Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
132/08.7TASRE.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALICE SANTOS
Descritores: DIFAMAÇÃO
TIPO SUBJECTIVO DE ILÍCITO
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
PROVA DIRECTA
PROVA INDICÁRIA
CONVITE PARA APERFEIÇOAMENTO
Data do Acordão: 10/27/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: 181º, 182º E 184º DO CP ;124º,125. 127º, 155º,412º E 417º E 428º DO CPP
Sumário: 1.Se o recorrente no corpo da motivação do recurso não enuncia as especificações a que se refere o artigo 412º, nº3 e 4 do CCP, não se justifica o convite (artigo 417º,nº3 do mesmo diploma) à correcção das conclusões daquela motivação.
2.Os factos integradores do tipo subjectivo de ilícito, v.g. relativos à intenção criminosa, normalmente não resultam provados através de prova directa, mas de prova indicaria. Na normalidade das situações, é da prova de factos materiais e objectivos, que não fazendo parte dos concretos factos integradores do tipo de ilícito que o tribunal, por inferência, no respeito das regras da lógica e da experiência comum , dará ou não como provados factos integradores do tipo subjectivo de ilícito.
Decisão Texto Integral: 19

No processo Comum Singular, supra identificado, após a realização audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença que julgou a acusação pública procedente e consequentemente condenou o arguido A pela autoria material e em concurso efectivo de dois crimes de difamação agravados, p. e p. pelos art.º 180.º, 1, 182.º e 184.º com referência ao 132.º, 2 l), todos do Cód. Penal,
- nas penas individuais de noventa ( 90 ) dias de multa, à razão de oito euros ( € 8 ) dia,
- fixando-se a pena única, do cúmulo jurídico, em cento e vinte ( 120 ) dias de multa, à razão de oito euros ( € 8 ) dia, num total de novecentos e sessenta euros ( € 960 ).
- Verificada que seja a hipótese do art.º 49.º, 1, do Cód. Penal, o arguido cumprirá oitenta ( 80 ) dias de prisão subsidiária.
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Julgou parcialmente procedentes os pedidos cíveis e condenou o arguido/demandado a pagar aos AA.:
- Dr. V, a importância de novecentos euros ( € 900 ), a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora sobre o referido montante, à taxa anual de 4%, desde a notificação até integral pagamento;
- Dr. M , a importância de novecentos euros ( € 900 ), a título de indemnização por danos não patrimoniais.
Inconformada com esta decisão, dela interpôs recurso o arguido, A que na respectiva motivação concluiu:
1. - A sentença não faz correcta interpretação dos factos e adequada aplicação do direito por uma errónea prova no tocante à verificação do elemento subjectivo da imputação
2. - Na sequência de uma sugestão do Exmº Senhor Provedor de Justiça o recorrente por não entender a demora na resolução dos seus problemas jurídicos e considerar que a solução final não era a mais justa, enviou ao Conselho de Deontologia da Ordem dos Advogados em 22/02/2008, uma exposição a qual chegou ao conhecimento dos recorridos em 27/02/08.
3.- Em face dessa exposição veio o recorrente a ser condenado pela pratica de dois crimes de difamação agravada considerando o Tribunal "a quo” que mesma assentava na forma como estava adjectivada, visando atingir a reputação pessoal e profissional dos queixosos ora recorridos, indo ao ponto de considerar que se encontrava preenchido o elemento subjectivo da imputação (o dolo), dando, assim, como provado que o recorrente “Agiu livre, deliberada e conscientemente”, tendo, para tal conclusão lançado mão de uma presunção natural a idade do arguido e experiência de vida.
4. - Por ser assim, desde já, não se pode deixar de colocar o enfoque, aliás tal como é reconhecido pelo M. Juiz "a quo” no facto de o recorrente ser uma pessoa simples e sem escolaridade alguma, pelo que se coloca a questão de saber se o recorrente - ao utilizar as expressões que foram consideradas como difamatórias pelo Tribunal "a quo” - tinha consciência e conhecimento de que as mesmas eram atentatórias da honra e consideração dos visados?!
5. - Para aquilatar essa falta, de consciência, basta atentar na posição assumida pelo arguido ao afirmar de urna forma objectivamente convincente, que não pretendeu ofender os recorridos, mas simplesmente expor uma situação que o preocupava e na posição que consta no Douto Despacho de fls 156 e ss, onde se encontra escrito que “…Dos autos não resulta indiciado que o denunciado, ao fazer a participação em causa, tivesse consciência… "Assim, não resulta dos autos que o autor da dita participação tivesse a consciência da falsidade dos factos aí relatados”.
6. - Em conformidade com esta situação face a reconhecida, falta de consciência (de ilicitude) perante uma realidade, ter-se-á que concluir, seguindo os mesmos princípios de equidade, de igualdade e de não discriminação que essa mesma falta de consciência (de ilicitude) terá que ser transportada para a forma como o recorrente pautou toda a sua actuação e que culminou numa condenação por dois crimes de difamação agravada-
7. - A ser assim, existindo só uma consciência (de ilicitude), ter-se-á que concluir que o recorrente, ao utilizar as expressões, que foram consideradas corno difamatórias, para o M. Juiz "a quo" foram a titulo negligente E, em consequência, reste tipo de imputação criminal, a negligência não é punida.
8 - No caso vertente, na verdade não teria sido possível sair do estado de incerteza, precisamente no escopo de atingir a verdade material, tanto mais que essa realidade apurada como certa pelo M. juiz “a quo", não foi sustentada em nenhuma prova, mas, sim, numa mera presunção. Por falar em presunção não seria, também, de presumir que uma pessoa com 83 anos, doente, com o seu registo criminal imaculado, que ao longo da vida árdua de trabalho tenha adoptado um comportamento conforme o direito, não era, agora, na recta final da sua vida, que o iria alterar?'
9. - Ao contrario da posição defendida pelo M. juiz “a quo” não resultou provado que o arguido tenha proferido, de uma forma consciente, deliberada e livre as expressões que lhe foram imputadas e que, com esse seu comportamento pretendesse atingir a honra, consideração e bom nome dos queixosos, pelo que na falta de um dos elementos da infracção (o elemento subjectivo), inexiste crime, e, a ser assim, a solução deveria ter sido considerar os factos em questão como não provados segundo o principio in dubio pro reo.
10 - Quanto ao pedido cível formulado pelo recorrido, Dr M , não se pode deixar de constatar que o mesmo assenta unicamente, no depoimento
Dos recorridos, os quais tinham interesse directo no desfecho da acção, e como refere Enriço Altavilla “Ao deduzir pedido de indemnização o ofendido é pessoa demasiado interessada para que abstractamente, não deva parecer uma prova bastante suspeita”, acrescentando-se mesmo que esta seja acompanhada por prova, também ela interessada no mesmo desfecho. Relativamente ao pedido cível formulado pelo recorrido Dr V, não se pode deixar de constatar que os alegados danos morais sofridos (incómodos transtorno/perturbações) foram manifestados pelo ofendido em conversa tida com as testemunhas por si indicadas, no ano de 2009 (!...) Ora, não seria perceptível que as testemunhas, passado mais de um ano, tivessem dado conta do estado de espírito em que se encontrava o ofendido se se tiver em consideração que os supostos danos morais tiveram como epicentro 27 de Fevereiro de 2008 (data do conhecimento da participação feita à ordem dos Advogados), as testemunhas só foram confrontadas com esse suposto estado de espírito em 2009, não se tendo apercebido, antes, dessa ou de outra realidade.
11. - O Tribunal “a quo” cometeu, assim um erro notório na apreciação da prova, ao considerar que o arguido devia ser condenado pelos crimes de que vinha acusado. por entender que se verificou o elemento subjectivo da imputação, tendo por base unicamente uma presunção natural, por contraponto ao depoimento do arguido e da posição assumida pelo Distinto Magistrado do Ministério Publico do DIAP de Coimbra que reconheceu que perante determinados tactos constantes no mesmo texto não tinha existido consciência e a dinâmica dos acontecimentos que, ao contrario do entendido, na sua essência teriam ser valoradas, favoravelmente, ao arguido, tanto mais não seja, fazendo apelo ao princípio in dubio pro reo.
12.- Assim, através do presente recurso, pretende-se pôr em causa toda fundamentação de facto e de direito invocada pelo M. JUIZ “a quo” sobretudo a parte em que levou a concluir que o arguido tinha actuado de forma livre deliberada e conscientemente, e, em consequência, pretende-se que a decisão do Tribunal "a quo” seja alterada de forma a que o arguido seja absolvido dos dois crimes que foi condenado e, consequentemente, dos respectivos pedidos de indemnização.
Termos em que, e sempre com o muito douto suprimento, dando provimento ao presente recurso, alterando a decisão recorrida, de forma a que o recorrente venha a ser absolvido pelos crimes que foi condenado e respectivos pedidos cíveis farão Vs Exªs serena, sã e objectiva JUSTIÇA

Foi admitido o recurso a subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito suspensivo.

Respondeu o Digno Procurador Adjunto manifestando-se pela improcedência do recurso defendendo a manutenção da decisão recorrida.

Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual se manifesta pela improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais e efectuada a conferência, cumpre agora decidir.

O recurso abrange matéria de direito e de facto já que a prova se encontra documentada.

Da discussão da causa resultaram provados os factos seguintes constantes da decisão recorrida:

Da acusação:

1. M e V exercem a profissão de advogados, inscritos na Ordem dos Advogados Portuguesa e, à data da prática dos factos, a seguir narrados, exerciam funções nessa qualidade.
2. Cada um dos dois referidos advogados fora advogado do arguido e, nessa qualidade, prestara os serviços jurídicos inerentes à profissão que desempenhara e que o arguido solicitara.
3. Por carta datada de 22.02.2008, recebida no Conselho de Deontologia de Coimbra da Ordem dos Advogados a 25.02.2008, e cujo conteúdo chegou ao conhecimento dos visados por C/R em mão a 27.02.2008, o arguido fez queixa dos mesmos, enquanto seus advogados e nos processos e litígios em que esteve envolvido, nos seguintes termos:

“Venho por esta via participar a V. Exas., o meu descontentamento para com um dos advogado pertencente á vossa ordem, deste modo denuncio o Dr. V pela falta de profissionalismo e pelo prejuízo que me causou.
Para V. Exas., terem conhecimento dos actos que têm estado a ser praticados, tem sido actos vergonhosos (…).”
Alegando que ao mudar de advogado ( do Dr.M para o Dr. V ) … “o Dr. V ficou sempre sem nada fazer sem o consultar, foi o que eu me apercebi, o antigo advogado, no meu entender ‘ficou sempre com a mãozinha na argola’, como se pode verificar, foi sempre adiando, … continuaram ( referindo-se aos dois visados ) a fazer barbaridades, no meu entender o Dr. M deve ter muitas culpas nestes actos, porque o processo de pombal o Dr.M é afilhado da ré deste modo o Dr. V deve ter sido manipulado pela madrinha do M, este é o meu palpite, que sempre notei que o Dr. V não ligava nenhuma ao processo que veio das mãos do Dr.M , em qualquer dos actos não interveio em nada, … tudo mentiras, tudo ‘arranjinhos’” …
Refere ainda o arguido que o Dr. V, enquanto seu advogado, nada fazia, “não se preocupou em defender os meus interesses, as minhas causas, perdi muito dinheiro e sempre lhe paguei para me defender.”

4. Agiu livre, deliberada e conscientemente;
5. Com a finalidade de atingir o bem nome e reputação pessoal e profissional dos visados, por causa das funções profissionais de advogados;
6. Sabia a sua conduta proibida por lei e criminalmente punível.
7. Aufere cerca de € 300 líquidos mensais ( reforma ); vive com a esposa, que aufere cerca de € 300 líquidos mensais ( reforma ), em casa própria, sendo ajudado economicamente pelos filhos; não frequentou a escola;
8. Não se lhe conhecem antecedentes criminais.

Dos pedidos cíveis:

9. Como consequência da conduta do arguido, o A. Dr. V sentiu-se perturbado;
10. E o A. Dr. M incomodado e transtornado.
11. O A. Dr. V aufere cerca de € 1 000 líquidos mensais; vive com a companheira, operadora de caixa de hipermercados, e um filho ( de 6 anos de idade ), em casa própria – pagando de amortização de empréstimo contraído para sua aquisição a quantia de € 325 mensais; despende € 170 mensais com a renda do escritório; tem a Licenciatura em Direito;
12. O A. Dr. M aufere cerca de € 1 500 líquidos mensais; vive com a esposa, professora do ensino secundário reformada, em casa própria; tem a Licenciatura em Direito.

Da defesa:

13. Por carta datada de 26.09.2007 dirigira-se o arguido à Provedoria de Justiça apresentando queixa relativa a processos judiciais;
14. Em resposta, a Provedoria de Justiça informou o arguido, por carta datada de 9.10.2007, nos seguintes termos:
Caso pretenda pôr em causa a actuação de magistrados judiciais ou de advogados, deverá dirigir-se ao Conselho Superior da Magistratura (…) ou à Ordem dos Advogados, entidades que detêm, em exclusivo e respectivamente, a competência disciplinar relativamente àquelas classes profissionais.”
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factos não provados:

Da defesa:

15. O arguido não teve consciência/intenção de ofender os visados na sua honra, consideração e dignidade profissional.

Quaisquer outros factos emergentes da discussão da causa, para além dos que ficaram descritos como provados.
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[ De salientar aqui que não se fez constar dos factos provados e/ou não provados a matéria da acusação / pedido cível que conforma matéria de direito, juízos de valor, conclusões ou se considerou irrelevante para a decisão da causa ].
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B. A CONVICÇÃO.

Convicção do tribunal:
Foram determinantes para a fundamentar:

Factos provados:

1.º a 3.º: As declarações do arguido – que reconheceu essa factualidade, precisando que a carta enviada ao CDOA foi escrita por um familiar e ditada por si, e fê-lo porque o processo executivo não andava; foi ao processo e descobriu que eram os advogados que pediam os adiamentos, não sendo estes provocados por culpa das juízas, como lhe diziam os advogados –, complementadas pelo teor do doc. de fls. 15/6 ( cópia da participação efectuada pelo arguido e dirigida ao Conselho Deontológico de Coimbra da Ordem dos Advogados, de cujo teor de extraem os elementos dados por assentes;
4.º a 6.º: Presunção natural – atenta a idade do arguido e experiência de vida;
7.º: As declarações do arguido – informando o tribunal sobre os seus elementos pessoais – que, na ausência de outros elementos mais consistentes, se consideraram atendíveis;
8.º: O teor do doc. de fls.195 ( CRC do arguido, de onde resulta nada constar );
9.º: As declarações do respectivo A. cível – confirmando essa factualidade –, corroboradas pelo depoimento da testemunha Dr. M , também visado – que confirmou o agastamento ou perturbação daquele, mal soube da participação/queixa;
10.º: As declarações do respectivo A. cível – confirmando essa factualidade –, corroboradas pelos depoimentos das testemunhas AC AM e CMS, todos colegas do visado – que confirmaram o incómodo e transtorno/perturbação manifestados por aquele em conversa que manteve com todos, já no decorrer do ano de 2009, relativa à queixa/participação;
11.º e 12.º: As declarações dos AA. cíveis – informando o tribunal sobre os seus elementos pessoais – que, na ausência de outros elementos mais consistentes, se consideraram atendíveis;
13.º e 14.º: O teor do doc. de fls. 199 ( cópia da resposta da Provedoria de Justiça ao arguido, de onde resultam os elementos dados por assentes ), complementado pelos depoimentos das testemunhas AS, ex-oficial de justiça no Tribunal Judicial da Comarca de Soure – que precisou que o arguido se dirigia regularmente ao tribunal para saber o estado dos processos, às vezes acompanhado dos advogados; adiantou que o arguido lhe chegou a perguntar se a razão de o processo não andar era imputável ao tribunal ou não, aconselhando-o o depoente a informar-se junto dos advogados ou a fazer-se acompanhar dos mesmos – e JN, amigo do arguido – que referiu que o arguido andava preocupado com os processos.

Factos não provados:

15.º: Prova em sentido contrário: vd. convicção relativa aos factos 4. a 6.
As expressões objectivamente difamatórias constantes do teor da queixa e supra dadas por reproduzidas não têm outra pretensão se não a dada por provada. O saber da experiência feito de um cidadão com a idade do arguido, mesmo que pessoa simples e sem escolaridade alguma, aponta de forma peremptória nesse sentido.
Se a queixa/participação se limitasse a narrar factos, achar-se-ia desprovida dessa consciência/intenção. É quando sai da esfera factual para adjectivar comportamentos, emitindo juízos de valor, que o arguido manifesta esse específico propósito de atingir a reputação pessoal e profissional dos visados.
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Cumpre, agora, conhecer do recurso interposto.

O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. Portanto, são apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar.

Questões a decidir:
- Se foram incorrectamente julgados os factos constantes dados como provados;
- Se foi violado o disposto no art 410 nº 2 al c) do CPP;
- Se foi violado o principio in dúbio pró reo;

As declarações prestadas em audiência de discussão e julgamento, encontram-se documentadas conforme o disposto no art 363º do Código Processo Penal. Assim, toda a prova produzida em julgamento encontra-se devidamente gravada.
No entanto, o recorrente e apesar de pretender impugnar a matéria de facto dada como provada em julgamento não fez a especificação por referência concreta aos suportes técnicos.
Ora, dispõe o art 412 nº 3 do Código Processo Penal:
“Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar.
a) Os concretos pontos de facto que considere incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.”
E o nº4 “Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no nº 2 do art 364, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação”.
Portanto, quando o recorrente impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto deve especificar, além do mais “as provas que impõem decisão diversa da recorrida”, devendo tal especificação fazer-se “por referência ao consignado na acta” em conformidade com o preceituado no nº 2 do art 364.
O recorrente não deu satisfação a tal ónus, quer na motivação, quer nas conclusões não especificou, por referência ao consignado na acta, as provas que, na sua perspectiva, impõem decisão diversa da impugnada, não indicou os pontos incorrectamente julgados e não indicou com referência às actas os excertos que, em seu entender, impõe uma decisão diversa. O recorrente limita-se a criticar a forma como o tribunal apreciou os depoimentos das testemunhas e, procede á transcrição, sem qualquer referência, de partes dos depoimentos prestados.
Assim sendo, o incumprimento daquele ónus acarreta a impossibilidade de o tribunal de recurso modificar a decisão proferida sobre a matéria de facto.
Aliás, neste sentido decidiu o acórdão nº 140/2004, processo nº 565/2003 de 10/3/2004 (DR II série, nº 91 de 17/4/2004), ainda Ac RLx de 20/10/99, in CJ, XXIV, 4, 153 e Ac RC de 30/1/02, in CJ XXVII, 1, 44 e 45.
É verdade que o art 417 nº 3 do CPP estipula que se a motivação do recurso não contiver conclusões ou destas não for possível deduzir total ou parcialmente as indicações previstas nos nºs 2 a 5 do art 412º, o relator convida a recorrente a apresentar, completar ou esclarecer as conclusões formuladas, no prazo de 10 dias, sob pena de o recurso ser rejeitado ou não ser conhecido na parte afectada.
No entanto, o aperfeiçoamento não permite modificar o âmbito do recurso que tiver sido fixado na motivação (art 417 nº 4 do CPP).
Ou seja, só é possível o convite para a correcção quando essa correcção se processa dentro dos termos da própria motivação e não constitua uma substituição, mesmo que parcial da motivação.
Como vem referido no Ac desta Relação de 2 de Abril de 2008 no processo 604/05.5PBVIS.C1 “quando o recorrente expõe consistentemente as razões concretas da sua discordância, mas depois, por lapso, não as assinala devidamente nas conclusões existem razões que se fundamentam na proibição de excesso, no princípio da proporcionalidade constitucionalmente consagrado no art 18º nº 2 da CRP que justificam a convite e a consequente possibilidade de correcção.
Porém, quando o recorrente no corpo da motivação do recurso não enunciou as especificações, o convite à correcção não se justifica porque para se obter a harmonização entre as conclusões, o corpo da motivação e a obrigação legal de especificação seria necessária uma reformulação substancial das motivações e das conclusões, o que significaria a concessão da possibilidade de um novo recurso, com novas conclusões e inovação da motivação, precludindo a peremptoriedade de prazo de apresentação do recurso.
No caso vertente, nem na motivação, nem nas conclusões existe qualquer menção ás provas que impõem decisão diversa e nem de forma genérica se faz referência aos pontos de factos considerados incorrectamente julgados, pelo que não se justifica o convite ao aperfeiçoamento.
Aliás, do recurso interposto, nomeadamente, das conclusões verifica-se que o recorrente apenas pretende atacar a forma como o tribunal a quo valorou a prova produzida.
Assim, tem-se como assente a matéria de facto.

No entanto sempre se dirá e como já foi referido, que o que afinal o recorrente faz é impugnar a convicção adquirida pelo tribunal a quo sobre determinados factos em contraposição com a que sobre os mesmos ela adquiriu em julgamento, esquecendo a regra da livre apreciação da prova inserta no art 127.
De acordo com o disposto no art 127 a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
“O art 127 do Código Processo Penal estabelece três tipos de critérios para avaliação da prova, com características e naturezas completamente diferentes: uma avaliação da prova inteiramente objectiva quando a lei assim o determinar; outra também objectiva, quando for imposta pelas regras da experiência; finalmente, uma outra, eminentemente subjectiva, que resulte da livre convicção do julgador.
A prova resultante da livre convicção do julgador pode ser motivada e fundamentada mas, neste caso, a motivação tem de se alicerçar em critérios subjectivos, embora explicitados para serem objecto de compreensão” (Ac STJ de 18/1/2001, proc nº 3105/00-5ª, SASTJ, nº 47,88).
Tal como refere o Prof Germano Marques da Silva no Curso de Processo Penal, Vol II, pg 131 “... a liberdade que aqui importa é a liberdade para a objectividade, aquela que se concede e que se assume em ordem a fazer triunfar a verdade objectiva, isto é, uma verdade que transcende a pura subjectividade e que se comunique e imponha aos outros. Isto significa, por um lado, que a exigência de objectividade é ela própria um princípio de direito, ainda no domínio da convicção probatória, e implica, por outro lado, que essa convicção só será válida se for fundamentada, já que de outro modo não poderá ser objectiva”.
Ou seja, a livre apreciação da prova realiza-se de acordo com critérios lógicos e objectivos.
Sobre a livre convicção refere o Professor Cavaleiro de Ferreira que esta « é um meio de descoberta da verdade, não uma afirmação infundada da verdade» -Cfr. "Curso de Processo Penal", Vol. II , pág.30. Por outras palavras, diz o Prof. Figueiredo Dias que a convicção do juiz é "... uma convicção pessoal -até porque nela desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais -, mas em todo o caso, também ela uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros ."- Cfr., in "Direito Processual Penal", 1º Vol., Coimbra Ed., 1974, páginas 203 a 205.
O principio da livre apreciação da prova assume especial relevância na audiência de julgamento, encontrando afloramento, nomeadamente, no art. 355 do Código de Processo Penal. É ai que existe a desejável oralidade e imediação na produção de prova, na recepção directa de prova.
No dizer do Prof. Germano Marques da Silva "... a oralidade permite que as relações entre os participantes no processo sejam mais vivas e mais directas, facilitando o contraditório e, por isso, a defesa, e contribuindo para alcançar a verdade material através de um sistema de prova objectiva, atípica, e de valoração pela intima convicção do julgador (prova moral), gerada em face do material probatório e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento dos homens". -Cfr. "Do Processo Penal Preliminar", Lisboa, 1990, pág. 68”.
O principio da imediação diz-nos que deve existir uma relação de contacto directo, pessoal, entre o julgador e as pessoas cujas declarações irá valorar, e com as coisas e documentos que servirão para fundamentar a decisão da matéria de facto.
Citando ainda o Prof. Figueiredo Dias, ao referir-se aos princípios da oralidade e imediação diz o mesmo:
«Por toda a parte se considera hoje a aceitação dos princípios da oralidade e da imediação como um dos progressos mais efectivos e estáveis na história do direito processual penal. Já de há muito, na realidade, que em definitivo se reconheciam os defeitos de processo penal submetido predominantemente ao principio da escrita, desde a sua falta de flexibilidade até à vasta possibilidade de erros que nele se continha, e que derivava sobretudo de com ele se tomar absolutamente impossível avaliar da credibilidade de um depoimento. (...). Só estes princípios, com efeito, permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais correctamente possível a credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais ". -In "Direito Processual Penal", 10 Vol., Coimbra Ed., 1974, páginas 233 a 234 .
Assim, e para respeitarmos estes princípios se a decisão do julgador, estiver fundamentada na sua livre convicção e for uma das possíveis soluções segundo as regras da experiência comum, ela não deverá ser alterada pelo tribunal de recurso. Como se diz no acórdão da Relação de Coimbra, de 6 de Março de_2002 (C.J., ano XXV|II, 20, página 44) "quando a atribuição da credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear na opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum".
Ora, se atentarmos aos factos apurados e compulsada a fundamentação temos de concluir que os juízos lógico-dedutivos aí efectuados são acertados, designadamente no que se refere aos factos apurados e postos em questão pelo recorrente.
O Sr juiz na decisão recorrida, nomeadamente, em sede de convicção probatória, explica de forma clara e coerente os seus juízos lógico-dedutivos, analisando cada uma das diversas provas tidas em consideração.
O recorrente com a sua argumentação apenas pretende e com já se referiu extrair dos elementos analisados uma diferente convicção.
O recorrente fez o seu próprio julgamento pretendendo, agora impor o seu próprio raciocínio.
A decisão recorrida encontra-se devidamente fundamentada, não apontando o recorrente qualquer fundamento válido que a possa abalar.
O recorrente ao impugnar a matéria de facto esquece elementos de prova nos quais o tribunal se baseou. É no conjunto de todos esses elementos que se fundamenta a convicção e não, apenas, num ou noutro dos mesmos elementos” (Rec nº 2541/2003).
É o que acontece no caso dos autos.
O recorrente entende que não agiu com intenção de difamar os ofendidos mas, simplesmente expor uma situação que o preocupava.
Ora, a matéria apurada baseia-se na prova testemunhal e documental produzida em julgamento. Tendo a factualidade apurada apoio na prova produzida e encontrando-se devidamente fundamentada, nada há a alterar. Na verdade é o juiz de julgamento que tem em virtude da oralidade e da imediação, uma percepção própria do material probatório que nós, neste Tribunal, não temos. O juiz do julgamento tem um contacto vivo e imediato com todas as partes, ele questiona, ele recolhe todas as impressões e está atento a todos os pormenores.
Como refere Damião da Cunha (RPCC, 8º, 2º pg 259) os princípios do processo penal, a imediação e a oralidade, implicam que deve ser dada prevalência às decisões da 1ª instância” (Ac RP nº 6862/05).
Sustenta o recorrente que não agiu com consciência da ilicitude. Ora, no que respeita ao elemento subjectivo este, não é susceptível de apreensão directa por pertencer ao foro íntimo de cada um, pelo que só pode ser captado através de presunções legais, em conexão com o princípio da normalidade e as regras da experiência que permitam inferi-lo a partir de factos materiais comuns entre os quais avulta o preenchimento da materialidade da infracção.
Portanto, a partir de determinados factos e à luz das regras da experiência podemos concluir pela intencionalidade pela forma como agiu o arguido. Portanto, a intenção com que o recorrente agiu retira-se, extrai-se, da matéria de facto. É através da realidade factual que lhe está subjacente que o Tribunal e recorrendo às regras da experiência tem de concluir pela intencionalidade ou não do agente.

É óbvio que alguém que actua na forma e nas circunstâncias em que o arguido o fez, mesmo não tendo instrução, tem consciência das palavras que está a ditar, sabendo o seu significado e sabendo que, com as mesmas, vai atingir os visados. Pelo menos o arguido ao ditar as expressões aqui em causa, sabendo portanto, o seu significado, tem que representar como possível que vais ofender os visados na sua honra e consideração.
Portanto, tudo conjugado com as regras da experiência comum, a prova produzida em audiência de julgamento, quer prova testemunhal, quer a prova documental não poderia conduzir a outra apreciação e decisão senão aquela que foi proferida pela Meritíssima Juiz" a quo ".
E este Tribunal da Relação apenas pode controlar e sindicar a razoabilidade da opção tomada pelo tribunal “a quo”, o bom uso do princípio da livre convicção, com base na motivação da sua escolha.
Ora, da motivação resulta que a convicção do tribunal não é puramente subjectiva, intuitiva e imotivável, mas antes resultou da livre apreciação da prova, da análise objectiva e critica da prova. A solução a que chegou o tribunal é razoável atendendo á prova produzida e está fundamentada. Na verdade, face a todo o material probatório tudo indica que o tribunal recorrido captou a verdade material.

O recorrente alega que existe erro notório na apreciação da prova, esquecendo-se que de acordo com o artº 410 do CPP, qualquer dos vícios consignados naquele nº 2 para relevar, têm que resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, ou seja, está vedada a possibilidade de consulta de outros elementos constantes do processo.
O recorrente frisa que o acórdão padece do vício constantes do art 410 nº 2 al as, ou seja, erro notório na apreciação da prova no entanto, o que o recorrente faz é manifestar-se contra o modo como o tribunal fixou a matéria de facto.
Ora, vejamos:
Só há erro na apreciação da prova, quando:
- “há erro na crítica dos factos. Não se confunde com erro na sua apreciação em ordem a aplicar o direito;
- se decide contra o que resulta de elementos que constam dos autos e cuja força probatória não foi infirmada, ou de dados de conhecimento público generalizado;
- se emite juízo sobre a verificação ou não de certa matéria de facto e se torne incontestável a existência de tal erro de julgamento sobre a prova produzida;
- se afirma algo que se não pode ter verificado;
- se retira de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável;
- se valoriza prova contra regras da experiência comum ou critérios legalmente fixados
- é um erro de raciocínio na apreciação das provas, evidenciado pela simples leitura do texto da sentença. As provas revelam, claramente um sentido e a decisão extrai ilação contrária, logicamente impossível, incluindo na matéria de facto ou excluindo dela, algum facto essencial.
- Dá-se como provado o que notoriamente está errado, não pode ser.
No caso vertente não se verifica a existência deste vício.
O tribunal foi claro quanto à formação da sua convicção e que não nos merece qualquer dúvida ou censura.
Atento os factos apurados e compulsada a fundamentação do Tribunal não se vislumbra qualquer erro na apreciação da prova.
O que recorrente faz é a sua interpretação dos factos o que não corresponde ao que a sentença recorrida deu como provado.
Aliás, o Tribunal foi minucioso e cuidadoso no apuramento da matéria de facto, fez um exame crítico das provas e indicou as provas em que se fundou para formar a sua convicção, indicando a razão de ciência de cada uma das pessoas cujos depoimentos tomou em consideração.

Refere o recorrente que com a falta do elemento subjectivo, não há crime e, por isso, a solução deveria ter sido considerar os factos em questão como não provados segundo o princípio in dúbio pro reo.
A presunção da inocência é identificada com o princípio “in dubio pro reo”, “no sentido de que um non liquet na questão da prova tem de ser sempre valorado a favor do arguido”.
O Tribunal de recurso apenas pode censurar o uso feito desse principio se da decisão recorrida resultar que o Tribunal a quo chegou a um estado de dúvida insanável e que, face a ele, escolheu a tese desfavorável ao arguido (Ac STJ de 2/5/996 in CJ, ASTJ, Ano VI, 1º, pg, 177).
No caso “sub judice”, não há lugar a aplicação de tal princípio. Na verdade, as provas existentes nos autos são deveras convincentes e não criaram ao tribunal recorrido qualquer dúvida que levasse o mesmo a socorrer-se do referido princípio, de molde a proferir um juízo decisório favorável ao arguido.

Quanto ao pedido cível este Tribunal nada tem a referir uma vez que o recurso e, nessa parte, não foi admitido.

Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a douta sentença recorrida.

Custas pelo recorrente fixando-se a taxa de justiça em 8 ucs.

Coimbra,

Alice Santos

Belmiro Andrade