Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3/10.7PACVL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULO GUERRA
Descritores: CONDUÇÃO SOB INFLUÊNCIA DO ÁLCOOL
CONTRAPROVA
APARELHO
Data do Acordão: 10/19/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA COVILHÃ – 3º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS NºS 3, AL. A), E 4, DO ART. 153º DO CE
Sumário: No âmbito do Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool aprovado pela Lei nº 18/2007, de 17/05, a contraprova a que se referem os nºs 3, al. a), e 4, do art. 153º do CE terá que ser realizada em aparelho distinto do que foi utilizado no exame a que se refere o nº 1 da mesma disposição legal.
Decisão Texto Integral: I - RELATÓRIO

            1. No processo singular n.º 3/10.7PACVL do 3º Juízo do Tribunal Judicial da Covilhã, o arguido J…, devidamente identificado nos autos, foi absolvido da prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez p. e p. pelo artigo 292º/1 do Código Penal e pelo artigo 69º/1 a) do mesmo diploma, pelo qual havia sido acusado pelo Ministério Público.

           

            2. Inconformado, o Ministério Público recorreu da sentença absolutória, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição):

«1. No dia 27 de Fevereiro de 2010, pelas 02:27horas, na cidade da Covilhã, o arguido J… conduziu o veículo automóvel ligeiro de passageiros, na via pública, com uma TAS 2,13 g/l.

2. O arguido foi submetido ao exame quantitativo de pesquisa de álcool no ar expirado e contraprova no aparelho Drager — Alcotest 7110 MK III, aprovado pelo Instituto Português da Qualidade.

3. O arguido J… foi absolvido pela prática, como autor material, da prática de um crime de condução de veículo cm estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.°, n.° 1 e 69.°, n.° 1 alínea a) do Código Penal, por o tribunal a quo ter entendido que a contraprova realizada no mesmo aparelho onde o arguido tinha efectuado o exame quantitativo é inválida.

4. A nossa discordância relativamente à sentença recorrida diz respeito à validade da contraprova efectuada no mesmo aparelho onde o arguido tinha efectuado o primeiro sopro.

5. A realização do exame de contraprova no mesmo aparelho onde foi efectuado o exame quantitativo, desde que efectuado em aparelho aprovado pelo Instituto Português da Qualidade, não constitui meio de prova inválido.

6. Não decorre do artigo 153.°, n°s 3 e 4 do CE qualquer necessidade de que o aparelho onde é efectuado o primeiro sopro, e o aparelho onde é efectuado o sopro da contraprova, tenham de ser diferentes, mas apenas exige que seja aprovado.

7. Aprovação essa que é efectuada pelo Instituto Português da Qualidade por força do artigo 5.° da portaria 1556/2007, de 10.12.

8. Constituindo, por isso mesmo, um meio de prova válido a contraprova efectuada no mesmo aparelho do primeiro sopro.

9. O legislador, ao eliminar a disposição legal presente no artigo 3.°, n.°1 do Decreto-Regulamentar 24/98 de 20.10, que permitia que a contraprova fosse realizada pelo mesmo aparelho, quis deixar aberta a possibilidade da contraprova ser efectuada no mesmo aparelho ou em aparelho diferente consoante as circunstâncias do caso concreto, sendo a prova válida nos dois casos.

10. E se necessário for, por qualquer razão, que não diz respeito à obrigatoriedade de recorrer a aparelhos diferentes para o exame e a contraprova, mas por exemplo porque o aparelho deixou de funcionar ou não estão reunidas as condições espaciais para a realização da contraprova que existiam no momento do primeiro exame, o examinando pode ser conduzido a um local onde a contraprova possa ser efectuado (153.°, n.° 4 do CE).

11. As razões que subjazem à realização da contraprova não dizem apenas respeito à falta de fiabilidade do aparelho em que é realizado o primeiro exame, mas também à pessoa do próprio arguido e das suas capacidades para o exame, pelo que o legislador não exige que a contraprova seja em aparelho diferente.

12. E por outro lado, permite que a contraprova seja efectuada através de análise ao sangue para que o arguido possa dissipar quaisquer dúvidas quanto à fiabilidade do aparelho em que efectuou o primeiro exame.

13. Competindo sempre ao arguido escolher entre a realização da contraprova através de novo exame em aparelho aprovado ou através de análise ao sangue.

14. No caso sub judice, não ficou provada qualquer circunstância que pusesse em causa a fiabilidade do aparelho em que o arguido efectuou o primeiro exame.

15. O arguido é que escolheu efectuar a contraprova no mesmo aparelho em que tinha efectuado o primeiro exame em vez que requerer a análise ao sangue.

16. Assim, encontrando-se preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, deverá o arguido ser condenado pela prática desse crime de que vem acusado e na sanção acessória de inibição de condução.

17. Tendo o tribunal a quo, considerado que a realização do exame de contraprova no mesmo aparelho onde realizou o exame quantitativo é um meio de prova inválido, o mesmo violou o disposto nos artigos 292.°, n.° 1 e, consequentemente, 69.°, n.° 1 alínea a) do Código Penal, 125.° do Código de Processo Penal 153.°, n°s 3, alínea a), 4 e 6 do Código da Estrada e artigo 3.° da Lei 18/2007 de 17 de Maio.

18. Sofrendo, assim, a sentença de que se recorre, de erro notório na apreciação da prova, nos termos do artigo 410.°, n.° 2 alínea c) do CPP, ao ignorar que o arguido circulava influenciado pelo álcool como uma taxa de álcool no sangue de 2,13 g/l, ou seja, superior à legalmente permitida nos termos do artigo 292.° do Código Penal.

Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, considerando o meio de prova nos presentes autos, como válido, por a contraprova poder ser efectuada no mesmo aparelho do exame quantitativo, e, em consequência, ser revogada a decisão recorrida proferida em 1ª instância, sendo:

- modificada a decisão proferida sobre a matéria de facto dada como provada, acrescentando-se os seguintes factos provados:

· que o arguido, aquando da realização do 1.° sopro no aparelho quantitativo Drager - Alcotest 7110 MK III, aprovado pelo IPQ, acusou uma taxa de álcool no sangue de 2,20 g/litro.

· que o arguido, aquando da realização do 3.° sopro no aparelho quantitativo Drager — Alcotest 7110 MK III, aprovado pelo IPQ, acusou uma taxa de álcool no sangue de 2,13 g/litro.

· Que o arguido sabia ser-lhe proibida e punida por lei a sua conduta.          

- condenar o arguido pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez com a TAS de 2,13 g/l, previsto e punido pelo artigo 292.°, n.° 1 e 69.°, n.° 1 alínea a) do Código Penal, por não haver necessidade de produzir mais prova (artigo 431.°, alínea a) do CPP)».

            3. O arguido não respondeu a este recurso.

4. Admitido o recurso e subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido de que o recurso merece provimento, aderindo à posição do Colega de 1ª instância.

            5. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º 3, alínea c) do mesmo diploma.

            II – Fundamentação

            1. Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. artigos 119º, n.º 1, 123º, n.º 2, 410º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPP, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242 e de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271).

             Assim, atento o teor das conclusões, a questão a decidir consiste em saber se é de manter ou não a ABSOLVIÇÃO do arguido pela prática do crime imputado na acusação dos autos – um crime de condução de veículo em estado de embriaguez p. e p. pelos artigos 292º e 69º do C.Penal.

Ou seja, o que se discutirá é se estão ou não perfectibilizados os requisitos objectivos para a subsunção ao citado crime do comportamento do arguido, assente que o exame de contraprova para aferição da sua alcoolemia foi realizado no mesmo aparelho onde se fez a primeira medição.

            2. Da sentença recorrida

            2.1. O tribunal a quo considerou provados os seguintes factos:

«a) No dia 27 de Fevereiro de 2010, pelas 02.27 horas, na Avenida Frei Heitor Pinto, Covilhã, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula … .

b) Nessas circunstâncias foi o arguido submetido ao exame de pesquisa de álcool no ar expirado, no aparelho quantitativo Drager - Alcotest 7110 MK III.

c) O arguido declarou, então, querer contraprova, tendo efectuando novo sopro no referido aparelho.

d) O arguido agiu de forma livre, voluntária e conscientemente.

Mais se provou,

e) O arguido vive em casa própria.

f) Tem o 5º ano, como habilitações literárias.

g) O arguido aufere uma reforma mensal de € 740,00.

h) O arguido não tem averbado no seu registo criminal qualquer condenação».

2.2 São os seguintes os FACTOS NÂO PROVADOS:

«1. Que o arguido aquando da realização do 1º sopro no aparelho mencionado em b) acusou uma taxa de álcool no sangue de 2,20 g/litro.

2.Que o arguido aquando da realização do 2.° sopro no aparelho mencionado em b) acusou uma taxa de álcool no sangue de 2,13 g/litro.

3. Que o arguido sabia ser-lhe proibida e punida por lei a sua conduta».

2.3. O tribunal recorrido fundamentou a sua convicção nos seguintes termos (transcrição):

«Quanto aos factos provados:

O Tribunal fundou a sua convicção no conjunto da prova produzida em audiência de julgamento, analisando-a global e criticamente, segundo as regras da experiência comum e
segundo a livre convicção do julgador, nos termos do art. 127º do Código de Processo Penal.

Considerou o Tribunal o depoimento da testemunha M…, agente da PSP, que fiscalizou o arguido e lhe fez os testes supra mencionados, descrevendo de forma séria e isenta as circunstâncias de tempo e lugar em que os factos ocorreram, confirmando todo o acervo factual dada como provado, designadamente que a contraprova foi feita no mesmo aparelho.

Quanto às condições socioeconómicas e pessoais do arguido atendeu-se às suas declarações.

No que concerne à ausência de antecedentes criminais atendeu-se ao CRC junto a fls. 17.

Quanto aos factos não provados:

No que concerne à taxa de álcool ateve-se o Tribunal à invalidade da contraprova realizada, posto efectuada no mesmo aparelho que serviu ao 1º sopro, pelas razões que passámos a referir.

A exigência de realização da contraprova em aparelho diferente do usado no 1º exame não vem expressa no art.° 153.° do CE, o que tem dado azo a diferentes posições jurisprudenciais.

Com efeito, entendem alguns (entre outros, cfr. Ac. da RP de 04.11.2009, Relator: José Piedade, disponível para consulta em www.dgsi.pt) que nada no texto permite a interpretação de que “prova” e “contraprova” têm de ser obtidas através de utilização de aparelhos de medição distintos, muito menos que a utilização do mesmo aparelho constitua “um método proibido de prova” e determine a nulidade da prova assim obtida”.

Para outros, diga-se, a maioria, tal prova assim obtida, contraprova realizada no mesmo aparelho em que se realizou o 1º exame, é inválida (cfr., entre outros e a título meramente exemplificativo, os Acs. RP de 08.07.2009, Relator: Paulo Valério e de 09.12.2009, Relator: Paula Guerreiro e na RC de 18.02.2009, Relator: Vasques Osório e de 28.01.2010, Relator: Esteves Marques, Ac da RL de 13.1.2009, Relator: Vieira Lamim e Ac RE de 10.12.2009, Relator: Ana Bacelar, todos disponíveis naquele mesmo site).

Analisados os argumentos aí esgrimidos, propendemos para a 2ª posição.

Com efeito, decorre do art.° 153.°/3, do CE, que a contra-prova deve ser realizada por um dos seguintes meios, de acordo com a vontade do examinando:

a) novo exame, a efectuar através de aparelho aprovado;

b) análise do sangue.

O n.° 6, do citado diploma legal, prescreve que O resultado da contra-prova prevalece sobre o resultado do exame inicial.

Por sua vez, o art.° 1º da Lei n° 18/2007, de 17 de Maio, sob a epígrafe “Detecção e quantificação da taxa de álcool” dispõe que:

“1- A presença de álcool no sangue é indiciada por meio de teste no ar expirado, efectuado em analisador qualitativo.

2 - A quantificação da taxa de álcool no sangue é frita por teste no ar expirado, efectuado em analisador quantitativo, ou por análise de sangue”.

3 - A análise de sangue é efectuada quando não for possível realizar o teste em analisador quantitativo.

E o art.° 2.° (Método de fiscalização) que “1 - Quando o teste realizado em analisador qualitativo indicie a presença de álcool no sangue, o examinado é submetido a novo teste, a realizar em analisador quantitativo, devendo, sempre que possível, o intervalo entre estes dois testes não ser superior a trinta minutos. 2 - Para efeitos do disposto no número anterior, o agente da entidade fiscalizadora acompanha o examinado ao local em que o teste possa ser efectuado, assegurando o seu transporte, quando necessário’:

Ainda, para o que agora interessa, dispõe o Artigo 3° (Contraprova) que «Os métodos e equipamentos previstos na presente lei e disposições complementares, para a realização dos exames de avaliação do estado de influenciado pelo álcool, são aplicáveis à contraprova prevista no n° 3 do art. 153° do Código da Estrada.».

Da conjugação do que vem dito nos citados preceitos legais, conclui-se que se o resultado do exame de pesquisa de álcool no ar expirado for positivo, o examinando deve ser notificado do mesmo, das respectivas sanções legais e de que pode requerer, de imediato, a realização de contraprova. E, neste último caso, o examinando pode escolher que a mesma se realize através de aparelho aprovado ou análise de sangue.

A contraprova é, como se vem defendendo nos arestos citados, uma garantia de defesa do arguido.

É um meio pelo qual o examinando pode impugnar o resultado apresentado pelo aparelho utilizado no primeiro teste qualitativo. A utilização do mesmo analisador na contraprova não daria quaisquer garantias contra a eventual falta de fiabilidade do aparelho, de cujo resultado o examinando desconfia. Só a utilização de outro aparelho cert7icado para o efeito poderá confirmar (afastando eventuais duvidai), ou não, o resultado anteriormente obtido (cfr. Ac. RL de 13.10.2009, supra mencionado).

Outro argumento onde se vem apoiando tal posição é a alteração da redacção do n° 1 do art. 3° do Decreto-Lei n° 24/98, de 30 de Outubro.

Com efeito, tal diploma, que regulamentou a condução sob o efeito do álcool até 15 de Agosto de 2007 e que foi revogado pela citada Lei 18/2007, de 17 de Maio, previa no seu art. 3°, n° 1, a possibilidade de a contraprova referida na alínea a), do n° 3, do art. 159°, do C. da Estrada [na redacção anterior à do Dec. Lei n° 44/2005, de 23 de Fevereiro, e que era idêntica à do actual art. 153°, n° 3, a), do C. da Estradal, poder ser efectuada no mesmo analisador, se não fosse possível recorrer a outro, no prazo máximo de quinze minutos após a realização do primeiro teste.

Ora, no actual Regulamento de Fiscalização da Condução sob influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas, como vimos, não há norma idêntica, o que aponta no sentido da conclusão já vertida, ou seja, de não ser hoje possível a realização da contraprova no mesmo alcoolímetro onde foi efectuado o primeiro exame de pesquisa de álcool.

Por fim, dois outros argumentos esgrimidos sustentando a mesma posição, quais sejam:

- a redacção do n° 4, do art. 153°, do C. da Estrada, onde se refere que optando o examinando pelo novo exame, deve o mesmo de imediato ser a ele sujeito e para tal efeito, conduzido, se necessário, ao local onde o novo exame possa ser efectuado. Parece-nos que a lei ao prescrever a necessidade de conduzir o examinando ao local onde possa fazer a contraprova só pode derivar de, no local, não existir em funcionamento, outro aparelho aprovado o que implica que a contraprova não possa ser efectuada no mesmo alcoolímetro.

- a presunção consagrada no n.° 3 do art.° 9.° do CC, consistente no facto de o legislador consagrar as soluções mais acertadas e saber exprimir o seu pensamento de forma adequada. Donde, outra não poderá ser a conclusão que a já exprimida.

Regressando ao nosso caso, e constatando-se que o arguido realizou o exame da contraprova no mesmo aparelho onde realizou o exame, em violação do art.° 153.°/3/a) e 4 do C. da Estrada, tal resultado não pode ser valorado como meio válido de prova.

De igual forma, não se valorou o resultado do 1º exame realizado ante o disposto no n.° 6 do citado preceito legal.

Donde, inexiste prova por exame no que respeita à TAS.

Por fim, e não obstante o exposto, não acompanhámos a posição do arguido quanto à subsunção da situação no elenco das nulidades, já que o exame para a quantificação da taxa de álcool no sangue é um meio de obtenção de prova (art.° 171.° do CPP), admissível ante o disposto no art.° 125.° do CPP, prova essa que é apreciada segundo os termos consignados no art.° 127.°, daquele diploma legal.

A prova obtida nos termos consignados não é nula, por não haver norma expressa (cfr. art.° 118.° e 119.° do CPP) e não caber no art.° 126.° do CPP, é, repete-se inválida, não podendo, como é, ser valorada».

3. APRECIAÇÃO DE DIREITO

           

3.1. Defende a sentença recorrida que o exame de contraprova da alcoolemia poderá ser feito em aparelho diverso daquele onde foi feita a 1ª medição.

Discorda o MP recorrente, entendendo que nada obriga que tal medição tenha de ser feita em aparelho diferente.

Vejamos, assente que a decisão sobre esta questão tem sido controvertida nos nossos tribunais, nomeadamente nos Tribunais da Relação, encontrando-se defendida ambas as posições.

Nesta Relação tem sido defendida a bondade da tese expendida na sentença recorrida (cfr. Acórdãos de 18/2/2009 in P. 166/08.1PAPBL:C1, de 8/10/2008 in P. 39/08.8GCGRD.C1 e de 10/3/2010 in P. 97/09.8GBTCS.C1).

Registamos também nesse sentido os Acórdãos da Relação do Porto de 9/12/2009 in P. 197/09.4PAESP.P1 e da Relação de Lisboa de 13/10/2009 in P. 79/08.7PEOER.L1-5, todos consultados em www.dsgsi.pt.

No sentido da posição do MP recorrente, registamos apenas o Acórdão da Relação do Porto por si citado nas suas alegações – o de 4/11/2009 in P. 343/09.8PBMTS.P1 (note-se que o Acórdão desta Relação datado de 30/1/2008, citado a fls 37, não é explícito na defesa dessa tese, tanto mais que o seu relator – Vasques Osório - acaba por assinar um outro, posterior, defendendo a tese da sentença recorrida, precisamente o de 18/2/2009 atrás identificado[1]).

3.2. Para defesa da tese do tribunal recorrido não precisamos de fazer uma análise legal e doutrinária muito profunda, havendo pouco a adiantar aos valiosos argumentos avançados pelos doutos Acórdãos em causa.

Diremos apenas que:

A concreta taxa de alcoolemia de que o arguido vem acusado resultou não de um concreto e preciso conhecimento do arguido, mas de dois exames feitos pela mesma máquina cujo resultado é o descrito.

Resulta inequivocamente que o arguido requereu a contraprova à análise de TAS, mediante o alcoolímetro de mediação de ar expirado, a qual foi realizada no mesmo aparelho.

Não obstante o arguido ter assinado a notificação que consta dos autos a fls. 6, onde são explicados “todos” os direitos e deveres, não lhe é aí referido que a contraprova ia ser feita no mesmo aparelho.

O Decreto Regulamentar nº 24/98, de 30/10 estabelecia no art. 3º, nº 1, que a contraprova a que se refere a al. a) do nº 3 do art. 159º do CE era efectuada em analisador quantitativo, no prazo máximo de 15 minutos após a realização do primeiro teste, podendo para o efeito ser utilizado o mesmo analisador, caso não fosse possível recorrer a outro no mesmo prazo.

Em 15/08/2007 entrou em vigor o Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas, aprovado pela Lei nº 18/2007, de 17/05.

O regime actualmente vigente não contém norma idêntica à do art. 3º, nº 1 do Decreto Regulamentar nº 24/98, pretendendo com isso afastar a possibilidade de que a contraprova fosse efectuada no mesmo analisador (não nos merecendo, nessa medida, concordância a conclusão n.º 9 do recurso do MP).

A realização da contraprova prende-se essencialmente com a necessidade de dar oportunidade à defesa de se resguardar de um hipotético defeito do aparelho e por isso não faz sentido que aquela seja realizada no mesmo analisador[2].

É certo que o condutor pode requerer que a contraprova seja realizada através de análise ao sangue (art. 153º, nº 3, al. b) do CE), mas tal não lhe pode ser imposto, visto a lei dar a possibilidade de optar por qualquer um dos meios.

Se não houver um segundo aparelho aprovado no local do exame, a contraprova terá que ser realizada onde o mesmo se encontre.

O que é lógico: o aparelho onde foi realizado o exame está no local e é necessariamente um aparelho aprovado e por isso, se fosse intenção do Legislador que a contraprova se realizasse nele, não determinaria que o condutor fosse conduzido a local diverso para a realizar.

Retira-se daqui que o legislador, tendo em vista a defesa do condutor, determina que a contraprova se realize em aparelho diverso do utilizado no exame.

Acresce que ao ampliar de quinze para trinta minutos o intervalo entre o exame e a contraprova (como claramente resulta da conjugação dos arts. 3º e 2º, nº 1 da Lei nº 18/2007, de 17/05, comparativamente com o art. 3º, nº 1 do Decreto Regulamentar nº 24/98, de 30/10), o legislador veio facilitar a utilização de um segundo aparelho que não se encontre no local.

Pelas razões expostas, tem que se entender que no âmbito do Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool aprovado pela Lei nº 18/2007, de 17/05, a contraprova a que se referem os nºs 3, al. a), e 4, do art. 153º do CE terá que ser realizada em aparelho distinto do que foi utilizado no exame a que se refere o nº 1 da mesma disposição legal[3].

Se assim não fosse, em vez de uma contraprova, estávamos mais no âmbito de uma repetição do exame do que uma contraprova.

O resultado da contraprova prevalece sobre o resultado do exame inicial.

Apresentando o arguido uma TAS de 2,20 g/l no exame que lhe foi feito ao abrigo do disposto no nº 1 do art. 153º, mas tendo requerido a contraprova, seria o valor medido por esta que relevaria para efeitos da taxa de alcoolemia.

A contraprova foi efectuada fora das condições impostas por lei, e como tal é inválida por ilegal. Logo, o resultado prevalecente da contraprova não foi apurado, porque ilegal, e por isso, afastado que foi o valor do exame inicial, há que concluir que não ficou provada a TAS com que o arguido conduzia.

Nos autos nada é dito sobre a impossibilidade do arguido poder recorrer a outro aparelho para efectuar a contraprova.

E quem sabia se existia ou não outro aparelho disponível era a autoridade policial fiscalizadora, pois é ela a detentora dos aparelhos, e de duas uma: ou não tinha outro aparelho e então tinha de conduzir o arguido ao local onde este se encontrasse, ou tinha outro aparelho a distância superior a 30 minutos (arts. 3º e 2º, nº 1 da Lei nº 18/2007, de 17/05), e aí a autoridade policial tinha a obrigação de informar o arguido desse facto, a fim de ele conscientemente poder optar quanto à eventualidade da realização de pesquisa de álcool através de recolha de sangue.

O que não sucedeu.

Toda a actividade da autoridade policial seja administrativa ou não, e de fiscalização ou não, está sujeita ao princípio da legalidade (só pode fazer o que a Lei permite), qualquer acto realizado pela administração que não seja a coberto da Lei é ilegal, e mais o é se no âmbito da actividade sancionatória da administração ou no âmbito da actividade de investigação criminal ou contra-ordenacional.

Donde, qualquer acto praticado por um agente da autoridade pública, fora das condições em que a Lei o autoriza é ilegal.

Tendo sido usado o mesmo aparelho para efectuar a contraprova, violou-se a lei, o que no caso se traduz em considerar que a contraprova efectuada foi-o fora das condições permitidas legalmente, logo não válida.

Do mesmo modo, não dando conhecimento ao arguido das condições em que ia ser feito o exame (no mesmo aparelho), o arguido não foi devidamente esclarecido sobre a sua opção com vista à sua defesa, não tendo por isso exercido uma vontade esclarecida.

Mais que o dever do arguido, existe o dever do agente de autoridade em não praticar um acto que sabe não lhe ser permitido e cujo desconhecimento por parte do arguido impedem-no de um eficaz exercício do direito de defesa e ao arguido (não nos esqueçamos que o processo criminal deve assegurar todas as garantias de defesa – art. 32º, nº 1 da CRP).

Não tendo sido observados os requisitos legais não pode a contraprova ser considerada válida.

As provas obtidas mediante a violação de direitos não podem ser levadas em conta no processo, mesmo que assim seja sacrificada a obtenção da verdade material. Como salienta o Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, 102, o Código não considera a busca da verdade como um valor absoluto, e por isso não admite que a verdade seja procurada através de quaisquer meios, mas só através de meios justos, ou seja, de meios legalmente admissíveis – in M. Gonçalves, CPP, 16ª Ed., págs. 303 e 304.

“As provas obtidas ilegalmente não podem ser utilizadas como prova, sendo o recurso a elas um erro de Direito” (Maia Gonçalves), e são insanáveis (Acórdão STJ 05/06/1991, BMJ 408/405).

Não sendo já possível determinar a realização da contraprova, mais não resta do que concluir que não se provou um dos elementos objectivos do crime pelo qual o arguido vem acusado.

Por isso, foi bem absolvido o arguido, esperando-se que para o futuro, e a fim de evitar insanas impunidades, as nossas Polícias saibam aplicar a lei, recorrendo sempre a um 2º aparelho para uma possível contraprova, e sobretudo esclarecendo os autuados sobre as condições da contraprova.

Improcede, pois, o recurso intentado.

III – DISPOSITIVO

           

Em face do exposto, acordam os Juízes da 5ª Secção - Criminal - desta Relação em negar provimento ao recurso, mantendo na íntegra a sentença recorrida.



            Sem custas (atenta a isenção do recorrente).


Paulo Guerra (RELATOR)
Vieira Marinho


[1]«I - A lei, ainda que nunca o afirme de forma directa, inculca que a contraprova realizada através de novo exame, deverá ser feita num outro aparelho, porquanto a alínea a), do nº 3, do art. 153º, do C. da Estrada, se refere a novo exame, a realizar através de aparelho aprovado. Daí que, se o exame de pesquisa de álcool previsto no nº 1 do artigo citado tem que ser feito em aparelho aprovado para o efeito e se o novo exame [o da contraprova] pudesse ser feito no mesmo aparelho, se tornava desnecessária a menção no nº 3 a aparelho aprovado.
II – O Dec. Regulamentar 24/98, de 30 de Outubro, que regulamentou a condução sob o efeito do álcool até 15 de Agosto de 2007 [apenas foi revogado pela Lei 18/2007, de 17 de Maio, que aprovou o actual Regulamento de Fiscalização da Condução sob influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas], previa no seu art. 3º, nº 1, a possibilidade de a contraprova referida na alínea a), do nº 3, do art. 159º, do C. da Estrada [na redacção anterior à do Dec. Lei nº 44/2005, de 23 de Fevereiro, e que era idêntica à do actual art. 153º, nº 3, a), do C. da Estrada], poder ser efectuada no mesmo analisador, se não fosse possível recorrer a outro, no prazo máximo de quinze minutos após a realização do primeiro teste. Porém, não se encontrando no actual Regulamento de Fiscalização da Condução sob influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas, norma idêntica teremos que concluir não ser hoje possível, ao menos como princípio, a realização da contraprova no mesmo alcoolímetro onde foi efectuado o primeiro exame de pesquisa de álcool (cfr. Acs. da R. de Coimbra de 10 de Dezembro de 2008, proc. nº 288/07.6GTAVR.C1 e da R. do Porto de 20 de Abril de 2008, proc. nº 0810062, in, http://www.dgsi.pt).
III - A contraprova efectuada através de novo exame realizado no mesmo analisador quantitativo em que havia sido efectuado o primeiro exame de pesquisa de álcool, traduz-se em obtenção de prova de forma não válida, por violação do disposto no artigo 153º, nºs 3, a) e 4, do C. da Estrada».
[2] A contraprova destina-se, como é evidente, e infirmar o resultado apurado no exame de pesquisa de álcool no ar expirado. Ela pode ser feita através de novo exame, ou através de análise ao sangue, cabendo a escolha ao examinando.
Na questão sub judice, o arguido, como consta do auto de fls. 6 e verso, optou pela realização da contraprova através de novo exame pelo que apenas sobre esta modalidade de contraprova nos debruçaremos.
«A desconfiança do examinando relativamente ao resultado dado pelo exame de pesquisa de álcool no ar expirado pode ter diversos fundamentos que vão desde o erro de procedimento na utilização e manipulação do aparelho por parte do agente da autoridade, até à avaria do aparelho, que leva ao seu deficiente funcionamento relativamente às medições que efectua. Ora, se na primeira situação seria aceitável que a contraprova fosse efectuada no mesmo aparelho – posto que agora a sua utilização e manipulação fosse já a correcta – já o mesmo não sucede na segunda. Com efeito, se o aparelho, suspeita o examinando, está avariado, que certeza pode ser dada pela realização de novo exame no mesmo? Obviamente que nenhuma.
E a lei, ainda que nunca o afirme de forma directa, parece hoje pressupor que a contraprova realizada através de novo exame, deverá ser feita num outro aparelho» (cfr. Acórdão desta Relação de 18/2/2009).

[3]Demos a palavra ao Acórdão da RL de 13/10/2009, acima identificado:
« Na citada alínea a) do nº3, não se menciona expressamente que o novo exame tenha de ser feito em aparelho diverso do utilizado no primeiro exame, exigindo apenas que seja utilizado “aparelho aprovado”. Exigência que não fará muito sentido caso se entenda que a contraprova possa ser feita no mesmo aparelho utilizado no primeiro exame, o qual pressupõe ser um “aparelho aprovado”.
Daquela alínea só se pode tirar uma conclusão, porque é esse o único sentido da norma: tal como no primeiro teste quantitativo, também na contraprova só podem ser utilizados aparelhos previamente aprovados.
A revogação da anterior norma do art.3, nº1, do Dec. Reg. 24/98, conjugada com o teor do actual nº 4 do art. 153, do CE conduzem-nos à conclusão de que o legislador quis arredar de vez aquela situação excepcional em que podia ser utilizado o mesmo aparelho na contraprova, passando a observar-se sempre a regra, agora sem excepções: a contraprova tem de ser efectuada num outro aparelho, também aprovado.
A não ser assim, não se compreenderia, ainda, a alusão da parte final daquele nº4, onde se diz que o examinando será conduzido, se necessário, “a local onde o referido exame possa ser efectuado”. Se na contraprova pudesse ser utilizado o mesmo aparelho que havia sido utilizado no primeiro teste, nunca seria necessária a deslocação a outro local, pois o aparelho estava ali, no local do exame.

A contraprova é uma garantia de defesa do arguido, um meio pelo qual o examinando pode impugnar o resultado apresentado pelo aparelho utilizado no primeiro teste quantitativo. A utilização do mesmo analisador na contraprova não daria quaisquer garantias contra a eventual falta de fiabilidade do aparelho, de cujo resultado o examinando desconfia. Só a utilização de outro aparelho certificado para o efeito poderá confirmar (afastando as eventuais dúvidas), ou não, o resultado anteriormente obtido».