resulta existe uma hipoteca que garante a divida exequenda, conforme resulta do exposto nos pontos 3, 4, 5 e 7.
Além que resulta ainda tal facto provado dos documentos juntos sob n.º 1, 2, 3, 4 e 5 no referido requerimento.
Pelo que deve o presente processo seguir a forma sumária, de acordo com o art 550º, al c) e por tudo acima exposto».

Foi, de seguida, proferido o seguinte despacho:
«Os esclarecimentos prestados pela exequente não resolvem a questão anteriormente colocada - qual o título que a exequente dá à execução (livrança ou escritura de hipoteca).
Não tendo a exequente aperfeiçoado o seu requerimento executivo, dele resulta, expressamente, que o título é uma livrança e assim será considerado pelo tribunal, até porque as obrigações daí decorrentes para os executados serão diferentes (sendo certo que da escritura de mútuo com hipoteca não resulta, autonomamente, o vencimento do crédito).
Posto isto, coloca-se a questão outrora enunciada - erro na forma do processo. Pretende a exequente cobrar coercivamente a quantia de 67.246,60 €, apresentando como título executivo uma livrança.
Ora, com a reforma do Código de Processo Civil (CPC) levada a cabo pelo legislador em 2013, os processos executivos para pagamento de quantia certa deixaram de seguir forma única e passaram a subdividir-se em duas formas de processos: o processo ordinário o processo sumário.
Ora, de acordo com o artigo 550º, nº 2 do CPC "emprega-se o processo sumário nas execuções baseadas:
a) Em decisão arbitral ou judicial nos casos em que esta não deva ser executada no próprio processo;
b) Em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória;
c) Em título extrajudicial de obrigação pecuniária vencida, garantida por hipoteca ou penhor;
d) Em título extrajudicial de obrigação pecuniária vencida cujo valor não exceda o dobro da alçada do tribunal de 1 .ª instância" (destacado nosso);
Concluímos, assim, que a presente acção deveria ter sido intentada como acção executiva sob a forma de processo comum ordinário (nos termos do disposto no artigo 550º/ 2, d) a contrario do CPC), e não como acção executiva sob a forma de processo comum sumária.
Tal circunstância consubstancia o cometimento da nulidade processual de erro na forma de processo prevista no artigo 193° do CPC, que por sua vez implica a anulação dos actos que não possam ser aproveitados, devendo, ainda, ser praticados todos aqueles que foram estritamente necessários para que o processo se aproxime, tanto quanto possível, da forma estabelecida pela lei.
Pelo exposto, tendo o processo sido concluso para despacho liminar previsto no artigo 726º/1 do CPC, determina-se o aproveitamento de todos os actos processuais praticados até ao momento, bem assim a rectificação da autuação/distribuição de "execução sumária" para "execução ordinária".
Custas do incidente pela exequente, cuja taxa de justiça se fixa em 1 Uc. Notifique.
Citem-se os executados nos termos e para os efeitos previstos no artigo 726.º, n.º 6 do Código de Processo Civil»

II – É deste despacho que a Exequente apela, tendo concluído as respectivas alegações do seguinte modo:
1- A exequente dá à execução uma livrança dispondo também de um contrato de mútuo com hipoteca que é também titulo executivo.
2- Tendo em conta que as garantias dadas à obrigação exequenda quer a mesma resulte da livrança quer do contrato constituem hipoteca, será aplicável nos termos do art 550º/2 al c) do CPC, a forma do processo sumário.
3- Foi violado o art 550º/2 al c) do CPC.

Não foram produzidas contra alegações.
Veio ainda a Exequente requerer incidente de intervenção principal de M..., requerimento sobre o qual foi proferido o seguinte despacho:
«A admissão do incidente de intervenção de terceiros, no presente caso, só tem justificação se considerarmos que, para além da livrança, a exequente deu à execução uma escritura de hipoteca, na qual figura como garante hipotecária a chamada. A decisão do tribunal, que está a ser sindicada pela exequente, foi no sentido de que o título dado à execução é apenas a livrança, pelo que, tal como está definida a relação material controvertida, não há, neste momento, qualquer fundamento legal para fazer intervir essa garante hipotecária.
De todo o modo, em face do recurso interposto, e sem prejuízo do efeito que lhe foi fixado, por razões de economia processual e adequação, ficará este incidente de intervenção de terceiros suspenso até que seja decidido o recurso interposto pela exequente. Notifique».

III – O circunstancialismo fáctico processual relevante para a decisão do recurso resulta do acima relatado a que se deverá somar o teor dos documentos juntos pela Exequente, que se sintetizam e reproduzem do seguinte modo:
1 –No dia 8/3/2007 foi celebrada escritura pública intitulada de “Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca”, na qual outorgaram como primeiros outorgantes, os proprietários do prédio urbano sito na Rua ..., como segundo outorgantes M... e F... e como terceiro a C..., aqui Exequente, tendo sido dito pelos Primeiros Outorgantes: «Que pela presente escritura e pelo preço de oitenta mil euros, que já receberam, vendem, livre de onús e encargos, aos Segundos Outorgantes» o prédio urbano acima referido, tendo sido dito por estes que «aceitam esta venda nos termos exarados e que o prédio ora adquirido se destina à sua habitação (própria permanente)». Foi dito pelos Segundo e Terceiro Outorgantes na respectiva qualidade em que outorgam: «Que para financiar a aquisição do prédio urbano que acabam de realizar e atrás identificada, a C... concede aos Segundos Outorgantes um empréstimo ao abrigo do Regime Geral do Crédito à Habitação regulado pelo DL 349/98 de 11/11 e demais disposições legais complementares e aplicáveis a este regime de crédito, no montante global de oitenta mil euros. Que em garantia do bom e integral pagamento de: a) capital mutuado no montante de oitenta mil euros; b) respectivos juros remuneratórios à taxa arredondada para o oitavo de ponto superior e que para efeitos de registo de hipoteca se fixa em 6, 75%, acrescida em caso de mora, a esse título e de cláusula penal, da sobretaxa de 4 pontos percentuais, capitalizáveis; c) despesas que a C... faça incluindo com honorários de advogados e outros mandatários, que para efeitos de registo se computam em 3200 €, constituem, a favor da C..., primeira hipoteca, com a máxima amplitude legal, sobre o imóvel agora adquirido e acima identificado, livre de quaisquer ónus e limitações (…); Que atribuem ao referido prédio o valor de oitenta mil euros; Que o empréstimo e as garantias que asseguram o seu cumprimento se regem pelas cláusulas e condições constantes desta escritura e do documento complementar elaborado nos termos do art 64º do C do Notariado que a esta fica anexo e do qual os Outorgantes declaram ter perfeito conhecimento. Os documentos, sejam de que natureza forem, em que os Segundo Outorgantes figurem como responsáveis ou que titulem qualquer obrigação deles perante a C..., consideram-se em conexão com a presente escritura e desta ficarão a fazer parte integrante, para efeitsos de execução nos termos do art 50º do CPC (…)».
2- Do documento complementar a que a acima referida escritura se refere consta, entre o mais: «1. A C... concede aos Mutuários um empréstimo no montante de oitenta mil euros, pelo prazo de trinta e sete anos, a contar da presente data, ao abrigo do Regime Geral do Crédito à Habitação, regulado pelo DL 349/98 de 11/11 e demais disposições legais complementares e aplicáveis a este regime de crédito, e que se destina a financiar a aquisição do prédio acima identificado na escritura de que este documento complementar é anexo; 2. A quantia referida mutuada é entregue nesta data aos mutuários, por crédito na conta de deposito à ordem dos Mutuários com o NIB… designado por DO domiciliada na C...». Consta ainda que «os Mutuários confessam-se e constituem-se solidariamente devedores das quantias referidas (…)».
3 - Está junta aos autos a fls 16 v e ss cópia de certidão comprovativa da inscrição no registo da hipoteca atrás referida.
4 - Em 24 de Fevereiro de 2015 M... e F..., como Segundos Contraentes, a C... como Primeiro Contraente, e a Herança Aberta por óbito de F..., representada pelas suas únicas e universais herdeiras, ..., estabeleceram um contrato que designaram de “Aditamento e alteração de empréstimo à habitação com hipoteca”, referindo, entre o mais, nesse contrato, que «o montante de capital em divida ao empréstimo é nesta data de 69.637,50», e que «para reforço do empréstimo identificado no supra numero Um (o acima referido em 1 e 2) os Terceiros Contraentes constituiram hipoteca em 24/2/2015, mediande escritura de Reforço de Hipoteca exarada (…) do cartorio notarial (…) sobre o prédio urbano composto por casa de habitação de res-do-chão (…) descrito na CRP de (…)». Refere-se ainda nesse contrato, na sua cláusula segunda: «Por este acto, que constitui Aditamento ao Contrato identificado na Cláusula Primeira, é acordado e estabelecido, por conveniência e a solicitação dos Mutuários e perfeita concordância dos Terceitos Contraentes o seguinte: 1 – alterar o prazo do empréstimo de 432 meses para 480 meses, o que retroage à data do seu início, fixando-se o termo do prazo do empréstimo no dia 8/3/2047; 2 – alterar a taxa de juros aplicável a que se refere a Cláusula 3ª do contrato de empréstimo, nos termos da Cláusula 4ª seguinte; 3. o reforço de garantias mencionado no ponto um e da supra cláusula primeira». Consta da cláusula 6ª deste Contrato no respectivo ponto 3, que «as alterações, especialmente a alteração do prazo de empréstimo e da taxa de juros pressupõem o pagamento de todas as prestações devidas ate 23/2/2015, bem como a liquidação de todos os juros, despesas e demais encargos devidos 4 – Fica acordado que as presentes alterações não constituem novação da dívida (…)- O capital mutuado vence juros, contados dia a dia, em períodos mensais e postecipados, à taxa nominal anual que resultar da média aritmética simples das cotações diárias da taxa Euribor a seis meses, nos termos melhor descritos nos cláusula quarta do contrato de aditamento e alteração de empréstimo à habitação com hipoteca que ora se junta sob o documento n. º 3».
5 -A fls 22 v dos autos consta a a escritura de Reforço da Hipoteca a que faz menção o contrato anteriormente referido.
6 - Está junta aos autos a fls 27 e ss cópia da certidão do registo do reforço da hipoteca.
7 – Está junta aos autos a fls 28 cópia de livrança subscrita pelos executados, no montante de 66.246,60 €, emitida em 17/10/2011 e com vencimento à vista;
8 – Estão juntas aos autos cópias das cartas enviadas com registo e aviso de recepção aos executados e à Herança de F..., das quais consta: “Referência “Empréstimo - Nº ...; Montante - 65.575,17; Vencimento - 8/5/2017”, nas quais a Caixa refere que irá «proceder à cobrança coerciva da quantia acima referenciada e respectivos juros de mora», mas que «antes de recorrer à via judicial solicita que no prazo de 7 dias proceda ao pagamento da referida divida ou, em alternativa apresente uma proposta razoável para a sua liquidação», mais nelas se referindo que «se no prazo referido não for apresentada qualquer resposta, será intentada de imediato a competente acção judicial».
9 – Está junta aos autos a fls 31 vº “Declaração”, datada de 11/10/2017, da qual consta: «Para os devidos efeitos e a pedido dos nossos clientes F… e M… declara a C... que concedeu a esses clientes um empréstimo que adoptou o nº... e que tem à data prevista de liquidação de 11/10/2017 as seguintes referências … Data de início – 8/3/2007; Data de assinatura do contrato – 8/3/2017; capital inicial - 80.000,00 €; capital em divida - €65.575,17 (…) Juros …. Montante total a ser Reembolsado em 11/10/2017 - €66.246,60 »

IV – Do confronto da decisão recorrida com as conclusões da apelação, resulta constituir questão a apreciar neste recurso a de saber se a presente execução deverá seguir a forma sumária, como o pretende a exequente em função do diposto no art 550º/2 al c) do CPC, ou a forma ordinária, em função do disposto nessa mesma norma interpretada “a contrario”.

Constitui regra na execução para pagamento de quantia certa (pois que a execução para entrega de coisa certa e para prestação de facto se processam unicamente pela forma prevista no nº 4 do art 550º), que a mesma corre com citação prévia à penhora, implicando esse inicial procedimento a forma ordinária. A previsão da execução sem citação prévia, implicante da forma sumária neste tipo de execução, constitui desvio àquela regra, e pode resultar ou do âmbito que taxativamente para ela resulta determinado pela lei – concretamente pelo art 550º/2, falando-se a esse nível de forma sumária legal - ou da procedência de requerimento de dispensa de citação prévia - a que se reporta o art 727º, falando-se a esse nível de forma sumária judicial.- Todas as disposições legais citas são do CPC, como o serão as que se venham a referir sem indicação de proveniência diferente
Dispõe o referido arrt 550º/2 que se «emprega o processo sumário nas execuções baseadas:
a) Em decisão arbitral ou judicial nos casos em que esta não deva ser executada no próprio processo;
b) Em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória;
c) Em título extrajudicial de obrigação pecuniária vencida, garantida por hipoteca ou penhor;
d) Em título extrajudicial de obrigação pecuniária vencida cujo valor não exceda o dobro da alçada do tribunal de 1ª instância».
Tendo sido entendido no despacho recorrido que a presente execução seguiria apenas com base na livrança dada à execução, passou a estar em causa a utilização necessária da forma ordinária, por nessa situação a execução se basear (apenas) num título extrajudicial de obrigação pecuniária vencida cujo valor, sendo o de €67.246,60, excede o dobro da alçada do tribunal de 1ª instância (dobro esse correspondente a 10.000,00 €); e, por isso, se determinou que, com o aproveitamento de todos os actos processuais praticados até ao momento, fosse rectificada a autuação/distribuição de "execução sumária" para "execução ordinária" e fossem os executados citados nos termos e para o efeito do nº 6 do art 726º.
Esse entendimento implica, como decorre do que acima se referiu, que a exequente não possa antes da citação dos executados ver penhorados bens aos mesmos.
A um primeiro despacho em que se convidava a Exequente a pronunciar-se sobre o erro na forma de processo e a corrigir, se assim o entendesse, o seu requerimento executivo, por se considerar que «da análise» deste «não fica(va) claro se a exequente dispõe, também, do título previsto na alínea c) do n.º 2 do artigo 550.º do Código de Processo Civil e se, dele dispondo, o pretende accionar», seguiu-se o já referido despacho a ordenar a prossecução da execução como ordinária e a consequente citação dos executados para no prazo de 20 dias pagarem ou oporem-se à execução, na medida em que a exequente reiterou/esclareceu que «da análise do requerimento resulta existir uma hipoteca que garante a dívida exequenda, e que a mesma resulta provada consoante os documentos juntos com o R E sob n.º 1, 2, 3, 4 e 5», devendo concluir-se, pois, que o Exmo Juiz terá entendido – ainda que implicitamente - que a obrigação pecuniária cujo pagamento a exequente pretende não se mostra garantida por hipoteca, sendo que o único motivo que fez transparecer para a recusa da prossecução da presente execução (também) como hipotecária fê-lo advir da circunstância, que nele se refere, mas se não explica, de, «da escritura de mútuo com hipoteca não resultar, autonomamente, o vencimento do crédito».
Vejamos, assim, se a exequente dispõe em função dos documentos juntos, de «título extrajudicial de obrigação pecuniária vencida garantida por hipoteca».
Atente-se melhor nos documentos juntos ao nível em questão.
Com o requerimento executivo foram juntas três escrituras públicas: uma realizada em 8/3/2007, intitulada de “Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca”, que se refere à compra pelos executados para habitação própria permanente e pelo preço de oitenta mil euros do prédio urbano descrito na CRP de ..., e à constituição junto do exequente, C..., de um empréstimo naquele montante, ao abrigo do Regime Geral do Crédito à Habitação, para financiar aquela aquisição, bem como à constituição a favor da mutuante (aqui exequente) de hipoteca sobre o referido imóvel para garantia do pagamento do capital mutuado; outra, realizada em 24/2/2015, em que outorgaram, para além dos aqui executados e exequente, também a Herança Aberta por óbito de F..., representada pelas suas únicas e universais herdeiras, a executada M... e (a requerida interveniente) M..., mediante a qual estabeleceram um contrato que designaram de “Aditamento e alteração de empréstimo à habitação com hipoteca”, alteração esta que no essencial consistiu no alargamento do prazo do empréstimo e na redução dos respectivos juros, vantagens que a exequente lhes concedeu em contrapartida do reforço da garantia do empréstimo assim alterado obtida através de nova hipoteca, esta de imóvel pertencente à Herança Aberta por óbito de F..., como já se referiu, representada pelas suas únicas e universais herdeiras, M... e M...; e uma terceira escritura, esta de constituição desta segunda hipoteca.
As escrituras públicas, enquanto inquestionáveis documentos exarados por notário (art 363º/2 CC), desde que importem a constituição ou o reconhecimento de obrigação, constituem um dos títulos executivos (taxativamente) enumerados no art 703º – cfr respectiva al b).
São títulos executivos extrajudiciais privados de natureza negocial.
No que se reporta às escrituras públicas juntas aos autos, a que teve lugar em 8/3/2007 mostra-se constitutiva da aquisição do direito a uma prestação – constitutiva como é de contrato de mútuo de valor superior a €25.000,00, cfr art 1143º CC – e correlativamente, como recognitiva da obrigação de restituição própria do mútuo – art 1142º CC. Efectivamente, a entrega aos mutuários, aqui executados, dos 80.000€ correspondentes à quantia mutuada verificou-se, segundo o exarado na correspondente escritura, na própria data da mesma - cfr documento complementar à dita escritura de que consta que «a quantia referida mutuada é entregue nesta data aos mutuários, por crédito na conta de depósito à ordem dos Mutuários com o NIB… designado por DO …», bem como «os Mutuários confessam-se e constituem-se solidariamente devedores das quantias referidas …».
Como é sabido, a própria existência do contrato de mútuo depende da entrega do dinheiro ou da coisa fungivel a que se refira, por estar em causa um contrato real “quoad constitutionem” - «Aquele para cuja constituição (ou celebração) a lei exige, alem das declarações negociais das partes, a entrega da coisa que constitui o seu objecto» - Dicionário Jurídico, Ana Prata, 4º ed p 330 , não se vendo, nas circunstâncias referidas, qualquer motivo para retirar, ou de qualquer modo condicionar, a natureza ou a suficiência de título executivo, a uma escritura como aquela a que se vem fazendo referência, dita de “Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca” Refere Rui Pinto «Manual da Execução e Despejo» Coimbra Editora , 1ª impressão Agosto de 2013 , em nota de pé de pagina a fls 189: «A escritura pública de mútuo em que está previsto o prazo de restituição e as condições do emprestimo e na qual os mutuários tenham declarado no final que “aceitam o contrato na forma exarada“, implica o reconhecimento da obrigação de restituir , pelo que pode ser utuilizado como titulo executivo», .
Diga-se de passagem que nesta matéria de compra e venda com mútuo, mesmo sem hipoteca, desde que referente a prédio ou fracção destinado a habitação e em que o mutuante seja instituição de crédito autorizada a conceder crédito à habitação, desde o DL 255/93, de 15/7, que se permite a respectiva celebração por documento particular, (ainda que com reconhecimento de assinaturas), sem que se ponha em causa que tal documento constitua, sem mais, título executivo.
Acresce também a este respeito, que ainda hoje é dominantemente entendido que os instrumentos particulares constitutivos de empréstimos hipotecários lavrados nos estabelecimentos de crédito predial (mesmo que anteriores ao referido DL 255/93, de 15/7), porque se deva entender que o Decreto de 7/1/1876 se mantém em vigor, se devem entender equiparados, para todos os efeitos, às escrituras públicas Neste sentido, cfr Ac STJ 3/5/90, BMJ 397º-418 e ss; Ac STJ 24/1/1995 (Fernando Fabião), Ac RC 5/5/2015 (Alexandre Reis), Ac RP 30/11/2015 (Augusto Carvalho).
No mesmo sentido , invocando para tanto o parecer de Antunes Varela “Constituição de hipoteca a favor de bancos prediais “ in CJ 1991, Tomo III , pag 46 e ss e o parecer de Menezes Cordeiro “Hipotecas a favor de Bancos Prediais” in CJ 1991, pag 56 e ss, Mª Isabel Meneres Campos, «Da Hipoteca – Caracterização , Constituição e Efeitos», Maio de 2003, p 199 nota 652 .
No sentido oposto, ac R L 3/10/89 , CJ TIV 141 e ss , constituindo também eles título executivo.
Dúvidas não pode haver, assim, que uma escritura pública na qual se constitua em simultâneo um contrato de mútuo e uma hipoteca como garantia desse mútuo, mais ainda sendo tal mútuo destinado à aquisição de habitação e concedido por uma institução de crédito autorizada a conceder crédito à habitação, como o é a C..., constitui título executivo à luz da al b) do art 703º CPC.
E sem necessidade da complementação a que se refere o art 707º CPC- que se refere à exequibilidade dos documentos autênticos ou autenticados - visto que a dívida em causa não vem configurada nessas escrituras – na de 8/3/2017 ou na de alteração de 24/2/2015 - como resultante de obrigação futura ou condicional.
Pires de Lima/Antunes Varela, em anotação ao nº 2 do art 686º CC - «Código Civil Anotado», Vol , 2ª ed revista, p 629 - norma de que resulta, desde logo, que a obrigação garantida por hipoteca pode ser futura ou condicional - exemplificam as obrigações futuras a que o mesmo faz referência com as referidas nas als b), c) e d) do art 705º CC, postulando como denominador comum a tais obrigações, a circunstância de relativamenete a elas haver «uma relação juridica pré-constituida».
É o que sucede – no que ao mútuo se refere – com os contratos de abertura de crédito, que funcionam na prática como contratos promessa de mútuo - Contrato de abertura de crédito «é o contrato pelo qual um dos contraentes , designado por creditante, se obriga a conceder ao outro, o creditado, crédito até certo montante e em certas condições, crédito que o creditado usará (ou não) quando entender e , em principio para os fins que lhe aprouverem » - Dicionário Jurídico Ana Prata, 4ª ed p 10, acrescentando que «é discutida a natureza de contrato de abertura de crédito , dividindo-se os autores essencialmente entre aqueles que os consideram um contrato promessa de mútuo, um contrato normativo, um contrato misto ou um contrato bancário atípico» . Tendo em mira entre outros, estes contratos, pondera Isabel Meneres Campos - Obra citada, p 105 : «É frequente o registo provisório da hipoteca, antes de ser entregue ao devedor a quantia mutuada (…) Nestes casos, a garantia surge antes da dívida, mas já existe uma relação juridica entre o credor e o devedor», concluindo que nesses casos «se deve entender que o registo provisório da hipoteca equivale mais a uma promessa de hipoteca do que a uma hipoteca efectivamente constituida».
Rui Pinto define obrigação futura como «a obrigação exequenda decorrente de um contrato a que o credor está obrigado, pelo titulo executivo, a constituir mediante a entrega de uma coisa ao devedor». - Obra citada, p 193
Relativamente às obrigações condicionais, que Pires de Lima /Antunes Varela na referida anotação ao art 686º CC designam por obrigações «puramente eventuais», ponderam esses autores: «Embora a hipoteca (…) não tenha a sua base em qualquer relação juridica actual, em cuja vida a obrigação possa nascer, as necessidades práticas recomendam solução idêntica à da primeira hipótese considerada».
A respeito das mesmas e em função da sua coordenação com a norma do art 707º CPC, pronuncia-se Rui Pinto- Obra e lugar atrás citados do seguinte modo: «Contrariamente à obrigação futura stricto sensu a obrigação diz-se eventual se a obrigação exequenda vier a decorrer de um contrato que as partes não estavam obrigadas, pelo título executivo, a constituir». Explicitando a seguir: «Essa obrigação foi objecto de “previsão” das partes, como está na letra do art 50º in fine = art 707º nCPC, ou seja, de negociação pré-contratual, e ela foi, eventualmente, associada à mesma garantia real constituida para uma contemporânea obrigação actual ou apenas futura, nos termos da 1ª parte daquele artigo». Referindo ainda, para melhor compreensão: «A exequibilidade assegurada pelos art 50º= 707º NCPC permite assim usar, por exemplo, uma escritura de abertura de mútuo, com opção de mais e eventuais mútuos, acompanhada da constituição de uma hipoteca genérica ao abrigo do art 686º/2 CC, ou a própria escritura dessa hipoteca».
Estas “obrigações eventuais” surgem – no que respeita ao mútuo - como associadas às “hipotecas genéricas”. Nas palavras de Isabel Mereres Campos - Obra citada, p 106 , «trata-se de hipotecas voluntárias em que se convenciona que o devedor constitui hipoteca «para todas e quaisquer dividas, assumidas e a assumir, independentemente da sua causa». Referindo-se mais adiante - Obra citada, pag 113, no que respeita especificamente a este tipo de hipotecas, que diz preferir designar por “hipoteca global”: «Caracteriza-se por garantir uma dívida que não está determinada ab initio, sendo apenas determinado o montante máximo que assegura. As obrigações garantidas podem ter a mais variada natureza e não é limitado o seu número: pode ser abrangida pela hipoteca toda e qualquer obrigação, desde que integrável num dos critérios de globalização convencionados e desde que caiba na quantia máxima constante do registo e do titulo constitutivo (…) Relativamente a estas hipotecas (globais) é necessário que se preencham certos requisitos minimos para determinação do crédito garantido, designadamente, é preciso identificar, na data da sua constituição, a relação juridica da qual derivará a obrigação a garantir, e só se esta vier a nascer e se tornar autonomamente exigivel é que havera desenvolvimento da garantia hipotecária».
Quer no caso de obrigações futuras, quer no caso de obrigações eventuais, não basta ao título executivo o documento autêntico ou autenticado, havendo que fazer a prova complementar do título nos termos do art 707 º CPC, que deve ser feita por documento passado em conformidade com as cláusulas constantes do documento exequendo – podendo utilizar-se, para tanto, extractos de conta-corrente ou outros documentos contratuias – ou sendo o documento exequendo omisso a esse respeito, por documento revestido de força executiva própria – por exemplo, letras e livranças- devendo ter-se presente que «o titulo executivo não é o documento complementar, ainda que revestido de força executiva própria, mas, sim, o documento exarado ou autenticado». - Rui Pinto, obra citada, p 187
No caso de obrigações futuras a prova complementar traduzir-se-á, na terminogia do art 707º, na «de que alguma prestação foi realizada para conclusão do negócio» O que permite conferir a esta expressão o conteúdo que Lebre de Freitas já lhe conferia no âmbito da anterior redacção do art 50º. Para este autor a expressão “prestação futura” deverá ser feita coincidir com prestação constitutiva dum contrato real quoad constitutionem, por isso engobando os contratos de abertura de crédito, os contratos de fornecimento, as promessas de comodato depósito ou locação - cfr «A Acção Executiva depois da Reforma», 4º ed p 54 /55, e, com maior abundância de informação, «Código de Processo Anotado», I, 2ª ed, p 106-107 ; e no caso de obrigações eventuais, a respectiva prova complementar advirá da prova de que «alguma obrigação foi constituida na sequência da previsão das partes».
Se, como se viu e explicou, não havia razão para excluir a escritura pública de mútuo e constituição de hipoteca integrada com a referente à da alteração daquele e do reforço da sua garantia, como título executivo dado à execução, não sendo sequer caso de as julgar carecidas da prova complementar para esse efeito a que se reporta o art 707º CPC, centremo-nos então agora na questão da exigibilidade, visto que o despacho recorrido parece colocar na exigibilidade o motivo para a referida exclusão, ao referir que «da escritura de mútuo com hipoteca não resulta, autonomamente, o vencimento do crédito».
Sendo indubitavel que assim é – não resulta efectivamente dessa escritura ou da de reforço da de hipoteca o vencimento do crédito (bem pelo contrário no que a esta respeita, pois que aí se até condiciona o reforço da hipoteca e as correspectivas alterações em beneficio dos mutuários, referentes ao prazo do mútuo e da taxa de juros, «ao pagamento de todas as prestações devidas até 23/2/2015, bem como da liquidação de todos os juros, despesas e demais encargos devidos», podendo pois concluir-se que a essa data o contrato de empréstimo se mostraria cumprido), vejamos se, de facto, a obrigação exequenda, em função do alegado no requerimento executivo e dos documentos com ele juntos, se não deve ter por exígivel.
Dispoe o art 713º do CPC que «a execução principia pelas diligências, a requerer pelo exequente, destinadas a tornar a obrigação certa, exigível e líquida, se o não for em face do título executivo», e resulta do art 729º al a) do CPC que a inexigibilidade é fundamento de oposição à execução.
A doutrina tende a considerar as exigências de certeza, exigibilidade e liquidez da obrigação exequenda como pressupostos processuais específicos, atribuindo ao título executivo o carácter de pressuposto formal e àquelas exigências o carácter de pressupostos materiais/substanciais da acção executiva Castro Mendes, «Direito Processual Civil», vol III, 274; Lebre de Freitras, «aAcção Executiva depois da Reforma», 4ª ed, p 29, embora para este autor apenas quando eses caracteres da obrigação tenham autonomia em face do titulo. Concretamente: «…a certeza, exigibilidade e liquidez “dir-se-ia que melhor les cabe a qualificação de condições da acção executiva, mas apenas são requisitos autonomos quando não resultem presumidas do titulo executivo, caso em que são exigencias de complemento do titulo e que apenas ao executado caberá impugnar a par dos demais caracteres da obrigação» , referindo-se Teixeira de Sousa, respectivamente, à exequibilidade extrinseca e intrinseca- «Accção executiva singular»,p14/15.
Independentemente da melhor qualificação de tais requisitos como pressupostos processuais ou condições da acção executiva, como o parece preferir Rui Pinto - Obra citada, p 151 e 226 A p 226 diz : «Se o titulo executivo tem a natureza jurídica de condição formal da realização coactiva da prestação, a certeza , a liquidez e a exigibilidade da obrigação têm a natureza jurídica de condição material da realização coactiva da prestação» , no referente à exigibilidade, quando a obrigação exequenda não se mostre exigível em função do título, deverá essa exigibilidade decorrer das diligências processuais preliminares e complementares referidas no art 715º CPC e da «causa ou fundamento da obrigação exequenda», que deverá ser alegada no requerimento executivo, enquanto causa de pedir. -Refere Rui Pinto, obra citada: «Não pode deixar de se alegar a causa de pedir, isto é, a aquisição do direito à prestação (…) Mais: tratando-se de titulo executivo negocial parace decorrer do art 726º/2 al c) a necessidade de prova minima do facto constitutivo»
Relativamente à aplicabilidade do disposto no art 715º à exigibilidade, haverá que se considerar, como o opina Lebre de Freitas - Cfr. Lebre de Freitas, «A Acção Executiva Depois da Reforma da Reforma», 5ª ed., pág. 83. (ainda que a respeito dos nº 1 e 2 do antecedente art 804º), que aqueles números «têm alcance geral, pelo que se aplicam, para além dos casos neles especialmente previstos (obrigação dependente de uma condição suspensiva ou duma prestação por parte do credor ou de terceiro), a todos aqueles em que a certeza e a exigibilidade não resultam do título executivo, mas já se verificavam antes da propositura da acção executiva, assim como ainda àqueles em que, sendo a prestação exigível em face do título, o credor queira provar que ocorreu o vencimento e a mora do devedor, para evitar a condenação em custas».
Por assim ser, agora à luz do actual nº 1 do art 715º, dever-se-á entender que o exequente deverá alegar e fazer prova documental no próprio requerimento executivo de que aquela obrigação é exigivel.
Relativamente à alegação no requerimento executivo da causa de pedir, tal asserção é perfeitamente coerente com a definição de causa de pedir na execução que Rui Pinto adopta – e que nos parece a mais precisa – enquanto «facto aquisitivo do direito», mais precisamente, de «facto de aquisição pelo exequente de um direito a uma prestação» - de tal modo que, conclui, «é esse facto que deve decorrer do título executivo e não o facto do incumprimento».
E explicita: «Integrando a causa de pedir, a demonstração da exegibilidade é, em qualquer caso, condição de procedência do pedido na acção declarativa e na acção executiva, não se confundindo com uma (desnecessária) demonstração do incumprimento», pois que, «o facto negativo do incumprimento não chega a incorporar a causa de pedir, seja declarativa ou executiva. O exequente não tem de alegar e provar que a obrigação não foi pontual e integralmente cumprida. (…) Caberá ao réu alegar o cumprimento ou o facto equivalente como excepção peremptória extintiva (…) Relembre-se (…) a causa de pedir, tanto condenatória, como executiva, são os factos constitutivos ou aquisitivos do direito a uma prestação. São estes que têm de ser demonstrados pela prova ou pelo titulo executivo, respectivamente. Caberá ao réu alegar o cumprimento ou o facto equivalente como excepção peremptória extintiva».
Concluindo expressivamente - Obra citada, p 62,228 e 227
: «A exigibilidade é a qualidade substantiva da obrigação que deve ser cumprida de modo imediato e incondicional após a interpelação do devedor (…) portanto, em termos simples, obrigação exigivel é a obrigação que está em tempo de cumprimento - obrigação actual».
Na situação dos autos, o carácter exigível da quantia de 67.246,60 advém, antes de mais, da escritura pública de 8/3/2007 e da escritura de “Aditamento e alteração de empréstimo à habitação com hipoteca” que teve lugar em 24/2/2015, bem como da circunstância dos executados terem subscrito e entregue à exequente uma livrança com vencimento à vista (cfr art 34º da LULL), como a mesma invoca no ponto 8 e 9 do requerimento executivo, a qual, tendo-lhes sido apresentada a pagamento, não foi paga.
Quer através dos factos referidos nos ditos pontos 8 e 9 do requerimento inicial, quer através da junção ao mesmos da livrança, das cartas de interpelação e da “Declaração” a que se reporta o ponto 11 da matéria de facto, a Exequente mostrou no requerimento executivo que a obrigação exequenda está em tempo de cumprimento – é uma obrigação actual e tanto basta.
Como decorre do nº 1 do art 715º - que já se viu ser aplicável também à exigibilidade da obrigação exequenda – e tal como se exprimia Abrantes Geraldes ainda em função do anterior art 804º (correspondente ao actual 715º, embora não totalmente, sendo, no entanto, aquelas considerações aplicáveis à actual redacção - O anterior art 804º estabelecia uma «dualidade de regimes» , consoante a prova da condição suspensiva ou da realização da prestação se pudesse fazer por documentos, ou implicasse a produção e valoração de outros meios probatórios , sendo que no primeiro caso – suficiência da prova documental – dispensava a intervenção do juiz, cumprindo ao exequente provar o facto que condicionava a exigibilidade do debito exequendo perante o agente de execução. O que Abrantes Geraldes entendia, em função de uma interpretação correctiva do nº 1 daquela norma, é que a mesma não se aplicava nas situações em que ocorresse despacho liminar, cumprindo então ao juiz nesse despacho pronunciar-se sobre a suficiência da prova documental apresentada pelo exequente com o requerimento executivo, resultado esse equivalente ao que resulta hoje do art 715º/1 – cfr “Requisitos da Obrigação Exequenda”, in Themis , Ano Iv, nº 7, 2003 , p 68 ) «quando o juiz deva proferir despacho liminar na execução deve apreciar a prova documental apresentada pelo exequente como meio de demonstração da exigibilidade da obrigação, pressupondo a opção pela citação do executado um juízo (judicial) de suficiência de tal prova». Lembrando que, «considerando o juiz os documentos insuficientes para a demonstração da exigibilidade da dívida, deverá proferir despacho de aperfeiçoamento (…) convidando o exequente, nomeadamente, a suprir a insuficiência através de outros meios probatórios (…)»- Lugar atrás citado, p 69 .
No que à situação dos autos se reporta pode objectar-se que a Exequente poderia ter precisado melhor as circunstâncias em que a livrança em causa foi emitida, mas o facto de o não ter feito não torna a obrigação exequenda inexigivel, devendo sempre ter-se presente que será aos executados que cabe invocar o cumprimento como facto extintivo - art 729º/al g) e art 731º.
O que se verifica, em função dos factos alegados no requerimento executivo e dos documentos com ele juntos, é que o facto da aquisição pela exequente do direito à prestação de €67.246,60 se mostra titulado de modo múltiplo – por um lado, em função da escritura pública de 8/3/2007 e da escritura de “Aditamento e alteração”, conjugadas com a circunstância dos executados terem subscrito e entregue à exequente uma livrança com vencimento à vista que lhes foi apresentada a pagamento e não foi paga, por outro, e autonomamente, em função da livrança.
Mas isso não torma menos claro que a exequente «dispõe também do título previsto na al c) do nº 2 do art 550º CPC e que o pretende accionar», pelo que deve o despacho recorrido ser revogado para que a execução corra na forma sumária.
Em conclusão:
1- Uma escritura pública na qual se constitua em simultâneo um contrato de mútuo e uma hipoteca como garantia desse mútuo, mais ainda sendo tal mútuo destinado à aquisição de habitação própria permanente e concedido por uma institução de crédito autorizada a conceder crédito à habitação, como o é a aqui exequente, constitui título executivo à luz da al b) do art 703º CPC, porque importa a constituição e o reconhecimento de obrigação.
2 - E sem necessidade da complementação a que se refere o art 707º CPC- que se refere à exequibilidade dos documentos autênticos ou autenticados - visto que a dívida em causa não vem configurada nessas escrituras – na de 8/3/2017 ou na de alteração de 24/2/2015 - como resultante de obrigação futura ou condicional.
3- Trata-se esse titulo executivo de um título extrajudicial de obrigação pecuniária garantida por hipoteca.
4 - Os documentos juntos com o requerimento executivo, em que avulta, para este efeito, uma livrança com vencimento à vista, e a invocação pela exequente de que tendo esta sido apresentada a pagamento aos executados, não foi paga, bem como a junção ao requerimento executivo das cartas de interpelação e da “Declaração” a que se reporta o ponto 11 da matéria de facto, de que resulta que o montante da dívida corresponde ao inscrito naquela livrança, permitem, ao abrigo do disposto no art 715º - tambem aplicavel à exigibilidade – que se conclua para efeitos liminares na execução que aquela obrigação pecuniária garantida por hipoteca se mostra vencida. De todo o modo, se o juiz assim o não entendesse, deveria ter potenciado o suprimento pelo exequente dessa insuficiência probatória, mediante outros meios probatórios, e não indeferir liminarmente a prossecução da execução com base na escritura pública de 8/3/2017.
5 - A exequente dispõe como base para a execução, para além da livrança, também do título previsto na al c) do nº 2 do art 550º CPC, pelo que esta deverá correr na forma sumária.
V – Pelo exposto, acorda este Tribunal em julgar a apelação procedente, revogando o despacho recorrido e determinando que a execução corra na forma sumária, nos termos da al c) do nº 2 do art 550º CPC.
Sem custas.
Coimbra, 13 de Novembro de 2018
Maria Teresa Albuquerque
Manuel Capelo
Falcão de Magalhães